terça-feira, 10 de março de 2015

Cessar-fogo em risco por operações do Exército



A Frente Ampla pela Paz reitera que as FARC-EP cumprem com sua decisão de manter o alto ao fogo. O cessar bilateral é um imperativo humanitário.

No total, as FARC-EP cumpriram 192 dias de cessar-fogo unilateral, depois de cinco declaratórios anteriores no transcorrer do processo de paz em Havana. Essa cifra mostra a vontade de paz de uma guerrilha que, apesar das dificuldades próprias da guerra, se mantém em sua decisão, porém exige bilateralidade no cessar das hostilidades militares.

O segundo informe de verificação de cessar-fogo unilateral feito pela Frente Ampla pela Paz foi apresentado em Caloto, Cauca, um cenário de conflito permanente. Ali se exaltou o cumprimento total por parte da insurgência, porém se chamou a atenção sobre o perigo que representam as operações ofensivas da Força Pública, que conduzem a combates que afetam as comunidades. Outras formas de ataques do Exército, como o incremento de operações psicológicas e midiáticas contra membros dessa guerrilha, estimulando-os à desmobilização, argumentando que seus comandantes “se encontram de férias em Cuba”, também foram analisadas.


As preocupações

Justamente na reserva indígena de Huellas, vereda Carpintero, em Caloto, a comunidade do povo nasa denunciou como, no último 16 de fevereiro, incursionaram membros do Exército que marcam presença na zona, disparando a torto e a direito contra as residências vizinhas:

“Os impactos de arma de fogo afetaram fachadas, tetos e pisos, instalações sanitárias e utensílios de vários lares. Posteriormente se apresentou um enfrentamento armado entre militares e uma unidade guerrilheira da Companhia Ambrosio González das FARC-EP, que havia instalado um acampamento móvel na noite anterior num isolado lugar da vereda”, narraram os governadores indígenas, enquanto reiteravam a imperiosa necessidade de deter os ataques contra seus territórios.

As organizações sociais que confluem na Frente Ampla reportaram desde 26 estados no país ações militares ofensivas similares às de Caloto, que afetam a insurgência do mesmo jeito que a população civil: Chocó, Antioquia, Tolima, Norte de Santander e Cundinamarca foram os estados que reportaram maiores perseguições oficiais contra a população civil.

Outra das preocupações expressadas pela Frente Ampla é a militarização dos territórios e as operações de grande escala que o Exército está realizando. O que desmentiria aos que asseguram que já haveria um cessar-fogo bilateral não reconhecido. Para a Fundação defensora de direitos humanos no oriente do país, DHOC, em estados como o Meta e Vichada, nos últimos dois meses se realizaram ações militares iguais ou piores que aquelas desdobradas em época do plano militar Espada de Honra, com uma sequela de violações aos direitos humanos nessas populações.


As demandas

David Flórez, porta-voz de Marcha Patriótica, destaca que existem preocupações por atos particulares ocorridos no Catatumbo, Norte de Santander, nos limites de Meta, Caquetá e Tolima, onde se denunciam falsos positivos. Tudo isso põe em risco o cessar-fogo unilateral. “Estimamos a decisão de manter o cessar-fogo e louvamos o benefício que traz às comunidades, porém chamamos a atenção sobre a contínua ofensiva militar em muitas regiões. Necessitamos avançar para o cessar-fogo bilateral já”, enfatizou Flórez.

Por isso, a Frente Ampla considera urgente realizar ações para cessar as hostilidades e os ataques. “Em meio a um processo de paz não se pode responder com bombardeios e perseguições; os que morreram em meio ao cessar unilateral são dolorosamente vidas que foram arrebatadas por não honrar a palavra que o presidente Santos deu ao país de que havia compromisso com a paz”, diz o informe.


Verificações em territórios

O mais defensável são as vozes das comunidades que têm vivido sob o conflito e se expressam satisfeitas com os 65 primeiros dias do cessar-fogo unilateral por tempo indeterminado das FARC-EP, porém a tranquilidade não é completa. “Esta situação também tem tido importantes repercussões na percepção e no estado psíquico das comunidades. Assim o manifestam os depoimentos recebidos pelos habitantes dos territórios em conflito, os quais afirmam que puderam voltar a transitar sem se verem perseguidos ou ameaçados por este grupo armado, efeito refletido também nos setores laboral, turístico e econômico destas populações”, diz o informe da Frente Ampla.

Ali também se recolhem depoimentos que sustentam os benefícios do cessar-fogo como o descrito por um campesino membro do Sindicato de Trabalhadores Agrários do Tolima, quem assinala: “O cessar tem sido muito frutífero, começando neste ano e no passado. Já era hora, os campesinos estamos cansados de tanta morte, de tanta guerra, estamos sem terras e, em vez de apoiar-nos a nós que produzimos a comida, vivemos as consequências do conflito. Esperamos que esta tranquilidade que estamos vivendo realmente dure”.

Ou o de Darío Díaz, campesino de Piñalito, Meta, que indica: “Sim, temos tido um alívio desde o cessar-fogo. Nós tivemos uma época em que não podíamos transitar entre Piñal e Vista Hermosa, porque nos arrancavam do caminho, nos massacravam. Já podemos mobilizar-nos e se tem sentido [o lugar] mais acalmado”.


Outras visões

O cumprimento da trégua não só o certifica a Frente Ampla, também organizações como o Centro de Recursos para a Análise de Conflitos, CERAC, os quais em seu informe “Segurança e Análise” ratificam a diminuição a zero das ações da guerrilha: “Hoje se cumprem dois meses calendário do cessar-fogo unilateral das FARC-EP, o qual foi cumprido totalmente: as FARC não realizaram nenhuma ação ofensiva contra a Força Pública, a infraestrutura ou contra a população civil neste período. Se bem que tenham ocorrido combates, estes foram fortuitos. O ELN tem aproveitado este espaço para gerar ações ofensivas, porém com impacto limitado”.

No mesmo sentido, o pesquisador da Fundação Paz e Reconciliação Ariel Ávila reconhece na apresentação do informe anual sobre o conflito, “O que ganhamos”, que as tréguas unilaterais declaradas reduziram significativamente as ações militares de uma guerrilha que agora dirige baterias ao trabalho político, “a reconstruir sua base social e em geral a preparar-se para o pós conflito. Inclusive se poderia dizer que as FARC começaram a pensar em opinião pública e agora suas ações armadas são calculadas não unicamente desde o ponto de vista militar”, explica.

Numa das recomendações finais, a Frente Ampla, desde Caloto, chamou a atenção da situação humanitária em que vivem os prisioneiros políticos nos cárceres do país e da ausência de políticas de Estado que combatam o aparelho paramilitar nas regiões, que atua contra o processo de paz.


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