quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O novo acordo de paz e de esperança.



Escrito por  FARC-EP

Graças ao clamor do povo colombiano e produto da inquebrantável vontade de paz das partes, no passado 12 de novembro firmamos um Acordo definitivo para o fim do conflito. Estamos convencidos de que esta é uma vitória de nossos combatentes, do movimento social e popular e de todos os setores democráticos do país amantes da Paz.

A mobilização cidadã e os aportes recebidos vindos das mais diversas expressões sociais e políticas revigoraram e enriqueceram o Pacto de Paz, sem que este houvesse perdido sua essência lavrada em mais de 4 anos de diálogos.

É um acordo definitivo, inclusivo e com as vozes de todos e todas: dos múltiplos credos religiosos, das mulheres, da população LGTBI, da juventude e dos estudantes, dos partidos políticos, da academia, dos empresários, da ramificação judiciária, dos defensores de DDHH, de militares e guerrilheiros. Nele se consagram A Paz e a reconciliação para nosso povo, sem detrimento do conquistado em direitos por nenhum setor da sociedade.

Para os que acompanharam este importante processo de respaldo à paz e conquista deste acordo definitivo, a história e as futuras gerações guardarão infinitas gratidões e reconhecimentos.

O Acordo Final foi firmado em uso das faculdades constitucionais vigentes do presidente da República, em concordância com os procedimentos próprios do Direito Internacional Humanitário, e no marco da jurisprudência contida na sentença C-376/2016 da Corte Constitucional.

O Acordo fechado pelas partes no passado 12 de novembro é um acordo definitivo, subscrito como reza em seu Preâmbulo como Acordo Especial nos termos do artigo 3 comum aos Convênios de Genebra de 1949, para efeitos de sua vigência internacional.

A paz não dá mais espera nem suporta dilações.

Este Acordo definitivo espera agora sua referenda para dar passagem a sua imediata implementação pela qual clamam as maiorias nas ruas e praças da Colômbia.

O Acordo Definitivo não é uma ata de rendição da insurgência, nem do governo, e sim um grande consenso conquistado com a ampla maioria de setores sociais e políticos para terminar a guerra sem sacrificar a essência dos direitos reivindicados pela cidadania.

Uma leitura rigorosa do texto final deixa claro que, longe de qualquer artifício propagandístico, não se claudicou em nenhum dos pontos fundamentais que inspiraram nossa luta armada e que nos levaram a construir este caminho para a paz. A Reforma Rural Integral, a Abertura Democrática, a Solução política ao problema dos cultivos de uso ilícito, a Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição para as Vítimas, e o Enfoque de Gênero permanecem no documento.

Se garante igualmente a reincorporação dos integrantes das FARC-EP à vida civil e seu trânsito a movimento político legal em pleno gozo de seus direitos políticos, e se deixa para trás as saudades do direito penal do inimigo e de um sistema judiciário punitivista e carcerário, para dar passagem a um novo sistema de justiça restaurativa para todos os atores do conflito.

A necessária segurança jurídica de todo o acordado se mantém, ao se definir claramente que todos os conteúdos que correspondam ao Direito Internacional Humanitário o aos direitos fundamentais e seus conexos serão parâmetros obrigatórios para a interpretação e validez de todas as formas que regulamentam o acordo.

Ao conservar sua arquitetura fundamental, o Acordo definitivo possui a potência transformadora e democratizadora para deixar para trás a velha Colômbia de guerra e miséria.

Somos conscientes de que a possibilidade real de expandir a potência transformadora dos acordos descansa sobre sua legitimidade política e social, da decidida participação democrática em sua implementação e desenvolvimentos, para a qual convocamos desde já a todo o povo colombiano.

Esta firma não é o ponto de chegada nem para o país nem para nossa luta insurgente. É um passo mais na concretização do anseio de todos os colombianos e colombianas por viver numa Colômbia democrática, com justiça social. As FARC-EP seguiremos trabalhando incansavelmente por avançar no cumprimento do acordado e por prosseguir nossa luta por uma Nova Colômbia sem o recurso das armas. Por isso, reiteramos o chamado que fizéramos com o Governo a combinar com todas as forças vivas do país “um grande ACORDO POLÍTICO NACIONAL encaminhado a definir as reformas e os ajustes institucionais necessários para atender os desafios que a paz demande, pondo em marcha um novo marco de convivência política e social”, que permita continuar e consolidar esta onda de transformações em prol da reconciliação de nossa pátria que este Acordo de Paz já manifestou.

Secretariado do Estado-Maior Central das FARC EP.
15 de Novembro de 2016

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Discurso das FARC-EP no encerramento do acordo de paz definitivo.

DOMINGO, 13 NOVEMBRo 2016 04:15 escrito por farc-ep
DISCURSO DAS FARC-EP NO ENCERRAMENTO Do ACoRDO DE PAZ DEFINITIVO.
Imagem inline 1

Nossa saudação cordial ao ministro de Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, e por seu intermédio, aos comandantes Fidel e Raúl que generosamente ofereceram seu território e a logística necessária para que os colombianos resolvêssemos nossas diferenças; saúdo aos representantes dos países garantidores, Noruega e Cuba, que estiveram sempre ao lado dos plenipotenciários nos momentos mais difíceis e nos de satisfação impulsando contra vento e maré os avanços da Mesa; saúdo aos “anjos da guarda” do processo de paz, como denominara Roy Chaderton aos acompanhantes da República Bolivariana de Venezuela e da República do Chile. Em nome da Colômbia, gratos por nos ajudar durante tanto tempo a encontrar o caminho da reconciliação e da paz. Obrigado por sua imensa solidariedade.
Doutor Humberto de La Calle e representantes do Governo da Colômbia
Companheiros da Delegação de Paz das FARC
Compatriotas:
Trabalhamos de maneira incansável dia e noite para entrelaçar num só corpo de consenso os elementos do novo acordo final sobre o qual começaremos a edificação da paz estável e duradoura para Colômbia.
No dia de hoje, como resultado da inquebrantável vontade e decisão das partes, de sua perseverante busca de uma solução política à longa confrontação armada, apresentamos à nação colombiana o novo Acordo de Paz DEFINITIVO, que preferimos chamar de o ACORDO DA ESPERANÇA, poderoso instrumento para a democratização do país e para a materialização dos direitos das pessoas.
Foram semanas de árduo trabalho, de audiências sucessivas, de exercício humilde de ouvir com interesse e respeito, de interlocução com o mais amplo espectro do movimento social e político, e das igrejas. Foram semanas de muito difíceis porém frutíferas conversações com a delegação governamental que permitiram reafirmar a vocação de paz e reconciliação de um país, ao tempo em que possibilitaram compreender e esclarecer dúvidas e inquietudes razoáveis de diversos setores da sociedade, e também desvirtuar tergiversações e falácias a respeito do acordo subscrito no 26 de setembro passado na Cidade Heroica, Cartagena de Índias.
O resultado do plebiscito de 2 de outubro produziu um impacto, que, ademais de obstruir os mecanismos de implementação previstos, puseram em sério risco cinco anos de esforços na busca da reconciliação.
Porém, para felicidade de milhões de compatriotas, a paz continua sua marcha irrefreável, IRREFREÁVEL. As espontâneas e multitudinárias mobilizações sociais de apoio à paz ativadas pela juventude, as numerosas manifestações de organizações sociais e populares, de partidos e movimentos políticos, e o reiterado acompanhamento da comunidade internacional nos impelem a pensar que se iniciou a grande mudança histórica para uma sociedade autenticamente democrática, pacífica e justa.
Os resultados de outubro também nos levaram a pensar em sentido mais reflexivo acerca dos limites da democracia liberal e da regra majoritária, particularmente quando esta se estabelece sob as condições de maiúscula abstenção e quando estão em jogo decisões de semelhante transcendência, como as que concernem à possibilidade histórica do bem viver e em paz para as novas gerações.
Recordamos, nesse contexto, nossas visões de democracia discutidas na Mesa, que apenas alcançaram a ser recolhidas de maneira muito parcial no acordo sobre “abertura democrática”. E reforçamos nossas certezas da necessidade de lutar por novos entendimentos, projetos e procedimentos democráticos que transcendam o simples sufrágio, a fim de garantir uma verdadeira participação social e cidadã nos assuntos que incidem sobre a vida nacional.
Ainda em condições dessa precariedade democrática, na medida em que acessamos ao procedimento de referenda plebiscitária na busca da paz desejada, entendemos que, apesar da frágil maioria, tínhamos o compromisso político de aceitar o resultado desfavorável e de atender as múltiplas vozes que o haviam propiciado, distinguindo entre aquelas que manifestavam preocupações sinceras por um novo e melhor acordo e outras que tinham a pretensão de se erigir em obstáculo para a consecução do propósito superior, ainda que, dada a conjuntura, se acobertaram também com o manto e o discurso da paz.
Compreendemos melhor, então, o sentido do pluralismo e da diversidade, dos interesses particulares e de grupos e setores específicos do conglomerado social, que –em meio à conflagração que é inerente à ordem vigente- merecem respeito e reconhecimento. O mesmo que reivindicamos para nós.
Assim é que, em atenção a isso, nos demos à tarefa, junto com o Governo Nacional, de reabrir a discussão na Mesa de Havana, para considerar –com o rigor exigido pelas circunstâncias- todas e cada uma das propostas de precisão e ajuste do acordo subscrito a 26 de setembro, sob o entendido de que se tratava de um aperfeiçoamento do já combinado, tendo em conta o manifestado por todos os setores políticos e sociais que participaram num plebiscito cujos resultados não deviam ser compreendidos como uma negativa ao acordo mas sim como um chamado a seu melhoramento.
Ainda que a X Conferência Nacional Guerrilheira referendou o texto de um acordo que para nós já estava fechado, compreendemos a importância de reformulá-lo com um maior consenso que incorporasse muitas vozes que estiveram ausentes durante o processo de conversações e que, inclusive tendo dito Não, têm seu sentimento do lado da reconciliação.
Somos conscientes de que a possibilidade real de expandir a potência transformadora dos acordos descansa sobre sua legitimidade política e social. Por tal razão, nos produz uma imensa satisfação anunciar que, ao tempo em que o novo Acordo alcançado preserva a estrutura e o espírito do primeiro acordo pactuado, incorpora um sem-número de ajustes e precisões, que recolhe observações e novas propostas de redação, que formula aclarações e dirime dúvidas onde se considerou necessário. Por exemplo, em matéria de Jurisdição Especial para a Paz foram incorporadas nada menos de 65% das propostas provenientes dos diversos setores que votaram NÃO no plebiscito; quase 90% das iniciativas referentes ao polêmico tema de gênero; e algo mais de 100 variações que tocam nos temas concernentes à Reforma Rural Integral, Participação Política, Nova política antidrogas, Vítimas, Fim do conflito e implementação e verificação.
A propósito, de nossa parte cedemos, inclusive estendendo fronteiras que nos havíamos traçado, deslocando-as até os limites do razoável e aceitável para uma organização político-militar cujas armas não foram vencidas; que acorreu, portanto, à mesa de diálogos para uma negociação e não a um processo de submissão; e que tomou a decisão de participar na vida política legal, se se cumpre um conjunto de condições que o façam possível.
Dissemos à sociedade colombiana que realizamos nosso melhor esforço por responder aos anseios de paz, e podemos afirmar com a cabeça erguida que cumprimos e que ao novo acordo o único caminho que o espera é sua implementação, tendo em conta que com ele ficam assentadas as bases para começar uma tarefa ainda mais difícil e complexa: a construção de uma paz estável e duradoura, à qual esperamos possam se somar, com novos aportes, fruto de sua negociação, os companheiros do Exército de Libertação Nacional, e que toda a institucionalidade do Estado, o poder Executivo, o Congresso da República, as altas Cortes, a Promotoria General da Nação, as Forças Militares e de Polícia assumam seu respaldo.
Com o novo Acordo Final se geram condições para iniciar o difícil processo da reconciliação nacional, propósito que compromete as diferentes classes sociais, ao empresariado nacional, aos setores médios da população, a classe trabalhadora urbana e rural, aos intelectuais e artistas, aos trabalhadores da cultura, as comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes, a comunidade LGBTI, as mulheres e homens humildes, e desde logo a nossos guerrilheiros, que com expectativa estiveram em paciente a disciplinada espera; e também a todos os partidos e movimentos políticos e sociais.
A firma deste novo acordo deve dar início à construção do país da concórdia que levamos no coração e com o qual sonhamos durante toda a vida. Porém o mero acordo não é suficiente, porque um papel florescido de promessas e boas intenções, sem vedoria cidadã, facilmente pode ser arrastado pelo vento da indolência para o deserto do nada e da frustração da esperança. Reiteramos: o principal garantidor do cumprimento e da implementação dos acordos, ademais do componente internacional, é o próprio povo e suas organizações, porque ninguém melhor que ele pode sentir a urgência de sua concretização, porque toca com sua dignidade e seu direito a viver em paz.
Está triunfando a paz, não duvidamos. Nos sentimos orgulhosos de que a Colômbia continua sendo referência mundial de paz.
Reiteramos o chamado que fizéramos com o Governo a combinar com todas as forças vivas do país “um grande ACORDO POLÍTICO NACIONAL encaminhado a definir as reformas e os ajustes institucionais necessários para atender aos desafios que a paz demande, pondo em marcha um novo marco de convivência política e social”.
É tempo de paz; de desdobramento de uma contenda política que admita, sem o exercício estrutural da violência e do recurso das armas, a existência de diversas visões de sociedade e na qual se possa lutar por elas pela via democrática. Que a contenda se translade ao campo das ideias empunhando no mais alto das consciências a bandeira da verdade e da honradez.
Que ninguém obstaculize os sonhos e as esperanças de milhões de almas. Façamos da paz uma condição estável e duradoura sobre a base do respeito aos direitos do povo e à justiça social. Nosso futuro está fortemente ligado ao direito à terra, à saúde, à educação, à vida digna, para que ninguém em Colômbia recaia na desesperança. Chegou o momento da construção de sonhos e de dar vida à esperança mediante a luta política, preenchendo nossos corações do mais imenso amor pela pátria.
Com a voz do tribuno do povo Jorge Eliécer Gaitán, digamos uma vez mais: “Bem-aventurados os que entendem que as palavras de concórdia e de paz não devem servir para ocultar sentimentos de rancor e extermínio...”
Que renasçam, então, da luz deste Acordo de Paz, as borboletas amarelas de Mauricio Babilonia para que invadam com seu amor e reconciliação todos os rincões deste grande Macondo que é Colômbia.
Amamos a paz, amamos a Colômbia. Que Deus e o comandante Manuel Marulanda Vélez abençoem este acordo.
Muito obrigado.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
Habana 12.11.2016


Comunicado Conjunto


O Governo Nacional e as FARC-EP informamos à opinião pública o seguinte:

La Habana, Cuba, 14 de novembro de 2016

O Governo Nacional e as FARC-EP, atendendo ao clamor dos colombianos e das colombianas por concretizar seu anseio de paz e reconciliação, alcançamos um novo Acordo Final para a terminação do Conflito Armado, que integra mudanças, precisões e aportes dos mais diversos setores da sociedade e que revisamos um a um.

A construção de uma paz estável e duradoura, objetivo ao qual responde este novo Acordo, deve ser o compromisso comum de todos os colombianos que contribua para superar a polarização e que recolha todas as expressões políticas e sociais. 

Convidamos a toda Colômbia e à comunidade internacional, sempre solidária na busca da reconciliação, a acompanhar e respaldar este novo Acordo, e sua imediata implementação para deixar no passado a tragédia da guerra. A Paz não dá mais espera. 

Ao finalizar o dia, os colombianos poderão consultar na página www.mesadeconversaciones.com.co um documento em que se assinalam as modificações e os novos elementos. 

A integração total dos textos do novo Acordo Final para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura ficará disponível nos próximos dias.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Venezuela: o império ficou com as decepções

 
 
(por Carlos Aznárez)
 
 
 
Resumen Latinoamericano, 2 de novembro de 2016 – O dia em que num futuro não muito distante algum historiador se dispuser a tentar escrever o que foi a última quinzena de outubro na Venezuela, não deixará de assombrar-se com a profusão de dados tendentes a demonstrar a fragilidade na qual parecia encontrar-se o governo revolucionário. Todos os grupos de poder locais e internacionais apontavam à cabeça de um processo que se converteu em referência inevitável na hora de falar de resistência e luta frontal contra o Império.
Vale a pena insistir: duas semanas atrás parecia que a oposição venezuelana (a que se diz “moderada” e a mais ultra) decidiu gerar a ofensiva final para provocar a derrubada do governo legítimo de Nicolás Maduro. Não só ocorreu uma seria tentativa de golpe parlamentar, abortado ao ser exposto na superfície local e internacional pela precisa e contundente mobilização de um punhado de chavistas que fizeram o que tinha que ser feito, ou seja, ocupar a Assembleia Nacional por um curto período de tempo, porém que conseguiu gerar consciência no resto dos seguidores do governo sobre os perigos que estavam espreitando nesse momento.
Imediatamente, se descarregou toda uma bateria opositora de ações: um grupo de deputados ligados à MUD (Mesa de Unidade Democrática) tentou iniciar um julgamento político contra Maduro, outros convocaram à “tomada de Caracas e Venezuela inteira” e, finalmente, vários dos capangas do golpista preso, Leopoldo López, lançaram guarimbas que deixaram um morto e vários feridos. Por sua vez, o terrorismo midiático se regozijou, lançando manchetes “catastróficas” sobre “o caos e o estado de dissolução que impera na Venezuela”.
No entanto, esta oposição que há muito tempo não fala coisa com coisa, apesar de receber suculentas somas de dinheiro de seus amigos de Washington e Miami, esbarrou com quatro fatores que em seus delirantes planos desestabilizadores não figuravam como possíveis. Por um lado, o ponto de inflexão que significou o “empurrãozinho” dado pelo Papa Francisco a essa até então cabisbaixa Mesa de Diálogo. Após receber uma veloz, mas oportuna visita de Maduro, o Vaticano decidiu jogar peso e sem perda de tempo nomeou um representante para que apurasse as conversações entre o Governo e a MUD.
Por outro lado, o povo, fator fundamental em todos esses anos de Revolução Bolivariana, não deixou a rua nem um só dia, gerando uma resposta de gigantesca solidariedade com seu Presidente e dando um forte sinal interno e, também, dirigido àqueles que conspiram no exterior. “Se tentarem, vão nos encontrar. Se querem dialogar, bem, se optam pela violência, responderemos com a unidade de nossas organizações e a contundência de nossas autodefesas”, sintetizou o pensamento existente o responsável de uma das organizações populares de Caracas. Dizia, sabendo que em cada bairro, em cada comuna, em cada local de trabalho, existem homens e mulheres dispostos a defender tudo o que nestes anos se conquistou.
O terceiro elemento está relacionado com o estrondoso fracasso das “operações” internacionais de desestabilização. Tanto as levadas adiante pelo secretário da OEA, Luis Almagro, como pela “tríplice aliança neoliberal” de Mauricio Macri, o ilegítimo Temer e Horacio Cartes, desde o Mercosul, somada a cada um dos estratagemas orquestrados pelos Estados Unidos, Comando Sul e seus aliados europeus (com Espanha encabeçando) para mostrar – mediante as mídias hegemônicas – que “a ditadura de Maduro” estava vindo abaixo.
O quarto e fundamental tema surgiu dessa nova demonstração de fidelidade à ordem estabelecida e de respaldo à condução presidencial surgida das Forças Armadas Bolivarianas. A imagem que percorreu o mundo, mostrando o ministro de Defesa, Vladimir Padrino López, rodeado pelos altos comandos militares, impactou de cheio aqueles que conspiravam maliciosamente. Se existe um elemento com o qual Hugo Chávez se preocupou pessoalmente em enaltecer e subordinar aos interesses do conjunto, esse foi precisamente o corpo militar. Após sua partida, esses valores foram se convertendo em um aríete mais que necessário para enfrentar a batalha declarada contra a Venezuela. Essa escalada que o próprio Padrino López definiu como “global” e marcada na perspectiva de “guerra de quarta geração” com ataques assimétricos e a grande escala. Todas essas investidas, sobretudo as tentativas, por parte do inimigo, de cooptar, comprar e pressionar os homens e mulheres das três armas, se chocaram contra um autêntico bunker de dignidade e patriotismo.
Portanto, não ocorreu golpe, nem derrubada, nem tragédia nuestramericana. Nada do previsto pelos falcões estadunidenses nem os corvos locais ocorreu realmente. Em compensação, um a um, mansinhos e em fila, convencidos de que outra vez tinham calculado muito mal os tempos e a capacidade de reação do povo venezuelano, os líderes da MUD foram sentando-se à mesa convocada pelo governo. Alguns revoltosos expressaram seu descontentamento aos primeiros concorrentes, porém, pouco a pouco, o clima contemporizador se estendeu ao resto e até o próprio Ramos Allup, que tinha jurado mil vezes não sentar-se a nenhuma mesa convocada por Maduro, começou a enrolar seus discursos e reconheceu que “agora é tempo de diálogo”.
A esta altura dos acontecimentos, fica claro que o chavismo ganhou este importante round de uma luta que, sem dúvida, continuará, mas que a vitória atual permitirá afrontar os novos desafios com maior soltura e solidez. Isso em relação aos inimigos externos, porém sem dúvida este incentivo recebido deverá servir também para revalorizar o território interno quanto à tomada de medidas urgentes para que o processo revolucionário siga se aprofundando, assumindo o legado do Comandante Chávez.
O fato de dialogar com aqueles que tentaram desestabilizar e boicotar o Governo e, dessa maneira, o próprio povo, não deve significar que se descuidará nem um minuto dos que vieram pondo o corpo dia a dia para que a Revolução não seja detida. Nenhum atalho para as posições socialdemocratas ou postergações das definições revolucionárias surgidas em cada um dos documentos forjados na luta de todos esses anos, são recomendáveis em um momento no qual o povo está dando luz verde para continuar avançando.
Finalmente, esta importante boa noticia chegada da Venezuela, serve também para levantar o ânimo dos povos do resto do continente, hoje duramente golpeados pela ofensiva direitista regional. Quando a locomotiva parecia irrefreável, o povo venezuelano demonstrou mais uma vez que apenas lutando “se consegue o impossível”. Por isso ganhou a rua, se abraçou com os militares e com o Presidente Maduro à frente, cortou o caminho e a fez retroceder. Desta vez, o império ficou com as decepções.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Comunicado Conjunto #2, -Reunião das delegações do Governo Nacional e das FARC-EP

La Habana, Cuba, 7 de outubro de 2016

As delegações do Governo Nacional e das FARC-EP, após reunir-nos em Havana com os países garantidores e com o Chefe da Missão Especial das Nações Unidas em Colômbia, Jean Arnault, queremos informar à opinião pública que:

1. Depois de quase 4 anos de intensas conversações, concluímos no 24 de agosto passado o Acordo Final para a Terminação do Conflito Armado e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura, com o qual estamos comprometidos. Consideramos que contém as reformas e medidas necessárias para assentar as bases da paz e garantir o fim do conflito armado.

Reconhecemos, no entanto, que aqueles que participaram no Plebiscito do 2 de outubro passado se pronunciaram majoritariamente a favor do NÃO, assim fora por estreita margem. No marco das faculdades presidenciais que outorga a Constituição Política, é conveniente que continuemos ouvindo, num processo rápido e eficaz, aos diferentes setores da sociedade, para entender suas preocupações e definir prontamente uma saída pelos caminhos assinalados na sentença da Corte Constitucional C-376 de 2016. As propostas de ajustes e precisões que resultem desse processo serão discutidas entre o Governo Nacional e as FARC-EP para dar garantias a todos.

2. Reiteramos o compromisso assumido pelo presidente da República e o Comandante das FARC-EP de manter o Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo decretado no 29 de agosto passado, e o monitoramento e a verificação por parte do mecanismo tripartite. Assim como também as garantias de segurança e proteção das comunidades em seus territórios, segundo o definido no Protocolo pelas partes.

Para consolidar este Cessar-Fogo acordamos um protocolo, dirigido a prevenir qualquer incidente, em zonas de pré-agrupamento dos quadrantes definidos e assegurar um clima de segurança e tranquilidade com a plena aplicação de todas as regras que regem o Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo.

O Mecanismo Tripartite de Monitoramento e Verificação com a participação do Governo e das FARC-EP e da coordenação da missão das Nações Unidas estará a cargo de monitorar e verificar o cumprimento do protocolo, em particular do cumprimento das regras que regem o Cessar-Fogo.

3. Com esse propósito, solicitamos ao secretário-geral das Nações Unidas e, por seu intermédio, ao Conselho de Segurança, que autorize a Missão das Nações Unidas em Colômbia e exercer as funções de monitoramento, verificação, resolução de diferenças, recomendações, informes e coordenação do Mecanismo de Monitoramento e Verificação previstas na Resolução 2226 [2016] em referência ao mencionado Protocolo.

Ademais, convidamos aos países que contribuem com a Missão com observadores desarmados a que continuem disponibilizando seus homens e suas mulheres, que continuarão contando com todas as garantias de segurança necessárias.

4. Em forma paralela, continuaremos avançando na posta em marcha de medidas de construção de confiança de caráter humanitário, tais como a busca de pessoas dadas por desaparecidas, os planos piloto de desminado humanitário, a substituição voluntária de cultivos de uso ilícito, os compromissos em relação à saída de menores dos acampamentos e sobre a situação de pessoas privadas da liberdade.

5. As delegações agradecemos ao Comitê Internacional da Crua Vermelha por seu permanente apoio, a Chile e Venezuela por seu acompanhamento, e sobretudo a Cuba e Noruega por seu intenso e abnegado trabalho de respaldo à construção dos acordos de paz para Colômbia, sua contribuição constante à busca de soluções em momentos de dificuldade e sua disposição a continuar apoiando o processo de paz.


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Caim da América

Dizer que estendem a mão às FARC, como expressou Pacho Santos na euforia do triunfo, e como repetiram o ex-presidente e depois o ex-procurador, não deixa de ser no fundo uma palhaçada.
Os pontos do acordo com as FARC que incomodam profundamente a Álvaro Uribe são os de participação política e restituição de terras. O de justiça lhe importa menos porque dizer a verdade não é seu forte. Seu forte é mentir porque uma mentira repetida uma e outra vez termina calando no profundo da psique, segundo Goebbels. O castrochavismo foi só a ponta da madeira. A Colômbia “venezuelizada” foi a outra. Os filmes de terror costumam produzir muito mais medo se os vemos de noite. Por trás disso há toda uma lógica porque a escuridão sempre foi o “terror” das crianças e um espaço de insegurança para os adultos. De noite todos os gatos são pardos. De noite saem as bruxas, dizem, e os ladrões encontram nesta um terreno propício para suas travessuras. A terminação do conflito armado era sua “noite mais escura”, “seu terror”, porque deixava sem piso a tese da guerra eterna onde a guerrilha devia ser arrasada militarmente.
Dizer que a Álvaro Uribe interessa a paz do país é como assegurar que as raposas odeiam as ovelhas e por isso as comem. A Uribe não lhe interessa o país, não lhe interessa que as crianças de La Guajira morram de fome e sede nem que o Chocó navegue nesse atraso eterno ao qual foi condenado por dirigentes como ele que só têm interesses políticos para que seus filhos possam ter uma empresa que começou com 10 milhões de pesos e que 8 anos depois alcance um patrimônio que supera os 40 bilhões de pesos.
Não é retórica que a Colômbia seja chamado desde há várias décadas no hemisfério como o Caim da América. Não é retórica que a Colômbia seja o terceiro país mais desigual do hemisfério na distribuição de suas rendas. Que só 10% dos colombianos recebem 90% de todas essas riquezas que geradas no território nacional é visto por alguns como o jogo perfeito da democracia, quando na realidade é só um ato de injustiça que produz fome, escassez e morte. Quando Daniel Coronell assegurou há um mês que o pior que tem ocorrido ao país é ter entre sua classe dirigente a pessoas como Uribe e Ordóñez, na realidade não estava dizendo nada de novo porque a história do país tem se caracterizado por ter entre seus governantes a uma extrema-direita que arma guerras contra o povo com o fim de manter a hegemonia política e defender seus interesses. Ou seja, a oligarquia converteu a violência contra o povo na sua forma normal de governar.
De maneira que aqueles que creem que o ocorrido a 2 de outubro foi o triunfo de uma “democracia madura”, como expressou Francisco Santos, e não a manipulação das massas por uns senhores que veem nos colombianos um rebanho de carneiros que podem ser influenciados a ponta de propaganda suja e a exploração de seus medos mais profundos, deveriam se perguntar se na realidade a guerrilha vai aceitar a deixação das armas sem nenhuma contraprestação, que a marginalizem da participação em política, entregue à sorte que se lhe atribui e vá para o cárcere.
Uribe disse: “A mim me querem meter preso”. “De Havana se deu a ordem de minha saída da Procuradoria”, assegurou Alejandro Ordóñez no dia em que o Conselho de Estado anulou sua reeleição. Esgrimir que do que se trata é de uma perseguição política e não da justiça cumprindo com seu dever constitucional foi o cavalinho de batalha do uribismo desde quando seus bispos e próximos começaram a ser investigados pela Promotoria e condenados pela Corte Suprema de Justiça. Que as FARC iam passar das armas ao Congresso sem pagar um dia de cárcere, que Timochenko ganharia a Casa de Nariño num abrir e fechar de olhos, que a Colômbia ia direto a se parecer com Venezuela, Cuba e quanto país tivesse um mandatário de esquerda menoscabou esses temores legendários que os colombianos arrastam desde os governos de Luis Mariano Ospina Pérez e Laureano José Gómez Castro.
Alimentar esses temores num país profundamente católico, homofóbico e godo, dirigido desde sua independência por uma direita extrema que inventou os “chulavitas” e os “pájaros”, assassinos a soldos pagos por terra-tenentes e pelos governos de turno para erradicar do território nacional todo pensamento liberal, desperta nos cidadãos o medo que produz a noite escura e nos comerciantes e empresários o fantasma de uma Venezuela onde as expropriações se converteram num reality de televisão, as exportações de produtos nacionais se reduziram a 5% e as importações se elevaram a 95%
Aqui, o único que se fortaleceu politicamente foi Uribe porque a paz do país ficou ferida de morte, com uma crise política que vai aproveitar para enfileirar baterias na busca de chegar à Casa de Nariño em corpo alheio. Dizer que estendem a mão às FARC, como expressou Pacho Santos na euforia do triunfo, e como repetiram o ex-presidente e depois o ex-procurador Alejandro Ordóñez, não deixa de ser no fundo uma palhaçada, que pretende mostrar uma reconciliação que não existe. Se pudessem, não durariam em enviar-lhes mensageiros, assim como enviaram a Carlos Pizarro pouco depois de entregar os fuzis, como enviaram a Manuel Cepeda, a José Antequera e uma longa lista de dirigentes políticos de esquerda que caíram abatidos pelas balas dos sicários.
A proposta do pacto nacional que Uribe promove é também uma ilusão que esconde uma intenção muito mais perversa: unir forças para as próximas presidenciais e passar a fatura a Santos, a quem considera um traidor porque iniciou os acordos de paz com a guerrilha.
A única coisa que fica claro da derrota da paz é que o país ficou fragmentado entre os que odeiam as FARC por seus crimes e admiram a Uribe pelos seus, e os que, apesar de terem sofrido os embates da violência desatada, votaram pelo Sim com o sonho secreto de construir, algum dia, um país melhor onde todos caibamos.

* Docente universitário - Twitter: @joaquinroblesza - Email:robleszabala@gmail.com

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"Nos vemos dentro de 10.000 muertos" disse Alfonso Cano em Tlaxcala, México, 1992.



Escrito por Enrique Santiago Romero

O surpreendente resultado do Plebiscito celebrado no domingo passado em Colômbia, onde o ‘Não’ ao Acordo de Paz subscrito entre o Governo e as FARC-EP se impôs por uma estreita margem de 56.000 votos entre mais de 12 milhões e meio depositados, situa ao concluído processo de Paz que se adiantou em Havana desde o ano de 2012 num delicado transe. O problema que este resultado criou é eminentemente político, em nenhum caso é um grave problema jurídico.

O Acordo Final para a terminação do conflito e o estabelecimento de uma paz estável e duradoura, alcançado a 24 de agosto de 2016 em Havana, mantém sua validade jurídica apesar do resultado do plebiscito. Isso por várias razões. Em primeiro lugar, porque o artigo 22 da Constituição Política colombiana reza: “A paz é um direito e um dever de obrigatório cumprimento”. Em segundo, porque a sentença da Corte Constitucional colombiana que se pronunciou no mês de julho passado sobre a lei de convocatória do plebiscito estabeleceu que o resultado deste não tinha nenhum efeito jurídico em relação ao Acordo de Paz, se bem que implicava uma obrigação política para o presidente da Colômbia, quem decidiu unilateralmente convocá-lo sem ter obrigação de fazê-lo.

E, em terceiro lugar, porque o Acordo Final já tem força jurídica própria conforme o direito internacional, toda vez que foi subscrito como Acordo Especial –figura jurídica de obrigatório cumprimento prevista nas Convenções de Genebra de 1949- e depositado pelas partes ante o organismo depositário das Convenções de Genebra, dando assim legitimidade a seus conteúdos.

As FARC-EP, se bem que no mês de junho passado aceitaram a realização do plebiscito três anos de discrepância argumentada, vinham se opondo à celebração deste por vários motivos: porque a Constituição colombiana configura o direito à paz como um direito fundamental, e portanto como um direito “contramajoritário”, isto é, um direito intrínseco à dignidade humana que não pode ser submetido a consulta, e que, submetendo-se, seu resultado não teria efeito jurídico algum.

Se trata de um direito indisponível consubstancial à dignidade da pessoa, igual que o direito à vida ou à liberdade de qualquer ser humano, direitos fundamentais cujos conteúdos e configuração não dependem da opinião de terceiros, salvo que se opte por violar a Declaração Universal de Direitos Humanos ou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ademais da própria Constituição colombiana.
Mais além da tristeza que preenche a qualquer pessoa ao contemplar como um país desaproveita a oportunidade de acabar com um conflito que se iniciou pelo menos 30 anos antes de que existissem as FARC-EP –Lei de Terras 200 de 1936-, sem dúvida, o resultado do plebiscito tem um efeito político muito grave, e portanto a Colômbia tem um problema político que deve resolver de forma urgente, por meios exclusivamente políticos, não jurídicos.


Os argumentos da campanha do Não
Existe um importante setor da população que entendeu erroneamente que o efeito do Acordo de Paz seria pernicioso para o país, porque [ao atender aos argumentos essenciais da campanha do Não] provocaria a instauração de um regime político “castro chavista” onde se cerceariam as liberdades individuais; porque provocaria uma subida de impostos; porque instauraria uma sociedade governada por interesses de ‘gênero’, que se associam a comportamentos “feministas” e “homossexuais”; e porque suporia a impunidade dos crimes cometidos durante o conflito, senão dos delitos e infrações ao Direito Internacional Humanitário que a guerrilha das FARC-EP teria causado.

Tais argumentos, ademais de abusivamente grosseiros e simplistas, carecem de sustentação alguma à vista das 297 páginas do Acordo Final, paciente e cuidadosamente elaboradas durante quatro anos de trabalho, observando os direitos de todas as vítimas do conflito e recolhendo suas inquietudes e opiniões. Longe de instaurar um regime “castro chavista”, o Acordo Final fortalece o direito à propriedade privada dos pequenos e médios campesinos, ao blindá-los contra as práticas de despojo –mais de 7 milhões de hectares usurpados violentamente- que têm padecido historicamente por conta de grandes proprietários e seus exércitos privados –paramilitares-, os quais unicamente defendem o direito à propriedade privada se a terra é para eles.

Em Colômbia, 53% da terra aproveitável está em mãos de 2.300 pessoas. Nada incomoda mais a esses grandes proprietários que ouvir falar dos 10 milhões de hectares que, segundo o Acordo de Paz, vão ser entregues e titulados a campesinos pobres sem-terra. E isso porque o Acordo de paz contempla como pouco provável que sejam devolvidos a seus proprietários originais uma parte significativa dos 7 milhões de hectares despojados durante o conflito.

O Acordo de paz supõe também a eliminação de um gasto diário em conceitos de guerra de entre 7 e 8 milhões de dólares, quantidade que o Estado poderá remanejar para inversões sociais, infraestruturas, saúde ou educação se assim o consideram as instituições, sem necessidade de subir impostos.

Que tenha sido o primeiro acordo de paz alcançado no mundo no qual existiu e interveio uma “comissão de gênero” –revisou todos os acordos a partir da perspectiva dos direitos de mulheres e pessoas de diversa orientação sexual- sustentou o surpreendente argumento, surgido nas igrejas evangélicas mais conservadoras e não desmentido pela igreja católica, de que o acordo de paz generalizaria as relações afetivas homossexuais no país, assim como possibilitaria uma espécie de “ditadura social feminista”.

O mais disparatado e interessado dos argumentos do Não à paz é o da suposta impunidade que os acordos provocam, apesar de se ter construído um modelo de Justiça que foi saudado por instituições internacionais e organizações de vítimas de forma praticamente unânime. Somente Uribe, o muito conservador ex-procurador Ordoñez e a ONG estadunidense Human Rights Watch mantiveram uma posição beligerante contra o acordo de Jurisdição Especial para a Paz [JEP], acordo que pretende processar penalmente centenas de milhares de condutas criminais que provocaram vítimas e estão em absoluta impunidade.

Pelo contrário, é a primeira vez que num processo de paz, seja em Colômbia ou em qualquer outro país do mundo, e sem intervenção da comunidade internacional, as partes numa mesa de conversações acordaram um sistema integral de justiça e oferecimento de verdade –outra palavra não do gosto dos poderosos- ante o qual todos os intervenientes no conflito, combatentes e também não combatentes –integrantes de coletivos políticos, de grupos econômicos, agentes de governos estrangeiros e outros- deverão comparecer para prestar conta de suas responsabilidades, se as tiveram.

Integrantes de coletivos políticos e econômicos que nunca vestiram um uniforme nem pisado o barro de uma trincheira, porém que intervieram e/ou utilizaram a guerra em seu proveito político ou econômico, desde cômodos gabinetes em Bogotá, desfrutando estruturalmente de impunidade, são agora os que clamam contra uma suposta “impunidade guerrilheira” que a JEP permitiria. A Promotoria Geral da Colômbia tem preparadas mais de 55.000 acusações contra as FARC -responsáveis, junto a outras guerrilhas, por não mais de 15% da vitimização causada no conflito, segundo dados da Unidade de Vítimas do Governo-, ademais das milhares de condenações já impostas a guerrilheiros. No entanto, são apenas 3.000 as acusações preparadas pela Promotoria contra agentes do Estado –responsáveis por 25% das vitimizações- e nenhuma contra organizadores, financiadores ou instigadores de grupos paramilitares, responsáveis por mais de 50% da vitimização havida durante o conflito.

Mais de 2.000 “compulsações de cópias” [acusações derivadas de um tribunal não competente para investigar] contra financiadores e organizadores de grupos paramilitares, percorrem distintas instâncias judiciais colombianas desde a aprovação pelo então presidente Uribe da Lei de Justiça e Paz em 2005, sem que nenhuma instituição as processe. Os argumentos do Não sobre a suposta impunidade que o denominado “Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e garantias de Não Repetição” acordado em Havana provocaria não se referem em nenhum momento ao tratamento penal diferenciado que para os agentes do Estado se contempla no dito Sistema, tratamento que previsivelmente será utilizado como moeda de troca numa hipotética renegociação, objetivando manter os habituais nichos de impunidade civis.

Olhar para o futuro

A respeito do peso político do resultado do plebiscito, a diferença de 56.000 votos entre o Sim e o Não é mínima num universo de mais de 12,5 milhões de votantes e 32 milhões de eleitores. Não puderam votar muitos colombianos, por falta de prévia abertura de censos eleitorais num país onde boa parte da população campesina carece de documentação, havendo além disso mais de 4 milhões de colombianos no exterior –muitos deles exilados políticos-, a imensa maioria sem recensear. Como se isso fosse pouco, a passagem do furacão Mathew pela região Caribe colombiana no dia da votação provocou uma altíssima abstenção numa região onde massivamente as pesquisas davam o Sim como ganhador, e onde efetivamente este venceu, apesar das centenas de milhares de pessoas que se viram impossibilitadas de ir votar.

Após o inesperado resultado, todos os setores implicados se pronunciaram por continuar o processo de paz: o Governo, as FARC e os defensores do Não, se bem que estes últimos podem pretender se converter em oráculos que pretendam interpretar o que é que deve ser modificado do Acordo de Paz para que este supostamente se corresponda com a vontade expressada pelos votantes do Não.

E já verão os leitores como o oráculo uribista interpretará o que são os acordos sobre Jurisdição Especial para a Paz, desmantelamento do paramilitarismo e Reforma Rural Integral, os quais devem ser modificados, ou melhor ainda, “desmantelados”. Não para que os guerrilheiros não possam usufruir de uma impunidade inexistente na justiça ordinária colombiana ou no Sistema Integral definido nos acordos –a Promotoria da Corte Penal Internacional afirmou em seu informe sobre a Colômbia de novembro de 2015 que as guerrilhas em Colômbia são o único ator do conflito que não tem desfrutado de impunidade, devido à implacável e constante perseguição do Estado contra elas e seus supostos colaboradores- mas sim para excluir da competência da JEP a políticos, empresários, ou em geral a civis organizadores, financiadores ou instigadores dos muitos grupos armados paramilitares que existiram ou existem em Colômbia. Seu objetivo não é outro que continuar, pelos séculos dos séculos, desfrutando da impunidade a que estão acostumados e que tão abundantes benefícios lhes proporcionou.

Na segunda-feira 3 de outubro, tal e como haviam solicitado os defensores do Não, o presidente Santos convocou todas as forças políticas a uma reunião para abordar a situação criada. A totalidade dos partidos políticos, salvo o Centro Democrático de Uribe, vinham apoiando o processo de paz. O único partido político que não acorreu a essa reunião foi o Centro Democrático. Ausência que não pode se dever mais que à falta de vontade de alcançar um acordo político para salvar o processo de paz, ou a que nem eles sabem neste momento como gestionar o Não à paz que tão irresponsavelmente provocaram.

As propostas apresentadas pelo agora senador Uribe no Senado, no dia seguinte ao plebiscito, para supostamente salvar o processo de paz [cessar-fogo, outorgar anistias imediatas e proteger a vida dos chefes das FARC] já estavam incluídas no Acordo de Paz e no caso do cessar-fogo, em vigor desde 29 de agosto passado, já se havendo iniciado o processo de Deixação de Armas pelas FARC no dia 30 de setembro passado.
Na ampla convocatória ao diálogo político efetuada pelo Governo deveria incluir-se, por justiça e coerência, as organizações de vítimas, legítimas representantes dos que padecem ou padeceram diretamente na guerra, e que talvez por isso tenham apoiado massivamente o Sim à paz. Sem sua presença, se excluiria do diálogo nacional àqueles em cujo nome todos os partidos políticos dizem falar, sem que nenhum deles haja recebido nunca expressamente a referida representação. A presença das vítimas no diálogo é imprescindível, porque não parece provável que o mesmo “estabelecimento” colombiano que em quase cem anos não foi capaz de acabar nem com a violência política nem com a guerra, possa agora alcançar um acordo político para salvar uma paz que já estava acordada com as FARC até que suas infelizes políticas –Uribe, Santos e a ambição- fizeram-na saltar pelos ares.

“Nos vemos dentro de 10.000 mortos”, disse indignado e esgotado [Alfonso Cano em Tlaxcala em 1992] a um negociador do Governo após fracassar o segundo dos quatro processos de paz havidos entre o Estado e as FARC. Desta vez, entre todos e todas vamos preservar e proteger a paz, para que não tenha que voltar a se ver dentro de nenhum morto mais. E esta tarefa, sem dúvida, é uma obrigação da Comunidade Internacional
.
Tradução: Joaquim Lisboa Neto


http://www.eldiario.es/tribunaabierta/vemos-dentro-muertos-Tlaxcala-Mexico_6_565953403.html

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A incrivel força do perdão no processo de paz.

Fonte:Revista Semana

As vítimas estão dando ao país uma lição de reconciliação. As Farc começam a pedir perdão pelos erros cometidos e o Estado também encara sua responsabilidade.

Algo muito profundo está mudando em Colômbia, pois o país começa a experimentar seriamente a possibilidade do perdão. Uma vez encerrada a Mesa de Havana entre o governo e as Farc, ambas partes estão cumprindo o que genericamente ficou proposto como atos prematuros de reconhecimento de responsabilidade. E não de qualquer maneira.

No dia 10 deste mês de setembro, antes de sair de Cuba, um grupo importante de dirigentes dessa guerrilha se encontrou pela primeira vez com os familiares dos 11 deputados do estado de El Valle sequestrados em 2002 e assassinados a sangue frio cinco anos depois. O encontro foi assustador. Dor e vergonha se entremearam com lágrimas. No princípio todos tremiam, houve queixas, pranto e raiva. Especialmente por parte de três jovens filhos dos políticos sacrificados: Carolina Charry, a primeira a falar, lhes disse “sou filha do deputado Carlos Alberto Charry, sequestrado e assassinado por vocês em cativeiro”; Sebastián Arismendi lhes confessou com raiva que algum dia quis matá-los e cobrar vingança; e Daniela Narváez, ainda que não tenha assistido ao encontro, enviou uma carta demolidora que fez chorar a todos.

As Farc mostraram uma faceta até agora desconhecida: com humildade acolheram as queixas e assumiram sem ambiguidades sua responsabilidade. Iván Márquez o fez primeiro de maneira genérica, quando disse que estes episódios tinham a ver com a degradação da guerra. Porém Pablo, quem comandava o bloco que cometeu esse aterrador crime, pronunciou as palavras que todos esperavam: “Não vamos evitar a responsabilidade. Estavam em nossas mãos, e não se pode reparar o irreparável, se trata de ressarcir o dano, que é diferente [...] A morte dos deputados foi o mais absurdo do que vivi na guerra, o episódio mais vergonhoso, não nos orgulhamos dele. Hoje, com humildade sincera, pedimos perdão. Oxalá vocês possam nos perdoar”.
Depois de quatro horas intensas, e assim que as Farc assumiram compromissos concretos com as famílias em termos de contar toda a verdade sobre o ocorrido, todos se uniram numa oração que os guias espirituais presentes propiciaram. Os familiares expressaram um sentimento geral de alívio após uma catarse coletiva. A maioria dos que falaram publicamente disseram que creem que os guerrilheiros atuaram com sinceridade e que seguirão apoiando o processo de paz.

Um dia depois deste encontro, as Farc se reuniram com delegados do bairro La Chinita, de Apartadó, no Urabá antioquenho. Ali esta guerrilha cometeu um massacre indiscriminado contra 35 pessoas, a maioria desmobilizados do EPL, em janeiro de 1994. Nos próximos dias se fará neste bairro um ato de reconhecimento similar igual ao que já se fez em Bojayá, Chocó, em novembro do ano passado, quando Pastor Alape viajou para admitir, com voz embargada, que não houve misericórdia para as 79 pessoas que morreram sob a pólvora e a metralha de um cilindro disparado pelas Farc em meio a um combate.

E num fato também histórico, e esperado há meses, Iván Márquez falou ao país por meio de um vídeo no qual reconheceu que as “retenções”, isto é, o sequestro, causaram “uma grande dor” nas famílias e na sociedade. Também disse que estas práticas devem ficar “sepultadas para sempre”.

Como os atos atrozes cometidos na guerra vieram de todos os bandos, e há um compromisso de que todos façam atos de reconhecimento, na última quinta-feira o presidente Santos admitiu que “o Estado não fez o suficiente para evitar a tragédia da UP”, num auditório onde se lhe rendia tributo aos militantes desse grupo que caíram sob as balas da guerra suja. Usou em várias ocasiões, citando ao Conselho de Estado, a palavra “extermínio” e se comprometeu a que essa história não se repetirá nunca mais. Este é um ato de contrição transcendental porque é recíproco com os gestos que as Farc vêm fazendo, e é o reconhecimento tático de que o Estado também foi parte na degradação do conflito.

Que importância tem o perdão?

Possivelmente o mais revelador destes atos de perdão é que demonstram que o processo de paz transformou aos guerrilheiros. As Farc haviam sido reticentes a reconhecer seus erros. Quando se instalaram as conversações de paz em Oslo, Noruega, em fins de 2012, Jesús Santrich disse que “talvez, talvez, talvez” reconheceriam a suas vítimas, o qual se converteu numa bofetada mais para elas. Timochenko e outros chefes dessa guerrilha haviam dito em várias ocasiões que não pediriam perdão porque não tinham nada de que se arrepender. Por sua vez, dentro do governo se falou de que os crimes de guerra cometidos desde sua margem eram produto de umas quantas “maçãs podres” e não do Estado como tal.

Esse mudança é importante porque demonstra que há uma vontade de não repetir a história. Também que as narrativas heroicas próprias da guerra estão chegando a seu fim, o qual é uma guinada na ética política que tem predominado no país.

A isso se soma que os atos de perdão superam a retórica porque estão acompanhados de compromissos práticos de verdade exaustiva e de reparação. No caso dos deputados, a guerrilha tentará devolver aos familiares os pertences que tiveram no cativeiro, e no da UP o governo se compromete no esforço de proteger e não estigmatizar este movimento e outros similares.

Em segundo lugar, o perdão, ainda que não está contemplado como tal no acordo de Havana, pode assimilar-se a um ato de reparação na medida em que eleva as demandas das vítimas acima dos interesses das partes envolvidas. Não em vão os familiares dos deputados expressaram a sensação de haver alcançado algo de justiça com o ato dos guerrilheiros. Adicionalmente, estas petições de perdão se estão dando num contexto de fim do conflito, no qual haverá um sistema de justiça integral, baseado na verdade e na restauração, em que também haverá sanções e castigos. Não são portanto fatos isolados que possam ser considerados banais, cosméticos ou rodeados de oportunismo político.

Finalmente há que considerar que, como o disse Óscar Tulio Lizcano, quem também esteve sequestrado pelas Farc, o perdão é uma virtude política na medida em que permite à sociedade assimilar o passado e olhar pro futuro. O perdão como experiência pessoal e coletiva assenta as bases da reconciliação. Assim ocorreu na África do Sul, onde houve uma verdadeira catarse das injustiças do apartheid em diversos espaços. “Sem perdão não há futuro”, dizia o bispo Desmond Tutu, guardião espiritual desse processo de transição à democracia.

Dado que o tempo do perdão apenas começa, o país verá no futuro muitos destes atos. Porém serão pontuais e sobre os fatos mais atrozes cometidos. Ainda que alguns setores esperam um arrependimento geral da guerrilha e outros esperam do próprio Estado, isso dificilmente ocorrerá. As Farc estão dispostas a reconhecer os excessos da guerra e de seus atos de barbárie, porém não vão renegar totalmente seu passado, pois consideram que levantar-se em armas contra o regime político, com toda a violência que isso implica, tinha uma justificativa histórica.

Por enquanto, as vítimas estão dando ao país uma lição ética e política. Estão dizendo que em Colômbia podem conviver vítimas e vitimários, numa nova relação humana, se se quer que as novas gerações tenham um país diferente. Isso expressa a pungente carta que Sebastián Arismendi publicou em seu Facebook. As vítimas estão mostrando ao país um novo alfabeto para reescrever as páginas do futuro.

Crônica de uma catarse

Sebastián Arismendi, filho do deputado Héctor Fabio Arismendi, contou no Facebook como transformou sua vida o encontro com as Farc.

Hoje sinto uma tranquilidade que nunca em mina vida havia sentido, sinto uma paz interior que necessitava desde há muito tempo, hoje posso dizer que por fim meu pai pode ir descansar em paz.

Não vou mentir pra vocês, antes de me deitar e dormir na noite anterior tinha muitos medos, pensava como ia ser esse momento quando visse aos que assassinaram o meu pai: Iván Márquez, Pablo Catabumbo, Rodrigo Granda e Joaquín Gómez.
Simplesmente acreditava que não ia suportar tanta pressão e simplesmente sairia correndo dali implorando por justiça.

Ao amanhecer, a ansiedade não me abandonava, as tonturas e o estresse eram os que primavam em mim. Portanto, não fui capaz de desjejuar e parti para o meu encontro com o estômago vazio porém cheio de medos e dores em meu coração. O momento havia chegado, olhei para o céu implorando ao Espírito Santo que me desse a força para enfrentar a situação. Nesse momento, eles entraram, e lhes confesso que não senti nada, me enchi de força e me pus de pé a exigir-lhes a verdade. Mostrei toda minha dor e sofrimento durante todos estes anos, lhes disse algo que sempre tinha querido dizer-lhes: eu jurei matar a todos vocês quando tinha só 9 anos, com lágrimas em meus olhos e com a alma destroçada, pelo assassinato de meu pai. No entanto, lhes disse que já os havia perdoado e também já me havia perdoado e por isso eu era livre e feliz.

Porém eles, como nunca o esperava [nunca esperei nada deles], me ouviram com respeito e punham atenção a todas minhas palavras. Ao final, Pablo Catatumbo tomou a palavra e nos disse: ‘Não nos orgulhamos do assassinato dos deputados, isso nunca deveria ocorrer. Hoje fazemos um reconhecimento público e pedimos perdão. Oxalá vocês também nos perdoem’, e Iván Márquez assegurou: ‘Desde o mais profundo de nosso ser sentimos sua dor. Permita-nos que nossos sentimentos os abrace, e pedir-lhes perdão por esta situação’. Ademais de muitas outras palavras que diziam sem um roteiro em suas mãos. Sinceramente, jamais esperei que eles pedissem perdão, sempre se caracterizaram por serem duros e orgulhosos, ontem desconheci ao Iván Márquez de sempre, se via triste e não repreendia nenhum de nossos requerimentos.

Por todo o acima exposto, algo muito estranho passava em meu corpo, o sofrimento foi desaparecendo de mim, e sentia que havia obtido justiça, porque me dei conta de que vendo-os no cárcere não me traria o meu pai de volta, porém obrigando-os a ouvir-me e ouvi-los arrependidos pelo que fizeram me fez sentir grande e a eles vê-los muito pequenos. Finalmente, saí com um sorriso em meu rosto e via como meu pai se sentia orgulhoso de mim no céu, porque compreendi que sua vida foi entregue para que a Colômbia fosse uma muito melhor.

Te amo, papai, sempre estarás em minha mente e no meu coração, e te juro que minha vida será para cumprir o sonho que ambos tivemos: ver a Colômbia como uma nação muito melhor para todos nós”.

“Nossa única arma será a palavra”







Por Timoleón Jimńez, Comandante em Chefe das FARC
Minhas primeiras palavras, após a firma deste Acordo Final, vão dirigidas ao povo da Colômbia, povo bondoso que sempre sonho com este dia, povo abençoado que nunca abandonou a esperança de poder construir a pátria do futuro, onde as novas gerações, isto é, nossos filhos e nossos netos, nossas mulheres e homens, possam viver em paz, democracia e dignidade, pelos séculos dos séculos.
Penso também nos marginalizados que povoam os cinturões de miséria desta Cartagena, a Cidade Heroica, que, desejando estar aqui nesta celebração, não puderam fazê-lo. A eles e elas lhes estendo minha mão de irmão e os abraço com o coração. Vocês, junto ao restante da sociedade colombiana, também serão artífices da semeadura da paz que apenas começa.
Se diz que esta legendária cidade de mar, de praias preciosas, de brisa, de muralhas antigas, de história corajosa e gente extraordinária conseguiu enamorar a nosso Nobel Gabriel García Márquez, quem chegou a dizer: “me bastou com dar um passo dentro da muralha para vê-la em toda sua grandeza à luz violeta das seis da tarde, e não pude reprimir o sentimento de ter voltado a nascer”. Pois assim estamos hoje com certeza os que assistimos a este ocaso do dia em que renascemos para lançar a andar uma nova era de reconciliação e de construção de paz.
Compatriotas: esta luta pela paz, que hoje começa a dar seus frutos, vem desde Marquetalia impulsada pelo sonho de concórdia e de justiça de nossos pais fundadores, Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas, e mais recentemente pela perseverança do inesquecível comandante Alfonso Cano. A eles, e a todos os caídos nesta gesta pela paz, nosso eterno reconhecimento.
Como vocês sabem, a X Conferência Nacional de Guerrilheiros das FARC-EP referendou de maneira unânime os Acordos de Havana e mandatou a criação do novo partido ou movimento político, o qual configura a passagem definitiva da forma de luta clandestina e levantamento armado à forma de luta aberta, legal, para a expansão da democracia.
Que ninguém duvide que vamos para a política sem armas. Preparemo-nos todos para desarmar as mentes e os corações.
Doravante, a chave está na implementação dos acordos, de tal maneira que o escrito no papel cobre vida na realidade. E para que isso seja possível, ademais da verificação internacional, o povo colombiano deverá se converter no principal garantidor da materialização de todo o pactuado.
Nós vamos cumprir, e esperamos que o governo cumpra.
Nossa satisfação é enorme ao constatar que o processo de paz da Colômbia já é uma referência para a solução de conflitos no mundo.
Quanto desejamos que a autoridade palestina e Israel encontrem o caminho da reconciliação. Como desejamos de coração que na Síria se silenciem as bombas e o horror de uma guerra que vitimiza a um povo, que o desterra e o obriga a lançar-se ao mar em botes inseguros para buscar refúgio em países que também os rechaçam, e os reprimem, sem nenhum sentimento de humanidade. Paz negociada para a Síria, pedimos desde ultramar, desde Cartagena de Índias!
Paz para o mundo inteiro; não mais conflitos bélicos com seus terríveis dramas humanos, nos quais mulheres, meninas e meninos comovem com suas lágrimas e tristezas.
Com o Acordo que hoje subscrevemos, aspiramos pôr um ponto final em Colômbia à longa história de lutas e enfrentamentos contínuos que dessangraram nossa pátria, como destino cruel e fatal desde precoces épocas. Só um povo que viveu entre o espanto e os padecimentos de uma e outra guerra, durante tantas décadas, podia tecer pacientemente os sonhos de paz e justiça social, sem perder nunca a esperança de vê-las coroadas por caminhos distintos à confrontação armada, mediante a reconciliação e o perdão. Um povo que anseia que a perseguição, a repressão e a morte e o acionar paramilitar, que ainda persistem, assim como múltiplas causas do conflito e da confrontação, possam ser superadas em forma definitiva.
A mais recente cúpula da CELAC determinou, com o consenso de todos os países da América Latina e do Caribe, que esta parte do mundo deve ser um território de paz. O Acordo Final de Havana chega a ratificar esse propósito pondo fim ao mais longo conflito do continente. A Terra inteira deveria ser declarada território de paz, sem espaço algum para as guerras, para que todos os homens e mulheres do orbe possamos chamar-nos e atuar como efetivamente somos, irmãos e irmãs sob a luz do sol e da lua, deixando para trás qualquer faísca de miséria e desigualdade.
O tratado de paz que subscrevemos hoje em Cartagena não só põe fim a um conflito nascido em Marquetalia, no ano de 1964, como também aspira a cerrar para sempre a via das armas, tão longamente transitada em nossa pátria. Quem sabe que vandálico se não tomou posto em amplos setores da classe dirigente colombiana, desde o próprio grito da independência de Espanha, pois as incontáveis guerras civis do século XIX proporcionam o lúcido testemunho da odiosa mania de pretender solucionar todas as diferenças a tiros, eliminando fisicamente ao contendor político e não derrotando suas ideias com apoio popular; encobrindo dessa forma propósitos obscuros para a preservação e prolongação de um regime de privilégios e de enriquecimento em benefício próprio.
Em nosso parecer, toda forma de violência é em sentido filosófico e moral um atentado contra a humanidade inteira, porém dolorosamente constitui por sua vez um dramático testemunho da história humana.
Se alguma coisa a história tem demonstrado é que não há povo que suporte indefinidamente a brutalidade do poder, ainda que depois o chamem com os apelativos que queiram. Do mesmo modo, os povos, vítimas iniciais e finais de todas as violências, são por sua vez os primeiros em sonhar e desejar a paz e a convivência arrebatadas. Todo povo ama seus meninos e meninas e sonha com esperança um futuro feliz para eles. Essa tem sido nossa incessante busca.
Pactuamos em Havana a realização de rigorosas investigações sobre o esclarecimento da verdade histórica do conflito colombiano. Deixemos, portanto, a elas as conclusões finais. Porém que se reconheça que as FARC-EP sempre tentamos, por todos os meios, evitar à Colômbia as desgraças de um prolongado enfrentamento interno. Outros interesses, demasiado poderosos no plano internacional e nos centros urbanos e nos campos do país se encarregariam de inclinar a balança no sentido contrário através de múltiplos meios e de uma intensa ação comunicativa na qual a manipulação midiática e a mentira fizeram parte do pão de cada dia.
Não obstante, jamais se poderá apagar da história que, durante mais de trinta anos, cada processo de paz significou uma conquista da insurgência e dos setores populares que o exigiam. E que, portanto, temos pleno direito a declarar como uma vitória destes a subscrição deste Acordo Final pelo Presidente Juan Manuel Santos e a comandância das FARC-EP. Sendo igualmente justos, há que dizer que este tratado de paz é também uma vitória da sociedade colombiana em seu conjunto e da comunidade internacional.
Sem esse amplo respaldo social e popular que foi crescendo ao longo e ancho da pátria durante estes últimos anos, não estaríamos frente a este magnífico acontecimento da história política do país. Hoje devemos agradecer, por sua contribuição na conquista deste propósito coletivo, às mulheres e aos homens desta bela terra colombiana, aos campesinos, indígenas e afrodescendentes, aos jovens, à classe trabalhadora em geral, aos artistas e trabalhadores da arte e da cultura, aos ambientalistas, à comunidade LGTBI, aos partidos políticos e os movimentos sociais, às diferentes comunidades religiosas, a importantes setores empresariais e, sobretudo, às vítimas do conflito. Nossos meninos e nossas meninas, os mais beneficiados, pois eles são a semente das gerações futuras, nos comoveram com suas grandiosas expressões de doçura e esperança.
Devemos admitir que nosso propósito de busca de uma saída política ao dessangramento fratricida da Nação encontrou no Presidente Juan Manuel Santos um corajoso interlocutor, capaz de enfrentar com integridade as pressões e provocações dos setores belicistas. A ele lhe reconhecemos sua comprovada vontade por construir o Acordo que hoje se firma em nossa Cartagena heroica.
Pela primeira vez em mais de um século se conseguiu por fim somar suficientes vontades para dizer não aos amigos da guerra, que durante tanto tempo se apoderaram do acontecer nacional para mergulhá-lo num caos interminável e doloroso.
Toda esta construção social e coletiva pôde render frutos graças ao incansável apoio dos países garantidores. Nosso agradecimento a Cuba, ao Comandante dessa gloriosa Revolução, Fidel Castro Ruz, ao General de Exército e Presidente Raúl Castro Ruz e ao povo cubano em geral. Igualmente ao Reino da Noruega e a todo o povo norueguês por decidido apoio ao processo.
Reconhecimento especial merece o Comandante Hugo Chávez, sem cujos trabalhos, pacientes como discretos, este final feliz não haveria tido começo. A Nicolás Maduro, continuador desse generoso esforço de paz, em sua condição de Presidente da República Bolivariana de Venezuela, país acompanhante, e desde logo ao povo da irmã república. Nosso agradecimento ao Chile, em sua qualidade de país acompanhante, a seu povo, a sua presidenta Michelle Bachelet. Também à Organização das Nações Unidas. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América e de todos os povos do mundo.
Com o Acordo Final se deu um transcendental passo adiante na busca de um país diferente, comprometendo-se a uma Reforma Rural Integral, para contribuir com a transformação estrutural do campo. Promoverá uma Participação política denominada Abertura democrática para construir a paz, com a qual se busca ampliar e aprofundar a democracia. As FARC-EP deixamos as armas ao tempo em que o Estado se compromete a proscrever a violência como método de ação política. Isto é, a pôr fim definitivo à perseguição e ao crime contra o opositor político, a dotá-lo de plenas garantias para sua atividade legal e pacífica. Junto com o Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo e a Deixação de Armas, com os quais termina para sempre a confrontação militar, foi pactuada a Reincorporação das FARC-EP à vida civil no econômico, no social e no político de acordo com nossos interesses, e se subscreveu o acordo sobre Garantias de segurança e luta contra as organizações criminais ou paramilitares que dessangram e ameaçam a Colômbia.
Especial atenção merece a previsão do Pacto Político Nacional, por meio do qual o governo e o novo movimento político surgido de nosso trânsito à atividade legal promoveremos um grande acordo nacional e desde as regiões com todas as forças vivas da Nação, a fim de fazer efetivo o compromisso de todos os colombianos e colombianas, para que nunca mais sejam utilizadas as armas na política, nem se promovam organizações violentas como o paramilitarismo. Materializando-se este propósito comum, a Colômbia terá conseguido dar um gigantesco passo adiante no caminho da civilização e do humanismo.
De algo estamos bem certos, se este Acordo Final não deixa satisfeitos a setores das classes abastadas do país, por outro lado representa uma lufada de ar fresco para os mais pobres da Colômbia, invisíveis durante séculos, e para os e as jovens em cujas mãos se encontra o futuro da pátria, os quais serão a primeira geração de nacionais que cresce em meio a paz.
São quase três centenas de páginas as que contém o Acordo Final que subscrevemos aqui, difíceis de resumir em tão breve espaço. Sua firma não significa que capitalismo e socialismo começaram a soluçar nos braços um do outro. Aqui ninguém renunciou a suas ideias, nem arriou suas bandeiras derrotadas. Acordamos que seguiremos confrontando-as abertamente na arena política, sem violência, num apoteótico esforço pela reconciliação e o perdão; pela convivência pacífica, o respeito e a tolerância; e sobretudo pela paz com justiça social e democracia verdadeira.
Relembrando a São Francisco de Assis, devemos repetir-nos que quando se nos preenche a boca falando de paz devemos cuidar primeiro de ter nossos corações cheios dela.
Em todos os cenários possíveis continuará retumbando nossa voz contra as injustiças inerentes ao capitalismo, denunciando a guerra como o instrumento favorito dos poderosos para impor sua vontade aos fracos por meio da força e do medo, clamando pela salvação e a conservação da vida e da natureza, exigindo o fim de qualquer forma de patriarcado e discriminação, propondo saídas verdadeiramente humanas e democráticas a todos os conflitos, certos de que a imensa maioria dos povos prefere a paz e a fraternidade sobre os ódios, e merecem portanto ocupar um lugar de privilégio na adoção das decisões que envolvem o futuro de todos.
Colômbia requer transformações profundas para fazer realmente verdadeiros os sonhos da justiça social e do progresso. A paz é sem dúvida alguma o elemento essencial para os grandes destinos que nos esperam como nação, que deverão caracterizar-se mais por suas luzes que por seu poderio, como diria o Libertador.
Para fazê-lo possível, nossa pátria requer, ademais de um renascimento ético, da restauração moral que predicava Jorge Eliécer Gaitán antes de ser assassinado naquele fatídico 9 de abril de 1948. O enriquecimento fácil e a descarada mentira, a discórdia semeada nas mentes dos cidadãos pela mentira midiática habitual, a farsa da educação fundada na sede de lucro de empresários sem princípios, a alienação cotidiana semeada pela publicidade mercantil, entre outros graves males, exigem, para superá-los, o melhor dos valores humanos de nossos compatriotas.
A sociedade colombiana tem que ser claramente inclusiva no econômico, no político, no social e no cultural. O Estado colombiano, após a firma deste Acordo, não pode seguir sendo o mesmo em que se permite que a saúde seja um negócio. Os tristemente famosos corredores da morte e as agonias às portas dos hospitais têm que desaparecer para sempre. Não mais famílias condenadas à rua e à miséria, por conta das usurárias dívidas com o sistema financeiro ou os bandos do gota a gota. A segurança com a qual tanto sonham os colombianos e as colombianas não deve depender tanto do tamanho das forças de segurança do Estado como do combate a pobreza e a desigualdade e a falta de oportunidades da qual padecem milhões de compatriotas, fonte real das formas mais sentidas da delinquência. Os serviços públicos devem chegar a todos e a todas. É a essa tarefa que nos propomos somar-nos desde agora, sem arma diferente que nossa palavra. E é isso o que o Estado colombiano prometeu solenemente respeitar e proteger.
Ao contrário dos que apregoam que nosso ingresso na política aberta em Colômbia constitui uma ameaça, sentimos que milhões de colombianos e colombianas nos estendem seus braços generosos, e felicitam a seu governo por haver alcançado pelo menos a terminação do conflito armado, entre seus diferentes propósitos. De todas as partes do mundo recebemos emocionados saudações de aplauso pelo conseguido. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América, voltam a nos repetir todos os governos do continente.
Ante eles selamos nosso compromisso de paz e reconciliação. Onde queira que doravante plante seus pés um antigo combatente das FARC-EP, podem ter a certeza de encontrar a uma pessoa decente, serena e sensata, inclinada ao diálogo e à persuasão, a uma pessoa disposta a perdoar, simples, desprendida e solidária. Uma pessoa amiga das crianças, dos humildes e ansiosa por trabalhar por um novo país de modo pacífico.
Quase cinco anos atrás, numa nota destinada a ser lida pelo Presidente Santos, a poucos dias de produzida a morte de nosso Comandante Alfonso Cano, terminava dizendo-lhe “assim não é, Santos, assim não é”. Com a convicção de que a Colômbia merecia um acordo muito melhor e que talvez com um pouco mais de vontade teríamos conseguido, devo reconhecer que o firmado hoje constitui uma luz de esperança, prenhe de anseios de paz, justiça social e democracia verdadeira, um documento de descomunal transcendência para o futuro de nossos filhos e filhas e da pátria inteira.
Os mais de dez bilhões de dólares investidos na guerra pelo Plano Colômbia e o gigantesco gasto para o financiamento da guerra teriam servido para solucionar boa parte dos males do povo colombiano. Porém, como diria nosso comandante Jorge Briceño, já não é tempo de chorar, senão que de marchar para adiante. Depois de centenas de milhares de mortos e milhões de vítimas, ao subscrever juntos este documento, lhe digo, Presidente, com emoção patriótica, que este sim era o caminho indicado, assim, sim, era.
Os soldados e policiais da Colômbia haverão de ter claro que deixaram de ser nossos adversários, que para nós está definido que o caminho correto é reconciliação da família colombiana. Esperamos deles, como o asseguraram vários de seus mais destacados mandos, que jogaram importante papel na Mesa de Havana, um olhar distinto ao qual sempre nos reservaram. Todos somos filhos do mesmo povo colombiano, nos afetam por igual seus grandes problemas.
A nossas guerrilheiras e nosso guerrilheiros, a nossos prisioneiros e prisioneiras de guerra, a suas famílias, a nossos licenciados de fileiras e mutilados, queremos enviar-lhes uma mensagem de alento, vocês viveram e lutaram como heróis, abriram com seus sonhos o caminho da paz para Colômbia. Os três monumentos que serão construídos com suas armas darão testemunho eterno do que representou a luta das e dos combatentes das FARC-EP e do povo humilde e valente desta pátria.
Colômbia espera agora que, graças à necessária diminuição da porcentagem do gasto público destinado à guerra que o fim da confrontação deverá trazer e o consequente aumento do investimento social, nunca jamais, nem em La Guajira, nem no Chocó, nem em nenhum outro espaço do território nacional tenham por que continuar morrendo meninos e meninas de fome, desnutrição ou enfermidades curáveis.
Coroamos, por via do diálogo, o fim do mais longo conflito do hemisfério ocidental. Somos os colombianos e colombianas, por tanto, um exemplo para o mundo: que doravante sejamos dignos de levar uma honra semelhante. Reconheçamos que cada uma e um de nós temos a quem chorar. Perdemos a filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas.
Glória a todos os caídos e vítimas desta longa conflagração que hoje termina!
Em nome das FARC-EP ofereço sinceramente perdão a todas as vítimas do conflito, por toda a dor que tenhamos podido ocasionar nesta guerra.
Que Deus abençoe a Colômbia. Se acabou a guerra. Estamos começando a construir a paz. O amor de Mauricio Babilonia pela Meme poderá ser agora eterno e as borboletas que voavam livres atrás dele, simbolizando seu infinito amor, poderão agora multiplicar-se pelos séculos cobrindo a pátria de esperança.
Bem-vinda esta segunda oportunidade sobre a Terra!
Cartagena de Índias, 26 de Setembro de 2016
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

http://videos.telesurtv.net/video/594940/colombia-todo-listo-en-cartagena-para-firma-del-acuerdo-final-de-paz


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...