sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Beth Carvalho: "A CIA quer acabar com o samba"




Cantora lança CD e, em entrevista ao iG, acusa a Agência Central de Inteligência dos EUA. Comente e veja galeria de fotos

Valmir Moratelli, iG Rio de Janeiro | 25/11/2011 07:00


Ao abrir o elevador, ainda no hall de entrada do apartamento, um quadro com a foto de Che Guevara. Não há dúvidas. Ali é o andar de Beth Carvalho. Ela surge na sala, amparada por duas muletas, que logo deixa de lado para posar para as fotos. “Nunca vi coisa para cair mais do que muletas. Estas meninas caem toda hora”, diz, bem-humorada.



Ainda se recuperando de uma fissura no sacro (osso do final da coluna), aos 65 anos, Beth anda com dificuldades. Ficou dois anos sem pôr os pés no chão. “Estou ótima, salva! Os médicos comentaram com minha filha que eu poderia não andar mais. Mas não me abati. Foi um processo menos doloroso por perceber a prova de amor dos amigos e da família”, relata.

Após quinze anos, a sambista lança o CD de inéditas “Nosso samba tá na rua”, dedicado a dona Ivone Lara, com canções sobre a negritude, o amor e o feminismo. Uma das letras, “Arrasta a sandália”, é de autoria de sua filha, Luana Carvalho. Cercada de quadros de Cartola e Nelson Cavaquinho, entre almofadas verdes e rosas (cores de sua escola de samba Mangueira), perante uma estante com dezenas de troféus e outra com bonecos de Che, Fidel Castro e orixás, Beth concede a entrevista a seguir ao iG.



No fundo da janela, o mar de São Conrado, bairro vizinho à favela da Rocinha. “A CIA quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura”, diz a cantora, presidente de honra do PDT. Entre os fartos risos, também não faltaram palavras ríspidas para defender seu ponto de vista.



G: Qual foi a sensação ao voltar a andar?
BETH CARVALHO: A pior da minha vida. Quando pus os pés pela primeira vez no chão, achei que nunca ia andar de novo. Parecia que não tinha mais pernas, sem força muscular. Depois, com a fisioterapia, a recuperação foi rápida. Precisei colocar dois parafusos de 15 cm cada um, só isso me fez voltar a andar. Agora sou interplanetária e biônica (risos).

iG: Em seu novo CD, a letra “Chega” é visivelmente feminista. Por que é raro o samba dar voz a mulheres?
BETH CARVALHO: O mundo, não só o samba, é machista. Melhorou bastante devido à luta das mulheres, mas a cada cinco minutos uma mulher apanha no Brasil. É um absurdo. Parece que está tudo bem, mas não é bem assim. Sempre fui ligada a movimentos libertários.

iG: De que forma o samba é machista?
BETH CARVALHO: A maioria dos sambistas é homem. Depois de mim, Clara Nunes e Alcione, as coisas melhoraram. O samba é machista, mas o papel da mulher é forte. O samba é matriarcal, na medida que dona Vicentina, dona Neuma, dona Zica comandam os bastidores da história. Eu, por exemplo, sou madrinha de muitos homens (risos).

G: A senhora é vizinha da favela da Rocinha. Como vê o processo de pacificação?
BETH CARVALHO: Faltou, por muitos anos, a força do estado nestas comunidades. Agora estão fazendo isso de maneira brutal e, de certa forma, necessária. Mas se não tiver o lado social junto, dando a posse de terreno para quem mora lá há tanto tempo, as pessoas vão continuar inseguras. E os morros virarão uma especulação imobiliária.

iG: Alguns culpam o governo Leonel Brizola (1983-1987/1991-1994) pelo fortalecimento do tráfico nos morros. A senhora, que era amiga do ex-governador, concorda?
BETH CARVALHO: Isso é muito injusto. É absurdo (diz em tom áspero). Se tivessem respeitado os Cieps, a atual geração não seria de viciados em crack, mas de pessoas bem informadas. Brizola discutia por que não metem o pé na porta nos condomínios da Avenida Viera Souto (em Ipanema) como metem nos barracos. Ele não podia fazer milagre.




iG: Defende a permanência de Carlos Lupi no Ministério do Trabalho?
BETH CARVALHO: Olha, sou presidente de honra do PDT porque é um título carinhoso que Brizola me deu, mas não sou filiada ao PDT. Não tenho uma opinião formada sobre isso, porque não sei detalhes. Existe uma grande rigidez a partidos de esquerda. Fizeram isso com o PC do B do Orlando Silva, e agora fazem com o PDT. O que conheço do Lupi é uma pessoa muito correta. Eles deveriam ser menos perseguidos pela mídia.

iG: Aqui na sua casa há várias imagens de Che Guevara e de Fidel Castro. Acredita no modelo socialista?
BETH CARVALHO: Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade. Não tem outro (fala de forma enfática). Cuba diz ‘me deixem em paz’. Os Estados Unidos, com o bloqueio econômico, fazem sacanagem com um país pobre que só tem cana de açúcar e tabaco.

iG: Mas e a falta de liberdade de expressão em Cuba?
BETH CARVALHO: Eu não me sinto com liberdade de expressão no Brasil.

iG: Por quê?
BETH CARVALHO: Porque existe uma ditadura civil no Brasil. Você não pode falar mal de muita coisa.

iG: Como quais?
BETH CARVALHO: Não falo. Tem uma mídia aí que acaba com você. Existe uma censura. Não tem quase nenhum programa de TV ao vivo que nos permita ir lá falar o que pensamos. São todos gravados. Você não sabe que vai sair o que você falou, tudo tem edição. A censura está no ar.

iG: Mas em países como Cuba a censura é institucionalizada, não?
BETH CARVALHO: Não existe isso que você está falando, para começo de conversa. Cuba não precisa ter mais que um partido. É um partido contra todo o imperialismo dos Estados Unidos. Aqui a gente está acostumada a ter vários partidos e acha que isso é democracia.

iG: Este não seria um pensamento ultrapassado?
BETH CARVALHO: Meu Deus do céu! Estados Unidos têm ódio mortal da derrota para oito homens, incluindo Fidel e Che, que expulsaram os americanos usando apenas o idealismo cubano. Os americanos dormem e acordam pensando o dia inteiro em como acabar com Cuba. É muito difícil ter outro Fidel, outro Brizola, outro Lula. A cada cem anos você tem um Pixinguinha, um Cartola, um Vinicius de Moraes... A mesma coisa na liderança política. Não é questão de ditadura, é dificuldade de encontrar outro melhor para ocupar o cargo. É difícil encontrar outro Hugo Chávez.

iG: Chávez é acusado por muitos de ter acabado com a democracia na Venezuela.
BETH CARVALHO: Acabou com o quê? Com o quê? (indaga com voz alta)

iG: Com a democracia...
BETH CARVALHO: Chávez é um grande líder, é uma maravilha aquele homem. Ele acabou com a exploração dos Estados Unidos. Onde tem petróleo estão os Estados Unidos. Chávez acabou com o analfabetismo na Venezuela, que é o foco dos Estados Unidos porque surgiu um líder eleito pelo povo. Houve uma tentativa de golpe dos americanos apoiada por uma rede de TV.

iG: A emissora que fazia oposição ao governo e que foi tirada do ar por Chávez...
BETH CARVALHO: Não tirou do ar (fala em tom áspero). Não deu mais a concessão. É diferente. Aqui no Brasil o governo pode fazer a mesma coisa, televisão aberta é concessão pública. Por que vou dar concessão a quem deu um golpe sujo em mim? Tem todo direito de não dar.

Leia também: Beth Carvalho segue renovando e preservando o samba em novo disco

iG: A senhora defende que o governo brasileiro deveria cassar TV que faz oposição?
BETH CARVALHO: Acho que se estiver devendo, deve cassar sim. Tem que ser o bonzinho eternamente? Isso não é liberdade de expressão, é falta de respeito com o presidente da República. Quem cassava direitos era a ditadura militar, é de direito não dar concessão. Isso eu apoio.

iG: Por ser oriundo dos morros, o samba foi conivente com o poder paralelo dos traficantes?
BETH CARVALHO: Não, o samba teve prejuízo enorme. Hoje dificilmente se consegue senhoras para a ala das baianas nas escolas de samba. Elas estão nas igrejas evangélicas, proibidas de sambar. Não se vê mais garoto com tamborim na mão, vê com fuzil. O samba perdeu espaço para o funk.

iG: Quem é o culpado?
BETH CARVALHO: Isso tem tudo a ver com a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), que quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura. Estas armas dos morros vêm de onde? Vem tudo de fora. Os Estados Unidos colocam armas aqui dentro para acabar com a cultura dos morros, nos fazendo achar que é paranoia da esquerda. Mas não é, não.

iG: O samba vai resistir a esta “guerra” que a senhora diz existir?
BETH CARVALHO: Samba é resistência. Meu disco é uma resistência, não deixa de ser uma passeata: “Nosso samba tá na rua”.

http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/beth-carvalho-a-cia-quer-acabar-com-o-samba/n1597382636665.html

terça-feira, 15 de novembro de 2011

(Movimentos sociais – Financiamentos) – A fabricação da dissidência

Reflexão sobre financiamentos por parte de fundações de entidades e ongs com atuação nos movimentos sociais
Michel Chossudovsky*

“Tudo aquilo que a Fundação [Ford] fez pode ser considerado no âmbito de

“tornar o mundo seguro para o capitalismo, diminuindo as tensões sociais ao ajudar a socorrer os angustiados, a proporcionar válvulas de segurança aos raivosos e a melhorar o funcionamento do governo”

(McGeorge Bundy, conselheiro de Segurança Nacional dos Presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson (1961-1966) e Presidente da Fundação Ford (1966-1979).

“Ao pôr os fundos e o enquadramento político à disposição de muita gente preocupada e dedicada que trabalha no setor não lucrativo, a classe dirigente pode ir buscar líderes às comunidades de base, e pode tornar o financiamento, a contabilidade e os componentes de avaliação do trabalho tão demorado e oneroso que o trabalho de justiça social é praticamente impossível nessas condições”

(Paul Kivel, You Call this Democracy, Who Benefits, Who Pays and Who Really Decides, 2004, p. 122 )

“Na Nova Ordem Mundial, o ritual de convidar líderes da “sociedade civil” para os círculos interiores do poder – enquanto simultaneamente reprime os cidadãos comuns – satisfaz diversas funções importantes. Primeiro, diz ao Mundo que os críticos da globalização “têm que fazer concessões” para ganharem o direito de se misturar. Segundo, transmite a ilusão de que, embora as elites globais devam – no que eufemísticamente se chama democracia – estar sujeitas à crítica, governam legitimamente. E terceiro, diz “não há alternativa” à globalização: não é possível uma mudança radical e o mais que podemos esperar é negociar com esses governantes um ineficaz “dar e receber”.

Mesmo que os “Globalizadores” possam adotar algumas frases progressistas para demonstrar que têm boas intenções, os seus objetivos fundamentais não são contestados. E o que esta “miscelânea da sociedade civil” faz é reforçar o coio da instituição empresarial, ao mesmo tempo em que enfraquece e divide o movimento de protesto. A compreensão deste processo de cooptação é importante, porque dezenas de milhares dos jovens mais íntegros em Seattle, Praga e Quebec [1999-2001] estão envolvidos nos protestos anti-globalização porque rejeitam a noção de que o dinheiro é tudo, porque rejeitam o empobrecimento de milhões e a destruição da Terra frágil para que alguns fiquem mais ricos.

Esta arraia-miúda e também alguns dos seus líderes merecem ser aplaudidos. Mas é preciso ir mais longe. É preciso contestar o direito dos “Globalizadores” a governar. Para isso é necessário repensar a estratégia do protesto. Poderemos mudar para um nível superior, desencadeando movimentos de massas nos nossos respectivos países, movimentos que transmitam a mensagem do que a globalização está fazendo às populações? Porque são eles a força que tem que ser mobilizada para contestar aqueles que pilham o Globo”. (Michel Chossudovsky, The Quebec Wall, abril 2001)

A expressão “fabricação do consenso” foi inicialmente cunhada por Edward S Herman and Noam Chomsky.

A “fabricação do consenso” descreve um modelo de propaganda usado pelos meios de comunicação corporativos para manipular a opinião pública e “inculcar valores e crenças nos indivíduos…”

Os meios de comunicação de massas servem como um sistema de comunicação de mensagens e símbolos à arraia-miúda. É sua função divertir, entreter e informar, e inculcar nos indivíduos valores, crenças e códigos de comportamento que os integrarão nas estruturas institucionais da sociedade mais ampla. Para cumprir este papel num mundo de riqueza concentrada e de importantes conflitos de interesses de classe, é necessário uma propaganda sistemática. (Manufaturing Consent por Edward S. Herman e Noam Chomsky)

A “fabricação do consenso” implica a manipulação e a modelação da opinião pública. Institui a conformidade e a aceitação à autoridade e à hierarquia social. Procura a obediência a uma ordem social instituída. A “fabricação do consenso” descreve a submissão da opinião pública à narrativa dos meios de comunicação predominantes, às suas mentiras e maquinações.

“A fabricação da dissidência”

Neste artigo, concentramo-nos num conceito relacionado, ou seja, o processo de “fabricação da dissidência” (em vez do “consenso”) que desempenha um papel decisivo ao serviço dos interesses da classe dirigente.

No capitalismo contemporâneo, tem que se manter a ilusão da democracia. É do interesse das elites corporativas aceitar a dissidência e o protesto como uma característica do sistema tanto mais que não ameaçam a ordem social instituída. O objetivo não é reprimir os dissidentes mas, pelo contrário, modelar e moldar o movimento de protesto, estabelecer os limites exteriores da dissidência.

Para manter a sua legitimidade, as elites econômicas favorecem formas de oposição limitadas e controladas, com vista a impedir o desenvolvimento de formas radicais de protesto, que podiam abalar as fundações e as instituições do capitalismo global. Por outras palavras, a “fabricação da dissidência” funciona como uma “válvula de segurança” que protege e sustenta a Nova Ordem Mundial.

Mas, para ser eficaz, o processo da “fabricação da dissidência” tem que ser cuidadosamente regulado e monitorizado por aqueles que são o alvo do movimento de protesto.

“Financiar a dissidência”

Como é que se consegue fabricar a dissidência?

Essencialmente, “financiando a dissidência”, nomeadamente canalizando recursos financeiros daqueles que são o objeto do movimento de protesto para aqueles que estão envolvidos na organização do movimento de protesto.

A cooptação não se limita a comprar os favores de políticos. As elites econômicas – que controlam importantes fundações – também fiscalizam o financiamento de inúmeras Organizações Não Governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil, que historicamente têm estado envolvidas no movimento de protesto contra a ordem econômica e social instituída. Os programas de muitas ONGs e movimentos populares dependem fortemente de financiamentos de organismos públicos ou privados, incluindo as fundações Ford, Rockefeller, McCarthy, entre outras.

O movimento anti-globalização opõe-se a Wall Street e aos gigantes petrolíferos do Texas controlados por Rockefeller e outros. Mas as fundações e os organismos caritativos de Rockefeller e outros financiam generosamente redes progressistas anti-capitalistas assim como os ambientalistas (que se opõem ao Grande Petróleo) com vista a vir a fiscalizar e a modelar as suas diversas atividades.

Os mecanismos da “fabricação da dissidência” exigem um ambiente manipulador, um processo de braço de ferro e uma sutil cooptação de indivíduos do interior de organizações progressistas, incluindo coligações anti-guerra, ambientalistas e o movimento anti-globalização.

Enquanto que os meios de comunicação “fabricam o consenso”, as elites corporativas utilizam a complexa rede de ONGs (incluindo segmentos dos meios de comunicação alternativos) para moldar e manipular o movimento de protesto.

Na sequência da desregulamentação do sistema financeiro global nos anos 90 e do rápido enriquecimento da instituição financeira, o financiamento através de fundações e instituições caritativas disparou. Ironicamente, parte dos ganhos financeiros fraudulentos de Wall Street nos últimos anos foram reciclados para fundações e instituições caritativas livres de impostos das elites. Estes ganhos financeiros inesperados não só foram usados para comprar políticos, como também foram canalizados para ONGs, institutos de pesquisa, centros comunitários, igrejas, ambientalistas, meios de comunicação alternativos, grupos de direitos humanos, etc. A “fabricação da dissidência” também se aplica à “esquerda corporativa” e aos “meios de comunicação progressistas” financiados por ONGs ou diretamente pelas fundações.

O objetivo encoberto é “fabricar a dissidência” e estabelecer as fronteiras duma oposição “politicamente correta”. Por sua vez, muitas ONGs são infiltradas por informantes que atuam frequentemente por conta dos organismos de informações ocidentais. Além disso, um segmento cada vez maior dos meios noticiosos progressistas alternativos na internet passou a ficar dependente do financiamento de fundações corporativas e de organizações caritativas.

Ativismo fragmentado

O objetivo das elites corporativas tem sido fragmentar o movimento popular num enorme mosaico “faça você mesmo”. A guerra e a globalização já não estão na linha da frente do ativismo da sociedade civil. O ativismo tem tendência para se fragmentar. Não há um movimento anti-guerra e anti-globalização integrado. A crise econômica não está sendo vista como tendo uma relação com a guerra liderada pelos EUA.

A dissidência foi compartimentalizada. São encorajados e generosamente financiados movimentos de protesto separados “orientados por assuntos” (por ex. ambiente, antiglobalização, paz, direitos das mulheres, alteração climática), em oposição a um movimento de massas coeso. Este mosaico já era prevalecente na manifestação contra as Cúpulas G7 e nas Cúpulas Populares dos anos 90.

O movimento anti-globalização

A Contra-Cúpula Seattle 1999 é invariavelmente considerada como um triunfo para o movimento anti-globalização: “uma coligação histórica de ativistas fez encerrar a Cúpula da Organização Mundial do Comércio em Seattle, a faísca que incendiou um movimento global anti-empresas”. (Ver Naomi Klein, Copenhagen: Seattle Grows Up, The Nation, 13 de novembro, 2009).

Seattle foi de fato um marco importante na história do movimento de massas. Mais de 50.000 pessoas de diversas origens, organizações da sociedade civil, dos direitos humanos, sindicatos de trabalhadores, ambientalistas juntaram-se com um objetivo comum. O seu objetivo era desmantelar à força a agenda neoliberal incluindo a sua base institucional.

Mas Seattle é também um marco de uma mudança importante. Com a escalada da dissidência por parte de todos os setores da sociedade, a Cúpula oficial da Organização Mundial do Comércio (OMC) precisava desesperadamente da participação simbólica dos líderes da sociedade civil “por dentro”, para dar exteriormente o aspecto de ser “democrática”.

Embora tenham convergido milhares de pessoas a Seattle, o que se passou nos bastidores foi na verdade uma vitória para o neoliberalismo. Um punhado de organizações da sociedade civil, formalmente opostas à OMC contribuiu para legitimar a arquitetura comercial global da OMC. Em vez de contestar a OMC como um órgão intergovernamental ilegal, aceitaram um diálogo pré-Cúpula com a OMC e os governos ocidentais. “Participantes acreditados das ONG foram convidados a participar num ambiente amistoso com embaixadores, ministros do comércio e magnatas de Wall Street em vários dos eventos oficiais, incluindo os numerosos cocktails e recepções”.(Michel Chossudovsky, Seattle and Beyond: Disarming the New World Order, Covert Action Quarterly, novembro 1999, Ver:Ten Years Ago: “Manufaturing Dissent” in Seattle).

A agenda oculta era enfraquecer e dividir os movimentos de protesto e orientar o movimento anti-globalização para áreas que não ameaçassem diretamente os interesses da instituição dos negócios.

Financiado por fundações privadas (incluindo a Ford, a Rockefeller, a Rockefeller Brothers, a Charles Stewart Mott, The Foundation for Deep Ecology), estas organizações “acreditadas” da sociedade civil passaram a funcionar como grupos de pressão, agindo formalmente em nome do movimento popular. Lideradas por ativistas conhecidos e empenhados, tinham as mãos atadas. Acabaram por contribuir (involuntariamente) para enfraquecer o movimento anti-globalização ao aceitarem a legitimidade do que era essencialmente uma organização ilegal, (o acordo da Cúpula de Marraqueche de 1994 que levou à criação da OMC em 1 de janeiro de 1995). (ibid).

Os líderes das Organizações Não Governamentais (ONGs) tinham plena consciência de onde é que vinha o dinheiro. No entanto, na comunidade das ONGs americanas e européias, as fundações e as organizações caritativas são consideradas como órgãos filantrópicos independentes, separados das corporações; nomeadamente a Fundação Rockefeller Brothers, por exemplo, é considerada como separada e distinta do império de bancos e empresas petrolíferas da família Rockefeller.

Com os salários e as despesas operacionais dependentes de fundações privadas, isso tornou-se uma rotina aceita: numa lógica distorcida, a batalha contra o capitalismo corporativo iria ser travada usando os fundos das fundações isentas de impostos, propriedade do capitalismo corporativo.

As ONGs foram metidas numa camisa-de-forças; a sua própria existência dependia das fundações. As suas atividades eram monitorizadas de perto. Numa lógica distorcida, a própria natureza do ativismo anti-capitalista era controlada indiretamente pelos capitalistas através das suas fundações independentes.

“Cães de guarda progressistas”

Nesta saga em evolução, as elites corporativas, cujos interesses são defendidos inexoravelmente pelo FMI, pelo Banco Mundial e pela OMC, financiam de boa vontade (através das suas diversas fundações e obras caritativas) organizações que estão na vanguarda do movimento de protesto contra a OMC e as instituições financeiras internacionais com sede em Washington.

Sustentados pelo dinheiro das fundações, foram colocados diversos “cães de guarda” nas ONGs para fiscalizar a implementação de políticas neoliberais, sem no entanto colocar a questão mais ampla de como é que os gêmeos Bretton Woods e a OMC, através das suas políticas, tinham contribuído para o empobrecimento de milhões de pessoas.

A SAPRIN (Structural Adjustment Participatory Review Network), foi fundada pelo Development Gap, uma USAID (Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional) e o Banco Mundial financiou a ONG com sede em Washington DC.

Amplamente documentada, a imposição do Programa de Ajustamento Estrutural FMI-Banco Mundial (SAP) aos países em desenvolvimento constitui uma forma escandalosa de interferência nos assuntos internos de estados soberanos em nome de instituições credoras.

Em vez de contestar a legitimidade da “medicina econômica letal” do FMI-Banco Mundial, a organização central da SAPRIN procurou estabelecer um papel participativo para as ONGs, de braço dado com a USAID e o Banco Mundial. O objetivo era dar um “rosto humano” à agenda política neoliberal, em vez de rejeitar liminarmente o enquadramento político do FMI-Banco Mundial:

“A SAPRIN é a rede global da sociedade civil que foi buscar o seu nome à Structural Adjustment Participatory Review Initiative (SAPRI), que foi lançada com o Banco Mundial e o seu presidente, Jim Wolfensohn, em 1997.

A SAPRI destina-se a um exercício tripartido para reunir organizações da sociedade civil, os seus governos e o Banco Mundial numa análise conjunta de programas de ajustamento estrutural (SAPs) e na exploração de novas opções políticas. Está legitimando um papel ativo para a sociedade civil na tomada de decisões econômicas, já que lhe compete indicar áreas em que são necessárias mudanças na política econômica e no processo de implementar políticas econômicas. (http://www.saprin.org/overview.htm – website da SAPRIN).

Do mesmo modo, o Observatório do Comércio (anteriormente WTO Watch), que opera a partir de Genebra, é um projeto do Instituto para a Política de Agricultura e Comércio (IATP), com base em Minneapolis, que é generosamente financiado pela Ford, Rockefeller, Charles Stewart Mott, entre outros (ver Quadro 1 abaixo).

O Observatório do Comércio tem por função fiscalizar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo de Comércio Livre Norte-americano (NAFTA) e a proposta Área de Comércio Livre das Américas (FTAA). (IATP,About Trade Observatory, setembro 2010).

O Observatório do Comércio também pretende melhorar dados e informações assim como estimular a “governação” e a “responsabilidade”. Responsabilidade em relação às vítimas das políticas da OMC ou responsabilidade para com os protagonistas das reformas neoliberais?

As funções de cão de guarda do Observatório do Comércio não ameaçam de modo algum a OMC. Muito pelo contrário: a legitimidade das organizações e dos acordos comerciais nunca são postas em questão.

Quadro 1 – Principais doadores ao Instituto para a

Política Agrícola e Comercial Minneapolis (IATP)

Doadores EUA dólares Período

Fundação Ford 2.612.500 1994-2006

Fundo Rockefeller Brothers 2.320.000 1995-2005

Fundação Charles Stewart Mott 1.391.000 1994-2005

Fundação McKnight 1.056.600 1995-2005

Fundação Joyce 748.000 1996-2004

Fundação Bush 610.000 2001-2006

Fundação Família Bauman 600.000 1994-2006

Fundo Proteção Grandes Lagos 580.000 1995-2000

Fundação John D. & Catherine T. MacArthur 554.100 1991-2003

Fundo John Merck 490.000 1992-2003

Fundação Harold K. Hochschild 486.600 1997-2005

Fundação Deep Ecology 417.500 1991-2001

Fundação Jennifer Altman 366.500 1992-2001

Fundação Rockefeller 344.134 2000-2004

Fonte: http://ativistcash.com/organization_financials.cfm/o/16-institute-for-agricultura-and-trade-policy

O Fórum Econômico Mundial. “Todos os caminhos vão dar em Davos”

O movimento popular foi assaltado. Intelectuais escolhidos, executivos sindicais, e líderes das organizações da sociedade civil (incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional, o Greenpeace) são sistematicamente convidados para o Fórum Mundial Econômico de Davos, onde se misturam com os atores econômicos e políticos mais poderosos do Mundo. Esta mistura de elites corporativas do mundo com “progressistas” escolhidos a dedo faz parte do ritual subjacente ao processo de “fabricação da dissidência”.

A tática é escolher a dedo seletivamente líderes da sociedade civil “em quem podemos confiar” e integrá-los num “diálogo”, isolá-los das suas bases, fazer com que eles se sintam “cidadãos globais” agindo no interesse dos trabalhadores seus colegas mas fazendo com que eles ajam de modo a servir os interesses da instituição corporativa:

“A participação de ONGs no Encontro Anual em Davos é uma prova de que procuramos intencionalmente integrar um largo espectro dos principais participantes na sociedade para… definir e impulsionar a agenda global… Acreditamos que o Fórum Mundial Econômico [de Davos] proporciona à comunidade dos negócios o enquadramento ideal para se empenhar num esforço colaborativo com os outros participantes principais [as ONGs] da economia global para “melhorar o estado do mundo”, que é a missão do Fórum. (Fórum Mundial Econômico, Comunicado à Imprensa 5 janeiro 2001)

O FME não representa a comunidade de negócios mais ampla. É um grupo elitista: Os seus membros são gigantescas corporações globais (com um mínimo de 5 bilhões de dólares de volume de negócios anual). As organizações não governamentais (ONGs) selecionadas são consideradas como “participantes” parceiros assim como um conveniente “porta-voz para os que não têm expressão que ficam quase sempre fora dos processos de tomada de decisões”. (World Economic Forum – Non-Governmental Organizations, 2010)

“[As ONGs] desempenham uma série de papéis na parceria com o Fórum para melhorar o estado do mundo, incluindo servir de ponte entre os negócios, o governo e a sociedade civil, ligando os políticos às bases, pondo soluções práticas em cima da mesa…” (ibid).

Uma “parceria” da sociedade civil com corporações globais em nome dos “que não têm voz”, que são “deixados de fora”?

Também são cooptados executivos sindicais com prejuízo para os direitos dos trabalhadores. Os líderes da Federação Internacional dos Sindicatos (IFTU), da AFL-CIO, da Confederação dos Sindicatos Europeus, do Congresso do Trabalho Canadense (CLC), entre outros, são sistematicamente convidados para assistir tanto às reuniões anuais do FME em Davos, na Suíça, como às Cúpulas regionais. Também participam na Comunidade de Líderes Trabalhistas do FME que se concentra em padrões mutuamente aceitáveis de comportamento para o movimento dos trabalhadores. O FME “acredita que a voz do Trabalho é importante para um diálogo dinâmico sobre as questões da globalização, da justiça econômica, da transparência e responsabilidade, e garante um sistema financeiro global saudável”.

“Garante um sistema financeiro global saudável” eivado de fraudes e corrupção? A questão dos direitos dos trabalhadores nem sequer é referida. (World Economic Forum – Labour Leaders, 2010).

O Fórum Social Mundial: “É possível outro mundo”

Em muitos aspectos a Contra-Cúpula de Seattle 1999 estabeleceu os alicerces para o desenvolvimento do Fórum Social Mundial.

A primeira reunião do Fórum Social Mundial (FSM) realizou-se em Janeiro de 2001, em Porto Alegre, Brasil. Esta reunião internacional envolveu a participação de dezenas de milhares de ativistas de organizações de bases de e de ONGs.

A reunião do FSM de ONGs e organizações progressistas realiza-se simultâneamente com o Fórum Econômico Mundial (FEM) de Davos. Destinava-se a dar voz à oposição e à dissidência em relação ao Fórum Econômico Mundial de líderes corporativos e de ministros das finanças.

No início, o FSM foi uma iniciativa da ATTAC de França e de várias ONGs brasileiras:

“… Em fevereiro de 2000, Bernard Cassen, chefe duma ONG francesa, a plataforma ATTAC, Oded Grajew, chefe duma organização de empregadores brasileiros, e Francisco Whitaker, chefe duma associação de ONGs brasileiras, reuniram-se para discutir uma proposta para um “evento mundial da sociedade civil”; em março de 2000, asseguraram formalmente o apoio do governo municipal de Porto Alegre e do governo estatal de Rio Grande do Sul, ambos controlados na época pelo Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PT)… Um grupo de ONGs francesas, incluindo a ATTAC, os Amigos do L’Humanité e os Amigos do Le Monde Diplomatique, patrocinaram um Fórum Social Alternativo em Paris intitulado “Um Ano Após Seattle”, a fim de preparar uma agenda para os protestos a ser encenados na Cúpula da União Européia em Nice, que se aproximava. Os oradores apelaram à “reorientação de certas instituições internacionais tais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC… a fim de criar uma globalização a partir de baixo” e à “implementação de um movimento internacional de cidadãos, não para destruir o FMI, mas para reorientar as suas missões”. (Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de janeiro, 2004)

Desde o início em 2001, o FSM foi sustentado por um financiamento substancial da Fundação Ford, que, como se sabe, tem ligações com a CIA que remontam aos anos 50: “A CIA usa fundações filantrópicas como a via mais eficaz para canalizar grandes somas de dinheiro para projetos da Agência sem avisar os recebedores quanto à sua origem”. (James Petras, The Ford Foundation and the CIA, Global Research, 18 de setembro, 2002)

O mesmo procedimento de Contra-Cúpulas ou Cúpulas Populares com fundos doados, que caracterizou as Cúpulas Populares dos anos 90, foi utilizado no Fórum Social Mundial:

“… outros fundadores do FSM (ou ‘parceiros’, conforme são designados na terminologia do FSM) incluíam a Fundação Ford – basta dizer aqui que esta sempre funcionou na mais estreita colaboração com a CIA e com os interesses estratégicos em geral dos EUA; a Fundação Heinrich Boll Foundation, que é controlada pelo partido alemão Os Verdes, um parceiro no atual [2003] governo alemão e apoiador das guerras na Iugoslávia e no Afeganistão (o seu líder Joschka Fischer é o [antigo] ministro alemão dos negócios estrangeiros); e importantes organismos financiadores como o Oxfam (Reino Unido), o Novib (Holanda), o ActionAid (EUA), etc.

Curiosamente, um membro do Conselho Internacional do FSM relata que os “fundos consideráveis” recebidos desses organismos não tivera “até agora motivado quaisquer debates significativos [nos órgãos do FSM] sobre as possíveis relações de dependência que poderiam gerar”. Mas reconhece que “para receber fundos da Fundação Ford, os organizadores tiveram que convencer a fundação de que o Partido dos Trabalhadores não estava envolvido no processo”. Há aqui dois pontos dignos de registro. Primeiro, isto demonstra que os financiadores puderam medir as forças e determinar o papel das diferentes forças no FSM – tiveram que ser “convencidos” das credenciais daqueles que estariam envolvidos. Segundo, se os financiadores objetaram à participação do cuidadosamente domesticado Partido dos Trabalhadores, teriam objetado ainda com mais determinação se fosse dado relevo a forças genuinamente anti-imperialistas. Que eles fizeram essas objeções tornar-se-á claro quando descrevermos quem foi incluído e quem foi excluído da segunda e da terceira reuniões do FSM…

… A questão do financiamento [do FSM] nem sequer figura na carta de princípios do FSM, aprovada em Junho de 2001. Os marxistas, que são materialistas, fariam notar que se deve analisar a base material do fórum para apanhar a sua natureza. (Claro que não é preciso ser-se marxista para compreender que “quem paga a despesa é quem manda”). Mas o FSM não está de acordo. Pode aceitar fundos de instituições imperialistas como a Fundação Ford, e ao mesmo tempo lutar contra o “domínio do mundo pelo capital e qualquer outra forma de imperialismo”.(Research Unit For Political Economy, The Economics and Politics of the World Social Forum, Global Research, 20 de janeiro, 2004)

A Fundação Ford forneceu apoio fundamental ao FSM, com contribuições indiretas para participar em “organizações parceiras” da Fundação McArthur, da Fundação Charles Stewart Mott, de The Friedrich Ebert Stiftung, da Fundação W. Alton Jones, da Comissão Européia, de diversos governos europeus (incluindo o governo trabalhista de Tony Blair), do governo canadense, assim como de uma série de órgãos da ONU (incluindo a UNESCO, a UNICEF, a UNDP, a OIT e a FAO). (Iibid.)

Para além do apoio fundamental inicial da Fundação Ford, muitas das organizações da sociedade civil participantes recebem fundos de importantes fundações e organizações caritativas. Por seu lado, as ONGs com sede nos EUA e na Europa operam frequentemente como organismos de financiamento secundário, canalizando dinheiro Ford e Rockefeller para organizações parceiras em países em desenvolvimento, incluindo movimentos de base de camponeses e de direitos humanos.

O Conselho Internacional (CI) do FSM é composto por representantes das ONGs, sindicatos, organizações de meios de comunicação alternativos, institutos de investigação, muitos dos quais são fortemente financiados por fundações assim como por governos. (Ver Fórum Social Mundial). Os mesmos sindicatos, que são rotineiramente convidados para se misturarem com diretores de Wall Street no Fórum Econômico Mundial de Davos, incluindo a AFL-CIO, a Confederação Européia de Sindicatos e o Congresso do Trabalho Canadense também se sentam no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial. Entre as ONGs financiadas pelas principais fundações que têm assento no Conselho Internacional do FSM encontra-se o Instituto para a Politica de Agricultura e Comércio (ver a nossa análise mais acima) que fiscaliza o Observatório do Comércio com sede em Genebra.

A Rede de Financiadores para o Comércio e Globalização (FTNG), que tem o estatuto de observador no Conselho Internacional do FSM desempenha um papel chave. Enquanto canaliza apoio financeiro para o FSM, atua como uma câmara de compensação para importantes fundações. A FTNG descreve-se a si mesma como “uma aliança de doadores empenhados na construção de comunidades justas e sustentadas em todo o mundo”. Alguns membros desta aliança são a Fundação Ford, a Rockefeller Brothers, Heinrich Boell, C. S. Mott, a Fundação da Família Merck, Open Society Institute, Tides, entre outros. (Para uma lista completa dos organismos financiadores da FTNG ver: FNTG: Funders). A FTNG atua como uma entidade angariadora de fundos por conta do FSM.

Governos ocidentais financiam as Contra-Cúpulas e reprimem o movimento de protesto

Ironicamente, governos que fazem parte da União Européia atribuem dinheiro para financiar grupos progressistas (incluindo o Fórum Social Mundial) envolvidos na organização de protestos contra esses mesmos governos que financiam as suas atividades:

“Também os governos têm sido financiadores significativos de grupos de protesto. A Comissão Européia, por exemplo, financiou dois grupos que mobilizaram grande número de pessoas para protestar nas Cúpulas da União Européia em Gotenburgo e Nice. A loteria nacional da Grã-Bretanha, que é fiscalizada pelo governo, ajudou a financiar um grupo no centro do contingente britânico em ambos os protestos”. (James Harding, Counter-capitalism,FT.com, 15 de outubro 2001)

Trata-se de um processo diabólico: O governo anfitrião financia a Cúpula oficial assim como as ONGs ativamente envolvidas na Contra-Cúpula. Também financia a operação policial anti-motins que tem como missão reprimir os participantes de base da Contra-Cúpula, incluindo membros de ONGs financiadas diretamente pelo governo.

O objetivo destas operações combinadas, incluindo ações violentas de vandalismo perpetradas por polícias à paisana (Toronto G20, 2010) disfarçados em ativistas, é desacreditar o movimento de protesto e intimidar os seus participantes. O objetivo mais amplo é transformar a Contra-Cúpula num ritual de dissidência, que serve para patrocinar os interesses da Cúpula oficial e o governo anfitrião. Esta lógica tem funcionado em numerosas contra Cúpulas desde os anos 90.

Na Cúpula da América em Quebec em 2001, o governo federal canadense concedeu financiamentos a ONGs e a sindicatos mais importantes mediante certas condições. Um grande segmento do movimento de protesto acabou por ficar excluído da Cúpula Popular. Isso deu origem a uma segunda reunião paralela, que alguns observadores descreveram como “Contra a Cúpula Popular”. As autoridades provinciais e federais exigiram que a marcha de protesto seguisse para um local a uma distância de 10 km da cidade, em vez de seguirem na direção da área do centro histórico onde estava-se realizando a Cúpula FTAA por detrás dum “perímetro de segurança” fortemente guardado”.

“Em vez de avançar para a vedação do perímetro e para o local das reuniões da Cúpula das Américas, os organizadores do desfile escolheram um percurso que se afastava da Cúpula Popular, passando por áreas residenciais quase vazias até ao parque de estacionamento de um estádio numa área isolada a alguns quilômetros de distância. Henri Masse, o presidente da Federação dos trabalhadores e trabalhadoras de Quebec (FTQ) explicou, “Lamento estarmos tão longe do centro da cidade… Mas foi por uma questão de segurança”. Um milhar de seguranças da FTQ mantiveram um controle muito apertado sobre o desfile. Quando o desfile chegou ao ponto em que alguns ativistas pretenderam dividir-se e subir a colina até à vedação, os seguranças da FTQ fizeram sinal ao contingente dos Trabalhadores Canadenses de Automóveis (CAW) que caminhavam atrás do CUPE para se sentarem e fazerem parar o desfile, a fim de os seguranças da FTQ poderem formar um cordão e impedir que houvesse quem saísse do percurso oficial do desfile”. (Katherine Dwyer, Lessons of Quebec City, International Socialist Review, junho/julho 2001)

A Cúpula das Américas efetuou-se no interior de um “bunker” de quatro quilômetros, feito com uma vedação de concreto e de aço galvanizado. A parte cercada do centro histórico da cidade, o “Muro de Quebec” de 3 metros de altura, incluía o complexo parlamentar da Assembleia Nacional, hoteis e áreas comerciais.

Líderes de ONGs versus suas bases

A instituição do Fórum Social Mundial em 2001 foi sem dúvida um marco histórico, reunindo dezenas de milhares de ativistas empenhados. Foi um acontecimento importante que permitiu a troca de idéias e o estabelecimento de laços de solidariedade.

O que está em questão é o papel ambivalente dos líderes das organizações progressistas. A sua relação estreita e bem-educada com os círculos internos do poder, com os financiamentos corporativos e governamentais, organismos de apoio, Banco Mundial, etc. corrói a sua relação e responsabilidades com as suas bases. O objetivo da dissidência fabricada é precisamente esse: distanciar os líderes das suas bases como um meio de silenciar e enfraquecer eficazmente as ações das bases.

Financiar a dissidência é também uma forma de infiltração nas ONGs, assim como de adquirir informações por dentro sobre estratégias de protesto e resistência dos movimentos de base.

A maior parte das organizações de base que participam no Fórum Social Mundial, incluindo organizações camponesas, de trabalhadores e de estudantes, firmemente empenhadas em combater o neoliberalismo não tinham conhecimento da relação do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial com o financiamento corporativo, negociado nas suas costas por um punhado de líderes de ONGs com ligações a organismos de financiamento oficiais e privados.

O financiamento a organizações progressistas não se faz sem condições. O seu objetivo é “pacificar” e manipular o movimento de protesto. Os organismos financiadores estabelecem condicionalismos minuciosos. Se não forem cumpridos, cessam os pagamentos e a ONG recebedora vai à falência por falta de fundos.

O Fórum Social Mundial define-se como “um local de encontro aberto para pensamento refletivo, debate de ideias democrático, formulação de propostas, livre troca de experiências e inter-ligação para ação eficaz, de grupos e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e qualquer forma de imperialismo e estão empenhados na construção de uma sociedade centrada na pessoa humana”. (Ver Fórum Social Mundial, 2010).

O Fórum Social Mundial é um mosaico de iniciativas individuais que não ameaça diretamente nem contesta a legitimidade do capitalismo global e das suas instituições. Reúne-se anualmente. Caracteriza-se por uma imensidade de sessões e de grupos de trabalho. Quanto a este aspecto, uma das características do Fórum Social Mundial era manter o enquadramento “faça você mesmo”, característico

Esta estrutura aparentemente desorganizada é propositada. Embora favoreça o debate sobre uma série de tópicos individuais, a moldura do FSM não conduz a uma articulação duma plataforma comum coesiva e dum plano de ação dirigido contra o capitalismo global. Além disso, a guerra liderada pelos EUA no Oriente Médio e na Ásia Central, que rebentou poucos meses depois da reunião inaugural do FSM em Porto Alegre em janeiro de 2001, nunca foi uma questão central nas discussões do Fórum.

O que prevalece é uma vasta e intrincada rede de organizações. As organizações de base recebedoras dos países em desenvolvimento estão normalmente inconscientes de que as suas ONGs parceiras nos Estados Unidos ou na União Européia, que lhes estão fornecendo o apoio financeiro, estão elas próprias serem financiadas por importantes fundações. O dinheiro escorre, impondo constrangimentos às ações das bases. Muitos destes líderes de ONGs estão empenhados e são indivíduos bem intencionados que agem num enquadramento que estabelece os limites da dissidência. Os líderes destes movimentos são frequentemente cooptados, sem sequer perceber que, em consequência do financiamento corporativo, ficam com as mãos atadas.

O capitalismo global financia o anti-capitalismo: uma relação absurda e contraditória

“É Possível um Outro Mundo”, mas este não pode ser alcançado de forma significativa com a atual situação.

É preciso um abanão no Fórum Social Mundial, na sua estrutura organizativa, nos seus financiamentos e na sua liderança.

Não pode haver um movimento de massas significativo quando a dissidência é tão generosamente financiada pelos mesmos interesses corporativos que são o alvo desse movimento de protesto. Nas palavras de McGeorge Bundy, presidente da Fundação Ford (1966-1979), “Tudo o que a Fundação [Ford] fez pode ser considerado no âmbito de ‘tornar o mundo seguro para o capitalismo”.



O original encontra-se em: http://www.odiario.info/?p=1794

A caída em combate do Comandante Alfonso Cano

A morte em combate do Camarada e Comandante Alfonso Cano enluta o conjunto do movimento antiimperialista mundial, todas as vítimas da exploração capitalista, o movimento universal pelo socialismo, cada um dos povos que levantam bandeiras de soberania, dignidade e democracia. Aflige profundamente toda pessoa de bem do planeta, particularmente na América Latina, Caribe e Colômbia.

Também dilacera profundamente as fibras mais nobres de seus seres queridos. Para eles nosso abraço. Compartilhamos intensamente de sua pena, sabemos melhor do que ninguém o que significa esta perda. Estendemos o mesmo carinho dolorido às famílias dos demais combatentes que tombaram nos mesmos acontecimentos. Seu sangue e suas vidas nos inspiram, desde já, futuras vitórias.

As lágrimas de felicidade do Presidente Santos revelam que, por obra sua, caiu de verdade um grande, um portentoso homem, um revolucionário de talha histórica. Um formidável interlocutor de quem devia se desfazer antes de qualquer tentativa de aproximação. Aceitamos o desafio. Como Manuel e Jacobo, Alfonso sempre soube ser um grande mestre. E aprendemos com ele.

Suas idéias e sua genial condução são parte do arsenal ideológico, político e militar das FARC-Exército do Povo. Ninguém poderá jamais arrebatá-los de nós. Seu talento e atividade revolucionária cresceram e amadureceram juntamente com nossa história. Nos dias de Marquetalia (http://insurgenciafariana.blogspot.com) já militava nas fileiras da juventude comunista. Até sua morte em combate nada pode distraí-lo da luta.
Completou cinqüenta anos contínuos em tropel contra o regime, anos marcados por uma profunda capacidade de análise e uma invejável coerência ideológica e política. Bogotano simples e de humor refinado, dirigente estudantil e comunitário, antropólogo dos tempos duros da Universidade Nacional, audaz militante clandestino, será eterno exemplo do intelectual comprometido até a morte.

Seus inimigos tanto do império ianque como os da oligarquia jamais se cansarão de tentar apagar sua obra com expedientes baixos. Ao lado de seu perfil político, o Camarada Alfonso Cano demonstrou ser possuidor de uma elevada capacidade militar. Soube conduzir, primeiro os comandos conjuntos Central e Ocidental e, sem seguida, as FARC todas, até o nível em que hoje em dia, amedronta o militarismo fascista da Colômbia.
Eles sabem muito bem o que representam as FARC. A expressão real da organização e da luta irrenunciável contra a globalização capitalista. Somos um povo armado que denuncia e combate o caráter terrorista de sua democracia de mercado. Milhares e milhares de mulheres e homens que marchamos compactos pelo caminho da construção de uma nação e de um mundo sem opressores.

As reservas petrolíferas da Colômbia, no ritmo que se pretende extrair, estarão esgotadas completamente nos próximos quatro anos. Pretendem nos ludibriar com a idéia de que, antes disso, será encontrado suficiente óleo para outros tantos. Nosso destino é poupar com o nosso óleo as reservas imperiais existentes, e pagar com a receita desse os créditos para a infra-estrutura funcional ao saqueio.

Obviamente os créditos serão concedidos pela banca internacional. E para consegui-los o país deverá se comprometer a realizar grandes e crescentes cortes orçamentários na área social dos colombianos. Reformas tributárias, no regime de aposentadorias, trabalhista, na saúde e educação. Esse ataque avança agora a todo vapor no Congresso da República.

O Tratado de Livre Comércio (TLT) e a abertura indecente ao investimento estrangeiro ameaçam arrasar o mais valioso do patrimônio humano, ambiental e econômico do país. Gigantescos projetos auríferos, carboníferos, turísticos, agro-industriais, bioenergéticos e agropecuários, entre outros, além de espoliar nossas riquezas, esmagarão impunemente a mão de obra em graus intoleráveis.

Encontra-se em acelerada execução um modelo de desenvolvimento desigual e antipatriótico, resultado das manipulações urdidas a partir do palácio presidencial e dos diferentes ministérios, aprovado a toque de caixa pelo poder legislativo e declarado exeqüível pelas cortes, que não leva em conta minimamente a opinião do povo colombiano nem a de seus mais imediatos afetados.

E dito modelo, que começou a ser construído décadas atrás com a violenta estratégia paramilitar, é apresentado como a salvação econômica do país, as locomotoras que nos levarão adiante. Nele se fundem os mais caros interesses do capital transnacional e da corrupta classe dirigente colombiana, que enriquece com somas fabulosas depois de cada acordo e contrato celebrados.

Não existem na Colômbia espaços de discussão que tenham a capacidade de influenciar ou determinar de algum modo as decisões ligadas ao modelo de desenvolvimento. Como ficou demonstrado nas recentes eleições locais, os partidos políticos foram diluídos em mesquinhas lideranças pessoais corruptas e carentes de princípios. As forças políticas que poderiam discutir o modelo estão minadas.

Só duas formas de luta se opõem a ele de forma corajosa e pertinaz: a luta de rua em marchas e protestos e a luta guerrilheira nas montanhas. As recentes disposições sobre “segurança cidadã” vinculam a primeira delas à delinqüência e a castigam com penas de prisão. Ao mesmo tempo exigem desmobilização dos levantados em armas sob a ameaça da aniquilação total.

Tal é o quadro no qual toma corpo o desesperado afã de render as FARC-EP. Sabemos muito bem quais são os propósitos do Presidente Santos: enriquecer ainda mais os mais ricos e afundar ainda mais na miséria os mais pobres. Torna-se, portanto, como conseqüência de cardinal importância, estender pontes necessárias para fortalecer, unificar e defender a duas formas de luta vigentes.

Mobilização de massas e luta guerrilheira estão chamadas a convergir em uma formação estratégica pela solução política para o conflito que se trava na Colômbia. A guerra não passa da determinação imperial e oligárquica de fechar todos os caminhos da oposição a seus planos de saqueio, o maço com o qual as classes dominantes esperam esmagar a rebeldia.

A resistência heróica da insurgência colombiana, da mesma forma que a voz alta do povo mobilizado protestando, não pode cessar com um falso chamamento à negociação e ao consenso. Qualquer tentativa de desmobilizar a luta popular sem acordar solução que erradiquem suas causas estará fadada ao fracasso. Não pode haver paz com repressão e fome.

As FARC-EP prestamos sentida homenagem à memória de nosso Comandante Alfonso Cano. Por nosso povo e por ele, nos comprometemos a persistir na busca da solução política até conseguir uma paz democrática com dignidade e justiça social. A voz de estudantes, trabalhadores, camponeses, comunidades indígenas e negras, desempregados, aposentados, mulheres e classes médias sufocadas tem que ser ouvida e atendida na Colômbia.

Com o camarada Alfonso lembramos aos ilusos:

“Desmobilizar-se é sinônimo de inércia, é entrega covarde, é rendição e traição à causa popular e ao ideário revolucionário que cultivamos e pelo qual lutamos pelas transformações sociais, é uma indignidade que traz implícita uma mensagem de desesperança ao povo que confia em nosso compromisso e proposta bolivariana”.

Comandante Alfonso Cano!!!
Morrer pela Pátria é viver para sempre!!!

Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP
Novembro de 2011


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Equipe ANNCOL - Brasil
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http://anncol-brasil.blogspot.com

domingo, 13 de novembro de 2011

Polícia militar confirma o controle total e pacífico da Rocinha

A Polícia Militar do Rio de Janeiro confirmou neste domingo o controle total da favela da Rocinha, a maior do Brasil e nas mãos dos traficantes de drogas há 30 anos, depois de uma operação que começou de madrugada com o apoio de blindados da Marinha e sem disparar um único tiro.

"Tenho o prazer de informar que a Rocinha e o Vidigal estão em nosso poder. Não houve nenhum incidente, nem um tiro disparado. Não temos informações sobre detidos ou material apreendido", informou Alberto Pinheiro Neto, chefe do Estado-Maior da PM, em coletiva de imprensa.

"As comunidades estão sob nosso controle desde as 06h00 e estamos retirando os blindados. Em 45 minutos abriremos as ruas" (fechadas desde as 02h00), acrescentou.

A ocupação da Rocinha, localizada no coração dos bairros ricos do Rio de Janeiro, começou por volta das 04h10 quando efetivos do BOPE e do batalhão de Operações de Choque entraram pelas vielas da comunidade, escoltados pelos blindados, já usados em outras operações similares, e pelo voo rasante de helicópteros.


As ruas semi-iluminadas ainda estavam desertas quando os policiais entraram e alguns moradores observavam das janelas de suas casas o avanço da tropa.

"A chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) vai ser positiva para as novas gerações para dar fim ao tráfico de drogas. Quero que meus filhos não tenham contato com o tráfico, é uma maravilha", expressou à AFP Carlos Alberto, de 51 anos, vizinho da Rocinha, que, ao contrário da maioria, decidiu falar com a imprensa.

Mas nem todos aplaudiram a ação. Um grupo de mulheres chorava à medida que os oficiais avançaram pelas ruas da Rocinha, constataram os jornalistas da AFP.

"Esperamos que a pacificação não seja apenas tirar os traficantes de droga, e sim que traga saneamento, educação, saúde e moradia", declarou à AFP Raimundo Benício de Sousa, conhecido como "Lima", um líder comunitário de 56 anos que tem uma imobiliária na favela.

Segundo Lima, no bairro "há gente vivendo em meio a baratas, urinando e defecando numa lata", e por isso acha que "a pacificação tem que ter essa gente como prioridade".

"Queremos que as pessoas sejam tratadas como dignidade, com respeito, que os que cometeram crimes vão presos, mas não sejam assassinados pela polícia", declarou, por sua parte, William de Oliveira, presidente do Movimento Popular de Favelas, que usava uma camiseta com a inscrição "I love Rocinha".

Nas ruas era possível sentir um forte cheiro de queimado, oriundo das motos que pertenciam aos bandidos para se deslocar dentro da favela e que agora, ante a ocupação da polícia, foram queimadas por eles.

As autoridades calculavam que 200 traficantes ainda permaneciam dentro da favela, depois da prisão esta semana do chefe do tráfico da Rocinha, Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, quando fugia escondido no porta-malas de um carro, junto com vários cúmplices e policiais corruptos que os protegiam.

É a primeira vez que os chefes do tráfico são presos antes da tomada de uma favela pelas autoridades.

Desde sexta-feira, os policiais se posicionaram fortemente armados nos principais acessos da região e, com fotos de suspeitos nas mãos, revistaram cada veículo - público ou particular - que entrava e saía do lugar.

A tomada da Rocinha, a 19a. que a polícia reconquistou das mãos dos traficantes, recorda a megaoperação policial-militar montada em novembro de 2010 para tirar o controle das favelas do Complexo do Alemão, onde vivem 400.000 pessoas. A ocupação aconteceu depois de vários dias de confrontos com os marginais que deixaram 37 mortos.

O Estado do Rio de Janeiro realiza desde 2008 uma corrida contra o relógio para pacificar os bairros carentes da cidade controlados por traficantes e milícias paramilitares antes do Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Mais de 1,5 milhão de pessoas vivem em cerca de mil favelas no Rio, ou seja, um terço da população total.

"Estamos com medo, não sabemos o que vai acontecer. Eu rezo muito", comentou Lima. "Só espero que quando a Copa do Mundo acabar não se esqueçam de nós", concluiu.

Nota Pública sobre a ocupação policial da Rocinha







Nós, organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro, manifestamos a todos nossa preocupação com a situação que a Rocinha enfrenta neste momento. Exigimos do Governo do Estado e do Governo Federal que garantam que a ocupação policial de amanhã seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias.

Há cerca de um ano, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. Ainda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão.

Acreditamos que todas as favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro têm o direito a uma vida com segurança plena garantida pelo Estado. No entanto, a presença estatal, obviamente, deve ser feita com o respeito absoluto a todos os direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos.

Estaremos atentos e não vamos tolerar:

- invasão da casa de moradores sem mandado judicial;
- abordagem policial truculenta;
- agressões, espancamentos e execuções sumárias;
- prisões arbitrárias, feitas sem qualquer prova;
- extorsão e roubo feita por grupos de policiais criminosos.

Esperamos ainda que os meios de imprensa cumpram seu dever de fiscalização da atividade policial e façam uma cobertura que relate com fidelidade e equilíbrio o momento delicado pelo qual as famílias que moram na Rocinha passam, não omitindo as denúncias dos moradores nem baseando-se exclusivamente na versão das autoridades policiais, como infelizmente a maior parte dos veículos de comunicação procedeu por ocasião da ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.

Lembramos, por fim, que não acreditamos que a paz seja alcançada através da violência. Exigimos que a cultura da favela seja respeitada e que os direitos a educação, saúde, moradia, entre outros, sejam encarados como prioridade pelos governos.

As entidades e organizações abaixo assinadas estão atentas e comprometem-se a receber e dar ampla divulgação a todas as denúncias comprovadas, de quaisquer violações de direitos que venham a ser cometidas na planejada ocupação.

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2011.

Apafunk
Visão da Favela Brasil
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos – DDH
Movimento Direito para quem?
Justiça Global
CDDH Petrópolis
Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
Jornal O Cidadão – Maré
TV Tagarela – Rocinha
Revista Vírus Planetário
Movimento Popular de Favelas
Rede Nacional de Jornalistas Populares – Renajorp

sábado, 12 de novembro de 2011

Israel nuclear revisitada

O relatório divulgado pela Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA) fez com que as tensões aumentassem no Oriente Médio, pois teve um nítido caráter político, além de estar afetado ideologicamente, defendendo apenas os interesses dos lobbies sionistas situados no interior dos Estados Unidos e mundo. O mundo não pode ficar a mercê de alguns dirigentes aloprados que pouco se importam com o sofrimento que causarão a terceiros seus atos insanos. Será importante realizar uma leitura atenta no artigo abaixo transcrito: “Israel Nuclear Revisitada” escrito por Joseph Massad e traduzido ao português pelo grupo Vila Vudu e confiram quais são as motivações que estão levando Israel a solicitar a efetivação de um ataque militar contra as instalações nucleares do Irã e com isso provocar um conflito bélico generalizado no mundo. (Jacob David Blinder )



Sexta feira, 11 de novembro de 2011

ISRAEL NUCLEAR REVISITADA


Original em:10/11/2011, Joseph Massad, Al-Jazeera, Qatar
Nuclear Israel revisited
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Por Joseph Massadé professor associado de Política e História Intelectual Árabe Moderna na Columbia University, em New York.


Quantas vezes será preciso recontar essa história? É sabida de todos nos EUA, na Europa, no mundo árabe, de fato, no mundo inteiro. Lê-se sobre isso na imprensa internacional desde o final dos anos 1960s. Os detalhes históricos do caso são também bem conhecidos.


Em 1955, o presidente Dwight Eisenhower deu a Israel o primeiro pequeno reator nuclear em Nahal Sorek; em 1964, os franceses construíram para Israel o muito maior reator nuclear Dimona, no deserto de Naqab (Negev); em 1965, Israel roubou dos EUA, 90,9 kg de urânio enriquecido para fazer bombas (ação de espiões israelenses numa empresa da Pensilvania, Nuclear Materials & Equipment Corporation); em 1968, Israel sequestrou um navio liberiano em águas internacionais e roubou a carga de 200 toneladas deyellowcakeque o navio transportava. Desde o início dos anos 1970s, Israel tem bombas atômicas.


Apesar dos desmentidos oficiais, todo o mundo sabe que Golda Meir, quarta primeiro-ministro de Israel, esteve a um passo de lançar 13 bombas nucleares sobre Síria e Egito em 1973 e só desistiu de cometer esse ato de genocídio quando Henry Kissinger deu a Israel toda a capacidade aérea de ataque, a maior da história naquele momento, de que Israel precisava para reverter o curso da guerra de 1973 (como a revistaTimenoticiou o caso). Israel manteve estreita colaboração na construção de armas nucleares com o regime de apartheid da África do Sul durante décadas, colaboração que só terminou quando terminou o regime de apartheid da África do Sul, em 1994.


Desde então, especialistas estimam que Israel tenha mais de 400 bombas atômicas, incluindo armas termonucleares que chegam ao nível de megatons, além de bombas de nêutrons, armas nucleares táticas e ogivas para transporte das bombas. Também tem o sistema de mísseis necessário para lançar suas bombas, com alcance de 11.500km (maior que a distância que separa Israel e Irã). Israel também tem submarinos capazes de lançar ataques nucleares e jatos capazes de entregar onde queiram a carga nuclear que Israel decida usar, contra quem decida usar, quando decida usar.


Diligentemente, Israel sempre impediu que seus vizinhos sequer construíssem reatores nucleares para finalidades pacíficas. Violou a lei internacional ao bombardear o reator nuclear Osirak que os franceses estavam (em 1981) construindo para o Iraque, em ataque aéreo não provocado, apesar de o reator estar sendo construído para ser usado, conforme declaração dos governos de França e Iraque, para pesquisa científica. Israel também bombardeou o que, segundo relatórios de inteligência seria um reator nuclear que a República Popular da Coreia (Coreia do Norte) estaria construindo na Síria em 2007. O Mossad (serviço secreto israelense) várias vezes foi associado ao assassinato de inúmeros cientistas e físicos nucleares egípcios, iraquianos e iranianos, ao longo de décadas.


Israel não assinou e continua a recusar-se a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e não autoriza nenhum tipo de inspeção, pelos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU, no seu reator Dimona.


Israel, país agressivo e predatório que tem longa história de ataques contra países vizinhos desde que foi ‘fundado’, expulsou centenas de milhares de pessoas, criou milhões de refugiados palestinos, libaneses e egípcios, assassinou dezenas de milhares de civis e usou armas proibidas pela legislação internacional (de bombas de napalm a bombas de fósforo, para citar só os casos mais bem conhecidos), continua a ocupar territórios palestinos, e o povo palestino vive sob ocupação estrangeira, o que viola a lei internacional.


Israel é governada por uma ideologia de estado fundamentalista, racista, antimuçulmana e antiárabe, à qual aderem seus governantes, suas instituições de governo e, também, sua cultura popular e política e muitas das leis do estado israelense.

De fato, Israel não apenas vive de fazer guerra quase ininterrupta contra seus vizinhos como, também, exige que as potências ocidentais invadam os países vizinhos de Israel e, simultaneamente, patrocina campanhas de ódio racista contra árabes e muçulmanos nos EUA e em toda a Europa, além de incorporar a mesma ideologia racista nos currículos de escolas e universidades e em grande parte da produção cultural nacional israelense.


Políticas racistas


Os EUA, protetores de Israel, são o único estado da Terra que algum dia, deliberadamente, usou bombas atômicas contra populações civis e até hoje, 66 anos depois, ainda defende aquela decisão, que levou àquele ato genocida, e ensina a população, nas escolas e pela imprensa, a também defendê-lo.


Os EUA também cuidam de evitar que o arsenal atômico de Israel jamais seja discutido no Conselho de Segurança da ONU, apesar das persistentes propostas para que a questão nuclear israelense seja julgada naquele fórum. A insistência com que os EUA cuidam de manter como “segredo” (conhecido de todos) a capacidade nuclear de Israel é construída e mantida, dentre outros motivos, para manter ativa a ajuda que os EUA continuam a dar a Israel, apesar de a condição essencial para receber esse tipo de ajuda ser que os países receptores sejam signatários do Tratado de Não Proliferação... que Israel nunca assinou e recusa-se a assinar.


Mesmo assim, os EUA e Israel, que há muito tempo são as principais ameaças à paz mundial e, de fato, os mais ativos provocadores de guerras em todo o mundo desde a II Guerra Mundial, insistem em dizer ao mundo que o Irã seria ameaça à paz mundial, caso possua uma bomba atômica.


O Irã é país cujo governo revolucionário e democrático jamais invadiu país algum (ao contrário, o Irã foi atacado pelo Iraque de Saddam em 1981, por decisão das ditaduras comandadas pelas ricas famílias do petróleo do Golfo e seus patrocinadores EUA e França).


Deixando-se de lado, por um momento, as políticas racistas dos EUA que definem quem poderia e quem não poderia ter armas nucleares (segundo um critério racista que determina que só europeus e seus aliados europeus poderiam ter o que quer que seja), é preciso dizer que, se há corrida nuclear no Oriente Médio hoje, foi gerada e estimulada pelo espírito violento e belicista de Israel e pelo fato de que, em toda a região, só Israel mantém arsenal ativo de armas de destruição em massa.


Se se tratar de o Oriente Médio ser zona livre e armas nucleares, nesse caso o esforço da comunidade internacional deve começar por desarmar Israel – o único país na região que tem bombas atômicas. E que deixem em paz o Irã – onde o mundo nem sabe se há ou não, ou se estão em desenvolvimento ou não, essas armas.


O racismo do governo Obama contra árabes e muçulmanos não conhece limites. Mas, entre os povos do Oriente Médio (árabes, turcos e iranianos), os critérios racistas de Obama não persuadem ninguém.


Ter ou não ter armas nucleares é questão de segurança humana, no que diga respeito a quem viva próximo de Israel. Ter armas nucleares não é privilégio racial nem dos norte-americanos nem dos europeus.


É possível que os EUA não temam as bombas atômicas de Israel. Mas quem viva perto de Israel, países e populações civis que há muitos anos são alvo do terror israelense, temem Israel. Por muitos bons motivos, que todos na região conhecem.


Só depois que Obama aprender essa lição, se aprender, os povos da região voltarão a ver alguma seriedade e poderão atribuir alguma credibilidade à sempre tão repetida (falsa) preocupação dos EUA com a “proliferação” nuclear.




*******


-Complexo nuclear de Dimona, deserto Neguev, Israel. Segundo informes de autoridades
iranianas, esse complexo será bombardeado caso Israel ataque as instalações nucleares
do Irã.

-Caso o Irã faça a retaliação contra Dimona, muitas cidades de Israel situadas
no entorno da base nuclear serão atingidas.

domingo, 6 de novembro de 2011

Comunicado das FARC-EP

Escutamos o anuncio oficial da oligarquia colombiana e seus generais sobre a morte do Camarada e Comandante Alfonso Cano.

Ressoam ainda, suas alegres gargalhadas e brindes de entusiasmo. Todas as vozes do Estabelecimento coincidem em que essa morte significa o final da luta guerrilheira na Colômbia.

A única realidade que simboliza a morte em combate do camarada Alfonso Cano, é a imortal resistência do povo colombiano, que prefere morrer antes que viver de joelhos mendicando. A historia das lutas desse povo está plena de mártires, de mulheres e homens que jamais entregaram seus princípios nem deixaram de lutar pela igualdade e a justiça.

No será essa a primeira vez que os oprimidos e explorados de Colômbia choram um de seus grandes dirigentes. Também não a primeira vez em que com a coragem em a convicção absoluta na vitoria nomearão outro Comandante para que assuma seu cargo. A paz na Colômbia não nascerá de desmobilização guerrilheira nenhuma, mas da abolição definitiva das causas que geram o alçamento armado. FARC tem uma politica traçada e cumpri-la é a nossa missão.

Tem morto o Camarada e Comandante Alfonso Cano, o mais fervente e convencido colombiano e latino-americano da necessidade da busca da solução politica do conflito e da paz com justiça social.



¡Viva a memoria do comandante Alfonso Cano!

Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP


Montanhas da Colômbia, 5 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A grilagem recorde

Por Lúcio Flávio Pinto

A grilagem recorde

A maior propriedade rural do mundo deixou de existir legalmente na semana passada. O juiz Hugo Gama Filho, da 9ª vara da justiça federal de Belém, mandou cancelar o registro imobiliário da Fazenda Curuá, que consta dos assentamentos do cartório de Altamira, no Pará. O imóvel foi inscrito nos livros de propriedade como tendo nada menos do que 4,7 milhões de hectares.

Seu suposto proprietário podia se considerar dono da 23ª maior unidade federativa do Brasil, com tamanho superior ao dos Estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Sergipe e do Distrito Federal. Suas pretensões poderiam ainda exceder essas dimensões. Através de outros imóveis, pretendia alcançar uma área de 7 milhões de hectares, duas vezes e meia o tamanho da Bélgica, país onde vivem mais de 10 milhões de habitantes.
Como uma pessoa – física ou jurídica – consegue se apresentar como detentor de uma área dessas proporções e se manter nessa condição por tanto tempo, como aconteceu no caso da Fazenda Curuá?

Responder a esta pergunta de maneira satisfatória e eficaz pode contribuir para fortalecer o primado da lei nos “grotões” do país, as distantes e geralmente abandonadas fronteiras nacionais. De forma inversa, manter tal anomalia significa perpetuar o domínio da violência e do respeito às regras da vida coletiva e ao superior interesse público.

Em primeiro lugar porque o Estatuto da Terra, editado pelo primeiro governo militar pós-1964, o do marechal Castelo Branco, continua em vigor. Esse código agrário sobreviveu à Constituição de 1988 e se revelou superior em confronto com as regras da Carta Magna. O estatuto, com seu propósito de modernizar o campo brasileiro (mesmo que de forma autoritária, à semelhança do que fez o general MacArthur com o Japão ainda semi-feudal, derrotado pelos americanos na Segunda Guerra Mundial), proíbe a constituição de propriedade rural com área acima de 72 mil hectares (ou 600 vezes o maior módulo rural, o destinado ao reflorestamento, com 120 hectares).

A Fazenda Curuá foi registrada com quase 60 vezes o limite legal. Por que o cartorário legalizou a matrícula do imóvel com sua fé pública, ele que é serventuário de justiça, sujeito à polêmica (e questionada pelo Conselho Nacional de Justiça da ministra Eliana Calmon) Corregedoria de Justiça do Estado?

A apropriação ilegal de terras públicas, fenômeno a que se dá a qualificação de grilagem, é simples, embora de aparência complexa para o não iniciado nos seus meandros. Ainda mais porque lendas são criadas em torno da artimanha dos espertos e passam a ser apresentadas como verdade.
Muita gente acredita que a expressão grilagem se deve à prática dos fraudadores de colocar papéis para envelhecer artificialmente em gavetas com grilos.

A verdade é menos engenhosa. A origem é romana e diz respeito ao fato de que a terra usurpada serve para a especulação imobiliária e a formação de latifúndios improdutivos. Tanta terra não cultivada acaba servindo de pasto para grilos. Uma maneira de estigmatizar o roubo de terras públicas de forma popularizada.

O espantoso, no caso da Fazenda Curuá, é que o golpe tenha se mantido por tantos anos. A ação de cancelamento foi proposta em 1996 pelo Instituto de Terras do Pará. Apesar de ter provado que nenhum título de propriedade havia na origem do imóvel, a justiça estadual manteve o registro incólume, decidindo sempre contra o órgão público. Até que o Ministério Público Federal e outros órgãos da União conseguiram desaforar o processo para a justiça federal, que, afinal, reconheceu a ilegalidade da propriedade e cancelou o registro.

Essa tramitação acidentada e pedregosa seria evitado se a justiça do Pará tivesse realmente examinado as provas dos autos. Neles está demonstrado que o uso das terras no rico vale do Xingu, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte e agem com sofreguidão madeireiros e fazendeiros, começou em 1924.
Moradores da região foram autorizados a explorar seringueiras e castanheiras localizadas em terras públicas, através de concessões com tempo determinado de vigência e para fim específico. Exaurida a atividade extrativa vegetal, a área deixou de ter uso, mas algumas pessoas decidiram inscrevê-la em seu nome. Como os cartórios não se preocupavam com o rigor da iniciativa, até mesmo dívidas em jogo deram causa à transmissão da inexistente propriedade de um detentor para outro, formando cadeias sucessórias.

A lesão ao patrimônio público por causa dessas práticas ilícitas permaneceu latente até que uma das maiores empreiteiras do país colocou os olhos nesse mundo de águas, florestas, solos e animais. A C. R. Almeida, criada no Paraná por um polêmico engenheiro, Cecílio do Rego Almeida, que nasceu no próprio Pará, comprou uma firma de Altamira por preço vil (sem sequer pagá-lo por inteiro).

No ativo da firma estavam as terras cobiçadas. Não conseguindo regularizá-las pela via legal, por ser impossível, o empreiteiro decidiu se apossar da área à base do fato consumado e passando por cima de quem se colocasse no seu caminho. Montou uma pequena base no local, contratou seguranças, seduziu os índios vizinhos e fez uso da máquina pública que se amoldou à sua vontade. Os que resistiram à grilagem foram levados às barras dos tribunais, que sempre decidiram em favor do grileiro.

Os magistrados da justiça estadual não se sensibilizaram sequer pela publicação do Livro Branco da Grilagem, editado pelo Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, que não deixava dúvida sobre a fraude praticada. Nem pelos resultados das comissões parlamentares de inquérito instauradas em Belém e em Brasília. Ou pelas seguidas manifestações de todas as instâncias do poder público, estadual e federal. Enquanto exerceu sua jurisdição sobre o caso, a justiça do Pará ficou ao lado do grileiro e de seus herdeiros, quando ele morreu, em 2008.

Foi preciso que o processo chegasse à justiça federal para, finalmente, 15 anos depois da propositura da ação pelo Iterpa, secundado por outros agentes públicos, a situação se invertesse. Não é ainda uma decisão definitiva. Os herdeiros da C. R. Almeida deverão recorrer. Mas já sem o registro cartorial que lhes permitia manipular terras como se fossem os donos do 22º maior Estado brasileiro.

Quem sabe, a partir de agora, a intensa grilagem, um dos males que assola a Amazônia, não possa refluir?
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