Dizer que estendem a mão às FARC, como expressou Pacho Santos na euforia do triunfo, e como repetiram o ex-presidente e depois o ex-procurador, não deixa de ser no fundo uma palhaçada.
Os pontos do acordo com as FARC que incomodam profundamente a Álvaro Uribe são os de participação política e restituição de terras. O de justiça lhe importa menos porque dizer a verdade não é seu forte. Seu forte é mentir porque uma mentira repetida uma e outra vez termina calando no profundo da psique, segundo Goebbels. O castrochavismo foi só a ponta da madeira. A Colômbia “venezuelizada” foi a outra. Os filmes de terror costumam produzir muito mais medo se os vemos de noite. Por trás disso há toda uma lógica porque a escuridão sempre foi o “terror” das crianças e um espaço de insegurança para os adultos. De noite todos os gatos são pardos. De noite saem as bruxas, dizem, e os ladrões encontram nesta um terreno propício para suas travessuras. A terminação do conflito armado era sua “noite mais escura”, “seu terror”, porque deixava sem piso a tese da guerra eterna onde a guerrilha devia ser arrasada militarmente.
Dizer que a Álvaro Uribe interessa a paz do país é como assegurar que as raposas odeiam as ovelhas e por isso as comem. A Uribe não lhe interessa o país, não lhe interessa que as crianças de La Guajira morram de fome e sede nem que o Chocó navegue nesse atraso eterno ao qual foi condenado por dirigentes como ele que só têm interesses políticos para que seus filhos possam ter uma empresa que começou com 10 milhões de pesos e que 8 anos depois alcance um patrimônio que supera os 40 bilhões de pesos.
Não é retórica que a Colômbia seja chamado desde há várias décadas no hemisfério como o Caim da América. Não é retórica que a Colômbia seja o terceiro país mais desigual do hemisfério na distribuição de suas rendas. Que só 10% dos colombianos recebem 90% de todas essas riquezas que geradas no território nacional é visto por alguns como o jogo perfeito da democracia, quando na realidade é só um ato de injustiça que produz fome, escassez e morte. Quando Daniel Coronell assegurou há um mês que o pior que tem ocorrido ao país é ter entre sua classe dirigente a pessoas como Uribe e Ordóñez, na realidade não estava dizendo nada de novo porque a história do país tem se caracterizado por ter entre seus governantes a uma extrema-direita que arma guerras contra o povo com o fim de manter a hegemonia política e defender seus interesses. Ou seja, a oligarquia converteu a violência contra o povo na sua forma normal de governar.
De maneira que aqueles que creem que o ocorrido a 2 de outubro foi o triunfo de uma “democracia madura”, como expressou Francisco Santos, e não a manipulação das massas por uns senhores que veem nos colombianos um rebanho de carneiros que podem ser influenciados a ponta de propaganda suja e a exploração de seus medos mais profundos, deveriam se perguntar se na realidade a guerrilha vai aceitar a deixação das armas sem nenhuma contraprestação, que a marginalizem da participação em política, entregue à sorte que se lhe atribui e vá para o cárcere.
Uribe disse: “A mim me querem meter preso”. “De Havana se deu a ordem de minha saída da Procuradoria”, assegurou Alejandro Ordóñez no dia em que o Conselho de Estado anulou sua reeleição. Esgrimir que do que se trata é de uma perseguição política e não da justiça cumprindo com seu dever constitucional foi o cavalinho de batalha do uribismo desde quando seus bispos e próximos começaram a ser investigados pela Promotoria e condenados pela Corte Suprema de Justiça. Que as FARC iam passar das armas ao Congresso sem pagar um dia de cárcere, que Timochenko ganharia a Casa de Nariño num abrir e fechar de olhos, que a Colômbia ia direto a se parecer com Venezuela, Cuba e quanto país tivesse um mandatário de esquerda menoscabou esses temores legendários que os colombianos arrastam desde os governos de Luis Mariano Ospina Pérez e Laureano José Gómez Castro.
Alimentar esses temores num país profundamente católico, homofóbico e godo, dirigido desde sua independência por uma direita extrema que inventou os “chulavitas” e os “pájaros”, assassinos a soldos pagos por terra-tenentes e pelos governos de turno para erradicar do território nacional todo pensamento liberal, desperta nos cidadãos o medo que produz a noite escura e nos comerciantes e empresários o fantasma de uma Venezuela onde as expropriações se converteram num reality de televisão, as exportações de produtos nacionais se reduziram a 5% e as importações se elevaram a 95%
Aqui, o único que se fortaleceu politicamente foi Uribe porque a paz do país ficou ferida de morte, com uma crise política que vai aproveitar para enfileirar baterias na busca de chegar à Casa de Nariño em corpo alheio. Dizer que estendem a mão às FARC, como expressou Pacho Santos na euforia do triunfo, e como repetiram o ex-presidente e depois o ex-procurador Alejandro Ordóñez, não deixa de ser no fundo uma palhaçada, que pretende mostrar uma reconciliação que não existe. Se pudessem, não durariam em enviar-lhes mensageiros, assim como enviaram a Carlos Pizarro pouco depois de entregar os fuzis, como enviaram a Manuel Cepeda, a José Antequera e uma longa lista de dirigentes políticos de esquerda que caíram abatidos pelas balas dos sicários.
A proposta do pacto nacional que Uribe promove é também uma ilusão que esconde uma intenção muito mais perversa: unir forças para as próximas presidenciais e passar a fatura a Santos, a quem considera um traidor porque iniciou os acordos de paz com a guerrilha.
A única coisa que fica claro da derrota da paz é que o país ficou fragmentado entre os que odeiam as FARC por seus crimes e admiram a Uribe pelos seus, e os que, apesar de terem sofrido os embates da violência desatada, votaram pelo Sim com o sonho secreto de construir, algum dia, um país melhor onde todos caibamos.
* Docente universitário - Twitter: @joaquinroblesza - Email:robleszabala@gmail.com
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