sexta-feira, 25 de abril de 2014

Advogados democratas de 56 países se solidarizam com os prisioneiros políticos na Colômbia

Com delegados de 56 países, finaliza o 18º Congresso da ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS DEMOCRATAS – AIJD, respaldando o processo de paz na Colômbia e exigindo liberdade e tratamento digno para os prisioneiros políticos na Colômbia.

O plenário geral do 18º Congresso da Associação Internacional de Juristas Democratas, reunido na cidade de Bruxelas, Bélgica. Considerando que o Estado Colombiano é membro da Organização das Nações Unidas, da Organização de Estados Americanos e da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e observando que o povo colombiano tem expressado um desejo genuíno de alcançar uma paz duradoura através das atuais conversações de paz, resolve:

  1. Fazemos um chamado às partes para manter o espírito de diálogo e não levantar-se da mesa de negociação até conquistar a paz.
  2. Solicitamos às partes, como gesto de paz, iniciar um cessar-fogo que permita construir um clima de confiança e minimizar as atuais sequelas da guerra sobre civis e combatentes.
  3. Solicitamos ao governo colombiano que proporcione as garantias devidas à oposição política para exercer seus direitos civis e políticos, cessando a perseguição e criminalização do movimento social colombiano.
  4. Manifestamos nossa preocupação pela alarmante cifra de prisioneiros políticos nas prisões colombianas, suas condições de vida indignantes e a falta de garantias processuais. Exigimos respeito aos DDHH dos prisioneiros políticos e um tratamento digno e humanitário a toda a população carcerária como contemplam a constituição colombiana e os tratados internacionais ratificados pela Colômbia.
  5. Sugerimos que, como gesto de paz do governo colombiano, se outorgue a liberdade aos prisioneiros políticos que se encontrem em grave estado de saúde, com enfermidades terminais ou incapacitados; que tenham uma idade superior aos 65 anos e, além disso, permitir-lhes o acesso aos benefícios jurídicos, todos estes direitos contemplados no ordenamento legal colombiano.



AIDL- Bruxelas-Bélgica 20 de abril de 2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

Capital está vencendo, mas esquerda pode barrá-lo

Por Tarso Genro

A  lenta, mas firme desagregação da esquerda européia depois da quebra da URSS, está  ancorada em fatores “objetivos”, tais como as mudanças no padrão de acumulação capitalista -“pós-industrial” como já analisavam alguns economistas  há  trinta anos - que atravessaram a sociedade de alto a baixo. Estas mudanças alteraram  as expectativas políticas, o modo de vida, as demandas do mundo do trabalho e da constelação de prestadores de serviços, dos técnicos das atividades da inteligência do capital, dos sujeitos dos novos processos do trabalho e de amplos contingentes da juventude. Estes, originários de famílias das classes médias, que perderam o seus “status” social e o seu poder aquisitivo, adquiridos na era de ouro da social-democracia. A social-democracia não se renovou, nem o comunismo, para responder a estas transformações.

A desagregação, todavia,  também está ancorada na ausência de respostas - fator “subjetivo” dominante -dos núcleos dirigentes da esquerda comunista e social-democrata. Esta falta de formulação superior pode, parcialmente, ser atribuída a uma ausência de “caráter” - pela “acomodação” teórica e doutrinária dos seus dirigentes - mas este não é, certamente, o fator preponderante: o vazio de respostas de esquerda à nova crise do capital tem outras determinações mais fortes. Mesmo aqueles que se jogaram para uma posição “movimentista” - mais, ou menos, corporativa - aparentemente radical  (ou os que se propuseram a enfrentar o retrocesso com práticas de Governo ou com novas elaborações no âmbito acadêmico) não conseguiram - nos seus respectivos espaços de interferência - abrir novos caminhos que se tornassem hegemônicos.

A adesão da social-democracia francesa, italiana, espanhola e portuguesa – para exemplificar -aos remédios exigidos pela União Européia (leia-se Alemanha), põe por terra as esperanças que algum governo europeu, num futuro próximo,  possa inspirar mesmo uma saída social-democrata novo tipo à crise atual. Tudo indica que a recuperação da Europa capitalista virá por um canal “social-liberal”, depois de um longo período de reestruturação das classes em disputa. Teremos perdas significativas para os trabalhadores do setor público e privado, para as  micro, pequenas e médias empresas, que são responsáveis pela maior parte da oferta de empregos. A isso se agregará uma forte pressão sobre os imigrantes e a crescente redução dos gastos públicos, destinados à proteção social. Paralelamente a este desmantelamento tudo indica que crescerão as alternativas nacionalistas de direita, de corte autoritário e mesmo neo-fascistas, pois o vazio que gera desesperanças pode fazer renascer o irracionalismo das utopias da direita extrema.

Se isso é verdade, o nosso problema brasileiro é bem maior do que parece. A contra-tendência instituída no Brasil, que criou dez milhões de empregos no mesmo período em que foram destruídos mais de sessenta milhões de postos de trabalho em todo o mundo, está sob assédio. O nome deste assédio é a garantia do pagamento rigoroso - com juros elevados - da dívida pública, para que o sistema financeiro global do capital possa ter reservas destinadas a bancar as reformas e por em funcionamento um novo  ciclo de crescimento das economias do núcleo orgânico do capitalismo global.

Cada uma das alternativas que sejam propostas para o próximo período, visando desenvolver o país, combatendo as suas desigualdades sociais e regionais - sejam elas de inspiração neo-keinesiana ou socialista - só poderão ter efetividade e capacidade de implementação política se mostrarem de maneira coerente como elas se comunicam, acordam ou confrontam, com este cenário global. Ou seja: como as alternativas poderão ser efetivas no território,  numa situação de domínio integral do capital financeiro sobre os cenários econômicos e políticos do mundo.

O internacionalismo hoje é, conjunturalmente,  mais democrático e social do que propriamente  “proletário”, naquele sentido clássico que foi proposto pelo filósofo de Trévèrs. As conquistas democráticas e sociais das nações estão bem mais ameaçadas depois da crise que se iniciou com o “sub-prime”, pois os governos são vítimas de uma pressão brutal para reduzir, ainda mais, a sua autonomia política e assim integrar-se, pacificamente,  nas contaminações globais da crise.  Apresentar soluções internas, portanto, é também apresentar alianças de sustentação destas políticas no cenário internacional, para que as propostas não sejam voluntaristas ou demagógicas

Caso as formações políticas e os governos não consigam apresentar alternativas aceitas pelo senso comum, dificilmente terão apoio popular para governar. O seu fracasso - e o povo sabe disso - terá reflexo imediato como aniquilamento das conquistas de inclusão social, econômica e produtiva, que ocorreram no Brasil nos últimos dez anos. Este é, na verdade – nos dias que correm - o dilema, tanto demo-tucano e marino-campista, como do extremismo corporativista e movimentista: ambos deveriam responder qual é, nos quadros da democracia política, o efeito imediato na vida das famílias - especialmente das chamadas “novas classes médias” e  dos trabalhadores - dos seus projetos concretos de Governo, demonstrando como é possível aplicá-los pela via democrática.

Os ataques à Petrobras, que vem sendo modulados, tanto pela direita neoliberal como pelas oposições anti-PT e anti-Lula - de corte direitista e esquerdista - talvez sejam a síntese mais representativa desta dificuldade. O ataque, turbinado pela grande mídia,  dá espaço para estes grupos políticos não dizerem,  de forma clara  (se fossem eleitos),  o que fariam com a economia e com as funções públicas do Estado, no próximo período. Unidos, esquerdismo e neoliberalismo, desta vez no ataque ao Estado - não somente ao Governo - ficam absolvidos de fazerem propostas para dizerem como o país deverá operar, gerando emprego e renda,  ao mesmo tempo que se defende da tutela do capital financeiro  e das pressões da dívida pública.

A desmoralização de um ativo público da dimensão da Petrobras, os ataques ao seu “aparelhismo” político, a crítica aos gastos públicos excessivos (programas sociais, na verdade), os ataques às políticas do BNDES - de forma combinada com um permanente processo de identificação da corrupção com o Estado e com os Partidos em geral - fecham um quadro completo do cerco ao país: liquidem com a Petrobras e teremos o Estado brasileiro pela metade; acabem com os gastos sociais e teremos uma crise social mais profunda do que a das jornadas de junho; restrinjam o BNDES e o crescimento – que já é pífio - se reduzirá ainda mais;  desmoralizem os partidos e a política e a técnica neoliberal substituirá o contencioso democrático.

Como os militares estão aferrados às suas funções profissionais e constitucionais e não estão para aventuras, o golpismo pós-moderno vem se constituindo através da direita  midiática. Esta, se bem sucedida no convencimento a que está devotada, encarregaria um novo Governo social-liberal da desmontagem do atual Estado Social “moderado”,  obtido no Brasil num cenário mundial adverso.

Lido este cenário de refluxo da esquerda e de retomada dos valores do neoliberalismo selvagem, que devasta as conquistas da social-democracia européia, pode-se concluir que o debate verdadeiro no processo eleitoral em curso  - momento mais importante da nossa democracia republicana concreta - é o seguinte: ou o projeto lulo-petista se renova, baseado no muito que já fez e conquista novos patamares de confiança popular; ou o refluxo direitista liberal, que assola a Europa, chegará em nosso país pela via eleitoral, legitimado por eleições democráticas.

A semeadura da insegurança, que precede as inflexões para direita, está em curso em todos os níveis e para responder a esta sensação manipulada - que vai da economia à segurança pública - é preciso dizer de maneira bem clara quais os próximos passos contra as desigualdades e contra perversão da política e das funções públicas do Estado. Chegamos a um momento de defesa política de um modelo novo combinado com a velha luta ideológica.

Recentemente o MST, no seu Congresso Nacional,  deu uma demonstração de acuidade política e clareza programática. Fez a vinculação da questão agrária do país a um novo conceito de reforma:  vinculou as demandas particulares dos deserdados da terra à produção de alimentos sadios para os cidadãos de todas as classes, numa verdadeira rebelião agroecológica, que faz a disputa no terreno da produção e da política. Particularmente ele  se reporta àqueles que mais sofrem  os efeitos “fast-foods”, turbinados por agrotóxicos  e por malabarismos genéticos, cujos efeitos sobre a espécie humana ainda não são avaliáveis na sua plenitude.

Trata-se, na verdade, da superação de uma demanda particular de classe – uma reforma agrária baseada na mera redistribuição da propriedade - para um plano universal de interesse da totalidade do povo, sem a perda das suas raízes classistas. Belo exemplo que vem do povo para ser absorvido e renovar a  cultura política da esquerda.  O capital financeiro, no mundo, está vencendo, mas pode ser barrado pela imaginação criadora de uma esquerda que seja consciente da grandeza das suas tarefas nos  momentos de refluxo. O MST deu um belo exemplo.  A esquerda o seguirá?

http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-capital-esta-vencendo-Como-a-esquerda-pode-barra-lo-/4/30765

Pobreza dos EUA: O povo do abismo atravessa o tempo

Por- Douglas Portari

  Há mais de um século – em 1903, mais precisamente –, o escritor norte-americano Jack London publicava O Povo do Abismo (lançado no Brasil pela Editora FPA). London havia atravessado o Atlântico para se embrenhar numa selva de miséria e indignidade, o coração das trevas da insuspeita capital do maior e mais rico império de então: o East End londrino.

No livro, o escritor narra as condições subumanas de milhares de ingleses, presos a uma situação que transbordava de geração para geração e lançava a charada: “A Civilização aumentou o poder de produção do homem (...) mas ainda assim milhões de integrantes do povo inglês não recebem comida suficiente, nem roupas, nem botas (...) se a Civilização aumentou o poder de produção do homem comum, então, por que não melhorou a condição do homem comum?”

A pergunta – e, ao que parece, a situação – atravessou o tempo e, novamente, o Atlântico. Um artigo publicado pelo professor de Direito da UCLA, Gary Blasi, no jornal inglês The Guardian (The 1% wants to ban sleeping in cars – because it hurts their 'quality of life' - Depriving the homeless of their last shelter is Silicon Valley at its worst – especially when rich cities aren't doing anything to end homelessness), nesta terça-feira, 15, fala sobre o descalabro de pobreza nas ruas do mítico Vale do Silício, no norte da Califórnia, o lar da pujante indústria do futuro, a informática, no estado mais rico do país mais poderoso do mundo.

Paliativo estético

A exemplo da Inglaterra de cem anos atrás, quando era proibido dormir nas ruas, o que impedia que mendigos e trabalhadores sem-teto se amontoassem pelos cantos, várias cidades norte-americanas estão aprovando leis que proíbem sem-teto de dormir em carros estacionados. O professor Blasi apresenta, não sem ironia, dados sobre o crescimento da desigualdade social e da miséria nos Estados Unidos e questiona como nada é feito para minorar seus efeitos, tanto pelo poder público quanto pelos ricos – o tal 1%, gente que é contra a desigualdade, até que ela surja em sua rua, onde, claro, vira caso de polícia.

O ‘paliativo estético’ dessa proibição lembra a nossa brasileiríssima ‘arquitetura da exclusão’, quando a própria administração pública, ou os bancos e seus lucros pornográficos, acha mais conveniente instalar grades, lanças e pedras nos nichos que podem servir de dormitório aos sem-teto e mendigos do que investir em abrigos e ações de ressocialização. Voltamos a Jack London: “Se isso é o melhor que a Civilização pode fazer pelos humanos, então nos deem a selvageria nua e crua. Bem melhor ser um povo das vastidões e do deserto, das tocas e cavernas, do que ser um povo da máquina e do Abismo.”

(*) Texto publicado no Blog da Fundação Perseu Abramo.

 

Lênin, Aécio e a coerência histórica

Por- Saul Leblon



A desabalada defesa da Petrobrás --motivada pelo prejuízo que a operação Pasadena trouxe à estatal-- revelou um zelo pelo interesse nacional que o país desconhecia.

A síntese arrematada da novidade  é o empenho do presidenciável Aécio Neves em  encaixar uma CPI sobre o tema no calendário eleitoral de 2014.

A política, como se sabe, não é o reino da linha reta. Política é economia concentrada, contém o conjunto das contradições da sociedade. Seguir uma  reta num pântano é missão para santidades, não para pecadores.

Aécio ou Lênin  não podem  ser julgado por atos isolados.

Para que não se firme, porém,  a impressão de que a política é o inferno da hipocrisia convém dar  aos eventos a ponderação da coerência histórica, cotejada  pela correlação de forças determinante em cada época.

Tomados esses cuidados, o ambiente político  adicionalmente turvado pelas disputas eleitorais deixa de passar a falsa impressão de que todos os gatos são pardos.

Quando se afunila  a visão, ao contrário,  estamos a um passo do moralismo.

Não importa que  ele venha entrecortado de bem intencionados  sustenidos radicais.

O moralismo traz  no DNA a prostração  política encarnada nas legendas redentoras do ‘tudo ou nada’.

O ‘nada’ muito frequentemente tem saído vitorioso nessa prática de dar a história o tratamento de uma roleta de cassino.

Ou não será nisso que o conservadorismo aposta para levar a eleição de outubro a um segundo turno do tipo ‘todos contra o bando do PT’?

O incentivo quase paternal aos protestos contra a Copa do Mundo dimensiona o valor elevado que o jornalismo  isento atribui a essa aposta.

É nesse ponto, quando o alarido  do presente embaça  a  percepção do futuro,  que a  balança crítica  deve escrutinar o saldo da coerência  no prato da direita e no da esquerda.

Um exemplo extremo, à esquerda, a título de ilustração, foi a política de capitalismo de Estado, adotada por Lênin,  em março de 1921, com amplas concessões ao capital privado.

Quando a NEP (nova política econômica) foi instaurada, a Rússia revolucionária sangrava ferida de fome, desabastecimento, desemprego e colapso na infraestrutura.

A NEP  regenerou  práticas capitalistas contras as quais se fez a revolução.

Por exemplo: o investimento privado do capital estrangeiro foi liberado no setor varejista  ( o comércio atacadista foi preservado em mãos do Estado).

Enquanto  avançava a criação de cooperativas no campo, a  NEP proibia novas expropriações de indústrias nas cidades; a nacionalização de fábricas só poderia ocorrer  após minuciosa avaliação do governo revolucionário.

Não só.

Foi restaurada a livre contratação de mão de obra.

O salário igualitário foi suprimido.

O critério de produtividade foi reposto no cálculo das folhas.

E mais: a população passou a pagar pelos serviços de água, transportes, moradia, jornais, correio e eletricidade, gratuitos no início da revolução.

A ninguém ocorre  carimbar em Lênin o epíteto de ‘covarde’ por ter cedido espaços ao capital quando a alternativa era perder tudo.

Pode-se (deve-se) discutir exaustivamente os gargalos e erros que levaram a experiência de 1917 a desaguar na queda de 1989.

Carta Maior tem opiniões claras sobre isso: uma delas remete à natureza indissociável entre socialismo e participação direta da sociedade na sua construção.
É impossível, porém,  negar à biografia de Lênin a coerência por ter reagido como reagiu ao risco de uma metástase do regime, em 1921.

Feito esse entrecho à esquerda, voltemos à coerência de Aécio Neves e assemelhados na defesa, algo tardia, que fazem agora  da Petrobrás.

Avulta aqui o oposto na balança.

Não há qualquer coerência entre o que se diz no presente, o que se praticou  no passado e o que se promete consumar no futuro .

Alguém duvida que entre as ‘medidas impopulares’, das quais o tucano se jacta de ser um portador destemido, encontra-se a quebra do regime de partilha do pré-sal, que hoje garante a redistribuição da renda petroleira na forma de educação, saúde e infraestrutura aos nossos filhos e aos filhos que um dia eles terão?

Não estamos falando de um detalhe tangencial à luta pelo desenvolvimento brasileiro.

O pré-sal, é forçoso repetir quando tantos preferem esquecer, mudou o peso geopolítico do Brasil ao adicionar à sua riqueza uma reserva da ordem de 50 bilhões de barris de óleo.

A preços de hoje isso significa algo como US$ 5 trilhões.

É como se o Brasil ganhasse dois anos de PIB  --sob  controle político da sociedade-- para se recuperar  das mazelas seculares incrustradas em seu tecido social.

Não se trata tampouco de um futuro remoto.

O pré-sal já alterou a curva de produção da Petrobras.

A estatal, que levou 60 anos para chegar à extração  de dois milhões de barris/dia, vai dobrar essa marca em apenas sete anos.

A ignorância tudo pode, mas quem desdenha dessa mutação em curso sabe muito bem  o que está em jogo.

Dez sistemas de produção do pre-sal entram em operação até 2020.

Hoje, os novos reservatórios já produzem 400 mil barris/dia.

Em 2020 serão mais dois milhões de barris/dia.

A curva é geométrica.

Para reter as rendas do refino  na economia brasileira, a capacidade de processamento da Petrobras crescerá proporcionalmente: de pouco mais de dois milhões de barris/dia hoje, alcançará  3,6 milhões de barris/dia em seis ou sete anos.

O conjunto requer  US$ 237 bilhões em investimentos até 2017.

É o maior programa de investimento de uma petroleira em curso no mundo.

Seus desdobramentos não podem ser subestimados.

A infraestrutura é o  carro-chefe do investimento nacional nesta década. Mais de 60% do total de R$ 1 trilhão a ser gasto na área estará associado à cadeia de óleo e gás.

Objetivamente: nenhuma agenda política relevante pode negligenciar aquela que  é a principal fronteira crível do desenvolvimento  brasileiros nas próximas décadas.

Mas foi  exatamente esse sugestivo lapso que o agora patriótico Aécio Neves cometeu em dezembro de 2013, quando lançou sua agenda eleitoral como presidenciável do PSDB.

Em oito mil e 17 palavras encadeadas em um jorro espumoso do qual se extrai ralo sumo, o candidato tucano  não mencionou uma única vez o trunfo que mudou o perfil geopolítico do país, o pré-sal.

A omissão  fala mais do que consegue esconder.

Seu diagnóstico sobre o país, e a purga curativa preconizada a partir dele, são incompatíveis com a existência desse  incômodo cinturão estratégico a encorajar a construção de uma democracia social , ainda que tardia, por essas bandas.

Ao abstrair o pré-sal  a agenda de Aécio para o Brasil mais se assemelha a uma viagem de férias à Brazilândia do imaginário conservador, do que à análise do país realmente existente –com seus gargalos e trunfos.

Só se concebe desdenhar dessa janela histórica  –como o fez o agora empedernido defensor da CPI -- se a concepção de país embutida em seu projeto negligenciar deliberadamente certas  urgências.

Por exemplo, a luta pela reindustrialização brasileira, da qual as encomendas do pré-sal podem figurar como importante alavanca, graças aos índices de nacionalização consagrados no regime de partilha.

Mais que isso:  se, ao contrário, a alavanca acalentada pelo tucano, para devolver dinamismo à economia,  for como ele gosta de papagaiar aos ouvidos do dinheiro grosso,  o chamado ‘choque de competitividade’.

Do que consta?

Daquilo que a emissão conservadora embarcada na mesma agenda alardeia como inevitável dia sim, o outro também.

O velho  recheio  inclui  ingredientes tão intragáveis que se recomenda dissimular em um contexto eleitoral, a saber: ajuste fiscal drástico, com os custos sociais sabidos; ampla abertura comercial –com a contrapartida imaginável de desindustrialização adicional e desemprego;  livre movimento de capitais; privatização do que sobrou das estatais (quando Aécio fala em ‘estatizar’ a Petrobrás é a novilíngua, em ação beligerante contra a inteligência nacional); cortes de direitos trabalhistas e de poder aquisitivo real dos salários –para reduzir o custo Brasil e tornar o país ‘atraente’ ao capital estrangeiro.

Por último, ressuscitar a lógica  da Alca e atrelar a diplomacia do Itamaraty  aos interesses  norte-americanos.

Em resumo, um neoliberalismo requentado, indiferente ao prazo de validade vencido na crise de 2008.

Reconheça-se, não é fácil pavimentar o percurso oposto, como vem tentando o Brasil desde então.

Com a maturação da curva do pre sal  as chances de êxito aumentam geometricamente nos próximos anos.

Não é uma certeza, é uma possibilidade histórica.

Os efeitos virtuosos desse salto no conjunto da economia exigem uma costura de determinação política para se efetivarem.

Algo que a agenda eleitoral do PSDB omite, renega e descarta.

Em nome da coerência, Aécio Neves deveria adicionar ao seu pedido de CPI  uma explicação ao país sobre o destino reservado ao pre-sal,  caso as urnas de outubro deem a vitória a quem assumidamente se propõe a ser uma réplica  do governo FHC em Brasília.

 http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Lenin-Aecio-e-a-coerencia-historica/30746

Os pouco divulgados avanços do governo Haddad

Por-Francisco Fonseca (*)

 O Governo do prefeito Fernando Haddad vem promovendo algumas importantíssimas reformas e transformações que não aparecem na grande mídia, mas têm sido captadas pelo cidadão comum que vive e transita na cidade de São Paulo. Torna-se fundamental compreender quais e como esses avanços instituem políticas públicas transformadoras e incipientes novas relações democráticas.

Embora se trate de um governo com diversas ordens de problemas, tanto internos como derivados da draga do sistema político brasileiro, pois marcado pela coalizão e de financiamento privado, algumas grandes iniciativas merecem destaque, nesse cerca de um ano e meio de governo.

Em primeiro lugar, o destravamento da participação popular, embotada pelos obscurantistas Governos Serra/Kassab. Várias iniciativas merecem destaque: a criação do Conselho da Cidade, com mais de uma centena de membros, à luz do que ocorre no Governo Federal, é claramente a sinalização de um governo que quer ouvir a sociedade politicamente organizada. Mas destaque especial deve ser dado à criação do Conselho de Representantes em cada subprefeitura, pois se trata da mais significativa demonstração de apoio à democracia representativa de base, em que o cidadão comum pode se eleger e consequentemente participar, propor, vetar e fiscalizar ações das subprefeituras.

Várias subprefeituras já começaram a mobilizar seus representantes, assim como a ouvir suas demandas e as dos cidadãos em diversas regiões – por metodologias diversas –, o que é algo inteiramente inédito, em contraste ao obscurantismo simbolizado pela indicação de coronéis nas gestões Serra/Kassab para comandar as subprefeituras. Aliás, é fundamental lembrar que o então prefeito José Serra entrou com liminar no STF, ainda hoje não apreciada, vetando o Conselho de Representantes então aprovado pelo Plano Diretor da época.

Deve-se notar, nesse contexto, o profundo esvaziamento das subprefeituras em termos orçamentários, políticos, programáticos e de elaboração/implementação de políticas públicas efetivado nesses tempos sombrios do serrismo, o que torna essa iniciativa do Governo Haddad fundamental tanto à participação popular como à sinalização de que a descentralização – embora haja muito a avançar no próprio atual governo – é a alternativa ao enfrentamento dos grandes desafios de uma cidade como São Paulo.

Como aludido, algumas subprefeituras já têm realizado interessantes e inovadores processos de reflexão sobre o bairro – afinal, os conselheiros das subprefeituras atuam nos bairros – e a cidade e sobre o próprio papel dos conselheiros. Esse momento político democrático tem aberto espaço para a criação de métodos de audição das demandas, interesses e desejos dos cidadãos, na perspectiva “de baixo para cima”, isto é, sem pautas pré-definidas, o que implica a priorização potencial, por subprefeitura, de temas prioritários de debates e representação a partir dos próprios cidadãos, sendo, em determinados casos, os conselheiros porta-vozes dessas demandas surgidas na base da representação.

Por si só isso representa um rico processo de construção daquilo que Archon Fung chamou de “minipúblicos”, isto é, espaços de representação e deliberação relativamente autônomos surgidos da base da sociedade. Embora, no caso dos conselhos das subprefeituras, seja iniciativa do Poder Executivo municipal, há grande espaço para autonomia, invenção e participação autônoma, cabendo, dessa forma, o conceito de minipúblico em cada subprefeitura, uma vez que decididamente descentralizado.

Mesmo que, reitere-se, a agenda descentralizante – motivação para a criação das subprefeituras, em substituição às então Regionais – tenha muito a avançar quanto à autonomia orçamentária e administrativa e quanto à capacitação e empoderamento voltados à formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas, entre outros aspectos, é alvissareira a retomada da agenda participatória e descentralizante em São Paulo. Retomada em razão de os únicos avanços nessa direção terem vindos das ex-prefeitas Luíza Erundina e Marta Suplicy, e seguidamente embotados pelos antipopulares Governos Maluf/Pitta e Serra/Kassab.

Ainda nessa linha, o Conselho do Transporte (público) também foi criado e representa resposta do poder público municipal às manifestações de junho/2013, abrindo pela primeira vez a “caixa preta” das planilhas de custos do sistema de transporte. Diversos outros conselhos têm sido criados nessa perspectiva de incluir o cidadão comum, seja diretamente seja por meio de representantes, na vida da cidade. Tem-se observado, nesse sentido, não apenas vontade de participar, como o demonstram os números dos eleitos e suas votações, dados num contexto de baixa divulgação e de quase desprezo da grande mídia, como a preocupação do cidadão comum com um dos aspectos mais drásticos das grandes cidades: a especulação imobiliária. Mesmo sabendo-se não ser da competência legal dos representantes das subprefeituras atuar num tema exclusivo de legislação parlamentar, inúmeros conselheiros e, mais ainda, parcelas expressivas de cidadãos comuns têm demonstrado preocupação com a tomada do Estado pelos interesses do capital imobiliário: daí o tema da especulação imobiliária ser uma espécie de símbolo da redemocratização atual da cidade e da apropriação de seus espaços, pois vigorosamente esvaziados e travados pelos Governos Serra/Kassab.

Do ponto de vista das políticas públicas, a democratização do transporte é marcante, isto é, a priorização do transporte público sobre o particular tem sido outro aspecto fundamental de retomada, pelo Governo Haddad, de iniciativas instauradas pelos Governos Erundina e Marta, agora com novas modalidades que ampliam a utilização do bilhete único, mas sobretudo com a implantação das faixas exclusivas para ônibus em toda a cidade. Trata-se de medida com custos baixos, de efeito imediato e que aponta para a criação de uma nova cidade, em que o espaço das vias públicas progressivamente está sendo direcionado à esmagadora maioria dos habitantes e transeuntes de São Paulo: os que se utilizam do transporte público, notadamente do ônibus, que em São Paulo transporta cerca de seis milhões de passageiros ao dia. Mais ainda, os indicadores demonstram que a velocidade média dos ônibus tem aumentando constantemente, e que em determinadas faixas chega a até 80% a mais.

Não é por acaso que os 12% dos habitantes que se utilizam exclusivamente de automóveis e que são – desproporcionalmente – representados pela grande imprensa (jornais, revistas, rádios e televisões) têm no Governo Haddad seu inimigo declarado. Igual destaque deve ser dado à criação dos corredores de ônibus em locais estratégicos. Não é por acaso também que a foi a Fiesp a instituição que conseguiu barrar, no Poder Judiciário, outra iniciativa democratizando do Governo Haddad referente ao aumento do IPTU progressivo, uma vez que democratizador de um dos principais impostos municipais. Grande mídia, Fiesp e Poder Judiciário – sempre com exceções honrosas – formam uma tríade elitista sempre disposta a barrar políticas públicas e programas que revertam as históricas prioridades governamentais em prol dos pobres na principal cidade do país.

Voltando às inovações quanto ao transporte, o Projeto “CET no Seu Bairro” tem feito também inédita reversão de prioridades, isto é, voltado suas ações à mobilidade, além de atuar para além do centro expandido, isto é, em direção às grandes periferias historicamente esquecidas. Trata-se de um conjunto de intervenções, que vão desde a instalação das referidas faixas exclusivas de ônibus que cortam a cidade até intervenções urbanísticas na área de transporte, trânsito, acessibilidade, sinalização e mobilidade, entre outras, que significam a presença do Estado (municipal) nas áreas periféricas. Guardadas as devidas proporções, simbolicamente há certa semelhança com a ocupação das favelas do Rio de Janeiro pelos aparatos públicos, não apenas policiais, uma vez que, reitere-se, o poder público no que tange ao transporte/trânsito/mobilidade historicamente relegou a periferia a, de fato, um lugar periférico também na agenda governamental.

Nunca é demais assinalar o descaso com que os Governos Serra/Kassab e, antes, Maluf/Pitta, trataram o amplo e majoritário universo periférico de São Paulo: as poucas iniciativas inclusivas tiveram o tom ou de populismo casuístico ou de mera vitrine eleitoral de programas ínfimos. Avanços na área de participação e transporte colocam o Governo Haddad na linhagem dos Governos Erundina e Marta, o que pode ser exemplificado pelas aludidas revisões de prioridades, o que não é pouco para uma cidade complexa e elitista como São Paulo.

Por fim, e também em contraste com os governos conservadores da linhagem Maluf, Pitta, Serra e Kassab, ressalte-se os vigorosos progressos na área de transparência e combate à corrupção com a criação da Controladoria Geral do Município (CGM). A partir da experiência de sua congênere federal, da qual o controlador geral e outros membros provieram, a CGM tem desbarato máfias poderosíssimas e com potencial lesivo bilionário: as máfias de licenciamento de imóveis e do IPTU, sem contar a criação de mecanismos de gestão capazes de cruzar dados de servidores públicos envolvidos com fiscalização.

Nesse sentido, a suposta e autointitulada marca do PSDB de “partido da gestão competente” se desfaz inteiramente, tendo em vista o completo sucateamento dos mecanismos fiscalizatórios, dos recursos humanos públicos – que na gestão Serra/Kassab tiveram aumentos vexaminosos de 0,01% ao ano durante os dois mandatos – e da gestão pública, uma vez que fortemente privatizada, terceirizada e contratualizada e sem diretrizes e fiscalização programática e financeira.

Não bastasse isso, o processo de transparência, por meio seja da ampliação da participação popular, seja da criação da CGM e de mecanismos de gestão fiscalizatórios afins, seja ainda da reversão de prioridades com a participação das comunidades locais torna-se claramente mais eficaz e eficiente, diferentemente do que prega a cartilha neoliberal. Afinal, numa sociedade democrática os fins (políticas públicas transformadoras) e os meios (formas pelas quais se pretende atingir tais fins, notadamente pela gestão e pelo controle social) devem ser consoantes.

Por todo esse contexto, do qual o legado Serra/kassabisa é trágico – fins e meios –, a Gestão Haddad, apesar de inúmeras fragilidades e problemas, é, sem qualquer dúvida, infinitamente melhor aos pobres do que as de seus dois últimos predecessores. Certamente seu até aqui um ano e meio é muito superior aos oito anos de flagrante atraso dos Governos Serra/kassab.

A expectativa dos setores populares e progressistas é que as medidas aqui analisadas possam ser aprofundadas, e outras tantas criadas, tornando-se a gestão na cidade de São Paulo um possível paradigma para outras gestões progressistas nas macrometrópoles.

Falta, contudo, ao Governo Haddad, melhorar significativamente sua comunicação com a população – por meios diversos, sobretudo os populares –, saindo do cerco elitista dos privilegiados que querem a priorização do automóvel individual, o baixo valor de seus IPTUs nos bairros de classe média alta e a cidade voltada aos negócios, ao capital e ao consumo. A batalha da comunicação é uma batalha política, tal como as analisadas aqui.

Além disso, a descentralização, por meio das subprefeituras, como dissemos tem amplo potencial ainda pouco utilizado: caberia de fato ter um projeto político de descentralização a ser implantado em curto prazo e, para tanto, a experiência dos Conselhos de Representantes, paralelamente aos movimentos sociais, é fundamental na construção desse histórico projeto.

Por fim, a revisão do Plano Diretor é igualmente alvissareira, embora – como não poderia deixar de ser – se dê em meio a pressões assimétricas de todo tipo, a começar pelo impetuoso capital especulativo. A relatoria do vereador Nabil Bonduki tem sido garantia de um processo aberto e orgânico e sua própria visão de urbanista contempla vastos interesses populares. A questão, como sempre, é a capacidade da maioria dos cidadãos, constituída por pessoas pobres e sem acesso à cidade – que cada vez é mais sitiada –, de pressionar o poder público num sistema político pulverizado e de certa forma privatizado pelo sistema eleitoral e pelo financiamento privado das campanhas.

Apesar de todas as assimetrias, aliás históricas, os diversos avanços – estrategicamente pouco divulgados pela mídia – do Governo Fernando Haddad necessitam de divulgação e de ampliação com vistas a interceder na correlação de forças sociais no município de São Paulo.

O que tem sido feito nesse um ano e meio é um sinal de que o que se considera “possível” é sempre relativo e depende de vontade política, de projeto de governo, de apoios e de visão tática e estratégica do que está em jogo a partir do município de São Paulo.

(*) Francisco Fonseca, cientista político e historiador, é professor de ciência política no curso de Administração Pública e Governo na FGV/SP.

 http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Os-grandes-e-pouco-divulgados-avancos-do-governo-Haddad/4/30759

Conceição Lemes, 33 anos de estrada: resposta em público a O Globo.

Nessa segunda-feira 13, uma repórter de O Globo enviou-nos um e-mail:
“Estou fazendo uma matéria sobre a entrevista que o ex-presidente Lula concedeu a blogueiros na semana passada. Gostaria de conversar contigo por telefone”.


Pedi que enviasse as perguntas por e-mail. Hoje, às 12h27 elas foram encaminhadas:



Nada contra a repórter. Embora não a conheça, respeito-a profissionalmente como colega.

Já a empresa para a qual trabalha, não merece a nossa consideração.

Com essas perguntas aos blogueiros, O Globo parece estar com saudades da ditadura, quando apresentava como verdadeira a versão dos órgãos de repressão.  Exemplo disso foi a da prisão, tortura e assassinato de Raul Amaro Nin Ferreira, em 1971, no Rio de Janeiro.

Com essas perguntas, O Globo parece querer promover uma caça aos blogueiros progressistas. Um macartismo à brasileira.

O marcartismo, como todos sabem, consistiu num movimento que vigorou nos EUA do final da década de 1940 até meados da década de 1950.  Caracterizou-se por intensa patrulha anticomunista, perseguição política e dersrespeito aos direitos civis.

O interrogatório emblemático daqueles tempos nos EUA:
Mr. Willis: Well, are you now, or have you ever been, a member of the Communist Party? (Bem, você é agora ou já foi membro do Partido Comunista?)

A sensação com as perguntas de O Globo é que voltamos à ditadura. Agora, a ditadura midiática das Organizações Globo. É como estivéssemos sendo colocados numa sala de interrogatório.

Afinal, qual o objetivo de saber se pertencemos a algum partido político?

Será que O Globo faria essa pergunta aos jornalistas de direita, travestidos de neutros, que rezam pela sua cartilha?

E se fossemos nós, blogueiros progressistas, que fizessemos essas perguntas aos jornalistas de O Globo?

Imediatamente, seríamos tachados de antidemocratas, cerceadores da liberdade de expressão, chavistas e outros mantras do gênero.

Como um grupo empresarial que cresceu graças aos bons serviços prestados à ditadura civil-militar tem moral de questionar ideologicamente os blogueiros que participaram da entrevista coletiva?

Liberdade de imprensa e de expressão vale só para direita e para a esquerda, não?

Como uma empresa que tem no seu histórico o colaboracionismo com a ditadura, o caso pró-Consult, o debate editado do Collor vs Lula, ter sido contra a campanha Pelas Diretas,  pode se arvorar em ditar normas de bom Jornalismo e ética?

Como uma empresa que deve R$ 900 milhões ao fisco tem moral para questionar outros brasileiros?

Como um grupo empresarial que recebe, disparadamente, a maior fatia da publicidade do governo federal pode criticar os poucos blogs que recebem alguma propaganda governamental?

O Viomundo, repetimos, não aceita propaganda dos governos federal, estaduais e municipais. É uma opção nossa. Mas respeitamos quem recebe. É um direito.

No Viomundo, não temos nada a esconder.  Só não admitimos que as Organizações Globo, incluindo O Globo, com todo o seu histórico, se arvorem no direito de fiscalizar a blogosfera.

Por isso, eu Conceição Lemes, que representei o Viomundo na coletiva, não respondi a O Globo. Preferi responder aos nossos milhares de leitores.  Diretamente. E em público.

Seguem as perguntas de O Globo e as minhas respostas.



Qual a sua formação acadêmica?
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).


Qual a sua atuação profissional antes do blog? Já cobriu política por outros veículos?

Sou editora do Viomundo, onde faço política, direitos humanos, movimentos sociais. Toco ainda o nosso Blog da Saúde.

No início da carreira, fiz um pouco de tudo: economia, política, revistas femininas, rádio…

Há 33 anos atuo principalmente como jornalista especializada em saúde, tendo ganho mais de 20 prêmios por reportagens nessa área. Entre eles, o Esso de Informação Científica, o José Reis de Jornalismo Científico, concedido pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e o Sheila Cortopassi de Direitos Humanos na área de Comunicação, outorgado pela Associação para Prevenção e Tratamento da Aids e Saúde Preventiva (APTA) com apoio do Unicef.

Conquistei também vários prêmios Abril de Jornalismo, a maioria por matérias publicadas na revista Saúde!, da qual foi repórter, editora-assistente, editora e redatora-chefe.

Em 1995, fui  premiada pela reportagem “Aids — A Distância entre Intenção e Gesto”, publicada pela revista Playboy. O projeto que desenvolvi para essa matéria foi selecionado para apresentação oral na 10ª Conferência Internacional de Aids, realizada em 1994 no Japão.

Pela primeira vez um jornalista brasileiro teve o seu trabalho aprovado para esse congresso. Concorri com cerca de 5 mil trabalhos enviados por pesquisadores de todo o mundo. Aproximadamente 300 foram escolhidos para apresentação oral, sendo apenas dez de investigadores brasileiros. Entre eles, o meu. Em consequência, fui ao Japão como consultora da Organização Mundial da Saúde.

Tenho oito livros publicados na área.

O mais recente, lançado em 2010, é Saúde – A hora é agora, em parceria com o professor Mílton de Arruda Martins, titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e o médico Mario Ferreira Júnior, coordenador de Centro de Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Em 2003/2004, foi a vez da  coleção Urologia Sem Segredos, da Sociedade Brasileira de Urologia, destinada ao público em geral.

Os primeiros livros foram em 1995. Um deles, o Olha a pressão!, em parceira com o médico Artur Beltrame Ribeiro.

O outro foi a adaptação e texto da edição brasileira do livro Tratamento Clínico da Infecção pelo HIV, do professor John G. Bartlett, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA. A tradução e supervisão científica são do médico Drauzio Varella.



Você é filiada a algum partido político?
Não sou nem nunca fui filiada a qualquer partido político.

Mas me estranha muito uma empresa que apoiou a ditadura, cresceu devido a benesses do regime e hoje se alinhe com todos os espectros da direita brasileira, questione a filiação partidária de um jornalista.

Quer dizer de direita, tudo bem, e de esquerda, não?

Como você definiria os “blogueiros progressistas”? Existe uma linha política?

Somos de esquerda.

Defendemos:

Melhor distribuição da renda no país.

Reforma agrária.

Os movimentos sociais por melhores condições de moradia, trabalho, defesa do meio ambiente, saúde e educação.

Regulamentação dos meios de comunicação.

Valorização do salário mínimo.

Política de cotas raciais nas universidades.

Direitos reprodutivos e sexuais das mulheres brasileiras.

Combate à discriminação e promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais

Imposto sobre grandes fortunas.

Financiamento público de campanha.

Reforma política.

Fortalecimento da Petrobras.

Sistema Único de Saúde.

Como você foi chamada para a entrevista? Recebeu alguma ajuda de custo do instituto?
Por e-mail. Nenhuma ajuda.


O que você achou da seleção de blogueiros para a entrevista? Incluiria, por exemplo, representantes da mídia ninja ou blogueiros “de oposição”, como Reinaldo Azevedo?
O Instituto Lula tem o direito de chamar para entrevistar o ex-presidente quem ele quiser.

Engraçado O Globo perguntar isso. De manhã à madrugada, de domingo a domingo, todos os veículos das Organizações Globo privilegiam, ostensivamente, sem o menor pundonor, vozes do conservadorismo brasileiro e internacional. Pior é que travestido de uma falsa neutralidade.

Por que O Globo pode chamar quem quiser e o ex-presidente Lula, não?

Por que as Organizações Globo não dão espaços iguais à esquerda e à direita, garantindo a pluralidade de opiniões?

No dia em que as Organizações Globo garantirem efetivamente a pluralidade de opiniões, respeitando a verdade factual, aí, sim, seus profissionais poderão questionar os nomes escolhidos por Lula.



Qual foi o ponto mais relevante da entrevista para você?
Ter falado três horas e meia com os blogueiros. Uma conversa em que nenhum assunto foi proibido. Tivemos liberdade plena de perguntar o que queríamos. Uma lição de democracia.


O instituto arcou com os seus custos de deslocamento?
Não. Fui de táxi. Paguei do meu próprio bolso.


Por que você acredita ter sido escolhida para a entrevista?
Quantos jornalistas brasileiros têm o meu currículo profissional? Quantos repórteres da mídia tradicional e da blogosfera produziram tantos furos jornalísticos quanto nós no Viomundo nos últimos cinco anos?

Por isso, deixo essa pergunta para você e os leitores do Viomundo responder.



O que você acha do movimento “Volta Lula”?
Quem tem de achar é a população e os militantes dos partidos da base de apoio do governo.

Sou apenas repórter. Cabe a mim, portanto, retratar o que presencio.



Qual nota você daria ao governo Dilma? Por quê?
O Globo tem fetiche por nota. Quem tem de dar a nota é o eleitorado. Sou repórter e minha opinião neste caso é irrelevante. A não ser que O Globo pretenda usá-la para fazer o que costuma fazer: manipular informação com objetivos políticos, em defesa de interesses da direita brasileira.

A via sacra dos índios.

Por José Ribamar Bessa Freire
 20/04/2014 - Diário do Amazonas


A Semana do Índio celebrada nas escolas do Brasil coincidiu este ano com a Semana Santa, quando o mundo cristão rememora a paixão e morte de Cristo. Em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, a II Bienal Brasil do Livro e da Leitura programou no sábado de aleluia, Dia do Índio, o seminário Narrativas Contemporâneas da História do Brasil. Numa das mesas, no Auditório Jorge Amado, a índia Fernanda Kaingang, advogada com mestrado em Direito Público, debate as desigualdades sociais no Brasil com Muniz Sodré, Afonso Celso e este locutor que vos fala. 
Qual é o índio celebrado cada ano, em abril, que emerge nas narrativas da história do Brasil? O índio de Pero Vaz de Caminha que permanece no imaginário dos brasileiros? Aquele escravizado pelos bandeirantes ou o catequizado pelos missionários? O índio da senadora Kátia Abreu e do agronegócio "obstáculo ao progresso"? Ou o das descrições etnográficas dos antropólogos, que nos ensina que outro mundo é possível? O "índio atrasado" ou o que acumulou sofisticados saberes? A vítima do colonialismo ou o combatente que resistiu?
Afinal, qual o pedaço de nós que comemoramos no Dia do Índio? Ou ele não é parte de nós? No século XVI, na polêmica com o advogado Sepúlveda, Bartolomeu De Las Casas afirmou que durante todo o período colonial milhares de Cristos foram crucificados na América, sem a esperança da ressurreição. Testemunha da dor, do sofrimento e da resistência dos índios, Las Casas descreve o trajeto seguido por eles carregando a cruz numa via sacra dolorosa, que vai do Pretório Ibérico até o Calvário, de 1492 aos dias atuais.
As Estações
Logo na 1ª Estação, o índio é condenado à morte. Colombo e Cabral que aqui desembarcam com a cruz, perguntam às Coroas Ibéricas: "O que faço com o índio?" Aqueles que querem se apropriar das terras indígenas gritam: "Que o crucifiquem". Os reis lavam as mãos e através de leis e ordenações do Reino, entregam o índio aos seus súditos. 
Despojado de suas terras, escravizado, na 2ª Estação, o índio começa a carregar a cruz às costas, num processo que não terminou. Las Casas registra a invasão das aldeias, o massacre e a prisão dos índios nas chamadas 'guerras justas': "Oh! Grande Deus e Senhor, como podiam ser escravizados de 'forma justa' estando em suas próprias terras e em suas casas sem fazer mal a ninguém?". 
Na 3ª Estação, o índio cai pela primeira vez, numa jornada de trabalho que dura até 18 horas diárias, segundo Las Casas que detalha o recrutamento de menores e mulheres gestantes, os acidentes de trabalho, os castigos físicos, as doenças, a alimentação insuficiente: "E até mesmo as bestas costumam ter um tempinho de liberdade para pastarem no campo e os nossos espanhóis nem sequer isto concediam aos índios".
O encontro com a Mãe acontece na 4ª Estação. A Mãe Terra, que dá vida aos seres do universo, símbolo da fecundidade e da biodiversidade, tem sua alma transpassada por uma espada. Matas devastadas, minas escavadas em busca de metais preciosos, rios poluídos, animais, plantas e gente exterminados: a Mãe Terra é ferida de morte. Acontece a maior catástrofe demográfica da histórica da humanidade: nunca um continente foi esvaziado tão rapidamente como a América, escrevem os demógrafos da Escola de Berkeley. 
A cruz pesa em demasia. Na 5ª Estação, os soldados obrigam Simão de Cirene, do Norte da África, a ajudar a carregar a cruz, ao lado do Negro oriundo do mesmo continente. Com o rosto ensanguentado, sujo, cansado e cheio de escarros, na 6ª Estação o índio espera que apareça uma Verônica para enxugá-lo, para deixar a imagem da coroa de espinhos gravada no lenço. Em vão. Como no poema "Los dados eternos", de César Vallejo, vem a justificativa: "Tu no tienes Marias que se ván".
Eliminar da História

Na 7ª Estação o índio, esgotado, cai pela segunda vez, depois das novas investidas dos bandeirantes, cujo modus operandi é descrito por Raposo Tavares em depoimento ao padre Vieira “Nós damos uma descarga cerrada de tiros: muitos caem mortos, outros fogem. Invadimos, então, a aldeia. Agarramos tudo o que necessitamos e levamos para as nossas canoas. Se as canoas deles forem melhores que as nossas, nós nos apropriamos delas, para continuar a viagem”.
As mulheres de Belém estavam na 8ª Estação, ao lado de Maria Quitéria de Jesus, a baiana heroína da Guerra da Independência, que depois recebeu o título de Patrona dos Oficiais do Exército Brasileiro. No encontro com o índio, as mulheres paraenses e até Maria Quitéria, embora sendo de Jesus, não choraram por ele, mas por elas mesmas e por seus filhos.
Na 9ª Estação, a terceira queda sob o peso da cruz ocorre, quando Paulo de Frontin, presidente da Comissão do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, em 1900, no seu discurso oficial de abertura, declara:
“O Brasil não é o índio; os selvícolas, esparsos, ainda abundam nas nossas magestosas florestas e em nada differem dos seus ascendentes de 400 anos atrás; não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los”.
As cinco últimas estações da via sacra, a caminho do Calvário, se localizam já no Brasil republicano. O índio despojado de sua língua, de seus saberes, é definitivamente eliminado das narrativas sobre a história do Brasil.
Na 10ª Estação, o índio é esbofeteado na comemoração do 5° Centenário, em 2000, quando o então Ministro da Cultura, Francisco Weffort, depois de fazer uma apologia dos bandeirantes, propõe a criação do Museu Aberto do Descobrimento, incompatível com a historiografia crítica e com o projeto intelectual de renovação da cultura brasileira, numa vitória inequívoca do obscurantismo intelectual.
Anos depois, já como ex-ministro, Weffort publica o livro "Espada, Cobiça e Fé - As Origens do Brasil".  No desenho que faz do nosso país, ele justifica o calvário dos índios, afirmando que os bandeirantes faziam "parte de uma cultura na qual a violência na vida cotidiana e o saqueio na guerra eram recursos habituais. (...) Sei que os bandeirantes foram brutais e violentos, mas conquistaram esta terra. Todos temos uma dívida com eles. Então é preciso entendê-los".
Diakui Abreu
Na 11ª Estação, o índio é ferido de morte pelo escárnio da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO, viche, viche) em artigo no Caderno Mercado da Folha de São Paulo - Cidadania, e não apito. Presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), ela repete pela milésima vez que o calvário dos índios se deve ao "difícil acesso à saúde e não à falta de terra", fingindo não ver a relação entre uma e outra. Admite, no entanto, que "se o problema consiste em terra, que sejam compradas a preço de mercado" pelo Estado brasileiro "com seus próprios meios que são os impostos extraídos de toda a populaçao brasileira".
Na 12 ª Estação, ela tenta convencer o índio agonizante que gosta dele e, por isso, "minha homenagem pessoal aos povos indígenas fiz a cada nascimento de meus filhos que não por acaso se chamam Irajá, Iratã e Iana". Além das terras, a senadora se apropria também dos nomes indígenas. Anunciará qualquer dia, no Caderno Mercado, que vai ao Cartório mudar de Kátia para Diakui Abreu.
Na 13ª Estação, o deputado federal Osmar Seraglio (PMDB - PR, viche, viche), relator da Proposta de Emenda Constitucional - a PEC 215 - enfia uma lança no ventre do índio ao justificar, em artigo na FSP (19/04/14) que o poder de demarcar terras indígenas deve ser transferido do Executivo para o Congresso Nacional, atendendo os interesses da bancada ruralista, que torna inviável qualquer processo de demarcação.
O protagonista da 14ª e última estação é o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP- RS, viche, viche). Ele apoia a Portaria do Ministério da Justiça que, antes mesmo da aprovação da PEC 215, já permite a ingerência dos ruralistas nos estudos sobre demarcação de terras indígenas. Na audiência realizada no município de Vicente Dutra (RS), Heinze afirma que "índios, quilombolas, gays e lésbicas são tudo o que não presta".
A partir daqui, a via sacra continua,desdobrando a agonia lenta e inexorável em outras estações, colocando em dúvida se um dia haverá ressurreição.

Países da América Latina criarão mercado comum para impulsionar economias

Mercosul, Unasul, ALBA, Celac e Petrocaribe fazem parte da iniciativa, que pretende incentivar produção sustentável na região


Países da América Latina, que compõem o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a Unasul (União das Nações Sulamericanas), a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos Americanos), a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e a Petrocaribe criarão um mercado comum, na tentativa de impulsionar maior independência econômica para os países membros. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (21/04) pelo ministro do Comércio Venezuelano, Dante Rivas.

A iniciativa pretende incentivar a produção sustentável na região, fazendo da América Latina um mercado potente e facilitando as importações e exportações. “Vamos desenvolver um mercado Alba-Mercosul-Celac-Petrocaribe-Unasul potente e com grandes desafios positivos. Ajustamos mecanismos para consolidar as relações comerciais, nos fortalecendo, levando à prática a visão continental de Simón Bolivar”, disse Rivas.

O ministro também ressaltou, durante a reunião, a necessidade de impulsionar a participação da pequena e média indústria, para facilitar a independência produtiva, econômica e comercial da região. “Estamos iniciando uma etapa decisiva e madura, onde as experiências da última década se capitalizaram em todas as nações”, disse. Rivas também afirmou que esse passo é inevitável e que levará a um “destino seguro e feliz para todos”.


Entre as metas do projeto, está a necessidade de diminuir as diferenças entre ricos e pobres. Para Rivas, é preciso “encurtar as dramáticas brechas entre ricos, cada vez mais ricos, e os pobres que surgem formando uma potente classe média trabalhadora”. 

Durante a primeira reunião de ministros da Economia, Comércio e Indústria da Celac, realizada em abril deste ano, a Venezuela já havia proposto o desenvolvimento de uma produção sustentável na América Latina, recordou Rivas. Segundo ele, a utilização do poder de compra do Estado será um mecanismo para desenvolver as pequenas e médias indústrias.

sábado, 19 de abril de 2014

1967 latinoamericano: o Gabo e o Che

A notícia mais importante da sua vida não foi a dolorosa notícia de ontem, nem tampouco o Premio Nobel de 1982, mas o lançamento de Cem Anos de Solidão, em 1967

por Emir Sader



O Gabo sempre gostava de reiterar que, como jornalista – profissão que ele sempre reivindicou como a sua – a maior frustração que ele teria seria não poder dar a notícia mais importante da sua vida. Mas a verdade é que a notícia mais importante da sua vida não foi a dolorosa notícia de ontem, nem tampouco o glorioso Premio Nobel de 1982, mas o lançamento de Cem Anos de Solidão, em 1967.

O século XX foi o primeiro século em que a América Latina teve um protagonismo mundial. Iniciado, politicamente, com o massacre dos mineiros na Escola de Santa Maria de Iquique, em 1907 e, 3 anos mais tarde, com a Revolução Mexicana, se anunciava que seria um século de revoluções e contrarrevoluções no continente. O marco definitivo dessa trajetória viria com a Revolução Cubana de 1959.

Mas 1967 foi um ano simbolicamente determinante para a história latino-americana e para sua projeção mundial. É o ano da publicação da obra mais importante da nossa literatura, Cem Anos de Solidão, mas também porque é o ano da morte do Che.

Uma, a maior obra prima da literatura latino-americana, outro, o personagem cujo gesto o levou a ser a imagem mais reproduzida no mundo.

Não há ninguém que tenha lido Cem Anos de Solidão e que não se lembre das circunstâncias – onde, quando, com quem, em que edição – leu pela primeira vez o livro. Como não há ninguém que tenha vivido naquele não tão longínquo 1967, que não se lembre quando, onde, com quem, soube da noticia dolorosamente certa da morte do Che.

O discurso do Gabo ao receber o Nobel de Literatura é a mais notável reivindicação da América Latina. Ali, ele afirma que, da mesma forma se reconhece ao nosso continente sua criatividade, sua originalidade e sua criatividade nas artes, se deve deixar de tentar impor-nos projetos políticos desde fora, deixando-nos exercer, da mesma maneira, nos caminhos da nossa história, essa criatividade, essa genialidade e essa originalidade, que nos reconhecem no campo das artes.



A íntegra do discurso



Segue abaixo a íntegra desse discurso, em espanhol, para homenagear Gabo e a lingua que trabalhou durante toda sua vida:



"Antonio Pigafetta, un navegante florentino que acompañó a Magallanes en el primer viaje alrededor del mundo, escribió a su paso por nuestra América meridional una crónica rigurosa que sin embargo parece una aventura de la imaginación. Contó que había visto cerdos con el ombligo en el lomo, y unos pájaros sin patas cuyas hembras empollaban en las espaldas del macho, y otros como alcatraces sin lengua cuyos picos parecían una cuchara. Contó que había visto un engendro animal con cabeza y orejas de mula, cuerpo de camello, patas de ciervo y relincho de caballo. Contó que al primer nativo que encontraron en la Patagonia le pusieron enfrente un espejo, y que aquel gigante enardecido perdió el uso de la razón por el pavor de su propia imagen.

Este libro breve y fascinante, en el cual ya se vislumbran los gérmenes de nuestras novelas de hoy, no es ni mucho menos el testimonio más asombroso de nuestra realidad de aquellos tiempos. Los cronistas de Indias nos legaron otros incontables. Eldorado, nuestro país ilusorio tan codiciado, figuró en mapas numerosos durante largos años, cambiando de lugar y de forma según la fantasía de los cartógrafos. En busca de la fuente de la Eterna Juventud, el mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca exploró durante ocho años el norte de México, en una expedición venática cuyos miembros se comieron unos a otros y sólo llegaron cinco de los 600 que la emprendieron. Uno de los tantos misterios que nunca fueron descifrados, es el de las once mil mulas cargadas con cien libras de oro cada una, que un día salieron del Cuzco para pagar el rescate de Atahualpa y nunca llegaron a su destino. Más tarde, durante la colonia, se vendían en Cartagena de Indias unas gallinas criadas en tierras de aluvión, en cuyas mollejas se encontraban piedrecitas de oro. Este delirio áureo de nuestros fundadores nos persiguió hasta hace poco tiempo. Apenas en el siglo pasado la misión alemana de estudiar la construcción de un ferrocarril interoceánico en el istmo de Panamá, concluyó que el proyecto era viable con la condición de que los rieles no se hicieran de hierro, que era un metal escaso en la región, sino que se hicieran de oro.

La independencia del dominio español no nos puso a salvo de la demencia. El general Antonio López de Santana, que fue tres veces dictador de México, hizo enterrar con funerales magníficos la pierna derecha que había perdido en la llamada Guerra de los Pasteles. El general García Moreno gobernó al Ecuador durante 16 años como un monarca absoluto, y su cadáver fue velado con su uniforme de gala y su coraza de condecoraciones sentado en la silla presidencial. El general Maximiliano Hernández Martínez, el déspota teósofo de El Salvador que hizo exterminar en una matanza bárbara a 30 mil campesinos, había inventado un péndulo para averiguar si los alimentos estaban envenenados, e hizo cubrir con papel rojo el alumbrado público para combatir una epidemia de escarlatina. El monumento al general Francisco Morazán, erigido en la plaza mayor de Tegucigalpa, es en realidad una estatua del mariscal Ney comprada en París en un depósito de esculturas usadas.

Hace once años, uno de los poetas insignes de nuestro tiempo, el chileno Pablo Neruda, iluminó este ámbito con su palabra. En las buenas conciencias de Europa, y a veces también en las malas, han irrumpido desde entonces con más ímpetus que nunca las noticias fantasmales de la América Latina, esa patria inmensa de hombres alucinados y mujeres históricas, cuya terquedad sin fin se confunde con la leyenda. No hemos tenido un instante de sosiego. Un presidente prometeico atrincherado en su palacio en llamas murió peleando solo contra todo un ejército, y dos desastres aéreos sospechosos y nunca esclarecidos segaron la vida de otro de corazón generoso, y la de un militar demócrata que había restaurado la dignidad de su pueblo.



En este lapso ha habido 5 guerras y 17 golpes de estado, y surgió un dictador luciferino que en el nombre de Dios lleva a cabo el primer etnocidio de América Latina en nuestro tiempo. Mientras tanto 20 millones de niños latinoamericanos morían antes de cumplir dos años, que son más de cuantos han nacido en Europa occidental desde 1970. Los desaparecidos por motivos de la represión son casi los 120 mil, que es como si hoy no se supiera dónde están todos los habitantes de la ciudad de Upsala. Numerosas mujeres arrestadas encintas dieron a luz en cárceles argentinas, pero aún se ignora el paradero y la identidad de sus hijos, que fueron dados en adopción clandestina o internados en orfanatos por las autoridades militares. Por no querer que las cosas siguieran así han muerto cerca de 200 mil mujeres y hombres en todo el continente, y más de 100 mil perecieron en tres pequeños y voluntariosos países de la América Central, Nicaragua, El Salvador y Guatemala. Si esto fuera en los Estados Unidos, la cifra proporcional sería de un millón 600 mil muertes violentas en cuatro años.

De Chile, país de tradiciones hospitalarias, ha huido un millón de personas: el 10 por ciento de su población. El Uruguay, una nación minúscula de dos y medio millones de habitantes que se consideraba como el país más civilizado del continente, ha perdido en el destierro a uno de cada cinco ciudadanos. La guerra civil en El Salvador ha causado desde 1979 casi un refugiado cada 20 minutos. El país que se pudiera hacer con todos los exiliados y emigrados forzosos de América Latina, tendría una población más numerosa que Noruega.

Me atrevo a pensar que es esta realidad descomunal, y no sólo su expresión literaria, la que este año ha merecido la atención de la Academia Sueca de las Letras. Una realidad que no es la del papel, sino que vive con nosotros y determina cada instante de nuestras incontables muertes cotidianas, y que sustenta un manantial de creación insaciable, pleno de desdicha y de belleza, del cual éste colombiano errante y nostálgico no es más que una cifra más señalada por la suerte. Poetas y mendigos, músicos y profetas, guerreros y malandrines, todas las criaturas de aquella realidad desaforada hemos tenido que pedirle muy poco a la imaginación, porque el desafío mayor para nosotros ha sido la insuficiencia de los recursos convencionales para hacer creíble nuestra vida. Este es, amigos, el nudo de nuestra soledad.

Pues si estas dificultades nos entorpecen a nosotros, que somos de su esencia, no es difícil entender que los talentos racionales de este lado del mundo, extasiados en la contemplación de sus propias culturas, se hayan quedado sin un método válido para interpretarnos. Es comprensible que insistan en medirnos con la misma vara con que se miden a sí mismos, sin recordar que los estragos de la vida no son iguales para todos, y que la búsqueda de la identidad propia es tan ardua y sangrienta para nosotros como lo fue para ellos. La interpretación de nuestra realidad con esquemas ajenos sólo contribuye a hacernos cada vez más desconocidos, cada vez menos libres, cada vez más solitarios. Tal vez la Europa venerable sería más comprensiva si tratara de vernos en su propio pasado.



Si recordara que Londres necesitó 300 años para construir su primera muralla y otros 300 para tener un obispo, que Roma se debatió en las tinieblas de incertidumbre durante 20 siglos antes de que un rey etrusco la implantara en la historia, y que aún en el siglo XVI los pacíficos suizos de hoy, que nos deleitan con sus quesos mansos y sus relojes impávidos, ensangrentaron a Europa con soldados de fortuna. Aún en el apogeo del Renacimiento, 12 mil lansquenetes a sueldo de los ejércitos imperiales saquearon y devastaron a Roma, y pasaron a cuchillo a ocho mil de sus habitantes.

No pretendo encarnar las ilusiones de Tonio Kröger, cuyos sueños de unión entre un norte casto y un sur apasionado exaltaba Thomas Mann hace 53 años en este lugar. Pero creo que los europeos de espíritu clarificador, los que luchan también aquí por una patria grande más humana y más justa, podrían ayudarnos mejor si revisaran a fondo su manera de vernos. La solidaridad con nuestros sueños no nos haría sentir menos solos, mientras no se concrete con actos de respaldo legítimo a los pueblos que asuman la ilusión de tener una vida propia en el reparto del mundo.

América Latina no quiere ni tiene por qué ser un alfil sin albedrío, ni tiene nada de quimérico que sus designios de independencia y originalidad se conviertan en una aspiración occidental.

No obstante, los progresos de la navegación que han reducido tantas distancias entre nuestras Américas y Europa, parecen haber aumentado en cambio nuestra distancia cultural. ¿Por qué la originalidad que se nos admite sin reservas en la literatura se nos niega con toda clase de suspicacias en nuestras tentativas tan difíciles de cambio social? ¿Por qué pensar que la justicia social que los europeos de avanzada tratan de imponer en sus países no puede ser también un objetivo latinoamericano con métodos distintos en condiciones diferentes? No: la violencia y el dolor desmesurados de nuestra historia son el resultado de injusticias seculares y amarguras sin cuento, y no una confabulación urdida a 3 mil leguas de nuestra casa. Pero muchos dirigentes y pensadores europeos lo han creído, con el infantilismo de los abuelos que olvidaron las locuras fructíferas de su juventud, como si no fuera posible otro destino que vivir a merced de los dos grandes dueños del mundo. Este es, amigos, el tamaño de nuestra soledad.

Sin embargo, frente a la opresión, el saqueo y el abandono, nuestra respuesta es la vida. Ni los diluvios ni las pestes, ni las hambrunas ni los cataclismos, ni siquiera las guerras eternas a través de los siglos y los siglos han conseguido reducir la ventaja tenaz de la vida sobre la muerte. Una ventaja que aumenta y se acelera: cada año hay 74 millones más de nacimientos que de defunciones, una cantidad de vivos nuevos como para aumentar siete veces cada año la población de Nueva York. La mayoría de ellos nacen en los países con menos recursos, y entre éstos, por supuesto, los de América Latina. En cambio, los países más prósperos han logrado acumular suficiente poder de destrucción como para aniquilar cien veces no sólo a todos los seres humanos que han existido hasta hoy, sino la totalidad de los seres vivos que han pasado por este planeta de infortunios.

Un día como el de hoy, mi maestro William Faulkner dijo en este lugar: «Me niego a admitir el fin del hombre». No me sentiría digno de ocupar este sitio que fue suyo si no tuviera la conciencia plena de que por primera vez desde los orígenes de la humanidad, el desastre colosal que él se negaba a admitir hace 32 años es ahora nada más que una simple posibilidad científica. Ante esta realidad sobrecogedora que a través de todo el tiempo humano debió de parecer una utopía, los inventores de fábulas que todo lo creemos, nos sentimos con el derecho de creer que todavía no es demasiado tarde para emprender la creación de la utopía contraria. Una nueva y arrasadora utopía de la vida, donde nadie pueda decidir por otros hasta la forma de morir, donde de veras sea cierto el amor y sea posible la felicidad, y donde las estirpes condenadas a cien años de soledad tengan por fin y para siempre una segunda oportunidad sobre la tierra.

Agradezco a la Academia de Letras de Suecia el que me haya distinguido con un premio que me coloca junto a muchos de quienes orientaron y enriquecieron mis años de lector y de cotidiano celebrante de ese delirio sin apelación que es el oficio de escribir. Sus nombres y sus obras se me presentan hoy como sombras tutelares, pero también como el compromiso, a menudo agobiante, que se adquiere con este honor. Un duro honor que en ellos me pareció de simple justicia, pero que en mí entiendo como una más de esas lecciones con las que suele sorprendernos el destino, y que hacen más evidente nuestra condición de juguetes de un azar indescifrable, cuya única y desoladora recompensa, suelen ser, la mayoría de las veces, la incomprensión y el olvido.

Es por ello apenas natural que me interrogara, allá en ese trasfondo secreto en donde solemos trasegar con las verdades más esenciales que conforman nuestra identidad, cuál ha sido el sustento constante de mi obra, qué pudo haber llamado la atención de una manera tan comprometedora a este tribunal de árbitros tan severos. Confieso sin falsas modestias que no me ha sido fácil encontrar la razón, pero quiero creer que ha sido la misma que yo hubiera deseado. Quiero creer, amigos, que este es, una vez más, un homenaje que se rinde a la poesía. A la poesía por cuya virtud el inventario abrumador de las naves que numeró en su Iliada el viejo Homero está visitado por un viento que las empuja a navegar con su presteza intemporal y alucinada. La poesía que sostiene, en el delgado andamiaje de los tercetos del Dante, toda la fábrica densa y colosal de la Edad Media. La poesía que con tan milagrosa totalidad rescata a nuestra América en las Alturas de Machu Pichu de Pablo Neruda el grande, el más grande, y donde destilan su tristeza milenaria nuestros mejores sueños sin salida. La poesía, en fin, esa energía secreta de la vida cotidiana, que cuece los garbanzos en la cocina, y contagia el amor y repite las imágenes en los espejos.

En cada línea que escribo trato siempre, con mayor o menor fortuna, de invocar los espíritus esquivos de la poesía, y trato de dejar en cada palabra el testimonio de mi devoción por sus virtudes de adivinación, y por su permanente victoria contra los sordos poderes de la muerte. El premio que acabo de recibir lo entiendo, con toda humildad, como la consoladora revelación de que mi intento no ha sido en vano. Es por eso que invito a todos ustedes a brindar por lo que un gran poeta de nuestras Américas, Luis Cardoza y Aragón, ha definido como la única prueba concreta de la existencia del hombre: la poesía.

Muchas gracias.
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