sexta-feira, 25 de maio de 2012
A Marcha Patriótica, oposição estigmatizada e ameaçada
Por Luis Jairo Ramirez H.
As reações histéricas, quase instintivas, da atual direção do país frente à emergência do movimento social e político – Marcha Patriótica – nos mostram de novo uma oligarquia colombiana petrificada, que não permite evolução alguma para a democracia. Nas cabeças da “Unidade Nacional” começam as maquinações para ver como sacar de cima semelhante incômodo. Os laboratórios de inteligência da Polícia e do Exército trabalham as 24 horas do dia para idealizar estratégias midiáticas, políticas e militares que enfrentem ao novo “espantalho terrorista” que ameaça os privilégios de sempre. Novamente, os meios de comunicação, em vez de destacar as dimensões políticas e multitudinárias da marcha, optaram por um julgamento a Piedad Córdoba... De onde saiu o dinheiro para sufragar a marcha? Alguém assinalou: tudo do pobre é roubado...!! A história da intolerância oficial se repete uma e outra vez.
A violência dos anos 40 do século passado se explica na negativa das elites dominantes a admitir uma oposição real. A mentalidade monárquica da política tradicional colombiana resiste a qualquer sinal de inconformismo, com maior razão se provém da base mesma da sociedade. É a ideia de que os de baixo devem dedicar-se a fazer sapatos ou vender frutas, porque as questões da política e o poder são assunto exclusivo dos de cima, e quando os de baixo jogam o feitio dos sapatos para o lado, fazem política e pensam no poder, automaticamente são convertidos em “terroristas”, “ficam à margem da Lei”, porque a legalidade, a justiça, a democracia e a liberdade também têm uma conotação de classe na medida em que são bens exclusivos das grandes fortunas... Os de baixo foram concebidos para serem resignados e obedientes.
A 9 de abril de 1948, essas elites despóticas, assustadas pela irreprimível marcha de Eliécer Gaitán para o poder, não tiveram outra opção que assassiná-lo. Gaitán, ademais, não agradava a elas por ser negro e irreverente e o custo de preservar o poder para os conservadores foi um holocausto de 300 mil colombianos. Nos anos 60, também asfixiaram a Frente Unida do sacerdote rebelde Camilo Torres, fechando-lhe todos os espaços para a ação política aberta e, finalmente, foi assassinado quando recém dava seus primeiros passos insurgentes.
Pouco depois da fraude eleitoral contra a Anapo, nos inícios dos anos 70, se formou a União Nacional de Oposição – UNO –, constituída pelos comunistas, o Moir, setores da Anapo e liberais independentes; então, os governantes bicolores e militares da época brandiam o discurso e as ações anticomunistas em campos e cidades; ainda recordamos o assassinato de José Romaña Mena, vice-presidente do Conselho de Cimitarra, ultimado pelo DAS em 1975; ou o dos companheiros Nicolás Mahecha e Javier Baquero, vice-presidente do Conselho de Yacopí, em 18 de outubro de 1975 por tropas militares; depois, o exército assassinaria o Presidente do Conselho de Cimitarra e militante do Partido Comunista, companheiro Josué Cavanzo, a 9 de janeiro de 1977; em 7 de outubro de 1979, cai assassinado o vice-presidente do Conselho de Puerto Berrío, DARÍO ARANGO, dirigente do PCC e da Associação Nacional de Barqueiros. Os assassinatos em massa durante a atividade política da UNO na década dos anos 70 foram o preço de se declararem inconformados frente às tremendas injustiças de uma direção política medíocre e violenta.
Produto dos acordos de paz entre o governo de Belisario Betancur e as FARC, se lançou à vida pública a UNIÃO PATRIÓTICA [UP], Movimento Amplo de Oposição que propôs à sociedade colombiana um programa de transformação democrática que atraiu uma importante simpatia; no entanto, uma aliança do Estado Colombiano, os pecuaristas, o narcotráfico, o paramilitarismo e certos dirigentes políticos do bipartidarismo afogaram em sangue a mais importante possibilidade de paz no país. 5 mil líderes políticos e sociais assassinados são o testemunho cruel da selvageria de umas elites liberais e conservadoras que foram capazes de ordenar todo um genocídio para manter seus privilégios econômicos e políticos. Hoje, tratam de lavar suas culpas com infames desculpas: que a combinação das formas de luta, que ajustes de contas e lutas internas entre a UP e as FARC etc. Na realidade, a estigmatização por parte de altos funcionários do governo, militares e políticos tradicionais através dos grandes meios de comunicação instigou a matança que ainda se encontra na impunidade e, aliás, foi deixada à margem da recente “Lei de vítimas e restituição de terras”.
UM POLO DEMOCRÁTICO DEMONIZADO PELA MÍDIA E PELO PODER
Em 2005 se constitui o POLO DEMOCRÁTICO ALTERNATIVO, até agora o mais ambicioso movimento de unidade da esquerda. Nas eleições presidenciais de 28 de maio de 2006, nas quais resultou reeleito o presidente-candidato Álvaro Uribe Vélez, o ex-magistrado Carlos Gaviria, candidato do POLO, conquistou o segundo lugar, superando o candidato liberal Horacio Serpa e, assim, o Polo Democrático Alternativo obteve a máxima votação na história da esquerda colombiana, com 2.609.412 (22% da votação). A reação do governo de Uribe Vélez não se fez esperar, se desatou a mais violenta e sistemática atividade criminal para acabar com a oposição encarnada no POLO. Um jornal dos EEUU assinalou que “recursos dos Estados Unidos foram usados para espiar e adiantar campanhas de difamação contra os setores de oposição, entre outros”. A própria Promotoria qualificou como “empresa criminosa” a operação para difamar e atentar contra o POLO desde o DAS, e conspirar vinculando-o com grupos ilegais. O diretor de Notícias de RCN, Juan Gossaín, editorializou: “Isto não são chicotadas, isto é a espionagem mais horrenda e asquerosa e repugnante do mundo, com atentados terroristas”. Aproximadamente 20 líderes do Polo foram assassinados e mais de 49 ameaçados. Isto o Ministério do Interior sabe, porém pouco se está fazendo a respeito.
PERSPECTIVAS E PERIGOS QUE CERCAM A MARCHA
Desde a Marcha Nacional do Bicentenário de 19 a 21 de julho de 2010, que lotou as ruas de Bogotá, passando pelo Encontro multitudinário de Barrancabermeja de agosto de 2011, até a convocatória de 1.700 organizações sociais, partidos políticos, personalidades de toda a nacionalidade e mais de 100 delegações internacionais ao lançamento do Movimento Político e Social Marcha Patriótica, este período de 21 a 23 de abril de 2012 marca uma sequência da mobilização popular e uma guinada significativa da vida política nacional. É evidente que, para a maioria dos colombianos, este modelo de sociedade com a maior desigualdade de toda a América Latina, com uma classe dirigente belicosa e repressiva, um regime que facilita às transnacionais o saque do petróleo e dos minerais, uma pobreza que supera 67%, o maior índice de desemprego e precarização do trabalho dos últimos anos, com 5 milhões de deslocados e um roubo violento de terras, uma juventude à qual se fecham todas as possibilidades de estudo e uma crise de direitos humanos sem antecedentes, não é o modelo de sociedade com o qual sonhamos.
Tal como ocorreu nos últimos 60 anos, como se fosse um disco arranhado, todos a uma: Governo, FFAA, parapolíticos, meios de comunicação, gritam em coro que “a marcha patriótica é uma fachada das FARC”. Quem acreditaria... até há pouco apregoavam “o fim do fim” da guerrilha, e agora, de repente, vociferam que 100 mil marchantes chegados das mais diversas regiões do país, têm a ver com as FARC...!!! E os gastos? Não, senhores, não foi como o financiamento paramilitar da campanha Presidencial e de Congresso às elites em 2002 e, após, em 2006, que constitui o mais tenebroso período que conhece a história nacional. Neste caso, 1.700 organizações sociais financiaram, cada uma, sua própria mobilização, em meio a uma infinidade de retenções militares e de ameaças paramilitares como a do nordeste antioquenho; se alojaram em hotéis humildes e em barracas, se limitaram a comer pamonhas, arroz com frango e café. Com intoxicações incluídas. As precariedades a que estão acostumados os pobres durante lustros.
Não foi como na convenção nacional conservadora ou a convenção do Partido da U, movidas em aviões, alojadas em luxuosos resorts e comidas tipo buffet, com coquetel de despedida ao final, que tampouco passam por inumeráveis revistas do exército, senhor Presidente Santos.
A Marcha Patriótica não era uma convenção de banqueiros, industriais, pecuaristas, terratenentes e um que outro mafioso. Não. Na realidade, o que gerou suspeitas é que era uma convenção de desfarrapados, campesinos, indígenas e afrodescentes deslocados, sobreviventes do genocídio da UP, um que outro operário, um que outro intelectual, muitos jovens, boa parte deles estudantes, até artistas, a maioria mal letrados, porém que se fazem entender, deixando claro o que querem. O que tem incomodado é que se reuniram os que [a elite] tem proibido fazer política, os que lhes vedaram pensar na democracia, na paz e no poder. Lhes aterroriza que, assim como na Bolívia, não seja um alto executivo da capital quem governe, mas sim um índio vindo de longínquas terras.
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