terça-feira, 4 de julho de 2017

As aventuras golpistas da Direita brasileira.



Por Emir Sader. Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O golpe de 2016 não é um ponto fora da curva na história da direita brasileira. A direita brasileira nunca foi democrática. Desde 1930, quando perdeu o controle do Estado, ela se jogou em muitas aventuras golpistas, tentando recuperar o governo, contra a maioria dos brasileiros.


O golpe de 1932 – que até hoje a direita chama de "revolução", quando era uma tentativa de contrarrevolução – foi uma aventura para retornar ao sistema político em que as oligarquias controlavam tudo e não cediam nenhum direito ao povo. Voltar à economia primário exportadora, que tinha levado o país à pior crise da sua história. Voltar ao império de governantes como Washington Luis, para quem "a questão social é questão de polícia". Tentaram o golpe em nome da "democracia", como sempre, mas seu objetivo era o mais retrógrado possível, a restauração do regime de maior exclusão social e o menos democrático possível.


Foi uma aventura militar golpista, que mobilizou as elites e a classe média de São Paulo, liderada pela família Mesquita, até que foi derrotada pelas forças do Getúlio, apoiada pelos setores que começavam a ser beneficiados pela nova política econômica e social. Até hoje a direita chora aquela derrota, que era apenas o prenúncio de tantas outras posteriores.


Desde que o Getúlio voltou à presidência, a direita delegou aos militares a tarefa de solapar o poder legitimamente eleito. Sempre em nome da defesa da "democracia", que estaria em perigo, segundo a Doutrina de Segurança Nacional – ideologia da direita na época da "guerra fria"-, foram tentados vários golpes, contra o Getúlio, contra o JK e contra o Jango. Antes dele dar certo, em 1964, houve uma outra aventura direitista, com Jânio Quadros, que foi a forma de desbancar a coalizão getulista. Embora pela vida eleitoral, não deixou de ser uma aventura, como o próprio destino prematuro do Jânio confirmou.


O golpe de 1964 foi um assalto ao Estado por parte das FFAA, para desalojar um governo democrático e impor um governo militar, que promoveu as políticas do grande capital nacional e internacional, alinhado às políticas dos EUA. Foi o governo mais brutal na sua sanha antipopular e antidemocrática, que uniu a toda a direita e a todo o grande empresariado.


A direita voltou ao governo com os governos neoliberais de Fernando Collor e de FHC. Foram vitorias eleitorais, mas não deixaram de ser aventuras, pelo que representaram de dilapidação do patrimônio público, de exclusão dos direitos da massa da população, de concentração de renda, de rebaixamento da imagem externa do país. Deixaram um país menor, mais injusto, com mais estagnação econômica, com um Estado pequeno, com uma projeção internacional ínfima.


A direita voltou a perder o controle do Estado com sua derrota eleitoral de 2002 e viu se confirmar essa situação nas sucessivas derrotas de 2006, 2010 e 2014. O golpe de 2016 foi uma nova aventura, em que o objetivo era tirar o PT do governo e restaurar o modelo neoliberal.


Uma nova aventura, em primeiro lugar porque teve que romper com a vontade popular, expressa democraticamente na reeleição da Dilma, além de impor um modelo não apenas rejeitado quatro vezes nas urnas, como fracassado aqui mesmo e esgotado em todos os lugares. Submete o país a essa aventura, porque não dispõe de outro projeto que não o da adequação ao neoliberalismo, ao capital financeiro e à globalização.


Para isso, destroem a estrutura produtiva da economia, a infra-estrutura, a capacidade de pesquisa, a educação e a saúde públicas, o próprio Estado, para favorecer a centralidade do mercado e sua vértebra – a especulação financeira. É uma nova aventura, que submete o país a um retrocesso nunca vivido anteriormente, em tão curto espaço de tempo.


E tratam de destruir todas as lideranças políticas com apoio popular, para que governe o mercado, através de algum personagem pífio, que não moleste os interesses do capital financeiro. Confessam assim que já não têm nada a propor positivamente ao país – salvo sua destruição como nação – e nenhuma liderança política que os represente. Tem que se representar através do poder do capital financeiro, das manipulações midiáticas e dos atropelos do Judiciário.


A direita fracassou e representa os interesses da ínfima minoria que vive de renda, da sonegação, dos subsídios governamentais, da fuga de capitais, da recessão, do desemprego, da paralisação produtiva do país, da liquidação da legitimidade as instituições. Se jogou numa nova aventura, da qual não sabe como sair. Enquanto isso, destrói o que o país tem de melhor, de mais democrático, de mais representativo, de mais legítimo.

Adeus às armas, adeus à guerra, bem-vinda a paz.

Adeus às armas, adeus à guerra, bem-vinda a paz.


Sabemos que portamos uma verdade, uma bandeira justa e legítima, e que nosso cumprimento nos preenche de autoridade para exigir da outra parte. Sentimos que a Colômbia nos acompanhará.

Senhor Presidente Juan Manuel Santos
Senhoras e senhores representantes da Comunidade Internacional
Governo e povos do mundo
Colombianas e colombianos:
No dia de hoje, 27 de Junho, nesta Zona Veredal que os guerrilheiros batizaram de Mariana Páez, em homenagem à heroica camarada caída em combate em fevereiro de 2009, símbolo da luta da mulher colombiana por um futuro melhor para seu país, nos congregamos para realizar o ato solene com o qual culmina a Deixação de Armas das FARC-EP.
Neste dia não termina a existência das FARC. Na realidade, o que colocamos fim é ao nosso levantamento armado de 53 anos, pois seguiremos existindo como um movimento de caráter legal e democrático, que desenvolverá seu acionar ideológico, político, organizativo e propagandístico pelas vias exclusivamente legais sem armas e pacificamente.
O ato que nos congrega é produto de um acordo bilateral, no qual ambas as partes, Estado e guerrilha, assumimos o compromisso de não utilizar nunca mais as armas na política, esta é a abertura de uma nova era para uma democracia liberal em que o Estado se comprometeu a não utilizar as armas para perseguir a opositores ou ao pensamento crítico.
No que nos toca, cumprimos a deixação de armas de conformidade com o pactuado. Ficam elas em mãos das Nações Unidas para a construção dos monumentos previstos. Honramos assim nossa palavra e esperamos com todos vocês que o Estado cumpra com a sua. A partir de hoje deve cessar toda perseguição política em Colômbia.
Aspiramos a que a Reforma Rural Integral pactuada no primeiro ponto do Acordo Final seja implementada com celeridade, pois entendemos a necessidade estratégica do desenvolvimento do campo colombiano. Sem perder nunca de vista que o conflito armado em grande medida obedeceu ao despojo e à violência sofrida por nossos campesinos, história que deve chegar a seu fim.
Na Mesa de Conversações de Havana ficou definido que a imensa dívida econômica, social, política e cultural que o Estado tem com eles será saldada de maneira completa. Não nos opusemos por princípio a que os grandes empresários do agro possam realizar seus projetos, só exigimos que o desenvolvimento destes não atropele nem impeça o auge da economia campesina.
Assim também esperamos que a democracia colombiana abra generosa seus braços a todas as forças, organizações e movimentos excluídos centenariamente das garantias políticas. Disso se ocupou com rigorosidade o segundo ponto do Acordo Final. As Circunscrições Especiais pactuadas para as zonas de conflito não podem por isso ser objeto da menor objeção.
Como não podem sê-lo os direitos e garantias assegurados no mesmo ponto para as organizações políticas e sociais, incluído o partido ou movimento político nascido da transformação de nossa insurgência em força política legal. A guerra interna nasceu do bloqueio das vias legais, a paz significa que a participação política estará aberta a todos.
Do mesmo modo, o Acordo Final se ocupou do problema das drogas ilícitas, sobre a base de Um Programa Nacional de Substituição de Cultivos de Uso Ilícito, Planos integrais de substituição e desenvolvimento alternativo, de atenção imediata e desenvolvimento de projetos produtivos, uma estratégia de política criminal contra os cartéis do narcotráfico, redes de apoio e lavagem de ativos.
Se a isso acrescentamos a estratégia integral de luta contra a corrupção, o controle sobre a produção, importação e comercialização de insumos, entre outras importantes, tudo isso vem significar o relevo definitivo da velha política de guerra contra os campesinos produtores, de erradicações forçadas e de tratamento militar ao problema.
Está firmado igualmente um Acordo de Vítimas, que se resume no Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição: Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Unidade Especial para a busca de pessoas desaparecidas no contexto do conflito, a Jurisdição Especial para a Paz, as Garantias de Não Repetição e as Medidas de Reparação Integral.
As FARC, com a seriedade que nos caracteriza, seguimos adiante no cumprimento do terceiro ponto do Acordo Final, o do Fim do Conflito. E o fazemos com a maior boa-fé. Como todos podem comprovar. O Mecanismo de Monitoramento e Verificação do Cessar-Fogo e de Hostilidades acredita que não faltamos com a Colômbia. Hoje deixamos as armas.
O Estado nos oferece, em troca, a construção de um Pacto Político Nacional, a comissão nacional de Garantias de Segurança, a Unidade Especial de Investigação para o desmantelamento de organizações criminosas e sucessoras do paramilitarismo, o Sistema Integral de Segurança para o exercício da política, medidas de prevenção e luta contra a corrupção.
Ao que há acrescentar as garantias de segurança para líderes [homens e mulheres] de organizações e movimentos sociais e defensores e defensoras de direitos humanos. Seja este o momento para expressar nossa preocupação pela negligência estatal na honra de sua palavra. Os assassinatos de dirigentes populares não se detêm, enquanto cresce a ameaça paramilitar em todo o país.
A norte traiçoeira já alcança a guerrilheiros e milicianos indultados ou anistiados e já são vários os casos em que familiares destes foram assassinados. Ainda não arrancam os mecanismos previstos nos Acordos neste campo, entraves de ordem burocrática, administrativa, judicial e até política o impedem. A atuação estatal deve ser imediata, nada justifica sua demora.
Se torna lamentável que boa parte dos guerrilheiros, milicianos, simpatizantes ou acusados de pertencerem a nossas fileiras permaneçam em prisão a seis meses de expedida uma lei de anistia e indulto que lhes garantia sua liberdade em dez dias. Eles e seus familiares realizam ou preparam ações de protesto ante o descumprimento. Nada disso devia ser necessário.
Há importantes atrasos em matéria de reformas constitucionais e legais que desenvolvem distintos pontos dos Acordos, com os riscos originados em campanhas eleitorais próximas. O processo de criação da JEP se reduz de modo inquietante, submetido a ataques impiedosos de inimigos da paz que buscam turvá-lo, viciá-lo, impedi-lo ou parcializá-lo.
Não se veem os mecanismos de investigação e combate aos bandos criminais e paramilitares. Uma ampla e eficiente missão da ONU se encarregou de verificar o cumprimento do Cessar-Fogo e da Deixação de Armas, porém, quando se tramita uma segunda missão para verificar o cumprimento estatal dos Acordos, o clima oficial se enrarece de modo suspicaz.
O estado da infraestrutura desta Zona Veredal é o melhor testemunho do ritmo com que se desenvolve o cumprimento pelo governo nacional do acordado conjuntamente. A reincorporação econômica, social e familiar dos guerrilheiros farianos requer medidas urgentes que marcham muito lentamente frente a realidades iminentes. Muitas coisas devem ser feitas já.
Os acordos são sagrados, se firmam para cumpri-los. Hoje damos constância expressa de como as FARC satisfazemos nossas obrigações. Dissemos muitas vezes, os acordos de paz não são para as FARC, são para todo o povo colombiano. Compete a este, com o respaldo da comunidade internacional que tanto se esmerou por sua firma, zelar por seu estrito cumprimento.
Doravante nossa luta se encaminhará a exigir a implementação prática de todo o acordado. O faremos de modo pacífico e civilizado, porém sem recuar um só instante em nosso empenho. Sabemos que portamos uma verdade, uma bandeira justa e legítima, e que nosso cumprimento nos preenche de autoridade para exigir da outra parte. Sentimos que a Colômbia nos acompanhará.
E que contaremos com a legitimidade suficiente para solicitar a solidariedade Internacional. Contrariamente aos que não esperam destes acordos senão o cessar-fogo guerrilheiro, nós, ao lado da gente honesta de nossa pátria e do planeta, sabemos que eles irão muito mais além, serão a chave para um país distinto, decente, democrático, em progresso e justo.
Caminharemos por ruas e praças da Colômbia levando nossa mensagem de concórdia e reconciliação. As trágicas experiências do passado não poderão se repetir porque nossa pátria aprendeu de sua dor, porque os colombianos e as colombianas não permitirão que se os burlem de novo.
Adeus às armas, adeus à guerra, bem-vinda a paz.



    quinta-feira, 15 de junho de 2017

    FARC-EP participa em Oslo Fórum 2017


    A abertura do Oslo Fórum 2017 se deu nesta terça-feira com uma menção especial aos Acordos de Paz firmados entre as FARC-EP e o Governo da Colômbia. O chanceler norueguês Børge Brende enalteceu o acordado no ano passado e disse que se trata de um documento “inclusivo” e “completo”. Acompanhado no painel pelo ex-secretário de Estado estadunidense John Kerry e pelo atual chanceler iraniano Mohamad Yavad Zarif, Brende advogou por mais processos como o colombiano.
    “Acordos de paz têm que ser bem aplicados. A implementação da paz é crucial. Quando estamos planejando a paz, tem que ser muito inclusiva”, afirmou. “Creio que a força do Acordo de Paz colombiano é que é muito completo. Agrega a sociedade civil, as mulheres, os põe à frente do processo. No mundo moderno também necessitamos de processos que são inclusivos”, finalizou.
    Ao lado das três personalidades políticas, também estava Federica Mogherini, alta representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Política de Segurança.
    Realizado numa propriedade perto do centro da capital norueguesa, sob forte segurança, o Oslo Fórum é um encontro organizado pelo Ministério de Relações Exteriores norueguês sobre resolução de conflitos e neste ano conta com a presença do máximo líder das FARC-EP, Timoleón Jiménez. O Governo da Noruega foi um dos garantidores do Acordo de Paz colombiano.
    A delegação colombiana em Oslo, formada por parte do Estado-Maior Central das FARC-EP, entre eles Jiménez, Ricardo Téllez e Pastor Alape, ademais de Victoria Sandino, quem integrou a Delegação das FARC-EP em Havana, chegou na madrugada da terça-feira procedente da Colômbia. Na manhã de hoje, o grupo foi saudado por Brende.
    No dia 14, a chanceler colombiana María Ángela Holguín e Jiménez participarão, ao lado do ministro norueguês, do painel “Colômbia: Pondo em Prática a Paz”, onde vão discutir os seis meses de aplicação de um acordo considerado exemplar mundialmente, segundo informou a Chancelaria norueguesa num comunicado. No dia seguinte, a mesma composição de personalidades fará uma palestra aberta na Casa da Literatura norueguesa. (Litteraturhuset).
     Tweets: Chanceler norueguês @borgebrende no #OsloForum: “a força do Acordo de Paz colombiano é que é muito completo” “O Acordo de Paz colombiano agrega a sociedad civil, as mulheres, os põe à frente do processo”: @borgebrende na abertura do #OsloForum “No mundo moderno também necessitamos de processos que são inclusivos”, disse chanceler norueguês @borgebrende ao comentar #PazEnColombi

    terça-feira, 30 de maio de 2017

    FARC-EP, 53 anos de luta pea PAZ.

    Escrito por  Estado-Maior Central das FARC-EP
    Sempre defendemos que o destino da Colômbia não pode ser a guerra. Não, não, NO! Temos que elevar a Colômbia desde o lodo da guerra para o cume da humanidade.

    Companheiras e companheiros: 

    Como resultado dos Diálogos de Paz de Havana e do respaldo majoritário da nação que nunca deixou de sonhar com uma pátria em paz e dignidade, se inicia um novo ciclo da história de resistência e luta armada das FARC, que se originou com o ataque militar a Marquetalia em 1964, a 27 de maio.
    Antes do bombardeio e dos desembarques, Manuel Marulanda Vélez, Jacobo Arenas e seus companheiros tocaram todas as portas do diálogo para evitar o começo de uma nova etapa de guerra em Colômbia, porém pôde mais a intransigência local e a intriga do Norte que temia para a América continental a reedição da experiência da Revolução Cubana.

    Remontando-nos no tempo, podemos observar a persistência consequente das FARC na busca de uma solução política àquela confrontação gerada pelos que, desde a morte do Libertador, impuseram a injustiça e a exclusão política em Colômbia.  

    Sempre consequentes com o elemento essencial de sua estratégia, que é a paz, as FARC embandeiraram 5 intentos de solução política ao conflito interno da Colômbia.

    Tentamos nos Diálogos de La Uribe durante o governo de Betancur, convertendo as FARC na plataforma de lançamento de um novo movimento político, a União Patriótica, que foi destroçada pela obsessão e a intolerância de setores militaristas do regime. Foram mais de 5 mil os assassinados e massacrados. Honra e glória aos que ofereceram sua vida sonhando com a Colômbia Nova.

    Depois buscamos a reconciliação nas conversações de Caracas e Tlaxcala, esforço que foi afogado pela abertura democrática, o miserável neoliberalismo que nos arrebatou a esperança.

    San Vicente del Caguán foi a persistência do sonho de paz das FARC frustrado uma vez mais pela perfídia de um mandatário conservador que só buscava ganhar tempo pensando na reengenharia de exército que lhe permitisse continuar e ganhar a guerra.

    Porém, apesar das vicissitudes e tocados pela dor de pátria que esta prolongada confrontação produziu, conseguimos novamente acender a chama da esperança com os Diálogos de Havana onde pudemos finalmente firmar um tratado para a construção da paz estável e duradoura. 

    Pensamos, quanto haveriam desejado nossos pais fundadores Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas, Afonso, Raúl, Jorge Efraín e outros companheiros protagonizarem a realização deste movimento histórico de seus sonhos. Eles, e todos os que ofereceram sua vida pela causa dos pobres, seguirão vivos nos sentimentos de concórdia das gerações vindouras.

    As FARC não esquecem e evocam agradecidas o papel de Hugo Chávez Frías, comandante da Revolução Bolivariana de Venezuela, quem guiou os primeiros passos das partes contendoras para a Mesa de Diálogo. Obrigado, muito obrigado em nome da Colômbia, presidente Raúl Castro, pelo aporte de Cuba a nossa reconciliação. Noruega, Reino de Noruega receba nosso reconhecimento a seu importante papel na busca de paz. Presidenta Bachelet, presidente Maduro: a vocês que, em nome de seus povos nos acompanharam como anjos da guarda ao longo do processo, os levamos no coração.
    Assistimos hoje como abismados ao trânsito da luta armada à conversão das FARC em partido político legal. A decisão foi tomada e referendada unanimemente pela mais elevada autoridade: a Conferência Guerrilheira. Agora necessitamos nos unir todos os que queremos pátria e humanidade para que a implementação dos acordos mude para melhor a vida dos colombianos.

    O Conselho de Segurança das Nações Unidas, reconhecida autoridade mundial, verificará os compromissos de reincorporação e de respeito aos Direitos Humanos. Nos acompanharão também nesta árdua tarefa de consolidação da paz o querido Pepe Mujica e o ex-presidente Felipe González e uma constelação de organizações internacionais. Não estamos sós. O mundo dos sensatos está conosco.

    Queremos recordar, no entanto, que o importante não é só firmar o acordo, mas sim cumpri-lo. Que a paz não é assunto de leis, senão de vontade política. Quanto ganharíamos os colombianos se conseguíssemos cortar pela raiz a intrincada engrenagem jurídica que ainda retarda a marcha da paz e a implementação do acordado...

    Respaldados pelos avanços do acordo, em nome das FARC colocamos hoje em mãos do povo a potência transformadora que construímos ao longo de 53 anos de luta e resistência. O uso do direito universal à rebelião, ao levantamento armado contra a opressão de um povo foi um acerto porque isso gerou uma força intangível, se se quer, invisível porém poderosa, para que o povo colombiano reclame os direitos pisoteados por umas minorias privilegiadas.

    Vamos para a política porque para isso são os processos de paz. Uma política não somente derivada da proposta de mudar balas por votos, senão que vai mais além do eleitoral e fixa seu olhar no futuro, no bem viver em democracia e dignidade das novas gerações. 

    Enquanto avançamos para o Congresso Constitutivo do novo partido, preparamos nossas bandeiras que são os mesmos sentimentos do povo querendo tremular. Enquanto isso, como José Arcadio em seu laboratório de alquimia, preparamos a massa que há de servir para unir os sonhos dispersos de decoro e pátria para todos. Necessitamos da unidade como do ar para respirar.

    Queremos que em Colômbia irrompa a abundância sonora da concórdia até que a inunde e a transborde mais além das fronteiras. Não somos os incendiários da inimizade entre os povos e sim os embandeirados do estabelecimento de relações de respeito e amizade com os vizinhos e nações do continente, os propagadores da solidariedade e do amor entre os povos, os sonhadores de um velho sonho de Pátria Grande que palpita no firmamento, e que nos momentos estelares da história nos recorda que unidos seremos fortes e mereceremos respeito; divididos e isolados, pereceremos.

    Ninguém poderá contra a esperança se esta está encarnada em milhões de almas que reclamam humanidade e NÃO VIOLÊNCIA. A esperança nos pertence a todos; é do campesino e do empresário, do índio puro e do diretor de imprensa, dos jovens e das mulheres, do guerrilheiro, do militar e do policial. Também do paramilitar que não quer mais sangue. Do negro e do branco. A esperança é do cristão e é do opositor cego ainda pelo ódio, porque a paz é de todos. Ninguém pode ficar atrás do trem da paz que começou a andar.

    Definitivamente, entre todos, podemos virar a ensanguentada página da violência que foi escrita com letras de exclusão e desprezo ao ser humano. Para isso, se necessita da VERDADE acerca do ocorrido ao longo deste triste conflito. Que ninguém tenha medo da verdade, que ninguém fuja dela como o diabo da cruz. Como diz Zaffaroni: há gravíssimas feridas que requerem da verdade para reconciliar, porque senão essas feridas se infectam. Queremos reiterar os sentimentos de Timochenko em Cartagena de Índias ao firmar o Acordo de Paz: perdão pelas afetações que tenhamos causado neste longo conflito, o mais prolongado de Nuestra América. Aquele que esteja sem pecado que atire a primeira pedra.

    Que a comissão de seleção em sua sabedoria eleja aos integrantes da Comissão de Esclarecimento da Verdade e aos magistrados da paz da Colômbia. Sejam bem-vindos.

    Algo nos diz que esse Governo tem as chaves para entregar à Colômbia inteira seu inalienável direito a viver em paz e dignidade. A consolidação da paz tem a ferramenta da Constituição e há que utilizá-la para evitar que qualquer irresponsável cumpra sua ameaça de torná-la colcha de retalhos. Enquanto a guerra é o fracasso do direito, a paz enaltece a vida, como diz Álvaro Leyva.

    Sempre defendemos que o destino da Colômbia não pode ser a guerra. Não, não, NÃO! Temos que elevar a Colômbia desde o lodo da guerra para o cume da humanidade. Em muito pouco tempo, esperamos poder escutar a sinfonia de vozes da inclusão, que é a verdadeira democracia, proclamando que ganhamos a mais bela de todas as batalhas: a da paz.

    quinta-feira, 30 de março de 2017

    A 9 anos da partida de Manuel Marulanda Vélez

     Fonte: www.farc-ep.co
    Quatro meses depois do falecimento de nosso máximo Comandante e fundador, Manuel Marulanda Vélez, o General Álvaro Valencia Tovar, em sua coluna do jornal EL TIEMPO, publicou uma missiva dirigida a Alfonso Cano, novo chefe das FARC, na qual, após dar sua versão acerca dos fatos que precederam a ocupação de Marquetalia em 1964, o instava a se render e desmobilizar a força guerrilheira. Se baseava em seu próprio diagnóstico sobre o estado desta.
    Em fins daquele ano, 2008, se conheceu a resposta de Cano, que levava o título de Conversações com o General Matallana, e que aparecia com a firma do Secretariado do Estado-Maior Central, sem dúvida para evitar envolver-se numa confrontação pessoal. Nela, Alfonso resenhava as profundas diferenças entre o afirmado por Valencia Tovar e o manifestado por Matallana em suas entrevistas com Jacobo Arenas e Manuel Marulanda em meados dos anos 80 em Casa Verde.
    Valencia Tovar se esforçava por despedaçar aquilo dos 48 humildes campesinos agredidos traiçoeiramente em Marquetalia, para pôr em seu lugar um grupo de bandidos que vinham cometendo todo tipo de tumultos, ao tempo em que minimizava por completo a operação com a qual o governo da época intentou destruir aquela luta agrária, substituindo-a pelo desembarque de dois helicópteros Iroquois com 16 soldados sob o mando do coronel Matallana.
    Alfonso, testemunha daquela conversação em Casa Verde, na mesma época em que nascia na vida política do país a logo martirizada União Patriótica, recordava como aqueles três grandes homens intercambiaram longamente, desprovidos de qualquer tipo de paixão, acerca de:
    “…os milhares de soldados participantes, o plano e a execução do desembarque liderado pelo mesmo Matallana na parte alta do canhão, as manobras táticas desenvolvidas, as repercussões ocasionadas pelo assassinato de Jacobo Prías Alape em Gaitania a 11 de janeiro de 1960 executado pelos paramilitares, os deslocamentos campesinos, as numerosas agressões e fatos de guerra que desde aquele janeiro aziago sucederam na área incluindo operações, emboscadas e choques de encontro”.
    E fazia a seguinte reflexão a propósito:
    Histórica conversação de três guerreiros que respaldaram seus assertos com a própria vida nos campos de batalha, ministraram ordens e participaram de sua concretização, diálogo despojado de retórica, direto como deve ser entre combatentes, porém distanciado de ódios e recriminações sem pulhas nem altissonâncias, que exploraram, nesta ocasião, novos caminhos em busca da reconciliação de nossa sociedade”.
    Para a consciência nacional ficaram as irônicas palavras com que o general Valencia pretendia convencer a Alfonso: “Vai ser você o coveiro de uma força em desmoralização total, ou o homem que num ato de coragem e de grandeza decida pôr fim a uma luta sem horizonte nem esperança, dando à sua figura um perfil de honra e dignidade? Se assim o decide, lhe ofereço o mesmo que a Carlos Pizarro”. Valencia Tovar conhecia muito bem o final de Pizarro.
    Recordamos a propósito esta troca de cartas ao comemorar o nono aniversário da partida de Manuel Marulanda Vélez, ocorrida a 26 de março de 2008 em seu acampamento base das montanhas da Colômbia, em razão a que nele se encontra concentrado em grande medida o intenso debate histórico em torno da personalidade e obra do fundador das FARC, quem, graças a sua luta guerrilheira invicta de 60 anos, conseguiu apagar os limites entre realidade e legenda.  
    Odiado e vilipendiado por aqueles que jamais puderam alcançá-lo com o fogo de suas armas ou pelo poder destruidor de suas infâmias, Manuel Marulanda ocupa o pedestal do herói campesino, do revolucionário invencível, do irredutível chefe rebelde que travou mil batalhas militares e políticas sem nunca ter sido derrotado. Ninguém na história universal se parece com ele. Nele se encarna a outra experiência da Colômbia, a resistência de seu povo violentado.
    Ele mesmo relatou muitas vezes, sobretudo nos tempos do processo de paz do Caguán, a brusca mudança produzida no país quando os mais fanáticos setores conservadores decidiram desatar a fúria de seus ódios represados contra liberais e comunistas, em meados dos anos quarenta do século passado. O sangue destes últimos, que começava a inundar os campos em muitas regiões, se tornou em hemorragia geral após o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán.
    Não havia outro remédio que lançar-se à montanha para salvar a vida, se organizar com outros para a defesa e preparar uma longa luta pela recuperação da paz perdida. Na época não era mais que um jovem que se somava às nascentes guerrilhas por puro instinto. Porém, ano após ano, lustro após lustro, década após década, iria assimilando a profunda responsabilidade histórica do caminho assumido. Se tratava da luta pelo poder, para fazer da Colômbia um país melhor.
    Para isso havia que constituir um partido e começar a construção de um pequeno exército. Ou se conquistava as mudanças pelas quais clamavam os pobres e perseguidos do país pela via do diálogo civilizado e a concretização de acordos, ou teriam de se consumar pela via da insurreição armada do povo colombiano. O crime, como arma favorita para se sustentar no poder e excluir a inconformidade e a oposição da vida política, tinha que desaparecer definitivamente. Só assim seria possível pensar no debate pacífico e democr&aacut e;tico.
    Seu encontro com Jacobo Arenas em abril de 1964, com quem até sua morte ocorrida em 1990 a escassos dias da Operação Casa Verde, compôs um binômio extraordinário de pensamento e ação, que o dotou dos elementos ideológicos e políticos que fariam dele o quadro revolucionário integral, capaz de criar pacientemente a força guerrilheira disciplinada e consciente, que, ao mesmo tempo em que combatia sem trégua, se empenhava em pactuar a paz.
    Vinte anos depois de Marquetalia, Manuel Marulanda pactuou com o governo de Belisario Betancur os Acordos de La Uribe, que terminariam finalmente por colocar às claras o poder corrosivo dos inimigos da paz e da reconciliação no país, que sabotaram seu cumprimento, exterminaram a União Patriótica e conseguiram para seu benefício exclusivo que a guerra civil se prolongasse e aprofundasse a extremos impensáveis.
    Apesar disso, Marulanda insistiu até o fim na solução política. Se envolveu sem vacilar nas conversações de paz com o governo de César Gaviria em Caracas e Tlaxcala, de novo desprezadas pela insensatez belicista dos mesmos setores violentos, e logo o país voltou a vê-lo no Caguán, liderando o processo de paz que os personagens do ódio, do ânimo de vingança e da ambição por despojar a terra aos campesinos humildes fariam naufragar.
    Comemoramos o nono aniversário da passagem de Manuel Marulanda Vélez à imortalidade, com a satisfação de haver conseguido finalmente seu grande sonho, a firma de um Acordo de Paz.
    Estamos polindo as armas da palavra, da ação política, da organização e da mobilização popular, que farão desnecessária a apelação ao combate e ao fogo em nosso país. Nossa grande tarefa, conseguir com que as forças que se empenham em insistir na violência sejam isoladas e vencidas pelas maiorias colombianas que estão pela paz e a democracia.
    Não nos atemoriza que existam interesses que conspiram pela continuação do derramamento de sangue, sabemos que a nação colombiana lhes dará as costas. Por isso reiteramos as palavras finais empregadas por Alfonso ao responder a carta do general Valencia Tovar:
    Acima das dificuldades, nosso compromisso por construir uma Nova Colômbia é irreversível, como o é nossa decisão de lutar pelo triunfo e alcançar a paz democrática, isto é, a justiça social”.
    Manuel Marulanda vive na luta pela paz!
    Juramos vencer e venceremos!
    Cartagena de Índias, 26 de março de 2017.

    segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

    Por que eles querem que o Brasil esqueça Lula?

    Por Saul Leblon

    Respira-se um cheiro azedo de fardas, togas e ternos empapados da sofreguidão nervosa que marca as escaladas de demolição do Estado de Direito nos solavancos da História.
    Consulte os anos 30 na Alemanha, os 50 do macarthismo norte-americano, os 60 da ditadura brasileira, os 70 do massacre chileno...Há um clima de dane-se o pudor por parte das elites e da escória que a serve.

    Faz parte desses crepúsculos institucionais a perda dos bons modos e a convocação das milícias, enquanto o jornalismo isento finge não ver a curva ascendente do arbítrio.  Com a mesma desenvoltura com que se anistia montanhas de dólares remetidos ao exterior,  classifica-se o MST como ‘movimento criminoso’.  Persegue-se e intimida-se estudantes secundaristas com lista de nomes exigindo que se delate endereços de colegas ocupantes ...  Invade-se a bala dependências e movimentos sociais e  de metralhadora em punho escolas tomadas por adolescentes que reclamam o direito de opinar sobre a própria educação.
     
    Ensaios da orquestra.
     
    Decibéis crescentes, afiados pelo mesmo diapasão ecoam de diferentes pontos do país.  Só não ouve quem não quer.
     
    Há dinheiro, patrocínio e poder em jogo na incapacidade auditiva para ouvir os gritos da democracia sendo violada na sala ao lado de onde se discute a ‘reconstrução do Brasil’.  A conveniência reflete a insurgência que se esboça.  A resistência ao golpe escapa ao que se supunha ser o alvo isolado e triturado pela centrífuga da Lava Jato.  Adolescentes falam o que a vastidão dos votos nulos, brancos e abstenções cifraram nas urnas municipais, quando suplantaram os vitoriosos de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre...  Se as duas vozes se fundirem num idioma único, o que acontecerá?
     
    O cheiro azedo exalado das fardas, togas e ternos de corte fino, empapados da sofreguidão  nervosa, reflete essa esquina incerta da História para a qual caminha o país.  A truculência policial e midiática sobe rápido os degraus da exceção.  Essa é a hora diante da qual a resistência progressista não pode piscar.  Daí a importância da campanha lançada neste dia 10 de novembro para sacudir a hesitação em defesa do óbvio.
     
    O óbvio hoje começa por defender Lula.  Porque sem defender Lula, não será possível defender mais ninguém, e mais nada, do galope   desembestado da ganância no lombo da violência fardada e da cumplicidade togada.  Por ninguém, entenda-se o Brasil assalariado e o dos mais humildes.  A imensa maioria da população.  Aquela que vive do trabalho, depende de serviços públicos, tem seu destino  atado ao do país, ao do pre-sal, ao da reindustrialização,  ao da democracia social, carece de cidadania, respira salário mínimo e enxerga na previdência o único amparo à velhice e ao infortúnio.
     
    Lula é a espinha histórica das costelas de resistência que precisam se unir para conter a demolição em marcha disso tudo.  Desempenha essa função por uma razão muito forte.  Essa que o milenarismo gauche parece ter esquecido --ou hesita em saber que sabe--  enquanto aguarda o juízo final  de Moro para recomeçar do zero.  ‘Recomeçar do zero’ é a profilaxia recomendada pelos sábios do golpe em todas as frentes.  Desde a demolição dos direitos trabalhistas, à revogação da soberania no pre-sal, passando pela Constituição de 1988, o Prouni, a previdência ...  Mas, principalmente: recomeçar do zero esquecendo Lula.
     
    Porque ele é  –ainda é Lula--   a inestimável  referência de justiça social na qual a imensa parcela dos  brasileiros de hoje e de ontem se reconhecem.  É dele a voz que quando  fala e é ouvida  no campo e nas cidades.  Mais que simplesmente ouvida: respeitada e compreendida.  A diferença dessa voz é que ela não carrega só palavras.  Carrega experiência, luta, erros, acertos, raiva, riso, derrotas, vitórias, cujo saldo são conquistas coletivas encarnadas em holerite, comida, emprego,  autoestima e esperança.
     
    É como se Getúlio Vargas falasse.  Ou Allende para os chilenos.  Ou Perón para os argentinos.  Ou Cárdenas para os mexicanos.  Com a vantagem avassaladora que tanto incomoda a elite.  Lula está vivo.  Caçado, esfolado, picado e salgado.  Mas  vivo.  Mais que vivo: ele lidera todas as pesquisas de intenção de voto com as quais seus algozes testam a eficácia da chacina de reputação, a mais violenta desde Getúlio, que escandaliza a opinião jurídica e democrática do mundo.
     
    Lula é a espinha dorsal de cuja destruição depende o êxito do torniquete implacável de interesses mobilizados contra a construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo, na principal referência da luta apelo desenvolvimento no espaço ocidental.
     
    FHC disse em um debate no jornal O Globo, há cerca de quinze dias:   ‘Sem Lula o PT seria penas um partido médio; com ele torna-se um perigo nacional’.  No fundo quis dizer: ‘Sem Lula, o Brasil se torna uma nação média, humilde, bem comportada.  Com Lula, o Brasil se torna um gigante de soberania, com capacidade de aglutinação popular  e mundial em torno da justiça social –de consequências perigosas’. 

    É claro como água de fonte.  Lula representa esse diferencial inestimável.  Ele fala com quem Malafaia  gostaria de falar sozinho.  Com o Brasil que os Marinhos gostariam de monopolizar sem dissonâncias.  Por isso o  milenarismo gauche que reage à ofensiva conservadora aceitando a pauta do juízo final de Moro,  flerta com a eutanásia.  ‘Recomeçar do zero’ é tudo o que o conservadorismo mais cobiça para quebrar o coração da resistência ao golpe.
     
    O coração da resistência ao golpe consiste em não aceitar o fuzilamento sumário do legado de doze anos  de luta por um desenvolvimento mais justo e independente.  Ademais dos erros e equívocos cometidos inclusive por Lula  –que não podem ser subestimados e devem ser discutidos amplamente-- os acertos mostraram a viabilidade de se construir uma democracia social no Brasil do século XXI.
     
    Não, isso não é pouco.  Olhe o mundo ao redor: isso é muito.  E, principalmente, tem lastro popular.  A sociedade marcada por uma das mais iníquas divisões de renda do planeta, referendou esse projeto por quatro eleições presidenciais sucessivas.  Duas com Lula; outras duas com Dilma, sendo Lula seu maior fiador e cabo eleitoral.
     
    Sim, com erros, alguns grotescos.  Mas o fato é que a elevada probabilidade desse projeto ser revalidado em um quinto escrutínio presidencial, em 2018  --agora modificado pelo esgotamento do ciclo de alta nos preços das commodities, que lubrificou a resistência das elites aos avanços anteriores--  precipitou o golpe de 31 de agosto.  O milenarismo gauche quase esquece tudo isso enquanto aguarda o juízo final.  Nele, o juiz Moro e seus querubins  darão cabo de Lula e propiciarão aos sobreviventes o  único destino que lhes cabe: recomeçar do zero.  Ou até abaixo do zero.
     
    Para quem sabe ter direito  –um dia— a mil anos de salvação individual e sobrenatural.  Milenaristas eram os pobres, os miseráveis brasileiros de Canudos.  Aqueles que aguardaram com Antônio Conselheiro a justiça divina sonegada pelo latifúndio e pela República que, afinal, destinou-os  à injustiça eterna.  É o que acontecerá de novo se o Brasil progressista aceitar a ideia de Moro de faxinar a história de sua ‘nódoa inaceitável’: Lula.
     
    Se aceitar, o Brasil vai virar uma imensa Canudos, depois do massacre.
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