domingo, 30 de setembro de 2012
Venezuela: os dilemas de Outubro!
"Há que se apoiar Chávez e o processo bolivariano, aprofundando as transformações em direção ao socialismo.
Mas a urgência das eleições de outubro e a necessidade imperiosa da vitória eleitoral não devem nos confundir. A luta na Venezuela não é só eleitoral. O imperialismo estadunidense (sob o disfarce sorridente e “multicultural” do presidente Obama, belicoso como os mandatários ianques anteriores), a grande burguesia venezuelana e os seus sócios políticos estão desenvolvendo um plano extraeleitoral destinado a sabotar o processo e/ou a desconhecer os resultados. Planejam desestabilizar até conseguir os mesmos objetivos intervencionistas praticados na Líbia ou na Síria. Por isso mesmo, a solidariedade com a revolução bolivariana deve se expressar em todos os cenários de luta até garantir a derrota definitiva desses esforços sediciosos e o aprofundamento e a ampliação definitiva da marcha para o socialismo."
Néstor Kohan
A esquerda não pode perder o rumo, nem se paralisar diante das incompreensíveis pequenas coisas, nem se confundir com as limitações do processo bolivariano. A alternativa é clara e não é legítimo virar as costas a ela. Há que se apoiar Chávez e o processo bolivariano, aprofundando as transformações em direção ao socialismo.
Mas a urgência das eleições de outubro e a necessidade imperiosa da vitória eleitoral não devem nos confundir. A luta na Venezuela não é só eleitoral. O imperialismo estadunidense (sob o disfarce sorridente e “multicultural” do presidente Obama, belicoso como os mandatários ianques anteriores), a grande burguesia venezuelana e os seus sócios políticos estão desenvolvendo um plano extraeleitoral destinado a sabotar o processo e/ou a desconhecer os resultados. Planejam desestabilizar até conseguir os mesmos objetivos intervencionistas praticados na Líbia ou na Síria. Por isso mesmo, a solidariedade com a revolução bolivariana deve se expressar em todos os cenários de luta até garantir a derrota definitiva desses esforços sediciosos e o aprofundamento e a ampliação definitiva da marcha para o socialismo.
Os dilemas de outubro inscrevem-se num nó geopolítico condensado. O imperialismo e as suas subservientes burguesias querem varrer completamente do mapa a insolência de um militar latino-americano, mestiço e bolivariano, anti-imperialista e admirador do Che Guevara, que não lhes obedece e os desafia há duas décadas. Precisam imperiosamente recuperar a renda petroleira e "pôr ordem" no norte da América do Sul, deslocando Chávez, neutralizando e desarmando definitivamente as FARC-EP e espalhando pelo continente novas bases militares que garantam o seu monopólio sobre os recursos naturais.
Frente a essa ofensiva imperial, a geopolítica bolivariana não deveria se contentar com a UNASUL e com a unidade institucional dos Estados. Em longo prazo, o que definirá a queda-de-braço será a unidade dos povos (incluindo suas expressões sociais e insurgentes), e não apenas os pactos entre os Estados. Os apertos de mão com Santos, presidente corrupto e assassino, não frearão o paramilitarismo e a lumpesinagem da burguesia colombiana, nem garantirão uma estabilidade duradoura na região, enquanto as forças armadas colombianas sigam mantendo meio milhão de soldados – dirigidos diretamente por generais ianques e assessores israelenses – que ameaçam invadir a Venezuela na eventualidade de se aprofundar a marcha ao socialismo. A continuidade do bolivarianismo das FARC-EP como ponta de lança do movimento popular colombiano é a melhor garantia para que a Venezuela não seja invadida pelos Estados Unidos através do exército colombiano, que está nas proximidades.
A unidade continental dos povos é a chave do triunfo bolivariano em escala internacional (nenhuma revolução pode triunfar isolada, num só país). No âmbito nacional, por outro lado, a luta de classes se expressa em todos os terrenos, não só no eleitoral (este, sem dúvida, o mais visível).
A vitória segura de Chávez em outubro não deve nos fazer esquecer de que no interior do processo bolivariano também há conflito. Um segmento que apoia o líder histórico da revolução bolivariana, ainda que mantendo a retórica oficial, faz todo o possível (e mais) para evitar ou retardar a opção socialista. Dia a dia “inventa” pseudoalternativas, sempre qualificadas como “populares”, “autogestionárias” e “bolivarianas”, para não aprofundar o caminho ao socialismo. Como se fosse possível marchar ao socialismo sendo amigo de todo mundo e socializando apenas as margens da sociedade (aquelas que não incomodam o mercado, nem interessam às grandes empresas porque não são lucrativas). Como se fosse possível construir a transição para o socialismo sem confrontar os milionários da burguesia e do empresariado.
Um dos grandes desafios do presidente Chávez e de todo o processo bolivariano, posterior à vitória eleitoral em outubro, consiste em se apoiar na organização política das classes populares, exploradas e subalternas (a sua principal e mais leal força de luta) e ir encontrando formas concretas de gestão da propriedade estatal ou nacionalizada, que debilitem socialmente o inimigo sórdido, e ir assentando as primeiras bases econômicas da transição socialista.
Deve-se golpear e debilitar os sórdidos não apenas na retórica, na comunicação, nas urnas e na sensibilidade cultural (algo fundamental e imprescindível), mas também nas colunas vertebrais do mercado capitalista da economia venezuelana. Para vencer o tigre, há que se animar a pôr sal no seu rabo. Ou se enfrenta a burguesia, debilitando-a socialmente, ou a burguesia terminará por devorar o processo bolivariano, como ocorreu à revolução sandinista em 1990. Não se pode “civilizar a burguesia” (expressão infeliz de Tomás Borge em 1986). Há que enfrentá-la e derrotá-la!
Chávez pode fazer isso. Sobra-lhe energia, projeto, valentia e decisão política. Inclusive, colocou sua própria vida em risco (recordemos o golpe de Estado e a atitude digna que então assumiu, tão diferente da pusilanimidade e da covardia da maior parte da elite política da América Latina). A sua decisão pessoal não é o único ponto importante aqui. A revolução bolivariana apoia-se em muitas conquistas que vão além da liderança carismática de um indivíduo:
- Internacionalizou a disputa política e cultural a ponto de envolver todo o continente em cada uma das lutas sociais internas da Venezuela.
- Politizou completamente a sociedade: até o mais indiferente ou alienado hoje deve se pronunciar (a favor ou contra). Ficou para trás a era do “pragmatismo efetivo” e a despolitização pós-moderna das massas populares que percorreu não só a Venezuela, mas toda a Nossa América nos anos de 1990.
- Recuperou um olhar histórico (bolivariano) da nossa identidade popular, colocando em crise o individualismo cínico do pós-modernismo, que nos convidava falsamente a desconfiar “dos grandes projetos” e a viver o dia a dia, pensando unicamente em consumir, sem ideais, sem história e sem projetos coletivos.
- Relegitimou os símbolos, a cultura e a tradição política do socialismo, que eram questões demoníacas nos anos de 1990.
- Redistribuiu a renda do petróleo entre os setores populares e em projetos políticos regionais, quando antes era um butim de guerra da burguesia venezuelana destinado ao seu consumo frívolo e suntuoso.
- Restabeleceu uma opção anti-imperialista no nível regional e continental – diríamos inclusive mundial – estabelecendo vínculos com muitos povos e governos do mundo (os “maus”, na linguagem hollywoodiana das administrações estadunidenses), desde a América Latina até a África e a Ásia.
Por isso, é vital apoiar determinadamente a continuidade do projeto encarnado por Chávez, ao mesmo tempo que se torna impostergável o aprofundamento da revolução bolivariana, apontando para a expropriação das grandes fortunas, das grandes casas comerciais, dos grandes bancos e das grandes empresas (nacionais e estrangeiras). Se a revolução bolivariana não marchar para o socialismo de uma vez por todas – socializando concretamente as grandes empresas, nacionalizando as bases fundamentais da economia e estabelecendo, contra a regulação mercantil, um planejamento socialista de larga escala, para além inclusive do âmbito nacional, para o regional através da ALBA –, necessariamente retrocederá e será derrotada pelos seus inimigos históricos, internos e externos.
Não será estendendo a mão ao presidente Santos, vizinho perverso, hipócrita e sinistro, nem dando novamente a face às sórdidas ameaças golpistas da direita venezuelana, que ameaça virar a mesa se não ganharem as eleições, que se aprofundará a revolução. Não é hora de dar ouvidos ao pacifismo e às trapaças social-democratas que, em nome do “realismo”, sempre aconselham a pisar no freio – como fizeram no Chile em 1973, na Nicarágua em 1990 e assim por diante – para terminar, invariavelmente, na derrota. Não.
O comandante Chávez e a revolução bolivariana devem aproveitar essa crise mundial do capitalismo e a atual debilidade dos EUA e da Europa ocidental para pisar no acelerador. Não só o povo venezuelano, mas todos os povos do mundo estamos atentos. O que se joga nessa disputa terá, sem dúvida alguma, repercussões muito além da terra natal de Simón Bolívar.
26 de setembro de 2012
O "mensalão" e o veredicto da história
Por Mauro Santayana
Cabe aos tribunais julgar os atos humanos admitidos previamente como criminosos. Cabe aos cidadãos, nos regimes republicanos e democráticos, julgar os homens públicos, mediante o voto. Não é fácil separar os dois juízos, quando sabemos que os julgadores são seres humanos e também cidadãos, e, assim, podem ser contaminados pelas paixões ideológicas ou partidárias – isso, sem falar na inevitável posição de classe. Dessa forma, por mais empenhados sejam em buscar a verdade, os juízes estão sujeitos ao erro. O magistrado perfeito, se existisse, teria que encabrestar a própria consciência, impondo-lhe sujeitar-se à ditadura das provas.
Mesmo assim, como a literatura jurídica registra, as provas circunstanciais costumam ser tão frágeis quanto as testemunhais, e erros judiciários terríveis se cometem, muitos deles levando inocentes à fogueira, à forca, à cadeira elétrica.
Estamos assistindo a uma confusão perigosa no caso da Ação 470, que deveria ser vista como qualquer outra. Há o deliberado interesse de transformar o julgamento de alguns réus, cada um deles responsável pelo seu próprio delito – se delito houve – no julgamento de um partido, de um governo e de um homem público. Não é a primeira vez que isso ocorre em nosso país. O caso mais clamoroso foi o de Vargas em 1954 – e a analogia procede, apesar da reação de muitos, que não viveram aqueles dias dramáticos, como este colunista viveu. Ainda que as versões sobre o atentado contra Lacerda capenguem no charco da dúvida, a orquestração dos meios de comunicação conservadores, alimentada por recursos forâneos – como documentos posteriores demonstraram – se concentrou em culpar o presidente Vargas.
Quando recordamos os fatos – que se repetiram em 1964, contra Jango – e vamos um pouco além das aparências, comprova-se que não era a cabeça de Vargas que os conspiradores estrangeiros e seus sequazes nacionais queriam. Eles queriam, como antes e depois, cortar as pernas do Brasil. Em 1954, era-lhes crucial impedir a concretização do projeto nacional do político missioneiro – que um de seus contemporâneos, conforme registra o mais recente biógrafo de Vargas, Lira Neto, considerava o mais mineiro dos gaúchos. Vargas, que sempre pensou com argúcia, e teve a razão nacional como o próprio sentido de viver, só encontrou uma forma de vencer os adversários, a de denunciar, com o suicídio, o complô contra o Brasil.
Os golpistas, que se instalaram no Catete com a figura minúscula de Café Filho, continuaram insistindo, mas foram outra vez derrotados em 11 de novembro de 1955. Hábil articulação entre Jango, Oswaldo Aranha e Tancredo, ainda nas ruas de São Borja, depois do sepultamento de Vargas, levara ao lançamento imediato da candidatura de Juscelino, preenchendo assim o vácuo de expectativa de poder que os conspiradores pró-ianques pretendiam ocupar. Juscelino não era Vargas, e mesmo que tivesse a mesma alma, não era assistido pelas mesmas circunstâncias e teve, como todos sabemos, que negociar. E deu outro passo efetivo na construção nacional do Brasil.
Os anos sessenta foram desastrosos para toda a América Latina. Em nosso caso, além do cerco norte-americano ao continente, agravado pelo espantalho da Revolução Cubana (que não seria ameaça alguma, se os ianques não houvessem sido tão açodados), tivemos um presidente paranóico, com ímpetos bonapartistas, mas sem a espada nem a inteligência de Napoleão, Jânio Quadros. Hoje está claro que seu gesto de 25 de agosto de 1961, por mais pensado tenha sido, não passou de delírio psicótico. A paranóia (razão lateral, segundo a etimologia), de acordo com os grandes psiquiatras, é a lucidez apodrecida.
Admitamos que Jango não teve o pulso que a ocasião reclamava. Ele poderia ter governado com o estado de sítio, como fizera Bernardes. Jango, no entanto, não contava – como contava o presidente de então – com a aquiescência de maioria parlamentar, nem com a feroz vigilância de seu conterrâneo, o Procurador Criminal da República, que se tornaria, depois, o exemplo do grande advogado e defensor dos direitos do fraco, o jurista Heráclito Sobral Pinto. Jango era um homem bom, acossado à direita pelos golpistas de sempre, e à esquerda pelo radicalismo infantil de alguns, estimulado pelos agentes provocadores. Tal como Vargas, ele temia que uma guerra civil levasse à intervenção militar estrangeira e ao esquartejamento do país.
Vozes sensatas do Brasil, começam a levantar-se contra a nova orquestração da direita, e na advertência necessária aos ministros do STF. Com todo o respeito à independência e ao saber dos membros do mais alto tribunal da República, é preciso que o braço da justiça não vá alem do perímetro de suas atribuições.
É um risco terrível admitir a velha doutrina (que pode ser encontrada já em Dante em seu ensaio sobre a monarquia) do domínio do fato. É claro que, ao admitir-se que José Dirceu tinha o domínio do fato, como chefe da Casa Civil, o próximo passo é encontrar quem, sobre ele, exercia domínio maior. Mas, nesse caso, e com o apelo surrado ao data venia, teremos que chamar o povo ao banco dos réus: ao eleger Lula por duas vezes, os brasileiros assumiram o domínio do fato.
Os meios de comunicação sofrem dois desvios à sua missão histórica de informar e formar opinião. Uma delas é a de seus acionistas, sobretudo depois que os jornais se tornaram empresas modernas e competitivas, e outra a dos próprios jornalistas. A profissão tem o seu charme, e muitos de nossos colegas se deixam seduzir pelo convívio com os poderosos e, naturalmente, pelos seus interesses.
O poder executivo, o parlamento e o poder judiciário estão sujeitos aos erros, à vaidade de seus titulares, aos preconceitos de classe e, em alguns casos, raros, mas inevitáveis, ao insistente, embora dissimulado, racismo residual da sociedade brasileira.
Lula, ao impor-se à vida política nacional, despertou a reação de classe dos abastados e o preconceito intelectual de alguns acadêmicos sôfregos em busca do poder. Ele cometeu erros, mas muito menos graves e danosos ao país do que os de seu antecessor. Os saldos de seu governo estão à vista de todos, com a diminuição da desigualdade secular, a presença brasileira no mundo e o retorno do sentimento de auto-estima do brasileiro, registrado nos governos de Vargas e de Juscelino.
É isso que ficará na História. O resto não passará de uma nota de pé de página, se merecer tanto.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/09/o-mensalao-e-o-veredicto-da-historia.html?spref=tw
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