Por Natalie Mistral,
guerrilheira das FARC-EP
Com
todo respeito aos milhões de torcedores que investiram toda sua
paixão na grande festa do mundial de futebol, não posso ficar
calada vendo o que acontece em nosso planeta, no exato momento em que
a grande maioria dos povos foca sua atenção no Brasil. Não
acredito surpreender ninguém, e minha intenção não é chocar os
apaixonados, recordando Eduardo Galeano, quando afirma que o futebol
é o novo ópio do povo, ou melhor, a arena onde os gladiadores do
século XXI apaziguam os anseios de justiça social da plebe mundial.
O
Estado israelense não poderia ter escolhido melhor momento para
levar a cabo sua mais recente invasão à Faixa de Gaza. Na verdade,
a quem interessa os palestinos esmagados sob as bombas invasoras,
quando estamos, ao fim, para coroar o vencedor da disputa mundial
mais midiatizada? O mundo retém sua respiração antes da próxima
batalha esportiva e nada poderá desviar sua atenção.
Este
novo ataque à Palestina não é uma surpresa. Não podemos, pois,
esquecer que a Faixa de Gaza é um território cercado
permanentemente e sob a constante ameaça. Este minúsculo pedaço de
terra é quase tudo o que resta da Palestina, que acolheu os judeus
que fugiam de outro holocausto, o perpetrado pela Alemanha nazista
nos anos da Segundo Guerra Mundial. Alemanha que se prepara para
ganhar a tão esperada partida final.
E
o mundo está olhando para outro lado, enquanto se leva a cabo a fase
final de um plano de aniquilação do povo palestino. Um genocídio
friamente calculado. Não me estenderei mais em comparativos
históricos, tristemente válidos, ainda que queira entender como um
Estado nascido de similar horror pode, com tal frieza, reproduzir uma
violência de que, há pouco mais de meio século, seu povo padecia.
Israel
detém um terrível recorde de violações aos direitos humanos.
Todos os organismos internacionais possuem pesados e bem documentados
dossiês sobre massacres, torturas e desaparecimentos, cujos alvos
principais são crianças e jovens, o que reforça a ideia de uma
vontade real de desaparecer com a população palestina. No entanto,
Israel parece realmente intocável. Então, apenas ficam os povos
solidários; protestar, gritar, marchar… nada tem sido
suficiente...
Porém,
o Estado de Israel não é o único a aproveitar a embriaguez
coletiva. A Ucrânia também foi palco de uma sangrenta ofensiva do
governo nacionalista de Kiev contra os territórios rebeldes, que
teve como resultado a morte de 500 civis e mais de 1500 feridos, em
sua primeira fase.
E
aqui, na Colômbia, o exército aproveitou semelhante oportunidade
para levar a cabo bombardeios indiscriminados, detenções
arbitrárias e execuções de civis em Catatumbo e em Meta. Os
habitantes de San José de Aparato acabam de denunciar práticas
similares, sem contar as denúncias de ataques paramilitares sobre
populações rurais, em muitas regiões do país. E
o Gooool!!! impede
escutar os gritos de dor das vítimas, como impede também de ouvir
as vozes dos homens e mulheres que, neste momento, estão se
preparando para abordar em todo o país o difícil tema da verdade
sobre o conflito colombiano.
Quase
ninguém faz nada e, assim, sonhando acordada, me ponho a pensar que
existe um pequeno grupo de indivíduos que teria o poder de
pressionar os povos e os estados. Dois times que podem concentrar e
redirecionar a grande energia popular para uma urgente solidariedade.
Seguindo o exemplo dos jogadores argelinos que deram seus prêmios de
participação no mundial às crianças da Faixa de Gaza, que bom
seria que os jogadores das seleções da Alemanha e Argentina possam,
como um gesto humanitário, negar-se a jogar a tão esperada final
mundial e, em troca, ir para as ruas e exigir a retiradas das tropas
israelenses da Faixa de Gaza.
Esta
ideia pode soar louca, mas me surge como um recurso ante a
passividade da chamada comunidade internacional. Estou certa da força
que nós, o povo, podemos exercer, se usarmos o poder de coesão e
decisão com que apoiamos nossas seleções, para o bem da
humanidade. A solidariedade pode ser a chave que desperta a
consciência.
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