sábado, 28 de março de 2015

Rússia se soma ao respaldo internacional ao processo de paz

La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 25 de março

O Comandante Carlos Antonio Lozada leu um breve pronunciamento, expressando o beneplácito das FARC-EP pelo apoio da Rússia ao processo de paz da Colômbia, através de seu chanceler Serguei Lavrov.
Nuns comentários que o Comandante guerrilheiro fez, depois de ler o comunicado, afirmou que o apoio ativo se soma às múltiplas expressões de apoio oriundas de muitas partes do mundo, entre outros, o dos EUA através de seu enviado especial. “As FARC-EP estamos em plena disposição de reunir-nos com todos os países”, acrescentou Lozada.
Frente a uma pergunta feita sobre a reforma à justiça através do legislativo, anunciada pelo Presidente Santos ontem, a insurgência enfatizou que essas não são soluções de fundo. “Há uma profunda crise que impregna aos três poderes e só uma Assembleia Nacional Constituinte que elabore um novo marco constitucional poderá dar uma saída real”, salientou o porta-voz da guerrilha.
Uma das vítimas, Clara Rojas, disse desde Washington que vocês devem pedir desculpas, dar a cara ao mundo, assim como as FFMM”, foi a pergunta formulada pelo jornalista de Caracol, Carlos Barragán.
O Comandante deixou claro que a insurgência já tinha feito pleno reconhecimento das responsabilidades que lhe correspondem, diante da comunidade nacional e internacional. Ademais, as FARC-EP têm proposto um Dia Nacional de Contrição e Reconciliação, que seria um dia de perdão coletivo por parte de absolutamente todos os setores responsáveis.

Oficina de Prensa de la Delegación de Paz FARC-EP

-- 

Equipe ANNCOL - Brasil








-- 

sexta-feira, 27 de março de 2015

A da justiça é uma crise orgânica da dominação política oligárquica. A saída é a Constituinte pela paz.

Por Horacio Duque Giraldo 



A explosão de outra crise [os antecedentes estão referidos ao naufrágio de uma reforma ao sistema judicial no ano de 2012 e aos escândalos permanentes no Conselho da Judicatura] no aparelho judicial colombiano com o caso do paramagistrado uribista Pretel, envolvido com sua mulher numa cadeia de situações de corrupção e despojo de terras a campesinos de Urabá, não é mais que o reflexo da crise generalizada do sistema de dominação política da camarilha oligárquica que controla o Estado colombiano.
A crise e o colapso da justiça é similar à da saúde sitiada pelos bandidos, a da educação universitária convertida no pior dos negócios, como vimos no caso da U de San Martin, a dos militares com os “falsos positivos”, a da economia com a queda dos preços do petróleo, a da corrupção em municípios e estados onde há uma cascata de saqueios aos dinheiros públicos, a dos partidos políticos, a do sistema eleitoral penetrado pela criminalidade, a das cidades arruinadas pelo neoliberalismo, a do campo sitiado pela violência, a dos meios de comunicação dominantes infestados de mentiras e promotores da investida propagandística e ideológica, a de Transmilenio e a mobilidade em Bogotá, enfim, a crise do poder de umas elites contrárias aos interesses das maiorias nacionais afetadas pela pobreza, a miséria e a negação estrutural dos direitos humanos.
Com esse panorama, não resta mais alternativa que recorrer à caixa de ferramentas de Gramsci para esclarecer com o pensamento crítico o que é isto, para onde marcha o campo político da sociedade e quais são as saídas apropriadas para formular alternativas democráticas e revolucionárias, na perspectiva do socialismo e do poder popular.
Antonio Gramsci definiu, para situações como a que hoje vivemos, o conceito de “crise orgânica”. Se trata desses momentos históricos em que as forças dominantes fraturam as relações entre a sociedade e o Estado, entre a economia e a política, e não podem exercer sua direção do modo habitual.
Porém, longe de simplismos, propomos aprofundar um pouco mais no significado da “crise” e para isso convém que examinemos aqueles textos nos quais mais direta e explicitamente Gramsci analisa tal situação crítica e problemática e que nos entregam luzes para interpretar a conjuntura colombiana.
Gramsci fixa em suas reflexões alguns elementos fundamentais de uma teoria da “crise orgânica”.
Primeiro elemento. Com o conceito de “crise” Gramsci identifica uma fase histórica complexa, de longa duração e de caráter mundial, e não um ou mais acontecimentos que sejam as manifestações particulares dela. O conceito de crise define, com efeito, aquilo que habitualmente se denomina “período de transição”, isto é, um processo crucial no qual se manifestam as contradições entre a racionalidade histórico-política dominante e o surgimento de novos sujeitos históricos portadores de inéditos comportamentos coletivos, que, no nosso caso, são os potentes movimentos sociais, um dos quais é a resistência campesina revolucionária contra a violência terra-tenente, encarnada nas Farc.
Se trata de um processo –escreve Gramsci- que tem muitas manifestações e no qual as causas e os efeitos se complicam e se superpõem. Se pode dizer que a crise como tal não tem uma data de começo senão só de algumas manifestações mais clamorosas que costumam identificar-se com a crise, errônea e tendenciosamente. Toda a pós-guerra é crise, com intentos de evitá-la que algumas vezes têm êxito neste ou noutro país, nada mais. Para alguns, e talvez não erroneamente, a guerra mesma é uma manifestação da crise, inclusive a primeira manifestação da crise.
Em primeiro termo, deve-se notar que a “grande guerra”, ou seja, a primeira guerra mundial, dadas suas dimensões, manifesta o caráter mundial da crise mesma. O caráter mundial da crise é destacado por Gramsci naquela passagem em que se pode escapar dela; ilusão que deriva do fato que não se compreende que o mundo é uma unidade, se queira ou não se queira, e que todos os países permanecendo em certas condições estruturais passarão por alguma “crise”.
O segundo elemento consiste na identificação dela como processo que envolve ao conjunto da vida social, razão pela qual não pode ser reduzida a seus aspectos particulares: crise financeira, crise de autoridade, crise comercial, crise produtiva, crise judicial, etc. É difícil nos fatos separar a crise econômica das crises políticas, ideológicas etc.
É com o conceito de crise orgânica que Gramsci define uma crise histórica global. Ele contrapõe o conceito de crise orgânica ao conceito de crise conjuntural [como a judicial]. Uma crise conjuntural não é de ampla dimensão histórica e se apresenta como ocasional, imediata, quase acidental, diz, e está determinada por fatores “variáveis e em desenvolvimento”. Uma crise de caráter orgânico, por outro lado, afeta aos grandes agrupamentos mais além das pessoas imediatamente responsáveis e mais além do pessoal dirigente; neste caso “se verifica uma crise que amiúde se prolonga por décadas”. Esta duração excepcional significa que na estrutura se revelaram [amadureceram] contradições irremediáveis, ainda que as forças políticas que atuam em ordem à conservação e defesa da mesma estrutura se esforçam por sanar em certos limites e superar, com reformas imanentes e retoques cosméticos, como os 5 que agora Santos propõe para a crise da justiça.
As crises [conjunturais ou orgânicas] se manifestam no terreno do mercado determinado; Gramsci entende por mercado determinado determinada relação de forças sociais numa determinada estrutura do aparelho de produção, relação garantida, ou seja, feita permanente, por uma determinada superestrutura política, moral, jurídica.
Porém, que é o mercado determinado e por que coisa está determinado? Está determinado pela estrutura fundamental da sociedade em referência, e então será preciso analisar esta estrutura e identificar nela aqueles elementos [relativamente] constantes que determinam o mercado etc., e aqueles outros “variáveis e em desenvolvimento” que determinam as crises conjunturais, até que também os elementos [relativamente] constantes sejam modificados produzindo-se a crise orgânica.
Escrevendo especificamente sobre a “grande crise”, Gramsci assinala que cada vez mais a vida econômica veio concentrando em torno a uma série de grandes produções massivas, e estas são as que estão em crise: controlar esta crise é impossível precisamente por sua amplitude e profundidade, que chegaram a ter tais dimensões que a quantidade se converte em qualidade, ou seja, há crise orgânica e não só conjuntural.
Quando Gramsci destaca o caráter orgânico da crise, toma distância a respeito da associação que se faz comumente entre o conceito de crise histórica global e das situações de estancamento ou depressão econômica.
Outra questão vinculada com a anterior –escreve- é a de ver se as crises históricas fundamentais estejam determinadas imediatamente pelas crises econômicas. Se pode excluir que, por si mesmas, as crises econômicas imediatas produzam acontecimentos fundamentais, que é a tentação de alguns com a crise econômica em curso devido à queda dos preços do petróleo e seus efeitos fiscais.
A estas considerações, faz seguir o exemplo da grande crise de 1789 na França: ela se desenvolve num período em que a situação econômica era bem mais boa imediatamente, pelo qual não se pode dizer que a catástrofe do Estado absoluto se tenha devido a uma crise de empobrecimento. A ruptura do equilíbrio de forças não sucede por causas mecânicas imediatas de empobrecimento do grupo social que tinha interesse em romper o equilíbrio e que, de fato, o rompe [a classe burguesa], senão que sucede no contexto de conflitos superiores ao mundo econômico imediato, conectados ao “prestígio” de classe [interesses econômicos futuros], a uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder. A questão particular do mal-estar ou do bem-estar econômico como causa de novas realidades históricas é um aspecto parcial da questão das relações de forças em seus diferentes graus, nos enfatiza Gramsci.
A crise orgânica não é, pois, nem uma crise puramente econômica nem uma crise especificamente política, ela consiste precisamente na contradição entre as relações econômicas existentes e as relações políticas emergentes, entre economia e política, entre “condições” e “iniciativas”, entre estrutura e superestrutura.
Em estreita relação com este segundo elemento, se apresenta o terceiro elemento da teoria da crise orgânica:
“Uma das contradições fundamentais é esta: que, enquanto a vida econômica tem como premissa necessária o internacionalismo, ou melhor, o cosmopolitismo, a vida estatal se desenvolveu sempre mais no sentido do ‘nacionalismo’, ‘da autossuficiência’” etc. Um dos traços mais vistosos da “atual crise” é nada mais que a exasperação do elemento nacionalista [estatal nacionalista] na economia: racionamentos, restrições ao comércio de divisas, comércio equilibrado entre dois países etc.
A crise se apresenta no período em que o capitalismo havia formado um mercado de dimensões mundiais, e portanto se havia criado a possibilidade de que os grupos econômicos dominantes nas nações particulares obtivessem lucros subtraindo-os de outras nações capitalistas; nestas condições, o mercado econômico internacional se constitui como o lugar de competição entre grupos econômicos dominantes nacionais. Sendo o mercado uma determinada relação de forças sociais numa determinada estrutura do aparelho de produção, a conformação do mercado mundial significa: a) que as forças sociais começam a atuar em escala mundial, numa estrutura do aparelho de produção que apresenta uma interdependência crescente entre as particulares estruturas produtivas nacionais; b) que as forças sociais que, enfrentando-se entre si, constituem as relações de força, se torna muito mais complicado pela substancial multiplicação dos contendores.
Nestas condições, os grupos econômicos dominantes, respectivamente unificados nos diferentes Estados nacionais, se defendem uns dos outros através de políticas econômicas nacionalistas, protecionistas.
Me parece –escreve Gramsci- que, fazendo uma análise da crise, se deveria começar enumerando os impedimentos postos pelas políticas nacionais [ou nacionalistas] à circulação: 1) das mercadorias; 2) dos capitais; 3) dos homens [trabalhadores e fundadores de novas indústrias e novas empresas comerciais]. A premissa maior neste caso é o nacionalismo, que não consiste tanto na intenção de produzir no próprio território tudo o que se consome [que significaria que todas as forças são orientadas prevendo-se um estado de guerra], e que se expressa no protecionismo tradicional, senão no tentativo de estabelecer as principais correntes comerciais com determinados países, ou porque são aliados [e portanto se quer sustentá-los e formar de uma maneira mais apta para uma situação de guerra] ou porque se quer destruí-los já desde antes da guerra militar [e este novo tipo de política econômica é o dos “racionamentos”, que parte do absurdo de que entre dois países deva ter um balanço de intercâmbios parelho, e não que cada país possa balançar em paridade só comercializando com todos os países indistintamente].
Este nacionalismo da vida estatal era, pois, resultado direto do internacionalismo da vida econômica [internacionalismo contraditório e parcial, enquanto expressão da ampliação do raio de ação dos grupos econômicos que se unificam somente em nível nacional]. Eis aqui porque a primeira guerra mundial foi a “primeira resposta dos responsáveis” pela crise. E a segunda guerra mundial mostrará depois a insuficiência dessas respostas a esta crise.
A contradição entre o cosmopolitismo da vida econômica e o nacionalismo da vida estatal está, pois, na origem da guerra, enquanto as relações de força a nível internacional [entre as classes dominantes unificadas nos Estados nacionais particulares] não encontravam um lugar de confrontação política, isto é, um lugar de mediação e de recomposição, como poderia ter sido uma instituição estatal supranacional. À falta de uma dialética política das relações de força internacionais, é o momento militar [das relações de força] que se impõe. Neste sentido, a guerra constituiu um substituto de um Estado multinacional, ou seja, um complexo de atividades práticas e teóricas militares [que definem a guerra, o Estado como guerra] em lugar daquele conjunto de atividades práticas e teóricas políticas que faltam em nível internacional, que definem o Estado. Neste sentido, deve-se entender a concepção da guerra como continuação da política com outros meios.
Por isso, deve-se reexaminar a explicação leninista da guerra, segundo a qual a guerra é a luta inter-imperialista pelo domínio dos mercados coloniais, para a subdivisão e nova repartição das colônias.
O quarto elemento da teoria da crise orgânica está implícito nos três elementos já expostos, e consiste na identificação da origem da crise numa mudança global das relações de força entre as classes e os Estados.
“A crise tem sua origem em relações técnicas, ou seja, nas posições de classes correspondentes, ou em outros fatos”. Legislações, subversões etc.? Certo, parece demonstrável que a crise tem origens “técnicas”, ou seja, nas respectivas relações de classes, porém, em seus inícios, as primeiras manifestações ou previsões deram lugar a conflitos de diferentes tipos e a intervenções legislativas que puseram em evidência a crise mesma porém não a determinaram, ou só lhe incrementaram alguns fatores. Esta não é a simples reafirmação do critério teórico-metodológico geral segundo o qual todos os processos históricos são produzidos por e podem ser explicados como conflitos entre as classes; ela, bem mais, resume uma análise histórica específica da “grande crise” e de suas manifestações particulares. Em particular, Gramsci proporciona uma explicação original dos fenômenos da inflação e deflação, da “perturbação” do equilíbrio dinâmico entre a cota consumida e a cota poupada da renda nacional e o ritmo da produção como expressão de mudanças nas relações de força entre as classes e entre os Estados.
Sobre os fenômenos “monetários da crise”: quando num Estado a moeda muda [inflação ou deflação], se produz uma nova estratificação de classes no mesmo país; porém, quando muda uma moeda internacional [por exemplo, a esterlina e, menos, o dólar etc.], ocorre uma nova hierarquia entre os Estados, o que é mais complexo e leva a reduções no comércio e, amiúde, a guerras, isto é, há uma passagem “gratuita” de mercadorias e serviços de um país a outro, e não somente de uma classe a outra da população. A estabilidade das moedas é uma reivindicação, no interno, de algumas classes, e no externo [para as moedas internacionais nas quais se firmaram compromissos] de todos os comerciantes; porém, por que elas variam? As razões são muitas, certamente: 1. porque o Estado gasta demasiado, ou seja, não quer fazer pagar seus gastos a certas classes diretamente, senão que indiretamente a outras e, se lhe é possível, a países estrangeiros; 2. porque não se quer diminuir um custo “diretamente” [exemplo, o salário], senão só indiretamente e num tempo prolongado, evitando conflitos perigosos etc. Em todo caso, também os efeitos monetários são devidos à oposição entre os grupos sociais, que é preciso entender nem sempre no interior do mesmo país em que sucede, senão que em relação com um país antagonista
Sobre o problema do desequilíbrio entre o consumo, a poupança e a produção na “grande crise”, Gramsci compreende, ademais, que, em suas raízes, mais que de um desequilíbrio nas relações entre salários e lucros, se trata do fato que tem ocorrido na distribuição da renda nacional através do comércio e da bolsa especialmente, que se introduziu na pós-guerra [ou aumentou em comparação com o período precedente] uma categoria de exatores/depredadores que não representa nenhuma função produtiva necessária e indispensável, enquanto absorve uma cota imponente da renda.
Se trata, pois, da formação [ou da ampliação mais além de certos limites] de um grupo social “parasitário”, que implica na estruturação de uma composição demográfica irracional. Surge uma crise quando crescem as forças do consumo em comparação com as de produção; porém, não se trata somente de uma questão quantitativa.
A crise existe quando uma função intrinsecamente parasitária [da classe política, burocrática e militar] se demonstra necessária dadas as condições existentes: isso faz com que tal parasitismo seja ainda mais grave. Precisamente quando um parasitismo é “necessário”, o sistema que cria tal necessidade está condenado em si mesmo.
Em nosso caso, bem podemos estar falando do parasitismo da classe política/judicial/militar que despoja a seu bel-prazer todo o excedente controlado pelo Estado e seu governo, com Santos à frente.
Estes processos não dependem naturalmente do desenvolvimento dos mecanismos econômicos, senão que são resultado de projetos políticos que têm em sua base o problema das relações de força entre as classes.
Ainda mais:
Que não se queira [ou não se possa] mudar as relações internas [e tampouco retificá-las racionalmente], aparece na política da dívida pública, que aumenta continuamente o peso da passividade demográfica, precisamente quando a parte ativa nacional, aumentam os parasitas, a poupança se restringe e é desinvestida do processo produtivo e desviada para a renda pública, ou seja, convertida na causa de um novo parasitismo absoluto e relativo.
O quinto elemento da teoria da crise econômica consiste na identificação da ruptura dos automatismos dados e no surgimento de novos comportamentos coletivos, os quais, no entanto, não conseguem expandir-se até o ponto de substituir aos precedentes. Esta é uma situação de contraste entre “representantes e representados”, cujo conteúdo é a crise de hegemonia da classe dirigente, que sucede, ou porque a classe dirigente falhou em alguma grande empresa sua para a qual exigiu, ou impôs pela força o consenso das grandes massas [como a guerra], ou porque vastas massas [especialmente de campesinos e de pequenos burgueses intelectuais] passaram de repente da passividade política a uma certa atividade e expõem reivindicações que em seu conjunto inorgânico constituem uma revolução. Se fala de “crise de autoridade” e ela é precisamente uma crise de autonomia ou uma crise do Estado em seu conjunto.
É uma crise do Estado em seu conjunto, em que a classe dirigente vê posta em tela de juízo sua "autoridade”, seja por um fracasso próprio numa empresa política de envergadura, seja pela mobilização ativa e consciente de amplas camadas sociais antes inativas.
Estas crises de hegemonia são uma luta entre “dois conformismos”. Os velhos dirigentes intelectuais e morais da sociedade sentem que se lhes afunda o terreno sob os pés, se dão conta de que suas “pregações” se converteram precisamente em “pregações”, isto é, em algo alheio à realidade, em pura forma sem conteúdo, em larva sem espírito; daqui seu desespero e suas tendências reacionárias e conservadoras: a forma particular de civilização, de cultura, de moralidade que eles representaram se decompõe e por isto proclamam a morte de toda civilização, de toda cultura, de toda moralidade e pedem ao Estado que adote medidas repressivas, e se constituem num grupo de resistência distanciado do processo histórico real, aumentando, deste modo, a duração da crise, porque o ocaso de um modo de viver e de pensar não se pode produzir sem crise.
Este é o elemento decisivo da teoria gramsciana da crise orgânica. O que permite identificar o papel da crise econômica ao interior da crise orgânica: Se pode excluir que, por si mesmas, as crises econômicas imediatas produzam acontecimentos fundamentais; somente podem criar um terreno mais favorável para a difusão de certos modos de pensar, de expressar e de resolver as questões que implicam todo o desenvolvimento posterior da vida estatal.
Uma crise econômica consiste, com efeito, num desequilíbrio nas relações de forças do mercado determinado tal que debilita os automatismos dominantes nos comportamentos coletivos, isto é, tal que faz surgir comportamentos deteriorados, anômalos [especulações, monopólios, armazenamentos etc.]. Estes comportamentos são de natureza regressiva; no entanto, o enfraquecimento dos “automatismos dados” é aquele que torna possível que novos comportamentos coletivos se elaborem e difundam, isto é, que, frente aos novos problemas, amadureçam novas respostas teóricas e práticas ao interior de certos grupos e organizem sua atividade.
Mais concretamente, se trata de processos de mobilização e de ativação política de determinadas classes, as quais passam da passividade à atividade, do consenso passivo à autonomia política, da fase econômico-corporativa à organização em partidos, e que, enfim, se põem o objetivo da “conquista” do Estado com o objetivo de que os novos comportamentos dos que são portadores se generalizem em toda a sociedade.
Em suma.
A crise orgânica está, pois, no fato de que determinadas classes não se reconhecem mais na vida estatal, se separam dos grupos dirigentes dados, porém, ao mesmo tempo, ainda não conseguem impor-se como novas classes hegemônicas. É a sacudida do “bloco histórico” completo, a crise que abarca tanto a perda da hegemonia como da possibilidade dos dominantes de fazer avançar a economia, afetando a estrutura e a hegemonia criada.
Em palavras de Gramsci, se a classe dominante perdeu o consenso, então não é mais “dirigente”, senão que unicamente dominante, detentora da pura força coercitiva, o que significa que as classes dominadas se separaram das ideologias tradicionais, não creem mais no que acreditavam antes. A crise consiste justamente em que o velho morre e o novo não pode nascer, e neste terreno se verificam os fenômenos mórbidos mais diversos.
Se trata, na crise orgânica da dominação oligárquica, de uma desintegração do bloco histórico, no sentido de que os intelectuais que estão encarregados de fazer funcionar o nexo estrutura-superestrutura se separam da classe a que estavam organicamente unidos e já não permitem que exerça sua função hegemônica sobre o conjunto da sociedade. «A classe dominante perdeu o consenso.» Quer dizer, já não é dirigente, senão que unicamente dominante, detentora de uma força coercitiva pura.
A crise orgânica de uma classe ou grupo social sobrevém na medida em que esta desenvolveu todas as formas de vida implícitas em suas relações sociais, porém, graças à sociedade política e suas formas de coerção, a classe dominante mantém artificialmente sua dominação e impede que a substitua o novo grupo de tendência dominante.
Uma tal crise orgânica bem pode estar provocada pelas grandes massas da população que passam subitamente da inatividade política a uma certa atividade e expressam reivindicações que em seu próprio complexo inorgânico constituem uma revolução. A crise orgânica que se manifesta como desaparecimento do consenso que as classes subalternas acordam à ideologia dominante não podem culminar com o aparecimento de um novo bloco histórico, senão na medida em que a classe dominada fundamentalmente saiba construir, pela mediação orgânica de seus intelectuais, um novo sistema hegemônico dominante capaz de opor-se ao anterior e eficaz para estender-se por todo o âmbito social. Quer dizer, capaz de conquistar a sociedade civil como prelúdio à conquista da sociedade política.
Hoje, o que temos em Colômbia é a forte sensação social de caducidade das velhas instituições em que se assenta o controle político, representadas particularmente no anacrônico e ancilosado poder judicial, o desprestigiado poder legislativo, o corrupto poder legislativo, o corrupto poder executivo e o degenerado poder militar, sem que se salvem outros estamentos como a polícia, os políticos tradicionais e as burocracias sindicais. Evidentemente, não só são objeto do protesto popular os setores da superestrutura política: o são também, entre outros, e isto é novo, os bancos, as empresas privadas, o FMI e suas receitas neoliberais, a OCDE, o que dá à revolta popular um claro sabor anticapitalista.
As velhas e mumificadas instituições da representação política funcionais ao domínio oligárquico, pelo menos tal qual estão concebidas até agora, não resistem à prova dos fatos e são superadas por um povo e uma opinião que já não quer delegar e que projeta organizar-se com fortes doses de autonomia e de rechaço aos poderes constituídos.
São circunstâncias em que o bloco ideológico dominante tende a desintegrar-se e a perder sua capacidade de impulsionar o sistema para adiante, porém conta ainda com forças que podem moderar a crise e impedir um desenlace revolucionário.
Por isso, é necessário definir com clareza a correlação de forças e entender que o sistema de dominação não se constitui a partir da fachada da Casa de Nariño para dentro, senão que se conforma como um conjunto de forças que estão por trás do poder e que se reagrupam quando o “governo democraticamente eleito” perde o consenso e se racha e as massas começam a ganhar o campo político. É então quando aparecem as mancomunações, esses reagrupamentos que se verificam com as cúpulas de poderes em Palácio integrando o gabinete, a Igreja, os sindicalistas, construindo um mentiroso “diálogo de unidade nacional” do qual participam secretamente o FMI, o Banco Mundial, a UE, a OCDE e a Embaixada dos EUA e quando as forças políticas do sistema abandonam suas diferenças secundárias e se organizam à vista de todos como “partido único do sistema” no qual se chafurdam a U, os liberais, conservadores e sindicalistas pelegos.
Um novo sujeito popular.
Porém, também é imprescindível anotar com letras maiúsculas, porque é o fenômeno mais transcendente, que a característica principal da situação é que o sujeito popular massivo que ganha as ruas e o espaço público deixa de aceitar a direção das maquinarias politiqueiras que até ontem simplesmente o representavam.
Uma das características da crise orgânica é que a burocracia dirigente terminou por separar-se da massa; os partidos tradicionais, com a forma de organização que apresentam como empresa eleitoral, com aqueles determinados homens que os constituem, representam e dirigem já não são reconhecidos como expressão própria de sua classe nem de uma fração dela, diz Gramsci, concluindo que o partido termina por converter-se em anacrônico e, nos momentos de crise aguda, desaparece seu conteúdo social e fica como [se estivesse] nas nuvens.
Na crise orgânica, o sistema reforça a presença dos fatores do Estado que não se especializam precisamente nas arquiteturas do consenso ou no exercício cuidadoso da hegemonia cultural, e sim nos instrumentos de exercícios da coerção e corrupção, para o qual tende a territorializar as forças militares, a militarizar as polícias e forças de segurança e a combinar suas ações com as forças repressivas do poder global, como as que giram agora ao redor das bases ianques em nosso território e outras iniciativas militaristas.
A crise não é, e a realidade colombiana assim o confirma, algo surgido da noite pro dia. Se aduba de um leque de elementos de deterioração da dominação oligárquica no tempo e num regueiro de lutas populares que adquirem diversas formas e respondem a diferentes segmentos do sujeito popular, porém que vão se complementando entre si.
Há uma forte recuperação de elementos de consciência coletiva que se encontravam deteriorados por anos de ofensiva neoliberal.
Nas atuais circunstâncias, a função histórica das esquerdas, mais que autoproclamar-se vanguardas, é propender a fortalecer os elementos de autonomia e de cidadania das massas e da constituição de fatores de poder popular assentados no protagonismo do novo sujeito popular.
Há que considerar que nas crises orgânicas os setores dominantes não se paralisam, senão que buscam aproveitar a revolta inorgânica para produzir movimentos reacionários de direita buscando o massacre das mobilizações o e retorno à passividade política.
Por isso se torna decisivo propor nas assembleias e mobilizações populares e em cada circunstância, agora que o momento é propício, a construção de uma contra hegemonia, de um contrapoder, de um novo sistema de instituições que consolidem o direcionamento das forças antagônicas às da dominação.
Se bem que é necessário atuar com rapidez e responder um a um aos acontecimentos, deve-se prever também que a crise, que está aberta, tenha uma duração prolongada como produto dos esforços do bloco dominante por sustentar o regime.
Portanto, será crucial o aspecto da organização popular e sua capacidade para que a diversidade prevalecente possa manifestar-se de maneira unificada nas lutas por um período extenso para dar uma via positiva à espontaneidade e acumular forças. Junto, pois, aos esforços apontados à constituição do sujeito num novo sistema hegemônico, serão decisivas as tarefas de reforço das forças definidamente revolucionárias.
O elemento decisivo de toda situação –e voltamos a Gramsci- é a força permanentemente organizada e predisposta desde longo tempo que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável [e é favorável só na medida em que uma força tal existe e está impregnada de ardor combativo].
Nesse sentido, a iniciativa apresentada desde Havana pela delegação das Farc de convocar uma Assembleia Constituinte soberana pela paz é um elemento que pode unificar todos os setores populares na ideia de uma mudança radical do Estado e do regime social e político na perspectiva de uma democracia ampliada e com justiça social.
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Manuel Marulanda Vélez - O estrategista da paz

Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 26 de março de 2015 


Marulanda foi um dos mais importantes guerrilheiros colombianos e latino-americanos. 
Quando muitos nomes de políticos medíocres forem esquecidos, o de Marulanda  
será reconhecido como um dos mais dignos e firmes lutadores pelo bem-estar dos camponeses, dos trabalhadores e dos pobres da América Latina. 
FIDEL CASTRO RUZ 

Hoje é o dia do direito universal dos povos do mundo à rebelião, ao levante armado contra a opressão. Assim o instituíram, há seis anos, numerosos movimentos políticos e sociais, partidos de esquerda, sindicatos, coletivos populares, muitos acadêmicos e pessoas comuns, em homenagem a Manuel Marulanda Vélez, rememorando o comandante morto em 26 de março de 2008. Como palpita vital e sonoro o internacionalismo no imenso peito da humanidade! Quanta razão tinha Che ao definir a solidariedade como a ternura dos povos! 

O recurso à rebelião é um direito natural e histórico. No próprio preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948, se consagra e legitima este direito, impresso, além disso, de maneira indelével na história do constitucionalismo mundial, desde a Declaração da Filadélfia, de Independência dos Estados Unidos. 

Para recordar hoje Manuel Marulanda Vélez em sua incrível trajetória de resistência, vamos nos referir a este direito universal, através de reflexões do Libertador sobre a temática, datas públicas nas páginas do Correo del Orinoco em 1821. Dizia Bolívar que “O homem social pode conspirar contra toda lei positiva que tenha encurvado seu pescoço, protegendo-se com a lei natural/ Sem dúvida, – dizia – é algo severo esta teoria, porém ainda quando sejam alarmantes as consequências da resistência ao poder, não é menos certo que existe na natureza do homem social um direito inalienável que legitima a insurreição. 

E, de maneira pragmática, nos recomenda, também nas páginas deste documento, que “A fim de não embaralhar a gramática da razão, deve dar-se o nome de insurreição a toda conjuração que tenha por objetivo melhorar o homem, a pátria e o universo”

E de nossa parte diríamos que Manuel Marulanda Vélez deu vida àquela assertiva bolivariana de que “A insurreição se anuncia com o espírito de paz, se resiste contra o despotismo porque este destrói a paz, e não a tomada das armas, mas para obrigar seus inimigos à paz”, com a formação do exército do povo que moldou com suas mãos camponesas: as FARC-EP. 

Por isso, estamos aqui na trincheira de Havana, resolutos a alcançar com o respaldo da vontade nacional, da mobilização nacional, com o apoio de nossos jovens, de nossas mulheres, de nossos camponeses e povos indígenas, das comunidades afro, dos povos originários e de toda população urbana, a vitória da paz e a reconciliação da Colômbia, sobre bases de vida digna, democracia verdadeira e soberania pátria. 

O fim da confrontação armada mediante o diálogo civilizado é uma necessidade do momento. Porém, as castas oligárquicas que maltrataram e submeteram o povo nos 184 anos de vida republicana, caso se parta de 1830, devem se distanciar desse sentimento mesquinho e excludente, de querer obter para si uma paz sem custos, uma paz grátis. Os colombianos pedem aos gritos a “restauração moral” da Repúbica sobre os pilares solidários e estruturas de humanidade, uma paz que nos garanta pão, emprego, terra, salários justos, saúde e educação gratuitas e de qualidade, habitação digna, transporte barato, serviços públicos, conectividade, boas estradas, o respeito à biodiversidade e ao meio ambiente, uma democracia que considere o cidadão comum, instituições que sejam o orgulho de todos por sua probidade e forças armadas defensoras da soberania e das garantias sociais. Tudo isso como a nova bandeira que caracterizará a Colômbia do futuro, a do pós-acordo de paz. 

Neste sétimo aniversário da morte de Manuel em sua trincheira na selva – enquanto dirigia seus guerrilheiros que enfrentavam a assimetria militar do importado Plano Colômbia –, queremos pedir a todo povo e aos intelectuais, que são uma força viva e poderosa, que se mobilizem ostensivamente, em defesa deste processo que nos conduzirá à reconciliação. Nós que ansiamos a paz com justiça social, econômica e política, somos mais, muito mais. 

Convidamos nossa contraparte na Mesa de Negociações para que, recorrendo não à lei obtusa, nem aos caprichos e ficções, mas ao sentido comum, a retirar toda a perversidade jurídica que atravessa, como uma mula morta, o caminho da paz. 
Considerem que o direito à rebelião é uma resposta aos abusos do poder e este pressuposto sugere que existe um responsável máximo nítido ao longo da história e que o levante em armas é um direito que assiste a todos os povos do mundo quando se trata de resistir aos atropelos e desaforos do poder. 

A paz é o bem superior; o direito síntese sem o qual os direitos restantes seriam totalmente inaplicáveis. Queremos sua ascensão rápida, sem a demora dos mestres da arte de negociar sem ceder. Acreditamos firmemente que a verdade tem efeitos curadores e de justiça, que é necessário criar desde já o Fundo Espacial de Reparação Integral e garantir que todos os responsáveis, absolutamente todos, não apenas Gaviria, mas todos aqueles constantes no transcendental informe da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, peçam perdão. Além disso, propomos a afirmação do comprometimento, como uma só vontade, de um irreversível NUNCA MAIS. 

Agradecemos ao comandante Fidel Castro por suas sinceras e convincentes palavras publicadas no prefácio deste pronunciamento. Certamente, Manuel não era homem de posses nem de alardes; era original e autêntico, um líder natural saído do povo, convertido no maior estrategista da guerra de guerrilhas móveis do continente. Esta insurgência bolivariana, surgida de Marulanda, crê na possibilidade da paz, na força irresistível da unidade e na solidariedade dos povos para alcançá-la. 

Concluímos esta intervenção com um fragmento de um poema do poeta Luis Vidales, dedicado a nossa velha alma, o sempre vivo Manuel Marulanda Vélez: 

Manuel é o pai da selva colombiana 
É o pastor da paz no rebanho 
Manuel é irmão dos rios e do vento 
E além, onde é mais livre a montanha 
Doce pátria para o céu, além o sinto. 

Glória eterna a nossos fundadores, a nossos companheiros caídos, e nossa solidariedade com os feridos e mutilados na confrontação contra o Estado, com nossos prisioneiros de guerra e civis condenados pela rebelião. 


Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP 





-- 

quinta-feira, 26 de março de 2015

Santos está brincando com a paz,

Por Matías Aldecoa
Avançamos como nunca, porém ainda há muito pano por cortar”, foi a expressão “coloquial” do Comandante Pablo Catatumbo, ao chamar a atenção sobre o mal-intencionado manejo midiático que o governo faz do processo de paz, dizendo meias verdades ou falsidades, com o que semeia expectativas que não correspondem à realidade.
Um imenso dano está causando ao processo a “intensa campanha midiática oriunda de diversos flancos institucionais que dá a sensação de que o acordo está na volta da esquina”. A realidade é que o Presidente Santos instrumentalizou o processo de paz como estratégia de campanha para que obtenha um bom resultado nas urnas em outubro, sacrificando o avanço das conversações e brincando com o desejo de paz dos colombianos.
Em Havana apraza e apraça, cada vez mais, a retomada das ressalvas e se mostra intransigente para concertar o tema de justiça, para combinar o cessar-fogo bilateral e se nega a desmantelar o paramilitarismo com o argumento mentiroso de que este “já não existe”.
Qual será o efeito sobre a população iludida com umas expectativas desproporcionais, se chegarem a apresentar-se no desenvolvimento das Conversações obstáculos intransponíveis? De quem será a responsabilidade de uma nova frustração do povo, construída de forma maquiavélica com mentiras do governo?
Nós, as FARC-EP, estamos comprometidos com a paz, uma paz edificada sobre firmes alicerces para que possa ser duradoura. Nisto se fundamenta nossa preocupação pelo pouco interesse que Juan Manuel Santos tem em avançar nos pontos 3 e 5 da Agenda Geral –dos quais se ocupa a Mesa na atualidade-, e em retomar os “temas cruciais” que compõem as 28 ressalvas sobre política agrária, participação política e cultivos ilícitos.
O povo colombiano que tem sofrido a guerra durante 50 anos, e mais, deve relembrar a Santos que o elegeu foi para que ponha fim ao conflito e não para que se perpetue no poder mediante a reprodução dos males que têm impedido finalizar a guerra.



Vergonha da Nação”
O sistema judicial colombiano se encontra submerso numa profunda crise motivada pelos recentes escândalos de corrupção, tráfico de influências e vínculos com o paramilitarismo que envolve ao presidente da Corte Institucional.
Como o país sabe, o magistrado Jorge Inacio Pretelt Chaljub se nega a renunciar a seu cargo apesar de que a Promotoria Geral da Nação o investiga pelos delitos de tráfico de influências, gestão para delinquir exacerbada, deslocamento forçado de população civil, lavagem de ativos e destruição e apropriação de bens protegidos.
O argumento de Pretelt para ficar no posto é que os outros oito magistrados que lhe estão pedindo a renúncia também têm motivos para serem investigados –afirmou que as práticas corruptas que lhe impingem são usuais no alto mundo judicial-, o que nos mostra o nível de degradação moral em todos os órgãos do poder público e que o caso Pretelt é só um sintoma da enfermidade crônica da qual a esfera judicial padece.
A Colômbia necessita de urgentes mudanças institucionais que não poderão vir senão de uma Assembleia Nacional Constituinte [...] devemos honrar a justiça no sentido mais amplo, como aspiração suprema dos povos”, é o que disseram as FARC-EP em Cuba, na voz do integrante do Secretariado, Pastor Alape, ao ocupar-se do tema.
Faz-se necessário iniciar na Mesa de conversações uma profunda reflexão sobre as mudanças fundamentais que a justiça requer e todo o país indignado clama. Isso requer o envolvimento de pesquisadores e jornalistas comprometidos com a restauração moral da nação, da participação da academia e dos líderes e movimentos sociais; para produzir umas elaborações substanciais que sirvam de insumos ao cenário dos Diálogos, no qual buscamos configurar uma nova institucionalidade, que garanta a paz democrática.



O desminado é humanitário!
Outro tema mencionado pela Delegação de paz das FARC-EP na jornada de 21 a 23 de março, no marco dos Diálogos de Havana, foi o relacionado com o Acordo sobre limpeza e descontaminação do território.
O Comandante Ricardo Téllez, numa rodada de imprensa, esclareceu que o caráter do desminado é humanitário, se realiza exclusivamente em algumas zonas onde a população civil corre risco e é bilateral, isto é, tem como propósito remover dos lugares também as cargas explosivas que foram lançadas pela aviação e a artilharia do exército e que não explodiram.Ler: Pondo as cosas a limpo
O desminado militar, remoção e limpeza de explosivos não se realiza ainda, posto que a guerra não terminou; este começará a ser feito quando se comece a implementar o acordo final depois de que o subscrevam as partes.
Em correspondência com esse tema, a Subcomissão Técnica das FARCrealizou duas reuniões com representantes da organização Ajuda Popular Noruega (APN) –encarregada de cordenar o desminado- e com delegados doExército, chefiados pelo General Javier Flores, para definir os detalhes operativos do desminado humanitário em três pontos do territorio nacional.
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil




Paz e divisão das Forças Armadas.

Por Horacio Duque Giraldo
Se torna estúpido desconhecer a enorme incidência das conversações de paz entre o governo de Santos e as FARC em Havana sobre o funcionamento do Estado e da sociedade colombiana. Amplos setores da nação dão seu apoio crescente aos diálogos, como o confirmam recentes pesquisas. No entanto, grupos retrógrados de natureza fascista fazem até o impossível para sabotar a Mesa de concertação cujo objetivo é a superação da cruenta guerra civil colombiana.
Sobre essa fratura matriz se projetam outras divisões em diversos âmbitos do país.
As Forças Armadas não são alheias a dita circunstância e as tensões e antagonismos em seu interior são um fato notório.
Há militares guerreireistas de ultra direita, seguidores das fantasias ultramontanas e assassinas de Uribe Vélez, inimigos radicais da paz e adeptos da violência que os clãs oligárquicos do bloco de poder promovem.
Há outros, mais civilizados, respeitosos da constituição e da legalidade, propensos ao diálogo e à solução política do conflito nacional [Herrera Berbel, Padilla, Samudio, Bonet, García Flores, entre outros].
Se trata de um fato saudável, positivo e estimulante, pois é nos aparelhos armados do governo onde elementos tão inescrupulosos e corruptos como o senhor Uribe pescam em águas turbulentas com as mais repugnantes especulações, diatribes e discursos promovidos para induzir à conspiração, ao golpismo e ao bloqueio aos processos de democratização do Estado. Desde que está funcionando a Mesa de conversações em Havana, instalada em outubro de 2012, se conheceram diferentes episódios orquestrados por generais e oficiais para travar e prejudicar seu normal funcionamento. Torturas, seguimentos, provocações, filtração de coordenadas, violação da trégua das FARC, assalto a acampamentos guerrilheiros, assassinatos de chefes das FARC, mentiras e demagogia barata de Pinzón o Min defesa e vinculação descarada com as campanhas da ultra direita têm sido condutas e ações permanentes e abundantes para bloquear a estratégia de diálogos e consensos ao redor da agenda pactuada entre as partes.
O certo é que nas Forças Armadas da oligarquia colombiana, dada a enorme influência que nelas têm as teorias anticomunistas e fascistas da Segurança Nacional, a paz de Havana não é de bom recibo. Muitos generais e outros oficiais vivem da guerra, fazem fortunas e acumulam privilégios com planos bélicos de violência e extermínio dos campesinos, indígenas, grupos populares e militantes da Esquerda. São muitos os militares envolvidos nos “falsos positivos”, em massacres, em desaparecimentos e violações dos direitos humanos. Nada disso tem a ver com a defesa de uma fementida democracia, nada disso tem a ver com o bem-estar da sociedade, nada disso tem a ver com o progresso e a proteção da cidadania, nada disso tem a ver com a defesa da soberania nacional como falsamente o proclama o cavaleiro paramilitar do Ubérrimo e seus medíocres senadores, parlamentários e parlamentárias.
Sendo que nos quartéis, nas brigadas, nos comandos policiais, nos aparelhos de inteligência, na cúpula militar, ferve um ambiente contrário à paz para aniquilá-la, não me parece nada mau que se dê a divisão nas Forças Armadas. É conveniente para o país que venham à luz pública essas divisões. Para os revolucionários e marxistas essa deve ser uma consequência normal da luta por transformar a sociedade num sentido democrático e socialista. Pois, desde sempre, no capitalismo há um impedimento militarista, reacionário e corrupto que envolve milhares de membros do exército, que existem e atuam em função dos grupos oligárquicos minoritários que controlam o regime político e suas instituições. São seus testas de ferro, são os guardiães de suas riquezas e poderes.
Evidentemente que, a estas alturas do processo de paz, já há um núcleo de altos oficiais civilistas, respeitosos da Constituição e do governo que não engolem a manipulação e a grotesca diatribe uribista. São militares profissionais, com um sentido adequado da política, que entenderam que a Colômbia deve sair do campo obscuro da guerra e da destruição violenta da sociedade. São patriotas com outra visão do mundo, tolerantes e pluralistas, partidários das reformas sociais, partidários de uma democracia ampliada e diversa como a que se pactuou, sem esquecer as ressalvas, no documento consensuado sobre a participação política e as garantias aos integrantes das FARC e da resistência campesina revolucionária que se propõem ingressar na vida política normal.
É bom que a Colômbia inteira identifique os inimigos da paz nos institutos armados e escondidos, como diz Otto Morales.
É bom que todos saibamos que há soldados democratas comprometidos com a paz e a superação da guerra e do conflito social armado.
Oxalá que, ao abordar o tema do fim do conflito, a depuração das Forças Armadas permita limpar as instituições militares destas forças retrógradas associadas com a violência e a vulneração permanente dos direitos humanos de milhões de colombianos.
Nota. A podridão da Justiça Pretel é a mesma de todo o Estado liberal oligárquico. Com essa cloaca fedorenta que transpira corrupção por todos os poros, é impossível a paz. Oxalá, ao abordar os ajustes institucionais e as reformas do Estado no ponto do fim do conflito que se tem previsto nos diálogos de Havana, se coloquem as bases de mudanças profundas que ratifique uma Assembleia Constituinte soberana e popular, cuja convocatória e reunião é a cada dia mais urgente. É que o colapso do Estado neoliberal aprofunda a crise orgânica de todo o sistema político das elites encarnadas no senhor Santos e seu contraditor de ocasião, o chefe da parapolítica.
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil





quarta-feira, 25 de março de 2015

Pondo as coisas a limpo


La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 23 de Março de 2015

As conversações de paz em Havana avançam, pois se concretizaram acordos importantes que permitiriam atacar as causas da confrontação de mais de meio século da qual a Colômbia padece. Se expuseram visões que serão úteis para os desenvolvimentos futuros em favor da reconciliação. Em linguagem simples e coloquial, podemos dizer que avançamos como nunca, porém ainda há muito pano para cortar, começando por recordar que há temas cruciais nos pontos 5 e 3 que estão sendo discutidos; também há temas no conjunto das 28 restrições que permanecem no congelador, esperando o momento para que se volte por eles. Certamente, se se quer acelerar a marcha, já está na hora de fazê-lo.
Somos otimistas, pois é certo que avançamos, abordamos três pontos da Agenda do Acordo Geral em matéria de desenvolvimento rural, de participação cidadã e de nova política antidrogas e estamos andando a passos rápidos sobre o ponto referente a vítimas, com iniciativas inovadoras, e ao mesmo tempo adiantamos critérios sobre assuntos cruciais como o cessar-fogo, e inclusive pusemos sobre a Mesa visões sobre temas não menos transcendentais como o da deixação de armas, o qual entranha compromissos de ambas as partes em torno à decisão de retirá-las da atividade política. Porém é lamentável e preocupante que, paralelamente a esses avanços, está andando uma intensa campanha midiática oriunda de diversos flancos institucionais que dá a sensação de que o acordo está na volta da esquina.
Montar a matriz de irreversibilidade não é conveniente se se considera que elevar as expectativas para o cume do irreal poderia levar-nos ao terreno das frustrações, pior ainda quando se pretende impor fórmulas jurídicas de submissão à guerrilha, de tal maneira que, se não as admite, se lhe possa acusar de ser intransigente e de obstruir o avanço do processo.
Nestes assuntos da guerra e da paz, que congregam tantas complicações e sensibilidades, porém também tantas ilusões, é válido desejar e sonhar; sobretudo ser criativos na busca de soluções aos problemas da miséria, desigualdade e a falta de democracia que causaram e mantêm o conflito. Tudo isto, há que fazê-lo com os pés bem postos sobre a terra.
Em resumo, há muito por transitar e muito mais vontades que somar, antes de expressar que QUASE TUDO JÁ ESTÁ PRONTO. Faltam por abordar temas sumamente complexos como a definição da comissão do esclarecimento da verdade e não repetição, o cessar-fogo bilateral, a já mencionada deixação de armas, o esclarecimento do fenômeno do paramilitarismo e da guerra suja, a urgência de que as Forças Armadas se afastem da criminal Doutrina da Segurança Nacional e da concepção do inimigo interno; ou está o caso de que, se não se resolve o problema do latifúndio, e se não se freia a estrangeirização da terra, que viola os interesses dos campesinos e lesa a soberania nacional, simplesmente demoraríamos mais na concretização do acordo.
De todas as maneiras, o dever dos que anseiam por uma Colômbia sem mais conflito e vitimizações não pode ser outro que persistir e empenhar todos os esforços em derrotar aos guerrereistas para levar adiante cada um dos mencionados propósitos, que é a forma de levar juntos até bom porto o processo de diálogos. Por isso as FARC-EP insistimos em convocar a todo o país para que apoie cada iniciativa e dê impulso a uma Constituinte que abra caminho à justiça social como base sobre a qual possamos fundar a Nova Colômbia em que impere o bem viver e a esperança.
Outro assunto é que o acordo de limpeza de explosivos dos campos colombianos é apresentado pela imprensa como se houvesse somente o compromisso exclusivo da insurgência; é tema que compromete também ao governo como responsável pela contaminação do território com estes letais artefatos de guerra que constituem perigo para as comunidades. Este é um acordo bilateral, de recíprocas obrigações, o qual aspiramos a que, dentro de um cessar bilateral de fogos, se possa estender a todo o país.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP.

-- 

Equipe ANNCOL - Brasil





Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...