quarta-feira, 5 de junho de 2013

A sólida perseverança das FARC-EP

A ideologia das classes dominantes nunca bradou com tanta soberba como após a queda da União Soviética. Lança em riste, políticos, acadêmicos, intelectuais, militares e até comunistas arrependidos se bateram contra o pensamento revolucionário, alegando que carecia de lugar, pretendendo ridicularizar seus defensores e celebrando missas por sua morte intempestiva. Absurdas elaborações sem a menor sustentação histórica ou científica passaram a ser publicadas, o que chamaram com desprezo de fim da história, choque das civilizações, onda democratizadora e sucessivamente emergiram novíssimas interpretações da realidade, abençoadas imediatamente pelo grande capital e universalizadas com loas pelos grandes meios de comunicação. Pior ainda foi a avalanche desatada contra os revolucionários em armas. No tempo em que os marines norte-americanos armados com o arsenal mais moderno, amparados por sofisticada artilharia, naves de guerra e aviões de alta tecnologia destrutiva, humilhavam o Exército iraquiano na operação Tormenta do Deserto, diziam que nada justificava mais agora as rebeliões armadas. Sem importar o lugar, as condições históricas, nem a natureza das contradições econômicas, sociais, políticas ou culturais que particularizavam a situação das distintas lutas dos oprimidos, um decreto expedido nas alturas imperiais, e aplicado de imediato por seus capangas em cada país, sentenciava que só tinham algum sentido os meios pacíficos. Mesmo que em muitas partes existam as condições plenas para o exercício de tal expressão da luta popular. E partiram da premissa de que todas as manifestações, armadas e não armadas, de inconformidade e rebeldia, haviam tido origem exclusivamente no interesse soviético por ampliar seu domínio no mundo. Morta a mãe, havia que sacrificar os filhos. Se todas as formas da luta contra a exploração capitalista eram estimuladas pelo comunismo russo, se as pressupostas injustiças e opressões contra as que se alçavam os povos não eram mais do que invenções da propaganda subversiva promovida por Moscou, se o capitalismo era o escalão mais alto e insuperável alcançado pela humanidade, não havia mais remédio do que a rendição. Entre outras coisas, porque com a derrubada do paradigma se pretendia provar a impossibilidade de uma alternativa distinta. Todos os meios e discursos repetiram incessantemente que a salvação buscada não existia, como acabava de ser demonstrado, mas sobretudo porque tão pouco o perigo havia existido. O capitalismo nunca havia sido um monstro, mas uma benção divina. Canalhas, miseráveis, dinossauros depreciáveis e estúpidos, múmias congeladas no tempo, peças descartáveis de museu, cegos sem cajados e surdos sem remédio, tudo isso foi dito dos que perseveramos na luta contra as injustiças. A fúria reunida de todos os furacões era pequena perante o temível tsunami que caiu sobre os revolucionários e rebeldes. Muitos cederam, é verdade. Beberam da nova fonte da sabedoria e ficaram perplexos, intimidados pelo descomunal gigantismo do poder único. Resignaram suas ideias e seus esforços por transformar o todo e construir sua verdade. Não merecem uma palavra mais que se refira a eles. Nós não, nós seguimos apostando na causa e seguros do triunfo. Desde então todas as iras imperiais e oligárquicas caíram sobre nossas cabeças; não houve infâmia que não se atribuísse a nossa organização. Perseverar na luta se converteu em estigma, operações exemplares se ergueram para executar-nos com sevícia, os círculos do poder celebraram em uníssono uma e outra vez cada golpe que recebíamos: converteram-nos em malditos. Ainda assim seguimos adiante. Inspirados entre outras coisas pela dignidade do povo de Cuba, essa nação de titãs que iluminados pelas palavras de Fidel e Che, levanta invencível nas barbas do Império. Animados pela claridade diáfana do pensamento de nossos fundadores, reivindicando o sangue e a honra daqueles que tombaram lutando. Mas sobretudo conscientes de que, não porque a repetiram milhões de vezes, a mentira institucionalizada ia a converte-se em verdade absoluta. Enquanto a fome e a injustiça afetaram uma imensa maioria de nossos compatriotas, enquanto a violência sanguinária do Estado continuara cerceando milhares de vidas em nosso solo, nossas razões se mantinham vivas. Não porque conseguiram impor-se pela força das armas e o medo, se tornaram válidos os argumentos do grande capital para saquear sem trégua as riquezas do nosso país, para cortar de uma vez os direitos conquistados pelos trabalhadores em um século de lutas, para redistribuir a propriedade da terra a seu favor mediante a geração de massacre e o desterro. Não porque nos chamaram da pior maneira, porque asseguraram que carecíamos de ideias e só nos alentavam as motivações vis, porque seus cantos de sereia nos convidaram à rendição ao mesmo tempo em que nos despejavam toneladas de explosivos, nós, as FARC-EP, íamos deixar de alentar nosso povo à luta e jogar a decência no lado do caminho. Somos revolucionários, cremos na possibilidade de que o povo colombiano arrebente as correntes com que ataram sua soberania nacional, apostamos sem duvidar que, ao abrirem-se os espaços para a expressão livre do pensamento e o exercício da atividade política, sem risco para a vida e para a liberdade, as pessoas honradas do nosso país, essa grande maioria, alcançaremos as mudanças necessários. Sempre soubemos que não é mediante a força solitária das armas que vamos conseguir o poder para nosso povo. Porém, sabemos que nas condições violentas e desvantajosas em que a oposição política é obrigada a atuar em nosso país, apenas as vias pacíficas resultarão insuficientes. A história da União Patriótica demonstra isso. Na particular situação em que o povo da Colômbia é obrigado a viver, o emprego revolucionário das armas tem sido necessário para sustentar a resistência e manter acesa a possibilidade de abrir o caminho para uma verdadeira democracia. Há sido a oligarquia do nosso país, servil ao imperialismo, a que sempre promoveu a guerra. Nós apenas lhe fazemos frente. Que tudo isso mude é nossa aspiração ao dialogar com o governo em Havana. Para alcançar essa Mesa tivemos que suportar a mais demente arremetida que já sofreu algum povo em toda a história do nosso continente. Durante 49 anos contínuos, milhares de mulheres e homens temos entregado o melhor das nossas vidas sem receber um centavo em troca. Isso não nos confere o direito de nos considerarmos superiores a ninguém. Também somos conscientes disso. Mas sem dúvidas que tanto esforço, tantas vidas regadas no caminho, tantos mártires sacrificados na tortura e nas masmorras, nos outorgam o direito a chamarmo-nos revolucionários e a ocupar o lugar que merecemos na construção do novo país. E isso, ninguém pode negar. Montanhas da Colômbia, 25 de maio de 2013. FARC-EP

domingo, 2 de junho de 2013

As FARC-Exército do Povo. Meio século de luta pela paz.

Por Miguel Urbano Rodrigues 31 de maio de 2013 O comunicado conjunto divulgado em Havana no dia 26 de maio pelas delegações das FARC-EP e pelo governo de Bogotá significou a abertura de um novo ciclo de diálogos de paz iniciados naquela cidade. Depois de seis meses de conversações difíceis, os representantes da guerrilha e do executivo colombiano assinaram um acordo para a “Reforma Rural Integral”, primeiro ponto da Agenda em debate. O documento aprovado prevê transformações radicais no mundo agrário. A maioria das principais exigências das FARC foi aprovada. Entre elas, a relativa ao acesso ao uso da terra, à formalização da propriedade, às terras improdutivas, aos programas de desenvolvimento social (educação, habitação, erradicação da pobreza), ao estímulo à produção agropecuária, ao Fundo de terras pela Paz, ao ambiente. No dia 11 de junho as delegações iniciam a discussão do segundo ponto da Agenda: a Participação Política, que abarca o tema crucial da Democracia. O presidente Juan Manuel Santos afirmou que está empenhado na continuação do processo “com prudência e responsabilidade”. Em uma Declaração emitida simultaneamente em Havana, as FARC-EP consideram positivo o acordo alcançado sobre a Reforma Agrária, mas alertam sobre as dificuldades do diálogo na Mesa de Negociações, sobre os pontos restantes da Agenda, especialmente os relativos à droga, ao cessar fogo e armamentos e à reintegração das populações expulsas de seus territórios. As FARC estão conscientes de que a conquista da paz é inseparável do desmonte da oligarquia que utiliza o Estado como instrumento de sua política de classe, marcada por uma repressão feroz. É significativo que quando cresce o apoio popular às iniciativas do Movimento Colombiano pela Paz, liderado pela ex-Senadora Piedad Córdoba, alguns ministros – entre eles Fernando Carrillo e o do Interior – falem outra linguagem, sugerindo o fim das conversações se antes do Natal não for assinado um Acordo Global. O alto comando das Forças Armadas também se empenha em sabotar os debates de Havana – apoiados por Noruega e Cuba – intensificando a guerra. Os 50 Drones – aviões assassinos sem piloto – recentemente adquiridos já haviam sido utilizados em bombardeios em La Macarena, Orito, Saravena e Catatumbo. A posição de Barack Obama é, como habitual, ambígua e hipócrita. Diz apoiar os diálogos para a Paz, mas envia o vice-presidente Joe Biden a Bogotá para derramar elogios sobre o governo da Colômbia, seu melhor aliado na América Latina, e expressar ali o desejo dos EUA de aderir à chamada Aliança do Pacífico. Cabe esclarecer que esta estranha aliança foi concebida em Washington para funcionar como contraponto ao Mercosul. Por ora, a integram México, Chile, Colômbia e Peru, países cujos governos desenvolvem políticas de submissão ao imperialismo estadunidense. O apoio militar à guerra contra as FARC-EP prossegue. Os EUA que já investiram mais de oito bilhões de euros no financiamento do Plano Colômbia, instalaram no país sete novas bases militares desde o início da Administração Obama. Meio século de luta Ao contrário da imagem edênica de país próspero em acelerado desenvolvimento pela ação de um governo democrático e progressista, imagem que Juan Manuel Santos difundiu em sua visita a Europa, a situação na Colômbia continua degradando-se. O paramilitarismo permanece impune com raras exceções. A corrupção desenfreada e a miséria, na capital e nas grandes cidades, são crescentes. As mais numerosas e bem equipadas forças armadas da América Latina – meio milhão de militares – absorvem uma quantia colossal do orçamento. A fome, endêmica em muitas regiões, afeta oito milhões de pessoas. 15.000 crianças morrem anualmente antes dos cinco anos por desnutrição. Dirigentes sindicais são assassinados cotidianamente todos os meses. Mas o número de multimilionários aumenta a cada ano em uma das sociedades mais desiguais do mundo. As FARC-EP, fundadas em Marquetalia depois de combates épicos na ruptura de um cerco, acabam de comemorar 49 anos de existência e de luta ininterrupta. Incluídas pela União Europeia e pela ONU na lista de organizações terroristas, caluniadas, acusadas de narcotraficantes por um presidente, Álvaro Uribe Vélez (aliado de Pablo Escobar, o rei da coca), as FARC se assumem como organização revolucionária, marxista-leninista. “Somos povo – afirmam – que empunha as armas contra as armas do poder e contra a repressão”. Moderadamente otimistas, tudo fazem para que as conversações de Havana permitam a concretização das aspirações de paz do povo colombiano. Mas não esquecem que uma das cláusulas da Agenda estabelece que o Acordo Geral de Paz somente será possível se todos os pontos nele incluídos forem aprovados. O rechaço de qualquer deles implicará a anulação dos demais. Por si só, essa exigência esclarece a falta de transparência e da má fé que foram permanentes nas posições dos delegados do governo na Mesa de Negociações. Hoje, como sempre, as FARC-EP defendem uma solução política cujo desenlace será a Paz definitiva em uma Colômbia democrática. Eles creem como Bolívar que as Forças Armadas devem ser o povo em armas, um instrumento da defesa da soberania nacional. Usa-las contra o povo, como ocorre na Colômbia, é um crime monstruoso.
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