sexta-feira, 24 de julho de 2015

Franklin Martins mostra o Brasil que a música inventou

Jornalista, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula resgata a história brasileira contada em tempo real ao longo de um século por seus melhores intérpretes: os compositores populares
por Paulo Donizetti de Souza publicado 11/07/2015 11:59, última modificação 12/07/2015 11:04
Paulo Pepe / RBA
 
Veio a calhar a quarentena imposta a si mesmo por Franklin Martins, desde que saiu da cadeira de ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula – exceto para os movimentos sociais que preferiam vê-lo seguir na missão de tocar uma nova regulamentação para o sistema brasileiro de radioteledifusão, a lei de meios. O anteprojeto que deixou pronto antes de se retirar, no último dia de 2010, nunca mais saiu da gaveta. A regulação atual é de 1962 e já caducou. Estaria, portanto, na frente da fila de projetos que passaram por suas mãos. Nos últimos tempos, porém, o jornalista decidiu tocar outro projeto seu, na fila desde 1997: investigar a relação das canções populares com o cotidiano e a política, dos primeiros anos na República ao início deste século.
Sua pesquisa identifica o que as marchinhas do início dos 1900 têm em comum com o rap recitado hoje: ambos registram a cena social e política no momento em que acontece. É o povo, por meio da arte musical, escrevendo a sua própria história. Para batizar esse projeto, nada mais apropriado do que Lamartine Babo (1904-1963), que absorveu como poucos duas grandes características do povo brasileiro: humor e sensibilidade. Uma frase que abre a antológica marchinha História do Brasil dá nome também à vasta garimpagem de Franklin Martins transformada em livros. Quem foi que inventou o Brasil? acaba de ter os dois primeiros volumes lançados pela Editora Nova Fronteira – um contando a história musicada da República até 1964 e outro que vai daí até 1985. O terceiro e último, de 1985 a 2002, sai em breve. São canções de todos os gêneros imagináveis, com letras e muitas imagens nas versões impressas e áudios disponíveis no site do projeto.
Franklin Martins, a completar 67 anos em agosto, escreveu nos principais jornais de alcance nacional e foi comentarista político em rádio e TV. Durante a ditadura, foi ativista na resistência ao regime, conheceu a prisão, viveu cinco anos na clandestinidade e outros cinco no exílio. Nesta entrevista, assinala que só comenta a história até 2002. Provocado, porém, a indicar uma música de sua garimpagem que se encaixaria nos dias de hoje, cita de pronto o Rap da Felicidade (Eu só quero é ser Feliz), na verdade um funk de 1995 da dupla de MCs Cidinho e Doca. Para quem compilou mais de 1.100 canções desde os teatros de revista de Arthur Azevedo, diz muito. “O Brasil resolveu muitos problemas de 2002 para cá, mas surgiram novos.”
Essa pesquisa tão intensa chegou a pegar o ambiente entre monarquia e república?
Pega alguma coisa, porque quando veio a indústria fonográfica foram gravadas músicas de sucesso na transição. Por exemplo, a primeira música do livro, As Laranjas de Sabina, foi gravada em 1902, mas é de 1889, meses antes da proclamação da República, e foi depois tema de teatro de revista em janeiro de 1890, dois meses depois da proclamação. Contava a história de uma mulata que vendia laranjas, na porta da Academia de Medicina, no Rio. A música é de Arthur Azevedo, que foi um grande autor de teatro de revista. O subchefe de polícia proibiu a mulher de continuar vendendo laranja. Os alunos fizeram um protesto bem-humorado, sacaneando o subchefe e pedindo que ela voltasse a poder vender laranja. Percorreram o centro do Rio de Janeiro, visitaram os jornais, a população começou a aplaudir e, naquilo, começaram os “Viva a República”, “Viva Ruy Barbosa”. A polícia voltou atrás, e ela virou uma bandeira republicana, sem querer. Então começa nessa época. Garimpei mais de 1.100 músicas, o que mostra a riqueza da produção musical, no Brasil, sobre política. Além dos livros, os fonogramas estão em um site que tem o nome do livro, quemfoiqueinventouobrasil.com.
O início do século passado coincide com a formação do operariado. Isso se vê também no cenário musical?
Aparece pouco. Talvez porque a formação do movimento operário se dá em São Paulo, e a única gravadora que existia estava no Rio. Você tem os fenômenos políticos mais gerais sendo refletidos, as gozações aos presidentes da República, as grandes revoltas, a Revolta da Chibata, da Vacina, Contestado, tudo isso tem. Mas o movimento operário mesmo não aparece.
Depois começa a movimentação política para decidir qual setor da elite vai controlar o poder. A era dos golpes, a Revolução de 1930...
Na Revolução de 30 já tem o rádio. Antes, uma característica impressionante da música é a constância da produção sobre política. Isso não ocorre em outros países, pelo menos não com a mesma intensidade. No Brasil, temos produção de caráter militante, mas temos uma crônica social muito presente. A música brasileira tem uma tradição de fazer crônica.
Ora ufanista, ora dramática, ora brincalhona...
Em geral, ela é irreverente, brincalhona. No Brasil Colônia se tem referências de muita poesia irreverente, com Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga. Quando a família real vem, se faz música gozando a família e a corte. A corte foi se instalando na casa dos outros e botando todo mundo para fora. Tem muita sátira daquelas injustiças. A partir de 1850, se tem os cafés dançantes, ou os chopes berrantes, no Rio. E botavam alguém ali para cantar. Geralmente, músicas influenciadas pela cançoneta francesa, que tem o duplo sentido, maliciosa. Era a época de grandes autores de teatro de revista e, sempre, com caráter sarcástico, brincalhão. O que fazia o teatro de revista? Passava em revista os acontecimentos dos meses anteriores. Não só políticos, mas culturais, comportamentais, moda... Isso vai até 1902. A indústria fonográfica começa. Os primeiros sucessos têm muito a ver com isso.
E quando a música começa a ganhar a rua?
Por volta de 1915 um fenômeno vai consolidar essa característica da crônica na música brasileira e, por tabela, da crônica sobre política: a mudança do caráter do carnaval. O carnaval era fundamentalmente uma festa bailada. As pessoas desfilavam ao lado de um corso, ao lado de um carro alegórico ou de um bloco. Mas bailava – como é o carnaval no mundo inteiro. O carnaval começa a assumir a caraterística de festa marchada, pulada. Pelo Telefone, gravado em 1917, estoura no carnaval. O carnaval se torna desaguador dessa crônica social, política, cultural, comportamental. O que é o carnaval? É o teatro de revista na rua. Populariza um tipo de teatro de revista e cria um mercado espetacular. Quando morreu o Barão de Rio Branco, pouco antes do carnaval de 1912, o governo quis suspender, guardar o luto, e coisa e tal, e marcou o carnaval para a quaresma. Aí, tem umas músicas que brincavam. Diziam “O Barão morreu, fizeram dois carnavais. Que bom se morresse o Marechal”, se referindo ao presidente Hermes da Fonseca. Já era festa com apelo popular. Quando vem o rádio, em 1922, isso se multiplica.
A música caipira mudou a indústria e a indústria mudou a música caipira?
Quando chega a indústria fonográfica, a música caipira, em que muitas vezes o cara contava uma história em 20 minutos, tem de ser reduzida para dois, três, para ser lançada em disco. É a primeira produção independente no Brasil, em 1929. O Cornélio Pires, desde 1915, viajava pelo interior de São Paulo, do Paraná e de Minas dando espetáculos, mas não era nada gravado. Contava causos e tinha músicas. Em 1924, ele tinha composto a Moda da Revolução, sobre o movimento daquele ano, que não foi gravada na época, porque ninguém gravava música caipira. Só foi gravada em 1929. Ele vai para uma das gravadoras americanas recém-chegadas e diz que quer gravar. “Não, não tem mercado para isso”, ouve do diretor. Ele saiu e voltou com um pacotão de dinheiro: “Quero que imprima seis discos para mim, 5 mil de cada um (as tiragens costumavam ser de 300, 400). E tenho as minhas condições: quero a cor do rótulo diferente, quem vai vender sou eu, nas minhas exibições.” Na primeira turnê, esgotou. Voltou lá, e pediu mais. As gravadoras – eram quatro grandes, no Brasil – descobriram que a música caipira era um filão espetacular e todas, em um ano, estavam com uma dupla caipira. Tinha dupla que cantava com um nome em uma gravadora, e em outra com outro nome.
O período do Estado Novo é um prato cheio para a música política?
É. Mas tem diferenças. Getúlio fica de 1930 a 1945, mas não é o mesmo regime. Até 1937, tem um regime centralizado, fruto de uma revolução. Nomeou interventores em todos os estados. Está cheio de músicas sobre os interventores. Teve um processo político, tem a Constituição. Em 1937, ele dá o golpe e vem uma ditadura. Os anos 1930 marcam o crescimento da produção do Norte e do Nordeste. Tem muitas músicas sobre todos os fatos. Só não tem sobre a Aliança Nacional Libertadora (ANL), do Prestes. Tem Hino Integralista. Tem músicas gozando integralistas. Quando vem o Estado Novo tem um período de pasmaceira. As músicas eram de puxação de saco. O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) proibia música contra.
E na Segunda Guerra, quando o governo ficou em cima do muro um tempo?
Durante muito tempo ficou dividido. Depois as músicas começam a elogiar a América, a bater no Hitler. A luta política vai se transferindo para o único terreno em que era permitido. Reuni mais de 100 músicas sobre a guerra. Dá para escrever a história da Segunda Guerra Mundial com as músicas. É muito gozado que esse capítulo termina com três músicas com o Laurindo, um personagem fictício, que os sambistas do Rio criaram para mandar recados. Wilson Batista fez umas cinco músicas com Laurindo. No final, queria fazer uma música em que o Laurindo seria assassinado, porque ele não aguentava mais o Laurindo. Mas o Laurindo volta da guerra com ideias socialistas. O Wilson Batista faz: “O camarada Laurindo lutou na guerra, é um herói, mas aprendeu na guerra que agora tem que mudar”. Aí fazem (José Gonçalves e Ari Monteiro) o samba Conversa, Laurindo, sacaneando o Wilson Batista: “Você fica dizendo que foi lutar, que foi um herói. Você não saiu nem de Niterói”. A guerra representou uma derrota do nazifascismo, uma vitória das teses progressistas, da democracia, e também das ideias socialistas.
O clima reflete o que viria nas eleições de 1945.
Ou já era reflexo da mudança de comportamento de alguns setores. Prestes se elegeu senador com uma votação espetacular. O Partido Comunista elegeu a terceira bancada. Era sintoma de que havia uma percepção do papel da União Soviética na derrota do nazifascismo. Isso no mundo todo, não só aqui. A produção musical sobre política continua fortíssima. Tem um fenômeno novo, que antes não existia, que é a produção para eleições.
Quando começa a se criar o ambiente que desembocaria na Bossa Nova?
Em 1950, Getúlio tem uma produção musical muito grande em torno da campanha e, depois, da vitória. Isso vai até o suicídio. Reuni umas 12 canções sobre a morte dele. Tem embolada, rojão, toada gaúcha, música caipira, samba. Depois, tem uma grande produção musical no período do Juscelino, que é quando vai surgir a Bossa Nova – de todos os gêneros, o único que nunca fez nada sobre política. A Bossa Nova mesmo tem um período curtíssimo. Vai de 1958 a 1961. E muitos de seus autores, compositores e interpretes vão gravar músicas sobre política depois. Carlos Lyra era da Bossa Nova, e foi importantíssimo no Centro Popular de Cultura da UNE. Sérgio Ricardo também é da Bossa Nova e foi ser compositor de ritmos ecléticos. Vinicius, Baden Powell, Nara Leão... Mas de todos os gêneros que estudei é o único que não tratou sobre política. Por quê? Foi um período muito efêmero. O repertório é o amor, o sorriso e a flor. Não passa muito daquilo.
 
Mas influencia os compositores das canções de protesto.
Em 1964, o CPC da UNE é algo que tem uma influência muito grande, e vai ter depois, no teatro Opinião, no Arena. Abrir-se para as grandes expressões culturais regionais, o frevo tem uma participação musical intensíssima. Mas já está indo para o que, depois, vai se chamar de música de protesto. Parte dela produz um pouco daquele negócio do “dia que virá”. É como se a gente não precisasse lutar por ele. As pessoas achavam que o regime ia durar muito pouco. Logo devolveria o poder aos civis e a luta política voltaria a padrões semelhantes aos anteriores a 1964. Só em 1965, 1966 é que se dão conta de que a ditadura tinha vindo para ficar. Coincide com a época dos festivais, e a música do “dia que virá” vai cedendo espaço para o “tem que lutar, e não esperar”. A partir do AI-5 vem uma censura brutal, e ao mesmo tempo muita música de adulação do regime.
Com a censura, os compositores começam a trabalhar mais o conteúdo social, a crônica?
Tem muita coisa política também. Não é em cima do fato político. É em cima do clima de opressão. A partir de 1974, a ditadura começa a sofrer derrota nas eleições, a se embaralhar. Fica evidente que nem com o regime de terror, nem com a propaganda conseguiriam ganhar a maioria do país. Na década de 1970 tem músicas vindas de todos os lugares do Brasil. Tem o Clube da Esquina, de Minas, tem o pessoal do Ceará (Fagner, Belchior, Ednardo), de Pernambuco (Alceu Valença, Geraldo Azevedo) e outros, da Paraíba – fora os baianos, que já tinham chegado. Gonzaguinha, João Bosco, Aldir Blanc crescem nessa década. É produção de caráter nacional. Cada um do seu jeito. O Ednardo tem uma música sobre o Araguaia lindíssima (“Quando eu me banho no meu Araguaia/ E bebo da sua água sangre fria (…) Triste guerrilha, companheiro morto/ Suor e sangue, brilho do corpo”). Tem outra que é Passeio Público (“Hoje ao passar pelos lados/ Das brancas paredes, paredes do forte/ Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos/ Ganidos de morte”). É uma música sobre Bárbara Alencar, que se insurgiu contra o Império em 1917, e ficou presa na fortaleza – que dá nome à cidade de Fortaleza. É uma música sobre a tortura que as mulheres sofriam durante a ditadura.
E quando o rock entra?
Em 1978, a censura deixa de ser sistêmica. O pessoal vai testando o terreno, começa a ousar. É nesse período que o rock entra com peso. Geração Coca-Cola e Que país é esse?, por exemplo, são gravadas na década de 1980, mas são de 1979, com o Aborto Elétrico, primeira banda de Renato Russo. Em São Paulo, tem bandas extremamente interessantes, meio rock, meio MPB, até difícil de definir, Premeditando o Breque, Esquadrilha da Fumaça, Língua de Trapo, o pessoal do Lira Paulistana. Uma coisa eclética. E até 1977 era zero de rock. Quer dizer, o rock deixa de ser o que falava só de amor e comportamento. O Raul Seixas bate à porta. O rock é curioso. Vai, vai, e quando dá 1990, para. A partir daí, é rap, é funk, é samba-reggae, repente.
Hoje você vê algo tão parecido com crônica, associado a uma realidade social e política sendo produzida fora do mundo do rap, da música da periferia?
Não falo sobre depois de 2002, porque não estudei. Mas o rap, o funk, o samba-reggae, até mesmo o samba do Bezerra da Silva, que também tem o caráter disso que eu chamo de “bronca social”, se referem a eventos. Diário de um Detento é sobre o Carandiru (1992). A chacina de Eldorado dos Carajás (1996) tem música. Mas a característica central deles, do rap, do funk, e do samba-reggae, é uma música muito mais antissistema do que crônica. Reflete as esperanças que o povo vai perdendo no sistema. Isso perpassa, praticamente, todos os gêneros. O manguebeat é isso. Falam “tenho que mudar o sistema”, mas ninguém tem muita expectativa de que vai convencer um bonitão a olhar diferente. Contra a discriminação racial, a exclusão social, a falta de escola, de hospital, a barbárie da polícia, os massacres, uma democracia na qual os políticos fazem o que querem com ela e que não chega no povo. É nítido que o Brasil estava à beira de uma explosão social.
Esse cenário não perdura?
Não acho que perdura, porque 36 milhões de pessoas saíram da pobreza. É outro cenário. Resolvem-se alguns problemas e aparecem novos. Mas naquele momento estávamos à beira de uma explosão social. Em todos os lugares, todas as músicas, todos os gêneros, é um negócio de “não dá mais”. Você não está pedindo liberdade, está pedindo “olhem por mim”. A primeira música do último capítulo, Eu só quero é ser feliz, fez o maior sucesso (Rap da Felicidade, de Cidinho e Doca, 1995), é aparentemente leve e politicamente premonitória. Lá pelas tantas, diz: “Trocaram a presidência, uma nova esperança/ Sofri na tempestade, agora eu quero a bonança/ O povo tem a força, precisa descobrir/ Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui”. É música de garotos, tem um quê de esperança e de advertência. E a que isso correspondia? A 20 anos sem crescimento, décadas perdidas, desemprego brutal, concentração de renda monumental, Estado ineficiente, repressão como forma de conter a luta social, massacres, ação da polícia nas periferias, nas favelas. Essa polícia ainda está na ativa. A diferença é que antes ninguém falava nada.
Tem alguma coisa da sua pesquisa musical que se encaixaria bem na atual conjuntura?
Acho que, no fundo, Eu só quero é ser feliz encaixa. Tem muitos progressos, e tem novos problemas. Continua atual. Um rap que gosto muito, do Gog, Brasil com P, continua atual. Pobre, Preto e Prostituta vivem sendo objeto de agressões...
Pode acrescentar Petista aí também?
Pode. Mas o PT tem de melhorar, senão fica difícil. O PT precisa entender isso. Quem não luta não merece triunfar, entende?
A produção iconográfica dos três volumes de Quem foi que inventou o Brasil?, coordenada por Vladimir Sacchetta, inspirou também a exposição A Música Canta a República, que fica em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, até 2 de agosto. Depois segue para o Rio de Janeiro até novembro, quando vai para Brasília, no Espaço Cultural dos Correios das duas cidades

Começa em Colômbia a exumação da maior fossa comum urbana do mundo.

Medellín, 16 de julho de 2015
As autoridades colombianas anunciaram que a exumação da maior fossa comum urbana do mundo, situada no bairro Comuna 13 do oeste de Medellín, está prevista para o próximo 27 de julho. Nos trabalhos de exumação se buscará desaparecidos nos últimos 50 anos da guerra que o Governo enfrenta com os paramilitares e a guerrilha.
Pelo tamanho da zona e pelo número de pessoas que poderiam ter sido enterradas neste lugar [...], pode-se dizer que se trata da maior fossa comum urbana do mundo”, assegura Jorge Mejía, o assessor da Prefeitura de Medellín, em declarações a Reuters.
Os ativistas de direitos humanos asseguram que na fossa poderiam ter sido enterrados ao redor de 300 civis caídos ao longo das cinco décadas de guerra entre as forças de segurança do Estado, os grupos paramilitares e as guerrilhas esquerdistas. Por sua parte, o Governo estima que poderia haver umas 90 pessoas na fossa comum.
As guerrilhas urbanas, os paramilitares e muitos setores das instituições do Governo podem ser responsáveis pelo ocorrido na Comuna 13”, enfatizou Mejía, quem informou que uns trinta funcionários governamentais, incluindo as equipes forenses, escavarão e exumarão a fossa comum durante os próximos cinco meses.
Segundo os ativistas, algumas vítimas poderiam ter sido assassinadas pelas tropas do Governo durante as operações militares levadas a cabo contra a guerrilha em 2002 para recuperar o controle da Comuna 13.
Em Colômbia se estima que mais de 30.000 pessoas foram desaparecidas no transcurso de uma guerra que já dura mais de 50 anos. Até o momento, as autoridades colombianas exumaram cerca de 6.000 corpos de fossas comuns.
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Equipe ANNCOL - Brasil

Discurso do Ministro de Relações Exteriores da República de Cuba Bruno Rodríguez Parrila, na Cerimônia de Reabertura da Embaixada de Cuba nos Estados Unidos.

Exmª Sra. Roberta Jacobson, secretária de Estado Adjunta, e senhores funcionários do Governo dos Estados Unidos que a acompanham:

Honoráveis Membros do Congresso:


Estimados Representantes das Organizações, Movimentos e Instituições estadunidenses que realizarem ingentes esforços pela mudança de política em relação a Cuba e o melhoramento das relações bilaterais:
Estimados Representantes das Organizações e Movimentos da emigração patriótica:
Excelentíssimos Srs. Embaixadores:
Companheiros da Delegação Cubana:
Encarregado de negócios José Ramón Cabañas, funcionários e trabalhadores da Embaixada de Cuba:

Estimadas amigas e amigos:
A bandeira que honramos à entrada desta sala é a mesma que aqui foi arriada há 54 anos, conservada zelosamente na Flórida por uma família de libertadores e depois pelo Museu de nossa cidade oriental de Las Tunas, como antecipação de que este dia teria que chegar.
Ondeia novamente neste lugar a bandeira da estrela solitária que encarna o generoso sangue derramado, o sacrifício e a luta mais que centenária de nosso povo pela independência nacional e pela plena autodeterminação, frente aos mais graves desafios e perigos.
Rendemos homenagem a todos os que caíram em sua defesa e renovamos o compromisso das gerações presentes e, com absoluta confiança nas que virão, de servi-la com honra.
Invocamos a memória de José Martí, quem viveu consagrado à luta pela liberdade de Cuba e conheceu profundamente os Estados Unidos. Em suas “Escenas Norteamericanas” nos deixou uma nítida descrição da grande nação do norte e o elogio do melhor dela. Também nos legou a advertência de seu exacerbado apetite de dominação que toda uma história de desencontros confirmou.
Chegamos aqui graças à condução firme e sábia do líder histórico da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz, a cujas ideias sempre guardaremos lealdade suprema. Recordamos sua presença nesta cidade, em abril de 1959, para promover relações bilaterais justas e sua sincera homenagem a Lincoln e Washington. Os propósitos que prematuramente o fizeram vir são os que tentamos nestas décadas e coincidem exatamente com os que nos propomos hoje.
Muitos nesta sala, políticos, jornalistas, personalidades das letras ou das ciências, estudantes, ativistas sociais estadunidenses, usufruíram de infinitas horas de enriquecedora conversação com o Comandante que lhes permitiram compreender melhor nossas razões, objetivos e decisões.
Este ato foi possível pela livre e inquebrantável vontade, pela unidade, o sacrifício, a abnegação, a heroica resistência e pelo trabalho de nosso povo, e pela força da Nação e da cultura cubanas.
Várias gerações da diplomacia revolucionária confluíram neste esforço e entregaram seus mártires. O exemplo e o verbo trepidante de Raúl Roa, o Chanceler da Dignidade, continuam estimulando a política externa cubana e estarão na lembrança dos mais jovens e dos futuros diplomatas.
Sou portador de uma saudação do Presidente Raúl Castro, expressão de boa vontade e da sólida decisão política de avançar, mediante o diálogo baseado no respeito mútuo e na igualdade soberana, para uma convivência civilizada, ainda dentro das diferenças entre ambos governos, que favoreça a solução dos problemas bilaterais, promova a cooperação e o desenvolvimento de vínculos mutuamente vantajosos, como desejam e merecem ambos povos.
Sabemos que isso seria uma contribuição à paz, ao desenvolvimento, à equidade e à estabilidade do continente, ao exercício dos propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na Proclamação de América Latina e Caribe como Zona de Paz, firmada na II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em Havana.
Com o restabelecimento das relações diplomáticas e da reabertura de Embaixadas, culmina hoje uma primeira etapa do diálogo bilateral e se abre passagem ao complexo e certamente longo processo para a normalização das relações bilaterais.
É grande o desafio porque nunca houve relações normais entre os Estados Unidos da América e Cuba, a pesar de um século e meio de intensos e enriquecedores vínculos entre os povos.
A Emenda Platt, imposta em 1902 sob ocupação militar, cerceou um esforço libertador que havia contado com a participação ou a simpatia de não poucos cidadãos norte-americanos e deu origem à usurpação de território cubana em Guantánamo. Suas nefastas consequências marcaram indelevelmente nossa história comum.
Em 1959, os Estados Unidos não aceitaram a existência de uma pequena e vizinha ilha totalmente independente e, uns anos depois, ainda menos, a de uma Revolução socialista que teve que se defender, e desde então encarna a vontade de nosso povo.
Cito a história para afirmar que hoje se abre a oportunidade de começar a trabalhar para fundar umas relações bilaterais novas e diferentes a todo o anterior. Para isso, o governo cubano compromete toda sua vontade.
Só a eliminação do bloqueio econômico, comercial e financeiro, que tanto dano e privações ocasiona a nosso povo, a devolução do território ocupado em Guantánamo e o respeito à soberania de Cuba darão sentido ao fato histórico que estamos vivendo hoje.
Cada passo que se avance contará com o reconhecimento e a favorável disposição de nosso povo e governo, e receberá evidentemente o estímulo e o beneplácito da América Latina Caribenha e do mundo.
Ratificamos a vontade de Cuba de avançar para a normalização das relações com os Estados Unidos, com ânimo construtivo, porém sem menosprezo algum a nossa independência, nem ingerência em assuntos que pertencem à exclusiva soberania dos cubanos.
Persistir em objetivos obsoletos e injustos e só propor-se uma mera mudança nos métodos para consegui-los não fará legítimos aqueles nem ajudará ao interesse nacional dos Estados Unidos nem ao de seus cidadãos. No entanto, se assim ocorrera, estaríamos dispostos a aceitar o desafio.
Acorreremos a este processo, como escrevera o presidente Raúl Castro em sua carta de 1º de julho ao Presidente Barack Obama, “estimulados pela intenção recíproca de desenvolver relações respeitosas e de cooperação entre nossos povos e governos”.
Desde esta Embaixada, continuaremos trabalhando com empenho para fomentar as relações culturais, econômicas, científicas, acadêmicas e desportivas, e os vínculos amistosos entre nossos povos.
Transmitimos o respeito e reconhecimento do governo cubano ao Presidente dos Estados Unidos por seu chamado ao Congresso a suspender o bloqueio e pela mudança de política que enunciou, em particular pela disposição que expressou de exercer suas faculdades executivas com esse propósito.
Relembramos especialmente a decisão do Presidente Carter de abrir Seções de Interesses respectivas em setembro de 1977.
Me alegra agradecer ao governo da Confederação Suíça por sua representação dos interesses cubanos durante os últimos 24 anos.
Em nome do Governo e do povo de Cuba, desejo expressar nossa gratidão aos membros do Congresso, académicos, líderes religiosos, ativistas, grupos de solidariedade, empresários e tantos cidadãos estadunidenses que se esforçaram ao longo de muitos anos para fazer chegar este dia.
À maioria dos cubanos residentes nos Estados Unidos, que têm defendido e clamam por uma relação diferente deste país com nossa Nação, expressamos reconhecimento. Nos disseram, comovidos, que multiplicarão seus esforços, leais à tradição da emigração patriótica que serviu de sustentação aos ideais de independência.
Expressamos gratidão a nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, que estiveram de maneira decisiva junto a nosso país e exigiram um novo capítulo nas relações entre os Estados Unidos e Cuba, assim como o fizeram com extraordinária constância muitíssimos amigos em todo o mundo.
Reitero nosso reconhecimento aos governos, aqui representados pelo Corpo Diplomático, que com sua voz na Assembleia Geral das Nações Unidas e em outros âmbitos deram uma contribuição decisiva.
José Martí organizou a partir daqui o Partido Revolucionário Cubano para conquistar a liberdade, toda a justiça e a dignidade plena dos seres humanos. Suas ideias, reivindicadas heroicamente no ano de seu Centenário, continuam sendo a essencial inspiração neste caminho que nosso povo, soberanamente, escolheu.

Muito obrigado.

Equipe ANNCOL - Brasil

Dimensionar o momento que vivemos

Por Nelson Lombana Silva.
Alguém perguntou a Lênin se era pertinente ir ao parlamento burguês e o dirigente do proletariado não duvidou ao dizer que sim, sempre quando se tivesse claro para que se ia. Fidel Castro, no memorável discurso dado na Universidade da República Bolivariana de Venezuela, expressa que a Revolução é filha da cultura. Batalha de ideias.
Quer dizer, ao Parlamento ou a qualquer corporação pública do regime um companheiro ou uma companheira de esquerda consequente sabe a fim de que vai. Tem clara a fita. Vai destruir as relações capitalistas e a construir as relações socialistas. Não vai se amancebar com a pútrida classe dirigente.
A burguesia cuida muito bem disso. Sabe qual é a filosofia da esquerda consequente, por isso lhe bloqueia todos os espaços. Miremos, por exemplo, o sistema eleitoral em Colômbia. É, talvez, o mais antidemocrático do continente e do planeta. Impede descaradamente que as esquerdas se unam.
É, ademais, um sistema corrompido, mafioso e capitalista. A direita não expõe ideias, expõe violência, dinheiro do narcotráfico, demagogia e oportunismo a granel. Um candidato da direita compra sua cadeira ou seu cargo público sem se ruborizar.
Os que militamos de uma ou outra maneira na esquerda ou nas esquerdas, para sermos mais exatos, pareceria que não dimensionássemos nem o terreno, nem o momento que estamos vivendo. Talvez nos deixamos contagiar pelos vícios do capitalismo como a mentira, a arrogância e o analfabetismo político para obcecar-nos em desenvolver o individualismo e o personalismo, melhor dizendo, o grupismo. Quanta água terá que passar sob as pontes para entender que a única saída tática e estratégica é a unidade, sem sectarismos e sem ambiguidades, como bem expôs em seu momento o mestre Carlos Gaviria?
O Partido Comunista Colombiano –por exemplo- está há 85 anos predicando a unidade com a melhor disposição política. No entanto, a resposta frequente é o anticomunismo, inclusive na própria esquerda. Que fazer? Claudicar? Evidentemente que não. Há que persistir, insistir na luta pela unidade. E isso não é um prurido. É a convicção histórica, política e dialética de que as mudanças de fundo fazem-nas os povos e a força principal é a unidade. Quer dizer, não é um capricho. Por isso se torna fundamental dimensionar o terreno e o momento que estamos vivendo.
O fato central nestes momentos é a paz e os diálogos de Havana [Cuba]. É o mais importante. Não em vão há toda uma tenaz monstruosa encaminhada a fazer abortar este processo que avança na heroica pátria socialista caribenha.
Os amigos da guerra se unem, enquanto os amigos da paz duvidam ou em muitos casos lhes dá pouca importância. Consideram-no como algo conjuntural, de pouca monta e transcendência. A tenaz: Santos, Uribe, Procurador Ordóñez, meios massivos de comunicação e o comando sul dos militares dos Estados Unidos vai pelo rompimento da mesa de diálogo e que a pátria continue se dessangrando por todos os costados.
Para eles a guerra é um negócio em que ganham de ponta a ponta. Nenhum de seus membros vai para a frente de batalha, vão os filhos dos pobres a expor o peito e, no caso dos soldados e policiais, a defender os interesses da classe dominante. Disse-o bem Ainda Avella Esquivel: “No dia em que os filhos da oligarquia e os filhos dos generais tenham que ir para a frente de batalha, nesse dia, com certeza, se acabará a guerra”.
Oitenta e cinco por cento do território tolimense se encontram concessionados em títulos mineiros, uns concedidos e outros por conceder a favor das multinacionais e transnacionais, especialmente à transnacional Anglo Gold Ashanti. Vamos ficar sem território, sem água, sem fauna e sem flora. No entanto, parece que isto a muitos e muitas não lhes chame a atenção e, em vez de contribuir para a unidade, se obcecam na desunião por coisas às vezes de pouca monta.
O Partido Comunista tem insistido em que a esquerda deve se desenvolver, sobretudo passar da fase da oposição para ser opção de poder. A luta pelo poder não é coisa de pouca monta, exige muita vontade política e consciência tanto social como de classe. Pareceria que as esquerdas estivessem infiltradas, coisa que não é raro, porquanto o inimigo de classe que tem o poder em suas sujas mãos tem todo o dinheiro do mundo para comprar consciências fracas e desideologizadas que vendem seus irmãos de classe por um prato de lentilhas.
Devemos dimensionar o momento que vivemos colocando o coletivo sobre o individual. Não é tempo de vetos. É tempo de compreender a rica diversidade como fortaleza. Defender os diálogos de paz de Havana, o meio ambiente e lutar decididamente contra a corrupção. A unidade é o horizonte e a paz com justiça social o destino correto do povo colombiano.
O debate eleitoral não é para dividir, é para unir; não é para alienar, é para formar politicamente a comunidade; não é para fazer concessões ao inimigo de classe, é para colocá-lo a descoberto ante as massas. O discurso político de campanha não deve ser água-com-açúcar, evasivo e etéreo. Deve ser claro, preciso, concreto, real, revolucionário. Não importa que fiquem a descoberto os pusilânimes e os ambivalentes que pretendem ter um pé na direita e outro na esquerda. É hora das definições, é hora da unidade.
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Equipe ANNCOL - Brasil

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Mensagem do ministro do STF emociona internautas e viraliza no Facebook

Mensagem do ministro do STF emociona internautas e viraliza no Facebook

Luis Roberto Barroso foi patrono de uma turma de formandos em Direito e fez o discurso durante colação de grau.Foram 47 mil curtidas em apenas dois dias.
Leia o texto na íntegra:
A vida e o Direito: breve manual de instruções
I. Introdução

Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.

Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.

É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1

No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso do arremesso de anão". Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.

E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.

Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.

Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.

III. A regra nº 2

Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: "Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida". Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar". E o ateu responde: "Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida". Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.

Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro.

Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3

Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes". Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado". Ao que o segundo sábio respondeu: "a diferença não está no que eu falei, mas em como falei".

Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro.

Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.

V. A regra nº 4

Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa.

Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.

VI. A regra nº 5
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.

Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. "As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer".

Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

VII. Conclusão

Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:
1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;
2. A verdade não tem dono;
3. O modo como se fala faz toda a diferença;
4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;
5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.
Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:
(i) Fique vivo;
(ii) Fique inteiro;
(iii) Seja bom-caráter;
(iv) Seja educado; e
(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.
Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: "A vida é muito curta para ser pequena".


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terça-feira, 21 de julho de 2015

FARC-EP ordenam a suas unidades cessarem atividades ofensivas a partir de 20 de julho

Comunicado Cessar-fogo unilateral
As FARC-EP comunicamos a todos os nossos Blocos, e a todas as nossas Frentes, Colunas, companhias e demais estruturas político-militares, assim como às milícias bolivarianas e populares subordinadas, que a partir da 00:00 hora do 20 de julho próximo rege a ordem de cessar toda ação de caráter ofensivo contra as forças armadas do Estado e da infraestrutura pública e privada.
A mencionada ordem obedece ao chamado dos países garantidores, Cuba e Noruega, e acompanhantes, Venezuela e Chile, das conversações de paz que se adiantam em Havana, e da avalanche de petições públicas, cartas e mensagens de redes sociais dirigidas a nossa Delegação de Paz por parte de incontáveis personalidades e organizações sociais e políticas, igrejas, juntas de ação comunal e movimentos populares em seu conjunto, pelo que constitui um sério compromisso de nossa organização, de cujo cumprimento estrito somos responsáveis cada um dos mandos e integrantes das FARC-EP.
Esta medida prática, de caráter humanitário, constitui um novo gesto de nossa parte no propósito de pactuar com o governo nacional fórmulas cada vez mais efetivas de desescalada do conflito. Confiamos, portanto, em que seja estimada e valorizada em toda sua dimensão, a fim de que não voltem a se repetir fatos lamentáveis que só fazem dano aos propósitos de paz e reconciliação. Nenhuma unidade das FARC-EP está obrigada a se deixar golpear por forças inimigas e terá todo o direito ao exercício de sua legítima defesa em caso de ataque.
Convocamos ao conjunto de personalidades, instituições, movimentos políticos, forças sociais e populares que elevaram este verdadeiro clamor nacional a participarem de maneira ativa na defesa desta nova esperança que acendemos hoje no território colombiano. Ninguém pode arrancar dos colombianos seu direito a viver em paz, pelo que se torna urgente bloquear o espaço aos setores que clamam pela guerra, por soluções cruentas, repressão e perseguição ao movimento popular e a seus dirigentes.
A Frente Ampla pela Paz, o Processo Constituinte, as igrejas e demais organizações e forças interessadas na vedoria deste cessar-fogo contam com toda nossa confiança e colaboração. Consideramos que o governo nacional deve cercar de plenas garantias o exercício desta função patriótica, e ao mesmo tempo avançar com maior convencimento para uma verdadeira concórdia nacional, fundada na proscrição definitiva da violência, lado a lado com a justiça social, a democracia e a soberania.

SECRETARIADO NACIONAL DAS FARC-EP
La Habana, 19 de julho de 2015.

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Equipe ANNCOL - Brasil


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Desescalada, linguagens e pedagogia de paz.

O processo de paz ingressa num momento crucial a partir do próximo 20 de julho, quando se fará efetiva a trégua determinada pelas Farc, que o governo do Presidente Santos disse que acompanhará com ações recíprocas para alavancar os acordos e consensos na Mesa de Conversações de Havana. Novas linguagens e uma paciente, massiva e prolongada pedagogia de paz são ingredientes para aprofundar a tarefa de terminação do conflito social e armado. A desescalada que se anuncia, que o país inteiro espera com otimismo, deverá criar um clima de tranquilidade para o processo eleitoral em curso para escolher as autoridades locais.

A partir da segunda-feira 20 de julho, a Colômbia viverá um novo e histórico ciclo de paz e tranquilidade tão logo se avance na desescalada da guerra e da destruição com a entrada em vigor da trégua unilateral ordenada pelas Farc, que foi suspensa desde 22 de maio, devido as operações militares da Força Aérea, infiltrada pelo uribismo, a qual executou bombardeios aos acampamentos guerrilheiros, onde morreram várias dezenas de membros da resistência campesina revolucionária.
Nos próximos 4 meses, a sociedade regressará ao clima registrado desde dezembro de 2014 até maio, em que os fatos violentos, por razões políticas, diminuíram radicalmente.
A desescalada recíproca da guerra, nos termos da decisão tomada pelas partes, contará nesta ocasião com a presença de um delegado das Nações Unidas e de outro da Presidência da Unasul, expertos na verificação e monitoramento de tais situações, sem que seja necessária a concentração e o confinamento pressionados pela ultra direita uribista, à qual a paz se sobrepôs deixando-a sem argumentos e sem a manipulação grotesca da violência para obter dividendos políticos. Ficaram sem combustível estes mercadores da morte.
Convém assinalar que os 4 meses projetados para que as negociações de paz de Havana avancem com agilidade não são um prazo fatal para reviver a conhecida fórmula da paz express. Do que se trata é de melhorar a capacidade de trabalho na Mesa de diálogos, de tal maneira que funcionem simultaneamente comissões que atendam e avanços nos temas associados com o fim do conflito, da referenda e verificação do cumprimento dos acordos gerais a que se chegue.
Um elemento central no novo período do processo de paz se relaciona com âmbitos de ordem simbólica e conhecimento mais certeiro dos avanços e conquistas da paz, por parte de milhões de colombianos, para dessa forma superar o ceticismo e a indiferença que a vulgar cizânia e a manipulação midiática dos mais caracterizados inimigos da paz produzem, articulados na delirante ultra direita fascista que Uribe e Ordoñez lideram.
Nesse sentido se sugeriu, pelo Presidente Santos, em outro gesto de sensatez que se lhe deve reconhecer, desescalar as linguagens recorrendo a formas e expressões verbais e semânticas que estimulem um clima de convivência e respeito entre os adversários. Se trata de avançar num “giro linguístico” que recolha as novas realidades que se quer construir para superar 50 anos ou mais de polarização com insultos e aberrantes macartismos, ressaca da guerra fria. Nesse sentido, é pertinente considerar que no terreno da paz democrática e com justiça social as decisões de um sujeito não se acham motivadas tanto por seus interesses materiais como pelos recursos culturais através dos quais concebe seu espaço e determina sua ação. Alterados esses recursos mediante uma ressignificação com mudanças na linguagem, se quer que a forma em que esse sujeito compreende seu contexto e dirige sua ação mude. É nesse nível, o da semântica e o dos imaginários coletivos, onde a paz tem que aspirar a intervir através do projeto objetivo e ético da comunicação, com a finalidade de criar um novo sentido comum capaz de inspirar consensos mais inclinados à paz, em contraposição ao crescente ceticismo que a direita e sua falsimídia estimula estimulam.
De igual maneira se pede à Mesa de diálogos que promova uma ampla pedagogia da paz. O que se pretende consiste num dispositivo educativo que leve a mensagem da paz a milhões de cidadãos; que adiante sua formação nos conteúdos de nossa paz. Que esclareça para a sociedade as vantagens que para a mesma trará que a Colômbia supere a guerra civil que a destrói e mata.
A Mesa de Havana deve recorrer a todas as ferramentas e infraestruturas à sua disposição para converter a nação inteira numa grande escola da paz. Os meios de comunicação, a televisão, a rádio, os sistemas impressos, as editoras, os jornais, as igrejas, as escolas, os colégios, o Sena, as universidades, os espaços públicos, a família, as sedes comunitárias, os hospitais, os cárceres, as redes sociais e todos os cenários de deliberação devem ser incluídos nesta grande campanha de pedagogia pela paz.
Finalizemos dizendo que acerta o Presidente Juan Manuel Santos ao destacar o ambiente pacífico em que transcorrerão as eleições locais e regionais de 25 de outubro do ano em curso. Os inimigos da paz ficarão isolados porque o povo em sua maioria dará um novo impulsionamento ao fim da guerra, que é o insumo do qual se alimenta o guerreirismo uribista.
Há que eleger centenas de prefeitos, vereadores, edis, deputados e dezenas de governadores comprometidos com a paz e a transparência.
Não mais máfias parapolíticas e violentas que despojem os patrimônios públicos e promovam a guerra.

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Equipe ANNCOL - Brasil

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