segunda-feira, 23 de julho de 2012

Mano Brown reassume posto de comando, com Marighella

Atenção, está no ar a rádio libertadora! Nem o filme, nem o videoclipe precisaram de estrearem para a música Marighella, provocar críticas, ocupar espaços em revistas e jornais e causar pânico na playboyzada. Não é pra menos. A combinação letal de Mano Brown e Marighella da resposta a um verso entoado a anos como um mantra: “Precisamos de um líder negro de crédito popular”. Por Toni C.* Mano Brown assistiu ao filme inteiro três vezes, gostou, não quis cobrar um centavo pelo trabalho. A trilha sonora inédita de encerramento do documentário que estréia em outubro, dirigido por Isa Ferraz, sobrinha de Carlos Mariguella é um soco seco no estomago de quem devora caviar. Coisas do Brasil super-herói mulato “Você não está fazendo este filme para seus pares, quem precisa de heróis é minha gente”, Mano Brown falou à sobrinha do líder guerrilheiro. A música virou hit na internet. Um frame do vídeoclipe dirigido por Juliana Vicente onde aparece Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue, KL Jay e Dexter ambientados em 1972 com trajes e armados como num aparelho de resistência guerrilheira, se espalhou rapidamente pelas redes sociais como se fosse um panfleto subversivo em plena ditadura. Reaja ao revés, seja alvo de inveja irmão Os mais raivosos tenta insulta-lo de todas as formas: “tanto ele [Mano Brown] como Lula queriam ser brancos de olhos azuis”, “apedeutas”, ”suas rimas sem-teto e sem-verso”, ”apóstolo do ódio, pastor de bandidos que vive a cantar grunhidos para platéias de primitivos” foram comentários que lí no site da revista de maior circulação do país, também a mais mentirosa e nojenta. Não causa surpresa os comentários quando agente conhece a relação desta revista com o grupo de mídia racista que apoiou o Apartheid na Africa do Sul. Entre as ofensas direcionada ao líder do Racionais Mc’s e de quebra servem a todo rapper, pobre, preto ou morador de periferia que contraria as estatísticas está este comentário veridico: “Mano Brown é o Marighella da atualidade”. Brown comenta as semelhanças: ”Alguém me falou também que em algum detalhe ele parecia comigo. Na luta dele, na idéia. Somos os dois filhos de preto com italiano e minha família também vem da Bahia.” Presta atenção que sucesso em excesso é cão O Racionais Mc’s se apresentou num festival internacional e publicaram no dia seguinte: “Como um soco na cara, surgiu nos telões a imagem da carteira de afiliação de Carlos Marighella ao PCB. Ao lado de seu rosto, a foice e o martelo ardiam impiedosamente nas vistas de um festival que representa tudo, menos o comunismo.” Pânico na Zona Sul foi a carta de convocação para os guerreiros na periferia na década de 90. A música Marighellla é o Manual do Guerrilheiro Urbano quatro décadas depois. Indigesto como o sequestro do Embaixador No desbaratino eles chamam Luiz Carlos Marighella de arranca pernas, corta cabeças. Nossa saga tem sido contar cabeças e precisamos cada vez mais de gente cabeça. Corta-cabeças é Moreira César, que morreu quando achou que poderia destruir Canudos. A gravação do videoclip na ocupação Mauá levou força e esperança para os moradores que lutam por um teto. “Aqui é como se fosse a unha encravada da cidade um problema que eles não tem sensibilidade de resolver como deveria.” Disse Mano Brown se referindo a ocupação Mauá, no centro de São Paulo, mas poderia muito bem estar falando sobre a Favela do Moinho, Sarau do Binho, Morro dos Macacos ou ao Pinheirinho, alvos da especulação imobiliária. “Não é o povo deles que está aqui que vai ser despejado e vai morar nas ruas” Brown morô a luta de classes. No mesmo período Emicida é detido em Belo Horizonte após um show quando se manifestou com sua música “Dedo na Ferida” em favor das famílias despejadas na ocupação Eliana Silva. Quero ver você trocar de igual A revista racista questiona: “e o direito da propriedade privada garantido na Constituição brasileira?” Aí é necessário lembra-los que esta mesma Constituição, exige o cumprimento da função social da propriedade. Ah! também estabelece, na condição de direito fundamental, o direito social à moradia. Então viva a constituição! Estava finalizando este artigo, quando recebi a visita ilustre de Milton Sales. O ex-produtor do Racionais acompanhado com Amaral Du Corre, ambos moradores da favela do Moinho, vítima de um incendio criminoso as vésperas do natal. Em janeiro, o ato em solidariedade aos moradores do Moinho foi palco de um reencontro entre Mano Brown que apresentou Milton Sales como seu mentor. ”Deus não lotiou e vendeu terra no sétimo dia. Como que o cara fala que é dono? Dono do que meu irmão?” discursou Milton no campo de terra no centro da favela. Perguntei ao Miltão sobre a música Marighella. Ele acompanhou as gravações do videoclipe na ocupação Mauá e resume o que viu numa frase: “Mano Brown foi fino, tudo o que espero dele é aquela postura que ele assume com a música e o vídeoclipe Marighella”. Concordei, artilheiro não deve jogar na zaga. A postos ao meu general, reconduzido ao posto de comando. Aplausos é pra poucos *Texto originalmente publicado na Revista RAP NACIONAL N°5.

Declaração final do 18º Encontro do Foro de São Paulo

Os povos do mundo, contra o neoliberalismo e pela paz Foro de São Paulo, 4-6/7/2012, Caracas, Venezuela http://www.alainet.org/active/56298&lang=es 1. O 18º Encontro do Foro de São Paulo, reunido em Caracas, dias 4, 5 e 6 de julho de 2012, acontece em meio a forte crise estrutural do capitalismo, acompanhada da disputa por espaços geopolíticos e geoestratégicos, a emergência de novos polos de poder, ameaças contra a paz mundial e a agressividade militar e ingerencista do imperialismo que tenta reverter o próprio declínio. Adicionalmente, à crise econômica deve-se somar a ambiental, a energética e a crise de alimentos, assim como a crise dos sistemas de representação política. Todas estas situações exigem uma firme resposta dos povos latino-americanos e caribenhos e uma eficaz atuação das forças progressistas, populares e de esquerda. 2. A crise econômica mundial está muito longe de ser superada. os responsáveis por dirigir as instituições financeiras internacionais seguem presos ao dogma neoliberal. O efeito da contração da economia nos EUA e a paralisia do motor europeu, já se manifestam em vastas regiões, inclusive na pujante economia chinesa. A região latino-americana e caribenha não escapa do impacto negativo da crise mundial, embora as políticas econômicas e sociais de boa parte dos governos da região tenham impedido impacto maior da crise. 3. Enquanto em regiões como Europa e Estados Unidos, o neoliberalismo segue sendo fundamento ideológico da política econômica, com suas políticas de austeridade permanente e prioridade para o capital financeiro, na América Latina as forças progressistas e de esquerda dirigem os destinos de uma parte importante das nações da área e lançam iniciativas que têm permitido superar em alguma medida “a longa noite neoliberal”, que destroçou planos sociais de grande envergadura. Nossos governos vêm obtendo êxitos indiscutíveis na luta contra a pobreza e impulsionando como nunca antes o processo de integração. O desafio é seguir insistindo e aprofundando as mudanças nas atuais condições de agravamento da crise. 4. Ao crescimento das forças democráticas, populares, progressistas e de esquerda na América Latina e Caribe, a direita e o imperialismo respondem de diversas formas, dentre outras com a agressão sistemática pelo governo de Estados Unidos, a manipulação e criminalização das demandas sociais, para gerar enfrentamentos violentos e uma contraofensiva golpista. 5. Deve-se considerar que: na Bolívia houve tentativas de golpe e uma de magnicidio, além do motim policial que recentemente foi derrotado pela ação dos movimentos sociais; em 2002, o presidente Chávez foi mantido fora do poder por 47 horas; em junho de 2009, o Presidente Zelaya foi deposto; em setembro de 2010, houve tentativa de golpe de Estado no Equador que não se consolidou graças à imediata mobilização do povo equatoriano e à rápida atuação da comunidade internacional. Há apenas poucas semanas, o Presidente paraguaio, Fernando Lugo, foi derrubado. O golpe de Honduras e a deposição de Fernando Lugo mostram que a direita está disposta a utilizar vias violentas e a manipulação das vias institucionais para derrubar governos que não sirvam aos seus interesses. 6. Em todos os casos, a direita desencadeou ampla campanha mediática instrumentada internacionalmente mediante poderosos consórcios comunicacionais. A atitude dos meios de comunicação da direita é tema recorrente da agenda política regional. Grandes corporações desenvolvem planos de desestabilização e movimentam-se como fatores de poder, capazes de colocarem-se acima dos poderes públicos que emanam do sufrágio universal. Grandes empresas mediáticas desafiam dia a dia a democracia e suas instituições. Esse talvez seja um dos maiores desafios que os governos da esquerda têm a enfrentar: democratizar a comunicação. 7. Ao mesmo tempo, recentemente se registraram vitórias eleitorais significativas, como a de Dilma Rousseff no Brasil, Daniel Ortega na Nicarágua, Cristina Fernández de Kirchner na Argentina e de Danilo Medina na República Dominicana, triunfos contundentes que falam do avanço das forças progressistas e de esquerda. 8. As Presidentas Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, com o Presidente José Mujica, há poucos dias, decidiram suspender do MERCOSUL o governo golpista de Paraguai até que seja restaurada a democracia naquele país; ao mesmo tempo, aprovaram a incorporação da Venezuela como membro pleno do bloco político e econômico mais importante desta parte do mundo. 9. Deve-se prever que a incorporação do Equador ao Mercado Comum do Sul seja aprovada em tempo relativamente curto , com o que se cria nova realidade. Com a incorporação da Venezuela, o bloco do sul ganha saída para o Pacífico e já está no Caribe. 10. Assim, os Chefes de Estado dos países que integram a Comunidade Andina de Nações tentam dar um salto na trilha da integração, embora tenham de superar enormes dificuldades. 11. Por outra parte, a Aliança Bolivariana dos Povos de Nuestramérica, ALBA, vem conjugando políticas econômicas comuns como o Sucre [moeda], o Fundo de Reservas, Petrocaribe e, recentemente, seus Presidentes decidiram criar uma zona econômica ALBA, que marca um novo momento nesse esforço para integrar Antigua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Equador, Dominica, Nicarágua, San Vicente e as Granadinas, e Venezuela. 12. A ampliação dos esforços da União de Nações Sul-americanas, UNASUL, surpreende e dá alento renovado. Um conjunto de iniciativas integradoras foram postas em andamento, como a construção de uma política de defesa na qual se vinculam a defesa do desenvolvimento e a preservação da América Latina como zona de paz, livre de armamento nuclear. Ao mesmo tempo, registram-se avanços na construção de uma nova arquitetura econômica que parta do critério da complementaridade, cooperação, respeito à soberania e à solidariedade. 13. Com a reunião constitutiva da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, CELAC, realizada em Caracas, em dezembro de 2011, marca-se um ponto de inflexão no processo integrador. O acordo subscrito marca o início de um programa de trabalho que busca os pontos de encontro que põem em destaque a necessidade de unidade, dado que todos reconhecem que os grandes problemas comuns só têm saída com a integração. 14. Por outra parte, ante o fracasso da Área de Livre Comércio das Américas, ALCA, e os limitados sucessos dos Tratados de Livre Comércio bilaterais, o imperialismo busca debilitar os mecanismos de integração latino e sul-americanos, impulsionando a Aliança do Pacífico. 15. A integração tem base política, responde a uma realidade em mutação; e tem base material, que são as forças produtivas e os recursos naturais abundantes e diversos, os bosques, o petróleo, minerais de todo tipo, terras raras, o gás, amplas extensões de terra para o cultivo e a criação de animais, e, o mais importante, a integração conta com a diversidade cultural e humana de mais de 500 milhões de pessoas. O processo de integração deve buscar políticas comuns para o manejo e uso soberano dos recursos naturais – o que inclui a defesa da água e o reconhecimento de que essa defesa é direito humano fundamental. 16. Um tema transcendente, que faz parte da agenda do Foro de São Paulo, é a necessidade de contar com uma política comum de desenvolvimento sustentável, com ciência e tecnologia, desenvolvimento humano inclusivo, com prioridade para as mulheres, a infância e a juventude. 17. Devido à magnitude dos recursos naturais renováveis e não renováveis que existem em nossa região, temos que reforçar a defesa do meio ambiente, empreender uma via de desenvolvimento industrial, tecnológico e científico de grande envergadura e fazer respeitar os direitos dos povos originários e seu direito a serem ouvidos em consulta. 18. A direita tenta apropriar-se simbolicamente do discurso em defesa do meio ambiente, esquecendo as políticas neoliberais de depredação da Mãe Terra e a dívida ambiental que o capitalismo tem com o mundo. Há intensa luta pelo controle dessas riquezas. 19. Os partidos de esquerda, populares, progressistas e democráticos do Foro de São Paulo reafirmam seu apoio às relações de amizade, fraternidade, cooperação solidária, integracionista e de absoluto respeito à soberania dos países, que o governo da República Bolivariana de Venezuela promove. Nessa linha, rejeitam firmemente as infundadas acusações de intervencionismo/ingerencionismo que o ilegítimo governo do Paraguai formulou contra do Chanceler Nicolás Maduro. 20. Os desafios táticos e estratégicos do Foro de São Paulo são enormes. Para enfrentá-los com êxito, contamos com a força manifestada pelo comparecimento a esse 18º Encontro, do qual participam 800 delegados e delegadas, provenientes de 100 partidos e organizações de 50 países dos cinco continentes. 21. Durante os dias 4, 5 e 6 de julho, essa potente delegação cumpriu dezenas de atividades, entre as quais se destacam: as reuniões das Secretarias Regionais do Cone Sul, Andino-Amazónica e Meso-América e o Caribe; as oficinas temáticas de Afrodescendentes; Autoridades Locais e Subnacionais; Defesa; Democratização da Informação e da Comunicação; Fundações, Escolas ou Centros de Capacitação; Meio Ambiente e Mudança Climática; Migrações; Movimentos Sindicais; Movimentos Sociais e poder popular; Povos originários; Seguridade Agroalimentar; Seguridade e Narcotráfico; Trabalhadores de Arte e Cultura; União e integração Latino-americana e Caribenha. O I Encontro das Mulheres, o IV Encontro das Juventudes, o 2º Seminário sobre Governos Progressistas e de Esquerda, e o Seminário sobre Paz, Soberania Nacional e Descolonização. 22. A relatoria de cada uma dessas reuniões e atividades, os respectivos resolutivos, o Documento Base, assim como as moções e a Declaração Final serão publicadas nos Anais do 18º Encontro. Entre estas resoluções, há alguns temas que aqui destacamos. 23. Os partidos membros do Foro de São Paulo, de esquerda, progressistas e anti-imperialistas reconhecem que: a presença e participação das mulheres nos diferentes setores da sociedade, incluindo os partidos, são imprescindíveis para seu fortalecimento, crescimento e desenvolvimento. Não é possível construir o socialismo (ou uma sociedade socialista, justa, equitativa) se não se modificam os papéis e padrões tradicionalmente atribuídos e assumidos de formas diferentes, historicamente, por homens e mulheres, e se não se criam condições necessárias para desenterrar as bases da discriminação contra a mulher e que ambos participem em condições de igualdade, tanto no âmbito público como privado. Continua a ser um desafio a incorporação de um correto enfoque de gênero e da agenda das mulheres de esquerda e revolucionarias nas políticas, programas e ações que se desenham na luta contra a direita e o capitalismo depredador e patriarcal, e a construção do socialismo. 24. Desde a constituição do Foro, o reconhecimento da soberania da República Argentina sobre as Malvinas é claro e contundente. O 18º Encontro acompanha a solicitação para que se abram negociações diplomáticas entre Argentina e Reino Unido, e reitera o protesto latino-americano contra ações empreendidas pelo governo britânico ha em zona declarada livre de armas nucleares. Assim também, o Foro de São Paulo condena a situação de colonialismo na qual se encontram ainda várias nações latino-americanas e caribenhas. Rechaçamos igualmente todas as tentativas de recolonização. 25. O Foro de São Paulo respalda a reivindicação do povo e do governo da Bolívia, de uma saída soberana para o Oceano Pacífico. 26. Os partidos e movimentos agrupados no Foro e outros movimentos sociais temos a tarefa de empreender todas as iniciativas possíveis para que o tema da independência de Puerto Rico converta-se em ponto essencial da agenda da Organização das Nações Unidas. É inconcebível que, no século 21, persistam enclaves coloniais em nossa região e no mundo. Unimos-nos ao clamor pela libertação do prisioneiro político puertorriquenho Oscar López Rivera, mantido preso em prisões dos EUA já há mais de 31 anos, pelo único ‘delito’ de lutar pela independência de sua pátria. 27. Este Encontro deve implementar novas tarefas e um plano de ação conjunto contra o bloqueio norte-americano a Cuba e pela liberdade dos Cinco Heróis, bandeira comum de todos e todas. 28. O Foro de São Paulo expressa seu apoio ao povo da Nicarágua e a seu governo, ante a ameaça de embargo financeiro. O embargo se caracterizaria se os EUA negassem a dispensa que, todos os anos, tem de ser solicitada. A exigência opera, anualmente, como arbitrário instrumento de chantagem, que os EUA usam, quando exercem seu poder de veto nos organismos multilaterais. Os EUA insistem na pretensão de impor decisões políticas que são direito e competência exclusivos dos nicaraguenses, no exercício de sua soberania. 29. O Foro de São Paulo expressa seu apoio ao povo boliviano e a seu presidente, companheiro Evo Morales Ayma, na defesa da democracia e do processo de mudanças profundas que encabeça, com os movimentos sociais e setores populares. 30. O Foro de São Paulo expressa seu apoio e ativa solidariedade ao povo paraguaio, à Frente Guasú e à Frente pela Defesa da Democracia, e ao movimento camponês mobilizado, desconhecendo o governo de facto encabeçado pelo golpista Federico Franco. Anunciamos ações continentais a favor da democracia, do respeito à vontade popular manifesta em abril de 2008 e pela unidade e integração dos povos e governos de América Latina e Caribe. 31. O Foro de São Paulo expressa sua solidariedade com o povo haitiano, em sua luta pela recuperação da dignidade e da soberania nacional. Só a consolidação das estruturas estatais permitirá que o Haiti supere a crise pela qual passa. O êxito desse processo exige o apoio dos governos de esquerda e dos povos latino-americanos e caribenhos, assim como a retirada programado das forças estrangeiras do território haitiano. A superação da situação de crise que o Haiti vive exige nosso apoio tecnológico, humanitário e material. 32. O Foro de São Paulo expressa seu apoio ao processo de paz na Colômbia, onde continua a luta em busca de solução política para o conflito armado, que crie paz com justiça social e por um novo modelo econômico e social que garanta os direitos humanos e a proteção da natureza, e decide constituir uma comissão representativa dos movimentos e partidos políticos do Foro de São Paulo, para que, de comum acordo com os partidos e movimentos colombianos, visite o país e proponha uma agenda de estudo, contato e apoio com vistas a construir a unidade. 33. O Foro de São Paulo manifesta sua solidariedade com a Frente Ampla da Guatemala, como referência para a esquerda guatemalteca, e saúda a convicção de seus partidos integrantes – WINAQ, ANN e URNG – de continuar a trabalhar pela unidade da esquerda guatemalteca, na busca de alianças com forças democráticas e progressistas. Por isso mesmo, condena o uso da força repressiva pelo governo guatemalteco contra os setores populares. 34. O Foro de São Paulo expressa sua solidariedade com a luta do povo de Honduras, por respeito aos direitos humanos. Oferece seu total apoio à companheira Xiomara Castro De Zelaya candidata à Presidência da República de Honduras, como candidata de consenso das forças da Resistência. 35. O Foro de São Paulo expressa seu total apoio e solidariedade com a luta do povo Saharauí em defesa de sua autodeterminação, soberania e independência nacional. 36. O Foro de São Paulo expressa seu total apoio à luta pela soberania e autodeterminação da Palestina e seu ingresso à ONU, como membro de pleno direito. 37. Opomo-nos firme e rigorosamente a qualquer intervenção armada externa na Síria e no Irã. Convocamos as forças progressistas e de esquerda, a defender a paz naquela região. 38. Nos próximos meses, haverá várias eleições – em novembro de 2012, na Nicarágua, haverá eleições municipais; em fevereiro de 2013, haverá eleições gerais no Equador, onde o Presidente Rafael Correa está sendo apresentado para a reeleição. O Foro de São Paulo manifesta seu compromisso de solidariedade e total apoio. 39. O Foro de São Paulo convoca também para a luta em defesa da democracia no México. Uma vez mais, a direita mexicana recorreu à manipulação, pelos meios de comunicação, com divulgação de pesquisas viciosas, massiva compra de votos e outros tipos de fraudes que distorcem o resultado da eleição presidencial realizada dia 1º de julho. Tudo isso, para tentar impor na presidência um candidato divorciado dos melhores interesses do povo mexicano. O Foro de São Paulo declara que é indispensável que se investiguem a fundo todas as denúncias de fraude apresentadas pelos partidos progressistas. 40. A principal batalha dos próximos meses é a disputa eleitoral na Venezuela, marcada para 7/10/2012. A campanha iniciou-se com potentes mobilizações populares em apoio à candidatura de Chávez e ao seu programa. Todas as pesquisas de intenção de voto indicam clara vantagem de cerca de 20 pontos, a favor do candidato Hugo Chávez sobre o candidato da direita. A poucos meses dos comícios, a direita já dá como certa a vitória de Hugo Chávez. Por isso, a mesma direita participa do processo eleitoral, mas tentando criar condições para ignorar o resultado e o Conselho Nacional Eleitoral. Ante essa situação, o Foro de São Paulo convoca as forças progressistas e de esquerda a apoiar a democracia venezuelana e a rechaçar as tentativas de desestabilização que surjam pela direita. 41. O 18º Encontro do Foro de São Paulo conclui, convocando os povos a lutar contra o neoliberalismo e todas as guerras, a construir um mundo de paz, democracia e justiça social. Outro mundo é possível e nós, companheiros e companheiras, o estamos construindo: um mundo socialista. ++++++++++++++++++++++++++++++++++

domingo, 22 de julho de 2012

Dom Eugênio Sales era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura

por José Ribamar Bessa Freire O tratamento que a mídia deu à morte do cardeal dom Eugenio Sales, ocorrida na última segunda-feira, com direito à pomba branca no velório, me fez lembrar o filme alemão “Uma cidade sem passado”, de 1990, dirigido por Michael Verhoven. Os dois casos são exemplos típicos de como o poder manipula as versões sobre a história, promove o esquecimento de fatos vergonhosos, inventa despudoradamente novas lembranças e usa a memória, assim construída, como um instrumento de controle e coerção. Comecemos pelo filme, que se baseia em fatos históricos. Na década de 1980, o Ministério da Educação da Alemanha realiza um concurso de redação escolar, de âmbito nacional, cujo tema é “Minha cidade natal na época do III Reich”. Milhares de estudantes se inscrevem, entre eles a jovem Sônia Rosenberger, que busca reconstituir a história de sua cidade, Pfilzing – como é denominada no filme – considerada até então baluarte da resistência antinazista. Mas a estudante encontra oposição. As instituições locais de memória – o arquivo municipal, a biblioteca, a igreja e até mesmo o jornal Pfilzinger Morgen – fecham-lhe suas portas, apresentando desculpas esfarrapadas. Ninguém quer que uma “judia e comunista” futuque o passado. Sônia, porém, não desiste. Corre atrás. Busca os documentos orais. Entrevista pessoas próximas, familiares, vizinhos, que sobreviveram ao nazismo. As lembranças, contudo, são fragmentadas, descosturadas, não passam de fiapos sem sentido. A jovem pesquisadora procura, então, as autoridades locais, que se recusam a falar e ainda consideram sua insistência como uma ameaça à manutenção da memória oficial, que é a garantia da ordem vigente. Por não ter acesso aos documentos, Sônia perde os prazos do concurso. Desconfiada, porém, de que debaixo daquele angu tinha caroço – perdão, de que sob aquele chucrute havia salsicha – resolve continuar pesquisando por conta própria, mesmo depois de formada, casada e com filhos, numa batalha desigual que durou alguns anos. Hostilizada pelo poder civil e religioso, Sônia recorre ao Judiciário e entra com uma ação na qual reivindica o direito à informação. Ganha o processo e, finalmente, consegue ingressar nos arquivos. Foi aí, no meio da papelada, que ela descobriu, horrorizada, as razões da cortina de silêncio: sua cidade, longe de ter sido um bastião da resistência ao nazismo, havia sediado um campo de concentração. Lá, os nazistas prenderam, torturaram e mataram muita gente, com a cumplicidade ou a omissão de moradores, que tentaram, depois, apagar essa mancha vergonhosa da memória, forjando um passado que nunca existiu. Os documentos registraram inclusive a prisão de um judeu, denunciado na época por dois padres, que no momento da pesquisa continuavam ainda vivos, vivíssimos, tentando impedir o acesso de Sônia aos registros. No entanto, o mais doloroso, era que aqueles que, ontem, haviam sido carrascos, cúmplices da opressão, posavam, hoje, como heróis da resistência e parceiros da liberdade. Quanto escárnio! Os safados haviam invertido os papéis. Por isso, ocultavam os documentos. Deus tá vendo E é aqui que entra a forma como a mídia cobriu a morte do cardeal dom Eugênio Sales, que comandou a Arquidiocese do Rio, com mão forte, ao longo de 30 anos (1971-2001), incluindo os anos de chumbo da ditadura militar. O que aconteceu nesse período? O Brasil já elegeu três presidentes que foram reprimidos pela ditadura, mas até hoje não temos acesso aos principais documentos da repressão Se a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio último pela presidente Dilma Rousseff, pudesse criar, no campo da memória, algo similar à operação “Deus tá vendo”, organizada pela Policia Civil do Rio Grande do Sul, talvez encontrássemos a resposta. Na tal operação, a Polícia prendeu na última quinta-feira quatro pastores evangélicos envolvidos em golpes na venda de automóveis. Seria o caso de perguntar: o que foi que Deus viu na época da ditadura militar? Tem coisas que até Ele duvida. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória do cardeal Eugênio Sales, na qualidade de repórter da ASAPRESS, uma agência nacional de notícias arrendada pela CNBB em 1967. Também cobri reuniões e assembleias da Conferência dos Bispos para os jornais do Rio – O Sol, O Paiz e Correio da Manhã, quando dom Eugênio era Arcebispo Primaz de Salvador. É a partir desse lugar que posso dar um modesto testemunho. bispos que lutavam contra as arbitrariedades eram Helder Câmara, Waldir Calheiros, Cândido Padin, Paulo Evaristo Arns e alguns outros mais que foram vigiados e perseguidos. Mas não dom Eugênio, que jogava no time contrário. Um dos auxiliares de dom Helder, o padre Henrique, foi torturado até a morte em 1969, num crime que continua atravessado na garganta de todos nós e que esperamos seja esclarecido pela Comissão da Verdade. Padres e leigos foram presos e torturados, sem que escutássemos um pio de protesto de dom Eugênio, contrário à teologia da libertação e ao envolvimento da Igreja com os pobres. O cardeal Eugenio Sales era um homem do poder, que amava a pompa e o rapapé, muito atuante no campo político. Foi ele um dos inspiradores das “candocas” – como Stanislaw Ponte Preta chamava as senhoras da CAMDE, a Campanha da Mulher pela Democracia. As “candocas” desenvolveram trabalhos sociais nas favelas exclusivamente com o objetivo de mobilizar setores pobres para seus objetivos golpistas. Foram elas, as “candocas”, que organizaram manifestações de rua contra o governo democraticamente eleito de João Goulart, incluindo a famigerada “Marcha da família com Deus pela liberdade”, que apoiou o golpe militar, com financiamento de multinacionais, o que foi muito bem documentado pelo cientista político René Dreifuss, em seu livro “1964: A Conquista do Estado” (Vozes, 1981). Ele teve acesso ao Caixa 2 do IPES/IBAD.Nós, toda a torcida do Flamengo e Deus que estava vendo tudo, sabíamos que dom Eugênio era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura. Se não sofro de amnésia – e não sofro de amnésia ou de qualquer doença neurodegenerativa – posso garantir que na época ele nem disfarçava, ao contrário manifestava publicamente orgulho do livre trânsito que tinha entre os militares e os poderosos. Quem tem dúvidas... basta pesquisar os textos assinados por ele no JB e n’O Globo” – escreve a jornalista Hildegard Angel, que foi colunista dos dois jornais e avaliou assim a opção preferencial do cardeal: “A Igreja Católica, no Rio, sob a égide de dom Eugenio Salles, foi cada vez mais se distanciando dos pobres e se aproximando, cultivando, cortejando as estruturas do poder. Isso não poderia acabar bem. Acabou no menor percentual de católicos no país: 45,8%...” Portões do Sumaré Por isso, a jornalista estranhou – e nós também – a forma como o cardeal Eugenio Sales foi retratado no velório pelas autoridades. Ele foi apresentado como um combatente contra a ditadura, que abriu os portões da residência episcopal para abrigar os perseguidos políticos. O prefeito Eduardo Paes, em campanha eleitoral, declarou que o cardeal “defendeu a liberdade e os direitos individuais”. O governador Sérgio Cabral e até o presidente do Senado, José Sarney, insistiram no mesmo tema, apresentando dom Eugênio como o campeão “do respeito às pessoas e aos direitos humanos”. Não foram só os políticos. O jornalista e acadêmico Luiz Paulo Horta escreveu que dom Eugênio chegou a abrigar no Rio “uma quantidade enorme de asilados políticos”, calculada, por baixo, numa estimativa do Globo, em “mais de quatro mil pessoas perseguidas por regimes militares da América do Sul”. Outro jornalista, José Casado, elevou o número para cinco mil. Ou seja, o cardeal era um agente duplo. Publicamente, apoiava a ditadura e, por baixo dos panos, na clandestinidade, ajudava quem lutava contra. Só faltou arranjarem um codinome para ele, denominado pelo papa Bento XVI como “o intrépido pastor”. Seria possível acreditar nisso, se o jornal tivesse entrevistado um por cento das vítimas. Bastaria 50 perseguidos nos contarem como o cardeal com eles se solidarizou. No entanto, o jornal não dá o nome de uma só – umazinha – dessas cinco mil pessoas. Enquanto isto não acontecer, preferimos ficar com o corajoso depoimento de Hildegard Angel, cujo irmão Stuart, foi torturado e morto pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, procurou o cardeal e bateu com a cara na porta do palácio episcopal. Segundo Hilde, dom Eugênio “fechou os olhos às maldades cometidas durante a ditadura, fechando seus ouvidos e os portões do Sumaré aos familiares dos jovens ditos ‘subversivos’ que lá iam levar suas súplicas, como fez com minha mãe Zuzu Angel (e isso está documentado)”. Ela acha surpreendente que os jornais queiram nos fazer acreditar “que ocorreu justo o contrário!”, como no filme “Uma cidade sem passado”. Mas não é tão surpreendente assim. O texto de Hildegard menciona a grande habilidade, em vida, de dom Eugenio, em “manter ótimas relações com os grandes jornais, para os quais contribuiu regularmente com artigos”. As azeitadas relações com os donos dos jornais e com alguns jornalistas em postos-chave continuaram depois da morte, como é possível constatar com a cobertura do velório. A defesa de dom Eugênio, na realidade, funciona aqui como uma autodefesa da mídia e do poder. Os jornais elogiaram, como uma virtude e uma delicadeza, o gesto do cardeal Eugenio Sales que cada vez que ia a Roma levava mamão-papaia para o papa João Paulo II, com o mesmo zelo e unção com que o senador Alfredo Nascimento levava tucumã já descascado para o café da manhã do então governador Amazonino Mendes. São os rituais do poder com seus rapapés. “Dentro de uma sociedade, assim como os discursos, as memórias são controladas e negociadas entre diferentes grupos e diferentes sistemas de poder. Ainda que não possam ser confundidas com a ‘verdade’, as memórias têm valor social de ‘verdade’ e podem ser difundidas e reproduzidas como se fossem ‘a verdade’” – escreve Teun A. van Dijk, doutor pela Universidade de Amsterdã. A “verdade” construída pela mídia foi capaz de fotografar até “a presença do Espírito Santo” no funeral. Um voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de Almeida, 59 anos, corretor de imóveis, no caminho ao velório de dom Eugênio, passou pelo abatedouro, no Engenho de Dentro, comprou uma pomba por R$ 25 e a soltou dentro da catedral. A ave voou e posou sobre o caixão: “Foi um sinal de Deus, é a presença do Espírito Santo” – berraram os jornais. Parece que vale tudo para controlar a memória, até mesmo estabelecer preço tão baixo para uma das pessoas da Santíssima Trindade. É muita falta de respeito com a fé das pessoas. 'A mídia deve ser pensada não como um lugar neutro de observação, mas como um agente produtor de imagens, representações e memória” nos diz o citado pesquisador holandês, que estudou o tratamento racista dispensado às minorias étnicas pela imprensa europeia. Para ele, os modos de produção e os meios de produção de uma imagem social sobre o passado são usados no campo da disputa política. Nessa disputa, a mídia nos forçou a fazer os comentários que você acaba de ler, o que pode parecer indelicadeza num momento como esse de morte, de perda e de dor para os amigos do cardeal. Mas se a gente não falar agora, quando então? Stuart Angel e os que combateram a ditadura merecem que a gente corra o risco de parecer indelicado. É preciso dizer, em respeito à memória deles, que Dom Eugênio tinha suas virtudes, mas uma delas não foi, certamente, a solidariedade aos perseguidos políticos para quem os portões do Sumaré, até prova em contrário, permaneceram fechados. Que ele descanse em paz! P.S: O jornalista amazonense Fábio Alencar foi quem me repassou o texto de Hildegard Angel, que circulou nas redes sociais. O doutor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas, foi quem me indicou, há anos, o filme “Uma cidade sem passado”. Quem me permitiu discutir o conceito de memória foram minhas colegas doutoras Jô Gondar e Vera Dodebei, organizadoras do livro “O que é Memória Social” (Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de Pós- Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005). Nenhum deles tem qualquer responsabilidade sobre os juízos por mim aqui emitidos. José Ribamar Bessa Freire e professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO). Publicado originalmente em Substantivo Plural e retirado do jornal Sul 21.

sábado, 21 de julho de 2012

Rota baseada nos caminhos aberto pelos revolucionários de 1959

Por Thays Santos Em visita a Cuba, cinco pernambucanos – dos quais três amigos do Centro Cultural Manoel Lisboa (CCML) – fizeram rotas “alternativas” às rotas turísticas normalmente apresentadas aos visitantes. Optaram por percorrer os íngremes caminhos da revolução abertos por Fidel, Che e Raúl, especialmente nas quebradas da famosa Sierra Maestra. De volta, depois de 4.570 quilômetros percorridos, trouxeram ao CCML as suas percepções do que viram e sentiram ao lado do bravo povo cubano. Araújo, Jaime, Rosa, Lucimar e Angélica passaram 32 dias andando e conversando com o povo por todo o território de Cuba e, entre as impressões mais marcantes, destacaram as de que a revolução permitiu de fato a independência daquele povo que luta de forma abnegada e permanente em defesa das conquistas da sua revolução. Entre as andanças pelo país, os amigos não poderiam deixar de participar da marcha do 1º de Maio na Praça da Revolução, que este ano teve como tema “Preservar e aperfeiçoar o socialismo”. Registraram na marcha, ainda, manifestações de apoio aos cinco heróis cubanos prisioneiros do império norte-americano. Um país de dimensões geográficas pequenas, com um território semelhante ao de Pernambuco, com uma economia extremamente limitada que tem por importante suporte a exploração turística e que sofre um embargo econômico de mais de meio século, imposto pala maior potência militar da terra, os Estados Unidos, consegue manter o seu povo com um alto índice de educação, cultura, prática esportiva e um grande respeito à cidadania e ao sentimento de solidariedade humana. A mulher é tratada, como de fato esperávamos numa nova sociedade, com dignidade, liberdade e respeito, podendo andar nas ruas a qualquer hora do dia ou da noite sem medo dos assédios ou de outros tipos de violência tão comuns em nossa sociedade capitalista. São, de um modo geral, baixíssimos os índices de violência – para se ter uma ideia mais clara, é indispensável estudar o significado do registro de oito assassinatos por ano em todo o país, com uma população de 11 milhões de habitantes, situado a 90 milhas dos EUA, onde existem as maiores taxas de violência e a maior população carcerária do mundo. Ao indagar sobre a condição da juventude, daqueles que não participaram da tomada do poder pela revolução, suas condições, seus sentimentos, suas atitudes perante a ideologia da revolução socialista, tendo em vista tantas transformações sociais e tecnológicas no mundo, afirmaram os companheiros existirem fortes exemplos de “homens novos” que servem de referência para a juventude, como são os cinco patriotas cubanos presos nos EUA por defenderem a revolução dos ataques terroristas da extrema direita cubana residente em Miami. À juventude e às crianças é dada especial atenção em relação à educação, à cultura e aos esportes. Desde o nascimento, quando é concedida licença-maternidade de um ano, sendo os seis primeiros meses concedidos diretamente à mãe e os seis meses restantes sob decisão do casal, quando estes em conjunto decidem quem cuidará da criança; posteriormente, a partir de 1 e até os 5 anos de idade, às crianças é assegurado o acesso às creches durante todo o dia. Na escola regular, as crianças passam o dia. Têm acesso assegurado às universidades, onde ingressam avaliadas por seu mérito, além de terem garantido o primeiro emprego com a conclusão de seus cursos. Têm ainda alto índice de acesso à cultura e esporte, em que têm encaminhamento assegurado às escolas especializadas, de acordo com seu desempenho. Não é diferente o cuidado com o acesso à escola, que é garantido, sendo, inclusive, os transportes de melhores condições destinados para este fim. Ao final da visita ao CCML, os companheiros transmitiram o sentimento de “terem retornado de Cuba mais socialistas do que quando partiram daqui” e guardaram o sentimento de que a revolução cubana, mesmo com tantas conquistas importantes, não é um paraíso, pois tem vários problemas de ordem econômica e política, em parte devidos ao terrível bloqueio econômico imperialista dos EUA, há mais de 50 anos. Entre outros problemas, que não sabemos ainda como serão resolvidos: as reformas econômicas recentes, ao permitirem a exploração privada de algumas atividades (restaurantes, pousadas) e a contratação de trabalhadores por esses neocapitalistas, reintroduziram em Cuba a apropriação privada da mais-valia nessas atividades. Terão os cubanos a sabedoria de, no seu devido tempo, corrigir essas distorções, tal como souberam fazer os bolcheviques na época da Nova Economia Política na Rússia? Bem, esta é uma grande interrogação, mas, enquanto não a resolvemos, é certo afirmar que os povos de toda a América têm muito a aprender com o revolucionário povo cubano.

Emir Sader: o "mensalão" é "operação de marketing" da direita midiática e "golpe branco fracassado" das elites oposicionistas

O "mensalão" como operação de marketing e como golpe branco fracassado por Emir Sader Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas pela campanha. Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia um parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o ventilador. Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável. O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo Lula. Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo “mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais. Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica. Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição. Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco. A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu. Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas, principalmente, deram a pauta política do país. O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado diretamente do arsenal neoliberal. Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade”. Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição – que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e derrotada por um longo período. Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi pega de surpresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também foi vitima da sua própria campanha. Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos? Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a esquerda à desmoralização. Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência irreversível. Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing, espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da opinião publica, que não tinham naquele momento? Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava. Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”. Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil. A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa. Eles passarão, nós passarinhos. http://opensadordaaldeia.blogspot.com.br/2012/07/emir-sader-o-mensalao-e-um-golpe-branco.html?spref=fb

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Entrevista com Rafael Correa, presidente do Equador

JULIAN ASSANGE: Com Chávez e Lula já deixando os principais holofotes, vai surgindo uma nova geração de governantes na América Latina. Esta semana, está comigo o presidente do Equador, Rafael Correa. Correa é líder popular de esquerda, que mudou a cara do Equador. Mas, diferente dos presidentes que o antecederam, é doutor em Economia. Segundo os telegramas diplomáticos dos EUA que WikiLeaks divulgou, Correa é o presidente mais popular na história democrática do Equador. Mesmo assim, em 2010, foi preso e feito refém, numa tentativa de golpe de Estado. A culpa pela tentativa de depô-lo, segundo Correa, foram os meios de comunicação corruptos. Correa pôs em marcha uma polêmica contraofensiva. Na avaliação de Correa, os meios de comunicação definem as reformas que seriam as únicas possíveis... para os próprios meios. Quero saber se essa conclusão está correta e como vê a América Latina. RAFAEL CORREA: Está me ouvindo? JULIAN ASSANGE: Sim, presidente Correa. RAFAEL CORREA: Prazer em conhecê-lo. Você está na Inglaterra? JULIAN ASSANGE: Sim, na Inglaterra, numa casa de campo, em prisão domiciliar já há 500 dias. E sem nenhuma acusação formal contra mim. RAFAEL CORREA: 500 dias... OK. [Para alguém ao lado] Melhor traduzir. [Em ing. "Prefiro o espanhol, ok?"]. JULIAN ASSANGE: [para a equipe] Acho que é possível. Todos prontos? Ação! JULIAN ASSANGE: O que pensa o Equador, dos EUA, sobre o envolvimento dos EUA? Não lhe peço que faça alguma caricatura dos EUA. Mas... O que pensam os equatorianos sobre os EUA e o envolvimento dos EUA no Equador e na América? RAFAEL CORREA: Como disse Evo Morales [presidente da Bolívia], os EUA são o único país que pode ter certeza de que lá jamais haverá golpes de Estado – porque não há embaixada dos EUA nos EUA. [Assange e equipe riem.] Seja como for, quero dizer que uma das razões do mal-estar é que nós cortamos todo o financiamento que a Embaixada dos EUA pagava à polícia no Equador. Era assim, antes do nosso governo e continuou ainda, por um ano e pouco. Demoramos a corrigir isso. Havia unidades inteiras, setores chaves da Polícia, que eram completamente financiadas pela Embaixada dos EUA. Os chefes policiais eram selecionados pelo Embaixador dos EUA e pagos pelos EUA. A tal ponto, que aumentamos muitíssimo os soldos dos policiais, mas quase ninguém percebeu, porque recebiam soldos do outro lado. Acabamos com tudo isso. E há alguns que sentem saudades daqueles tempos. Mas são tempos que não voltarão ao nosso país e aos nossos países. Quanto aos EUA, nossa relação sempre foi de muita amizade e carinho, mas sob um marco de respeito mútuo e de soberania. Eu, pessoalmente, vivi quatro anos nos EUA, estudei e graduei-me lá, tenho dois títulos acadêmicos norte-americanos, amo e respeito muito, muito, o povo norte-americano. Acredite que eu, de modo algum, jamais seria antiamericano. Mas sempre chamarei as coisas pelo nome. E se há políticas norte-americanas que são perniciosas para o Equador e para nossa América Latina, sempre as denunciarei abertamente e não permitirei que agridam a soberania do meu país. JULIAN ASSANGE: Seu Governo fechou a base militar dos EUA em Manta. Pode dizer-me por que decidiu fechar aquela base? RAFAEL CORREA: Ora... Você aceitaria uma base militar estrangeira no seu país? Como eu disse naquela época. Se é assunto tão simples, se não há problema algum em os EUA manterem uma base militar no Equador, ok, tudo bem: permitiremos que a base de inteligência permaneça no Equador, se os EUA permitirem que estabeleçamos uma base militar do Equador em Miami. Nessas condições, ok, sem problema. [Assange ouve a tradução e ri]. Fico feliz que você esteja se divertindo com essa entrevista. Também estou me divertindo. JULIAN ASSANGE: Achei engraçadas as suas frases, presidente Correa [os dois riem]. Presidente Correa, por que o senhor pediu que revelássemos [que WikiLeaks revelasse] todos os telegramas diplomáticos? RAFAEL CORREA: Porque quem nada deve nada teme. Nós nada temos a ocultar. De fato, os [telegramas divulgados por] WikiLeaks nos fortaleceram. A Embaixada dos EUA nos acusava [como se fosse crime] de sermos excessivamente nacionalistas e defendermos a soberania do governo equatoriano [os dois riem]. E é claro que somos nacionalistas! E é claro que defendemos a soberania do Equador! E os WikiLeaks, como mostrei há pouco [exibe um livro], falavam de todos os interesses que os EUA haviam investido nos meios de comunicação no Equador, dos grupos de poder que pediam ajuda, que marcavam hora para pedir ajuda em embaixadas estrangeiras. Nós não tememos nada. Que publiquem tudo o que tenham a publicar sobre o governo do Equador. Não se encontrará nada contra nós. E veremos aparecer muitas informações sobre entreguismos, traições, acertos, feitos por muitos supostos opositores da revolução cidadã no Equador… JULIAN ASSANGE: Posteriormente, o senhor expulsou do Equador a embaixadora dos EUA, como consequência da publicação dos telegramas de WikiLeaks. Por que a expulsou? Sempre acho mais interessante dizer ao embaixador... "Tenho esses telegramas desse embaixador. Já sei o que você pensa." Não seria melhor manter lá o diabo que o senhor já conhecia? RAFAEL CORREA: Ora, mas dissemos tudo isso à embaixadora. E ela respondeu – e com que arrogância! – que não nos devia explicações. Era inimiga absoluta de nosso governo, mulher de extrema-direita, que permaneceu estacionada no marco da Guerra Fria dos anos 60. A gota d'água que fez transbordar o jarro foi WikiLeaks, que provava que o contato dela no Equador havia dito que o Chefe de Polícia era corrupto completo. E que eu, diziam os telegramas, o teria nomeado, mesmo sabendo que era corrupto, para controlá-lo. Intimamos a embaixadora, para que prestasse explicações. E ela, arrogante, cheia de soberba e prepotência, com os ares imperiais que a caracterizavam, respondeu que não nos devia explicações. Como aqui no Equador, nós nos respeitamos e respeitamos nosso país, expulsamos imediatamente a referida senhora. Quero dizer que há um mês, poucos meses, depois de quase um ano de investigações, o Comandante Hurtado, que foi falsamente acusado nesse telegrama de WikiLeaks pela embaixadora, foi declarado inocente de todas aquelas acusações daquela embaixadora, saiu limpo de todas as investigações de que foi objeto, e que fizemos. É uma prova a mais de como funcionários incompetentes ou mal intencionados, do governo dos EUA, porque absolutamente não admitem e manifestam a mais flagrante má vontade contra governos progressistas, informam qualquer coisa ao governo dos EUA, sem procurar qualquer comprovação, sem qualquer investigação, sem qualquer prova, baseados, só, em boatos, intrigas dos seus 'contatos', muitas vezes, mentiras interessadas, que ouvem dos seus contatos, todos adversários de nosso governo. E esses contatos são, normalmente, escolhidos entre os opositores dos nossos governos. JULIAN ASSANGE: Presidente Correa, como foi, para o senhor, tratar com os chineses? É um país grande e poderoso. Ao negociar com os chineses, o senhor não estaria trocando um demônio, por outro? RAFAEL CORREA: Para começar, não trabalhamos com demônios. Se nos aparece algum demônio, agradecemos e despachamos: não, muito obrigado. [Assange ri] Em segundo lugar, você tem de ver aí um pouco do entreguismo, do snobismo, e até do neocolonialismo que anima as elites, por aqui, e alguns veículos de comunicação. Quando 60% de nosso comércio e grande parte de nossos investimentos estavam concentrados nos EUA, e não nos davam 20 centavos para financiar o desenvolvimento do país, ninguém reclamou de demônio algum, era como se não houvesse problema. Agora, quando somos o país que mais recebe investimentos chineses na região – e talvez porque os chineses não são altos, louros, de olhos azuis, viram demônios e tudo é problema. Chega disso! Se a China já está financiando até os EUA! Que bom que financie o Equador! Que bom que nos ajude para fazer aqui uma extração responsável, de petróleo! Minas, hidroelétricas. Mas não recebemos financiamentos só da China. Recebemos financiamento russo, brasileiro, diversificamos nossos mercados e nossas fontes de financiamento. Mas há gente que nasceu acabrestado, com sela e rédea, e quer continuar com a dependência de sempre. É só isso. JULIAN ASSANGE: Presidente Correa, como o senhor sabe, luto, há muitos anos, a favor da liberdade de expressão, pelo direito de as pessoas se comunicarem, pelo dever de publicar e dar aos públicos informação verdadeira. O que o senhor fará, para que suas reformas não acabem com a liberdade de expressão? RAFAEL CORREA: Bem... Você mesmo é ótimo amostra, Julian, de como é a imprensa, essas associações como a Sociedade Interamericana de Imprensa, que nada é além de um clube de donos de jornais na América Latina. Sobre seu WikiLeaks, publicaram-se muitos livros, o mais recente dos quais é de dois autores argentinos, no qual analisam país por país, Wiki Midia Leaks. [1] No caso do Equador, demonstra como, desavergonhadamente, os veículos não publicaram os telegramas que os prejudicavam. Por exemplo, disputas entre empresas de comunicações. E todos, afinal, decidiram não publicar suas próprias sujeiras, para não prejudicar nenhum deles. Leio para você a tradução, em espanhol, de um dos telegramas WikiLeaks que a imprensa nunca publicou no Equador. RAFAEL CORREA: [lendo] "…o fato de que a imprensa sinta-se livre para criticar o governo, mas não um banqueiro fugitivo e os negócios da família do banqueiro, mostra muito sobre onde está o poder no Equador…" [Mostra as páginas do livro] E esses são os telegramas que WikiLeaks divulgou e jamais foram publicados na imprensa do Equador. Para que você entenda um pouco o que enfrentamos no Equador e na América Latina. Nós acreditamos, que os únicos limites que devem pesar sobre a informação e a liberdade de expressão são os que já existam nos tratados internacionais, na Convenção Interamericana de Direitos Humanos: a honra e a reputação das pessoas; e a segurança das pessoas e do estado. Quanto a todo o resto, quanto mais gente saiba de tudo, melhor. Você manifestou seu temor – o mesmo que sentem todos os jornalistas, de boa fé –, mas que não passam de estereótipos do medo de que o poder do estado limite a liberdade de expressão. Isso praticamente não existe na América Latina, praticamente não há aqui nenhuma liberdade de expressão. Fala-se só de idealizações, de mitos. Vocês precisam entender que, por aqui, o poder 'midiático' foi, e provavelmente ainda é, muito maior que o poder político. De fato, o poder 'midiático' tem imenso poder político, em função de seus interesses, poder econômico, poder social. E, sobretudo, têm poder monopolístico para informar. Os veículos têm sido, aqui, os maiores eleitores, os maiores legisladores, os maiores juízes, os que criam a alimentam a 'agenda' da discussão social, os que sempre submeteram governos, presidentes, cortes de justiça, tribunais. Temos de tirar da cabeça essa ideia de que, de um lado, só haveria jornalistas pobres e perseguidos, empresas jornalísticas angelicais, empresas e veículos dedicados a informar a verdade dos fatos; e, de outro lado, só haveria ditadores, autocratas, tiranos que vivem para tentar impedir que a verdade chegue ao povo. Os governos que trabalhamos para fazer algo pelas maiorias, somos – nós – violentamente perseguidos por jornalistas que entendem que, por ter uma pena ou um microfone, ganhariam algum direito de vingar-se dos desafetos pessoais. Porque, muitas vezes, caluniam, mentem, injuriam exclusivamente por alguma inimizade pessoal. Os veículos de comunicação são, aqui, instrumentos dedicados a defender interesses privados. É importante, por favor, que o mundo todo entenda o que se passa na América Latina. Quando tomei posse na presidência, havia aqui sete canais de televisão nacionais. Nenhum público; todos privados. Cinco pertenciam a banqueiros. Imagine a situação: eu queria tomar uma medida contra os bancos, para evitar, por exemplo, a crise e os abusos que, hoje, todos estão vendo acontecer na Europa, sobretudo na Espanha. E houve uma campanha violentíssima, pela televisão, para defender os interesses dos banqueiros empresários donos das empresas, dos proprietários dessas cadeias de televisão, todos banqueiros. Que ninguém se engane mais. Temos de esquecer essas mentiras e estereótipos de governos 'do mal', que vivem a perseguir valentes e angelicais jornalistas e empresas e veículos de comunicação. Com muita frequência, Julian, acontece exatamente o contrário. Essa gente travestida de jornalista vive de fazer política, só se interessa em desestabilizar nossos governos democráticos, para impedir qualquer mudança na nossa região. Porque, com mudança democrática, eles perdem o poder que sempre tiveram e ostentaram. JULIAN ASSANGE: Presidente Correa, estou de acordo com o que o senhor diz do mercado dos veículos e meios. Já aconteceu exatamente assim, também conosco, mais de uma vez: grandes organizações jornalísticas, com as quais trabalhamos – Guardian, El País, o New York Times e Der Spiegel – censuraram o nosso material ao publicar, por motivos políticos, ou para proteger oligarcas como Tymoshenko da Ucrânia (que escondia sua fortuna em Londres); ou grandes empresas petroleiras italianas corruptas, que operavam no Cazaquistão. Temos provas disso tudo, porque sabemos o que há no documento original e o que publicaram, e o que foi omitido. Mas entendo que o melhor modo para enfrentar os monopólios e os duopólios e os cartéis num mercado é separá-los; ou criando melhores condições para que novas empresas entrem no mercado. O senhor não tem interesse em criar um sistema que permita o fácil acesso ao mercado editorial, de modo a que empresas jornalísticas editoriais pequenas e indivíduos sejam protegidos (não regulados) e as grandes empresas editorais e grupos 'midiáticos' sejam separadas e reguladas? RAFAEL CORREA: Julian, estamos tentando fazer exatamente isso. Há mais de dois anos discute-se uma nova lei de comunicação, para dividir o espectro radioelétrico, quer dizer, o espectro para TV e rádio, para que só 1/3 seja privado com finalidades comerciais; 1/3 para propriedade comunitária, sem finalidades comerciais; e 1/3 de propriedade do Estado – não só o governo nacional; também os governos locais, municipais, departamentais. Mas a lei não avança. Há dois anos, apesar de haver ordem constitucional aprovada nas urnas em 2008, ratificada pelo povo equatoriano por consulta popular ano passado. Pois, apesar de tudo isso, a nova lei foi e continua a ser sistematicamente bloqueada pelas grandes empresas, nos grandes veículos. Para eles, é "lei da mordaça". Para eles e pelos deputados e senadores assalariados que as empresas mantêm, a soldo, na Assembleia Nacional, e que lá estão para defender aqueles interesses. O que estamos fazendo é claro: democratizar a informação, a comunicação social, a propriedade dos veículos e meios de comunicação. Por isso mesmo, obviamente, enfrentamos a acérrima oposição que nos fazem os proprietários dos veículos e meios de comunicação e dos seus corifeus alugados, que atuam em todo o espectro político no Equador. JULIAN ASSANGE: Recentemente, nesse programa, entrevistei o presidente da Tunísia, e perguntei a ele, se o surpreendera o pouco poder que os presidentes têm, para mudar as coisas. O senhor também observou isso? RAFAEL CORREA: Olhe... Muitos trabalham para satanizar os líderes políticos, porque uma das grandes crises pelas quais a América Latina passou nos anos 90, até o começo desse século, durante a longa e triste noite neoliberal, foi a crise de lideranças políticas. Afinal, o que significa "ter liderança", "ser líder"? Significa capacidade para influir sobre os demais. É claro que pode haver boas lideranças políticas, pessoas que usam a capacidade que têm para liderar, para servir a causa dos outros. E claro que também há maus líderes – dos quais, lamentavelmente, houve muitos na América Latina –, que utilizam a capacidade que têm, mas apenas para servir-se dos demais. Entendo que os líderes são importantes sempre, mais ainda em processos de mudança. É possível imaginar a independência dos EUA, sem os comandantes que houve lá? Sem aqueles líderes? É possível imaginar a reconstrução da Europa depois da II Guerra Mundial, sem os grandes líderes que houve lá? Contudo... Quando se trata de fazer oposição às mudanças na América Latina, onde há líderes fortes, mas líderes democráticos e democratizantes, inventam logo que a liderança é caudilhista, populista, sempre má liderança, nunca boa liderança. JULIAN ASSANGE: Presidente Correa… RAFAEL CORREA: Essa liderança é ainda mais importante... (Julian, permita-me concluir a ideia, por favor)... quando não se está administrando um sistema. Na América Latina, no Equador, hoje, não estamos administrando um sistema: estamos mudando um sistema. Porque o sistema que nos acompanhou ao longo de séculos foi fracasso total. Fez de nós a região de maior desigualdade no mundo, onde só a miséria é muita, a pobreza, e numa região que tem tudo para ser a região mais próspera do mundo. As coisas aqui não são como nos EUA. Que diferença há entre Republicanos e Democratas, nos EUA? Há mais diferença entre o que eu penso pela manhã e o que eu penso à noite, do que entre um Republicano e um Democrata norte-americano [Assange ri]. Isso acontece porque, lá, estão administrando um sistema. Nós, aqui, estamos mudando um sistema. Aqui as lideranças são necessárias e importantes. Aqui, é indispensável o poder ser legítimo e democrático, para que a mudança seja legítima e democrática, para que se mudem as estruturas e a instituições e a institucionalidade nos nossos países, agora em função das grandes maiorias. JULIAN ASSANGE: Minha impressão é que o presidente Obama não é capaz de controlar as enormes forças que se movem à volta dele. Será sempre assim, com todos os tipos de líderes? Como o senhor conseguiu introduzir tantas mudanças no Equador? Será sinal dos tempos que vivemos? Será resultado de sua liderança pessoal? Da força de seu partido? Que força, afinal – é o que quero saber – é essa, que permite que o senhor faça algo, no Equador, que Obama não consegue fazer, nos EUA? RAFAEL CORREA: Permita-me começar pelo fim. O compromisso, as concessões, o consenso é desejável, mas não é um fim em si. Para mim, mais fácil seria conseguir algum consenso; chegaria mancando, cedendo, e satisfaria muita gente. Mas não mudaria coisa alguma. Satisfaria, principalmente, os poderes de fato nesse país. E tudo continuaria como antes. Há momentos em que o consenso é impossível. Às vezes, é necessário o confronto. Com a corrupção, por exemplo, não há consenso possível. A corrupção tem de ser enfrentada. O abuso do poder? Tem de ser enfrentando. Não há consenso possível, com a mentira; a mentira tem de ser desmascarada. Absolutamente não se pode fazer concessões a esses vícios sociais, tão graves para nossos países. É erro imaginar que o que está sendo feito no Equador esteja sendo feito por mim. É erro. Os povos mudam, os países mudam. Não precisam de liderança para mudar. Talvez precisem de algum tipo de líder para coordenar. Mas se o país muda, é por vontade de todo o povo. Nosso governo foi levado ao poder pela indignação de todo o povo equatoriano. Talvez aí esteja o que ainda falta, um pouquinho, ao povo norte-americano, para que o presidente Obama obtenha capacidade para promover mudanças reais no país. Que a indignação que já está nas ruas, esse 'Occupy Wall Street", esse protesto de cidadãos comuns, normais, contra o sistema, que ganhe impulso, que se torne mais orgânico, mais permanente. E que, nesse caso, dê forças ao presidente Obama para que possa fazer as mudanças pelas quais o sistema terá de passar, nos EUA. JULIAN ASSANGE: Quero saber até que ponto o senhor acredita que o Equador irá, no longo prazo, até onde irá a América Latina. Acho que, até certo ponto, há boas coisas, como se sabe, a integração continental na América Latina, a melhoria nas condições de vida, e o fato de que os EUA e outros países têm, a cada dia, menos influência na América Latina. Mas... Onde o senhor acredita que estará, dentro de dez, vinte anos? RAFAEL CORREA: Você disse bem: a influência dos EUA na América Latina está diminuindo – isso é bom. Por isso, precisamente, dizemos que a América Latina está passando, do "consenso de Washington", para o consenso sem Washington. JULIAN ASSANGE: [ri] Talvez venha a ser o Consenso de São Paulo. RAFAEL CORREA: Um consenso sem Washington. Exatamente. E é bom, porque essas políticas que nos mandavam do norte não eram feitas em função das necessidades da nossa América, mas em função dos interesses daqueles países, e, sobretudo, dos capitais daqueles países. Se você analisa a política econômica – e, modéstia à parte, disso entendo um pouco –, até talvez tenham sido boas, em algum momento. Mas, tenham sido boas ou más, em certos momentos, todas tiveram o mesmo denominador comum: interessavam, primeiro de tudo, ao grande capital, e, sobretudo, ao capital financeiro. E isso, finalmente, está mudando. Tenho muitas esperanças. Sou muito realista. Sei que avançamos muito, mas muito ainda temos de andar. Sei que o que já andamos não é irreversível, que podemos perder tudo, se os mesmos de sempre voltarem a dominar nossos países. Mas estamos muito otimistas. Acreditamos que a América Latina está mudando e, se continuarmos por essa rota de mudança, a mudança será definitiva. Nossa América não está passando por uma época de mudança, mas por uma mudança de época. Se mantivermos nossas políticas de defesa da soberania, com políticas econômicas nas quais a sociedade controla o mercado, não que o mercado domina a sociedade e converte a própria sociedade, as pessoas, a vida, em mercadoria. Se mantivermos essas políticas de justiça e igualdade social, superando imensas injustiças, de séculos, sobretudo no que tenham a ver com os grupos nativos, os afrodescendentes, etc, a América Latina terá um grande futuro. É a região do futuro. Temos tudo para sermos a região mais próspera do mundo. Se temos conseguido pouco, foi pelas políticas más, pelos maus dirigentes, maus governos. E isso está mudando nessa nossa América. JULIAN ASSANGE: Obrigado, presidente Correa RAFAEL CORREA: Foi um prazer conhecê-lo, Julian, pelo menos por esse meio. E Ânimo! Ânimo! Seja bem-vindo ao clube dos perseguidos. JULIAN ASSANGE: Obrigado. [risos] E cuide-se. Não deixe que o matem. RAFAEL CORREA: Ah, sim. [risos] Evitar isso é trabalho de todos os dias. Gracias. Original em http://anncol-brasil.blogspot.com.br/
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