quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A incrivel força do perdão no processo de paz.

Fonte:Revista Semana

As vítimas estão dando ao país uma lição de reconciliação. As Farc começam a pedir perdão pelos erros cometidos e o Estado também encara sua responsabilidade.

Algo muito profundo está mudando em Colômbia, pois o país começa a experimentar seriamente a possibilidade do perdão. Uma vez encerrada a Mesa de Havana entre o governo e as Farc, ambas partes estão cumprindo o que genericamente ficou proposto como atos prematuros de reconhecimento de responsabilidade. E não de qualquer maneira.

No dia 10 deste mês de setembro, antes de sair de Cuba, um grupo importante de dirigentes dessa guerrilha se encontrou pela primeira vez com os familiares dos 11 deputados do estado de El Valle sequestrados em 2002 e assassinados a sangue frio cinco anos depois. O encontro foi assustador. Dor e vergonha se entremearam com lágrimas. No princípio todos tremiam, houve queixas, pranto e raiva. Especialmente por parte de três jovens filhos dos políticos sacrificados: Carolina Charry, a primeira a falar, lhes disse “sou filha do deputado Carlos Alberto Charry, sequestrado e assassinado por vocês em cativeiro”; Sebastián Arismendi lhes confessou com raiva que algum dia quis matá-los e cobrar vingança; e Daniela Narváez, ainda que não tenha assistido ao encontro, enviou uma carta demolidora que fez chorar a todos.

As Farc mostraram uma faceta até agora desconhecida: com humildade acolheram as queixas e assumiram sem ambiguidades sua responsabilidade. Iván Márquez o fez primeiro de maneira genérica, quando disse que estes episódios tinham a ver com a degradação da guerra. Porém Pablo, quem comandava o bloco que cometeu esse aterrador crime, pronunciou as palavras que todos esperavam: “Não vamos evitar a responsabilidade. Estavam em nossas mãos, e não se pode reparar o irreparável, se trata de ressarcir o dano, que é diferente [...] A morte dos deputados foi o mais absurdo do que vivi na guerra, o episódio mais vergonhoso, não nos orgulhamos dele. Hoje, com humildade sincera, pedimos perdão. Oxalá vocês possam nos perdoar”.
Depois de quatro horas intensas, e assim que as Farc assumiram compromissos concretos com as famílias em termos de contar toda a verdade sobre o ocorrido, todos se uniram numa oração que os guias espirituais presentes propiciaram. Os familiares expressaram um sentimento geral de alívio após uma catarse coletiva. A maioria dos que falaram publicamente disseram que creem que os guerrilheiros atuaram com sinceridade e que seguirão apoiando o processo de paz.

Um dia depois deste encontro, as Farc se reuniram com delegados do bairro La Chinita, de Apartadó, no Urabá antioquenho. Ali esta guerrilha cometeu um massacre indiscriminado contra 35 pessoas, a maioria desmobilizados do EPL, em janeiro de 1994. Nos próximos dias se fará neste bairro um ato de reconhecimento similar igual ao que já se fez em Bojayá, Chocó, em novembro do ano passado, quando Pastor Alape viajou para admitir, com voz embargada, que não houve misericórdia para as 79 pessoas que morreram sob a pólvora e a metralha de um cilindro disparado pelas Farc em meio a um combate.

E num fato também histórico, e esperado há meses, Iván Márquez falou ao país por meio de um vídeo no qual reconheceu que as “retenções”, isto é, o sequestro, causaram “uma grande dor” nas famílias e na sociedade. Também disse que estas práticas devem ficar “sepultadas para sempre”.

Como os atos atrozes cometidos na guerra vieram de todos os bandos, e há um compromisso de que todos façam atos de reconhecimento, na última quinta-feira o presidente Santos admitiu que “o Estado não fez o suficiente para evitar a tragédia da UP”, num auditório onde se lhe rendia tributo aos militantes desse grupo que caíram sob as balas da guerra suja. Usou em várias ocasiões, citando ao Conselho de Estado, a palavra “extermínio” e se comprometeu a que essa história não se repetirá nunca mais. Este é um ato de contrição transcendental porque é recíproco com os gestos que as Farc vêm fazendo, e é o reconhecimento tático de que o Estado também foi parte na degradação do conflito.

Que importância tem o perdão?

Possivelmente o mais revelador destes atos de perdão é que demonstram que o processo de paz transformou aos guerrilheiros. As Farc haviam sido reticentes a reconhecer seus erros. Quando se instalaram as conversações de paz em Oslo, Noruega, em fins de 2012, Jesús Santrich disse que “talvez, talvez, talvez” reconheceriam a suas vítimas, o qual se converteu numa bofetada mais para elas. Timochenko e outros chefes dessa guerrilha haviam dito em várias ocasiões que não pediriam perdão porque não tinham nada de que se arrepender. Por sua vez, dentro do governo se falou de que os crimes de guerra cometidos desde sua margem eram produto de umas quantas “maçãs podres” e não do Estado como tal.

Esse mudança é importante porque demonstra que há uma vontade de não repetir a história. Também que as narrativas heroicas próprias da guerra estão chegando a seu fim, o qual é uma guinada na ética política que tem predominado no país.

A isso se soma que os atos de perdão superam a retórica porque estão acompanhados de compromissos práticos de verdade exaustiva e de reparação. No caso dos deputados, a guerrilha tentará devolver aos familiares os pertences que tiveram no cativeiro, e no da UP o governo se compromete no esforço de proteger e não estigmatizar este movimento e outros similares.

Em segundo lugar, o perdão, ainda que não está contemplado como tal no acordo de Havana, pode assimilar-se a um ato de reparação na medida em que eleva as demandas das vítimas acima dos interesses das partes envolvidas. Não em vão os familiares dos deputados expressaram a sensação de haver alcançado algo de justiça com o ato dos guerrilheiros. Adicionalmente, estas petições de perdão se estão dando num contexto de fim do conflito, no qual haverá um sistema de justiça integral, baseado na verdade e na restauração, em que também haverá sanções e castigos. Não são portanto fatos isolados que possam ser considerados banais, cosméticos ou rodeados de oportunismo político.

Finalmente há que considerar que, como o disse Óscar Tulio Lizcano, quem também esteve sequestrado pelas Farc, o perdão é uma virtude política na medida em que permite à sociedade assimilar o passado e olhar pro futuro. O perdão como experiência pessoal e coletiva assenta as bases da reconciliação. Assim ocorreu na África do Sul, onde houve uma verdadeira catarse das injustiças do apartheid em diversos espaços. “Sem perdão não há futuro”, dizia o bispo Desmond Tutu, guardião espiritual desse processo de transição à democracia.

Dado que o tempo do perdão apenas começa, o país verá no futuro muitos destes atos. Porém serão pontuais e sobre os fatos mais atrozes cometidos. Ainda que alguns setores esperam um arrependimento geral da guerrilha e outros esperam do próprio Estado, isso dificilmente ocorrerá. As Farc estão dispostas a reconhecer os excessos da guerra e de seus atos de barbárie, porém não vão renegar totalmente seu passado, pois consideram que levantar-se em armas contra o regime político, com toda a violência que isso implica, tinha uma justificativa histórica.

Por enquanto, as vítimas estão dando ao país uma lição ética e política. Estão dizendo que em Colômbia podem conviver vítimas e vitimários, numa nova relação humana, se se quer que as novas gerações tenham um país diferente. Isso expressa a pungente carta que Sebastián Arismendi publicou em seu Facebook. As vítimas estão mostrando ao país um novo alfabeto para reescrever as páginas do futuro.

Crônica de uma catarse

Sebastián Arismendi, filho do deputado Héctor Fabio Arismendi, contou no Facebook como transformou sua vida o encontro com as Farc.

Hoje sinto uma tranquilidade que nunca em mina vida havia sentido, sinto uma paz interior que necessitava desde há muito tempo, hoje posso dizer que por fim meu pai pode ir descansar em paz.

Não vou mentir pra vocês, antes de me deitar e dormir na noite anterior tinha muitos medos, pensava como ia ser esse momento quando visse aos que assassinaram o meu pai: Iván Márquez, Pablo Catabumbo, Rodrigo Granda e Joaquín Gómez.
Simplesmente acreditava que não ia suportar tanta pressão e simplesmente sairia correndo dali implorando por justiça.

Ao amanhecer, a ansiedade não me abandonava, as tonturas e o estresse eram os que primavam em mim. Portanto, não fui capaz de desjejuar e parti para o meu encontro com o estômago vazio porém cheio de medos e dores em meu coração. O momento havia chegado, olhei para o céu implorando ao Espírito Santo que me desse a força para enfrentar a situação. Nesse momento, eles entraram, e lhes confesso que não senti nada, me enchi de força e me pus de pé a exigir-lhes a verdade. Mostrei toda minha dor e sofrimento durante todos estes anos, lhes disse algo que sempre tinha querido dizer-lhes: eu jurei matar a todos vocês quando tinha só 9 anos, com lágrimas em meus olhos e com a alma destroçada, pelo assassinato de meu pai. No entanto, lhes disse que já os havia perdoado e também já me havia perdoado e por isso eu era livre e feliz.

Porém eles, como nunca o esperava [nunca esperei nada deles], me ouviram com respeito e punham atenção a todas minhas palavras. Ao final, Pablo Catatumbo tomou a palavra e nos disse: ‘Não nos orgulhamos do assassinato dos deputados, isso nunca deveria ocorrer. Hoje fazemos um reconhecimento público e pedimos perdão. Oxalá vocês também nos perdoem’, e Iván Márquez assegurou: ‘Desde o mais profundo de nosso ser sentimos sua dor. Permita-nos que nossos sentimentos os abrace, e pedir-lhes perdão por esta situação’. Ademais de muitas outras palavras que diziam sem um roteiro em suas mãos. Sinceramente, jamais esperei que eles pedissem perdão, sempre se caracterizaram por serem duros e orgulhosos, ontem desconheci ao Iván Márquez de sempre, se via triste e não repreendia nenhum de nossos requerimentos.

Por todo o acima exposto, algo muito estranho passava em meu corpo, o sofrimento foi desaparecendo de mim, e sentia que havia obtido justiça, porque me dei conta de que vendo-os no cárcere não me traria o meu pai de volta, porém obrigando-os a ouvir-me e ouvi-los arrependidos pelo que fizeram me fez sentir grande e a eles vê-los muito pequenos. Finalmente, saí com um sorriso em meu rosto e via como meu pai se sentia orgulhoso de mim no céu, porque compreendi que sua vida foi entregue para que a Colômbia fosse uma muito melhor.

Te amo, papai, sempre estarás em minha mente e no meu coração, e te juro que minha vida será para cumprir o sonho que ambos tivemos: ver a Colômbia como uma nação muito melhor para todos nós”.

“Nossa única arma será a palavra”







Por Timoleón Jimńez, Comandante em Chefe das FARC
Minhas primeiras palavras, após a firma deste Acordo Final, vão dirigidas ao povo da Colômbia, povo bondoso que sempre sonho com este dia, povo abençoado que nunca abandonou a esperança de poder construir a pátria do futuro, onde as novas gerações, isto é, nossos filhos e nossos netos, nossas mulheres e homens, possam viver em paz, democracia e dignidade, pelos séculos dos séculos.
Penso também nos marginalizados que povoam os cinturões de miséria desta Cartagena, a Cidade Heroica, que, desejando estar aqui nesta celebração, não puderam fazê-lo. A eles e elas lhes estendo minha mão de irmão e os abraço com o coração. Vocês, junto ao restante da sociedade colombiana, também serão artífices da semeadura da paz que apenas começa.
Se diz que esta legendária cidade de mar, de praias preciosas, de brisa, de muralhas antigas, de história corajosa e gente extraordinária conseguiu enamorar a nosso Nobel Gabriel García Márquez, quem chegou a dizer: “me bastou com dar um passo dentro da muralha para vê-la em toda sua grandeza à luz violeta das seis da tarde, e não pude reprimir o sentimento de ter voltado a nascer”. Pois assim estamos hoje com certeza os que assistimos a este ocaso do dia em que renascemos para lançar a andar uma nova era de reconciliação e de construção de paz.
Compatriotas: esta luta pela paz, que hoje começa a dar seus frutos, vem desde Marquetalia impulsada pelo sonho de concórdia e de justiça de nossos pais fundadores, Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas, e mais recentemente pela perseverança do inesquecível comandante Alfonso Cano. A eles, e a todos os caídos nesta gesta pela paz, nosso eterno reconhecimento.
Como vocês sabem, a X Conferência Nacional de Guerrilheiros das FARC-EP referendou de maneira unânime os Acordos de Havana e mandatou a criação do novo partido ou movimento político, o qual configura a passagem definitiva da forma de luta clandestina e levantamento armado à forma de luta aberta, legal, para a expansão da democracia.
Que ninguém duvide que vamos para a política sem armas. Preparemo-nos todos para desarmar as mentes e os corações.
Doravante, a chave está na implementação dos acordos, de tal maneira que o escrito no papel cobre vida na realidade. E para que isso seja possível, ademais da verificação internacional, o povo colombiano deverá se converter no principal garantidor da materialização de todo o pactuado.
Nós vamos cumprir, e esperamos que o governo cumpra.
Nossa satisfação é enorme ao constatar que o processo de paz da Colômbia já é uma referência para a solução de conflitos no mundo.
Quanto desejamos que a autoridade palestina e Israel encontrem o caminho da reconciliação. Como desejamos de coração que na Síria se silenciem as bombas e o horror de uma guerra que vitimiza a um povo, que o desterra e o obriga a lançar-se ao mar em botes inseguros para buscar refúgio em países que também os rechaçam, e os reprimem, sem nenhum sentimento de humanidade. Paz negociada para a Síria, pedimos desde ultramar, desde Cartagena de Índias!
Paz para o mundo inteiro; não mais conflitos bélicos com seus terríveis dramas humanos, nos quais mulheres, meninas e meninos comovem com suas lágrimas e tristezas.
Com o Acordo que hoje subscrevemos, aspiramos pôr um ponto final em Colômbia à longa história de lutas e enfrentamentos contínuos que dessangraram nossa pátria, como destino cruel e fatal desde precoces épocas. Só um povo que viveu entre o espanto e os padecimentos de uma e outra guerra, durante tantas décadas, podia tecer pacientemente os sonhos de paz e justiça social, sem perder nunca a esperança de vê-las coroadas por caminhos distintos à confrontação armada, mediante a reconciliação e o perdão. Um povo que anseia que a perseguição, a repressão e a morte e o acionar paramilitar, que ainda persistem, assim como múltiplas causas do conflito e da confrontação, possam ser superadas em forma definitiva.
A mais recente cúpula da CELAC determinou, com o consenso de todos os países da América Latina e do Caribe, que esta parte do mundo deve ser um território de paz. O Acordo Final de Havana chega a ratificar esse propósito pondo fim ao mais longo conflito do continente. A Terra inteira deveria ser declarada território de paz, sem espaço algum para as guerras, para que todos os homens e mulheres do orbe possamos chamar-nos e atuar como efetivamente somos, irmãos e irmãs sob a luz do sol e da lua, deixando para trás qualquer faísca de miséria e desigualdade.
O tratado de paz que subscrevemos hoje em Cartagena não só põe fim a um conflito nascido em Marquetalia, no ano de 1964, como também aspira a cerrar para sempre a via das armas, tão longamente transitada em nossa pátria. Quem sabe que vandálico se não tomou posto em amplos setores da classe dirigente colombiana, desde o próprio grito da independência de Espanha, pois as incontáveis guerras civis do século XIX proporcionam o lúcido testemunho da odiosa mania de pretender solucionar todas as diferenças a tiros, eliminando fisicamente ao contendor político e não derrotando suas ideias com apoio popular; encobrindo dessa forma propósitos obscuros para a preservação e prolongação de um regime de privilégios e de enriquecimento em benefício próprio.
Em nosso parecer, toda forma de violência é em sentido filosófico e moral um atentado contra a humanidade inteira, porém dolorosamente constitui por sua vez um dramático testemunho da história humana.
Se alguma coisa a história tem demonstrado é que não há povo que suporte indefinidamente a brutalidade do poder, ainda que depois o chamem com os apelativos que queiram. Do mesmo modo, os povos, vítimas iniciais e finais de todas as violências, são por sua vez os primeiros em sonhar e desejar a paz e a convivência arrebatadas. Todo povo ama seus meninos e meninas e sonha com esperança um futuro feliz para eles. Essa tem sido nossa incessante busca.
Pactuamos em Havana a realização de rigorosas investigações sobre o esclarecimento da verdade histórica do conflito colombiano. Deixemos, portanto, a elas as conclusões finais. Porém que se reconheça que as FARC-EP sempre tentamos, por todos os meios, evitar à Colômbia as desgraças de um prolongado enfrentamento interno. Outros interesses, demasiado poderosos no plano internacional e nos centros urbanos e nos campos do país se encarregariam de inclinar a balança no sentido contrário através de múltiplos meios e de uma intensa ação comunicativa na qual a manipulação midiática e a mentira fizeram parte do pão de cada dia.
Não obstante, jamais se poderá apagar da história que, durante mais de trinta anos, cada processo de paz significou uma conquista da insurgência e dos setores populares que o exigiam. E que, portanto, temos pleno direito a declarar como uma vitória destes a subscrição deste Acordo Final pelo Presidente Juan Manuel Santos e a comandância das FARC-EP. Sendo igualmente justos, há que dizer que este tratado de paz é também uma vitória da sociedade colombiana em seu conjunto e da comunidade internacional.
Sem esse amplo respaldo social e popular que foi crescendo ao longo e ancho da pátria durante estes últimos anos, não estaríamos frente a este magnífico acontecimento da história política do país. Hoje devemos agradecer, por sua contribuição na conquista deste propósito coletivo, às mulheres e aos homens desta bela terra colombiana, aos campesinos, indígenas e afrodescendentes, aos jovens, à classe trabalhadora em geral, aos artistas e trabalhadores da arte e da cultura, aos ambientalistas, à comunidade LGTBI, aos partidos políticos e os movimentos sociais, às diferentes comunidades religiosas, a importantes setores empresariais e, sobretudo, às vítimas do conflito. Nossos meninos e nossas meninas, os mais beneficiados, pois eles são a semente das gerações futuras, nos comoveram com suas grandiosas expressões de doçura e esperança.
Devemos admitir que nosso propósito de busca de uma saída política ao dessangramento fratricida da Nação encontrou no Presidente Juan Manuel Santos um corajoso interlocutor, capaz de enfrentar com integridade as pressões e provocações dos setores belicistas. A ele lhe reconhecemos sua comprovada vontade por construir o Acordo que hoje se firma em nossa Cartagena heroica.
Pela primeira vez em mais de um século se conseguiu por fim somar suficientes vontades para dizer não aos amigos da guerra, que durante tanto tempo se apoderaram do acontecer nacional para mergulhá-lo num caos interminável e doloroso.
Toda esta construção social e coletiva pôde render frutos graças ao incansável apoio dos países garantidores. Nosso agradecimento a Cuba, ao Comandante dessa gloriosa Revolução, Fidel Castro Ruz, ao General de Exército e Presidente Raúl Castro Ruz e ao povo cubano em geral. Igualmente ao Reino da Noruega e a todo o povo norueguês por decidido apoio ao processo.
Reconhecimento especial merece o Comandante Hugo Chávez, sem cujos trabalhos, pacientes como discretos, este final feliz não haveria tido começo. A Nicolás Maduro, continuador desse generoso esforço de paz, em sua condição de Presidente da República Bolivariana de Venezuela, país acompanhante, e desde logo ao povo da irmã república. Nosso agradecimento ao Chile, em sua qualidade de país acompanhante, a seu povo, a sua presidenta Michelle Bachelet. Também à Organização das Nações Unidas. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América e de todos os povos do mundo.
Com o Acordo Final se deu um transcendental passo adiante na busca de um país diferente, comprometendo-se a uma Reforma Rural Integral, para contribuir com a transformação estrutural do campo. Promoverá uma Participação política denominada Abertura democrática para construir a paz, com a qual se busca ampliar e aprofundar a democracia. As FARC-EP deixamos as armas ao tempo em que o Estado se compromete a proscrever a violência como método de ação política. Isto é, a pôr fim definitivo à perseguição e ao crime contra o opositor político, a dotá-lo de plenas garantias para sua atividade legal e pacífica. Junto com o Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo e a Deixação de Armas, com os quais termina para sempre a confrontação militar, foi pactuada a Reincorporação das FARC-EP à vida civil no econômico, no social e no político de acordo com nossos interesses, e se subscreveu o acordo sobre Garantias de segurança e luta contra as organizações criminais ou paramilitares que dessangram e ameaçam a Colômbia.
Especial atenção merece a previsão do Pacto Político Nacional, por meio do qual o governo e o novo movimento político surgido de nosso trânsito à atividade legal promoveremos um grande acordo nacional e desde as regiões com todas as forças vivas da Nação, a fim de fazer efetivo o compromisso de todos os colombianos e colombianas, para que nunca mais sejam utilizadas as armas na política, nem se promovam organizações violentas como o paramilitarismo. Materializando-se este propósito comum, a Colômbia terá conseguido dar um gigantesco passo adiante no caminho da civilização e do humanismo.
De algo estamos bem certos, se este Acordo Final não deixa satisfeitos a setores das classes abastadas do país, por outro lado representa uma lufada de ar fresco para os mais pobres da Colômbia, invisíveis durante séculos, e para os e as jovens em cujas mãos se encontra o futuro da pátria, os quais serão a primeira geração de nacionais que cresce em meio a paz.
São quase três centenas de páginas as que contém o Acordo Final que subscrevemos aqui, difíceis de resumir em tão breve espaço. Sua firma não significa que capitalismo e socialismo começaram a soluçar nos braços um do outro. Aqui ninguém renunciou a suas ideias, nem arriou suas bandeiras derrotadas. Acordamos que seguiremos confrontando-as abertamente na arena política, sem violência, num apoteótico esforço pela reconciliação e o perdão; pela convivência pacífica, o respeito e a tolerância; e sobretudo pela paz com justiça social e democracia verdadeira.
Relembrando a São Francisco de Assis, devemos repetir-nos que quando se nos preenche a boca falando de paz devemos cuidar primeiro de ter nossos corações cheios dela.
Em todos os cenários possíveis continuará retumbando nossa voz contra as injustiças inerentes ao capitalismo, denunciando a guerra como o instrumento favorito dos poderosos para impor sua vontade aos fracos por meio da força e do medo, clamando pela salvação e a conservação da vida e da natureza, exigindo o fim de qualquer forma de patriarcado e discriminação, propondo saídas verdadeiramente humanas e democráticas a todos os conflitos, certos de que a imensa maioria dos povos prefere a paz e a fraternidade sobre os ódios, e merecem portanto ocupar um lugar de privilégio na adoção das decisões que envolvem o futuro de todos.
Colômbia requer transformações profundas para fazer realmente verdadeiros os sonhos da justiça social e do progresso. A paz é sem dúvida alguma o elemento essencial para os grandes destinos que nos esperam como nação, que deverão caracterizar-se mais por suas luzes que por seu poderio, como diria o Libertador.
Para fazê-lo possível, nossa pátria requer, ademais de um renascimento ético, da restauração moral que predicava Jorge Eliécer Gaitán antes de ser assassinado naquele fatídico 9 de abril de 1948. O enriquecimento fácil e a descarada mentira, a discórdia semeada nas mentes dos cidadãos pela mentira midiática habitual, a farsa da educação fundada na sede de lucro de empresários sem princípios, a alienação cotidiana semeada pela publicidade mercantil, entre outros graves males, exigem, para superá-los, o melhor dos valores humanos de nossos compatriotas.
A sociedade colombiana tem que ser claramente inclusiva no econômico, no político, no social e no cultural. O Estado colombiano, após a firma deste Acordo, não pode seguir sendo o mesmo em que se permite que a saúde seja um negócio. Os tristemente famosos corredores da morte e as agonias às portas dos hospitais têm que desaparecer para sempre. Não mais famílias condenadas à rua e à miséria, por conta das usurárias dívidas com o sistema financeiro ou os bandos do gota a gota. A segurança com a qual tanto sonham os colombianos e as colombianas não deve depender tanto do tamanho das forças de segurança do Estado como do combate a pobreza e a desigualdade e a falta de oportunidades da qual padecem milhões de compatriotas, fonte real das formas mais sentidas da delinquência. Os serviços públicos devem chegar a todos e a todas. É a essa tarefa que nos propomos somar-nos desde agora, sem arma diferente que nossa palavra. E é isso o que o Estado colombiano prometeu solenemente respeitar e proteger.
Ao contrário dos que apregoam que nosso ingresso na política aberta em Colômbia constitui uma ameaça, sentimos que milhões de colombianos e colombianas nos estendem seus braços generosos, e felicitam a seu governo por haver alcançado pelo menos a terminação do conflito armado, entre seus diferentes propósitos. De todas as partes do mundo recebemos emocionados saudações de aplauso pelo conseguido. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América, voltam a nos repetir todos os governos do continente.
Ante eles selamos nosso compromisso de paz e reconciliação. Onde queira que doravante plante seus pés um antigo combatente das FARC-EP, podem ter a certeza de encontrar a uma pessoa decente, serena e sensata, inclinada ao diálogo e à persuasão, a uma pessoa disposta a perdoar, simples, desprendida e solidária. Uma pessoa amiga das crianças, dos humildes e ansiosa por trabalhar por um novo país de modo pacífico.
Quase cinco anos atrás, numa nota destinada a ser lida pelo Presidente Santos, a poucos dias de produzida a morte de nosso Comandante Alfonso Cano, terminava dizendo-lhe “assim não é, Santos, assim não é”. Com a convicção de que a Colômbia merecia um acordo muito melhor e que talvez com um pouco mais de vontade teríamos conseguido, devo reconhecer que o firmado hoje constitui uma luz de esperança, prenhe de anseios de paz, justiça social e democracia verdadeira, um documento de descomunal transcendência para o futuro de nossos filhos e filhas e da pátria inteira.
Os mais de dez bilhões de dólares investidos na guerra pelo Plano Colômbia e o gigantesco gasto para o financiamento da guerra teriam servido para solucionar boa parte dos males do povo colombiano. Porém, como diria nosso comandante Jorge Briceño, já não é tempo de chorar, senão que de marchar para adiante. Depois de centenas de milhares de mortos e milhões de vítimas, ao subscrever juntos este documento, lhe digo, Presidente, com emoção patriótica, que este sim era o caminho indicado, assim, sim, era.
Os soldados e policiais da Colômbia haverão de ter claro que deixaram de ser nossos adversários, que para nós está definido que o caminho correto é reconciliação da família colombiana. Esperamos deles, como o asseguraram vários de seus mais destacados mandos, que jogaram importante papel na Mesa de Havana, um olhar distinto ao qual sempre nos reservaram. Todos somos filhos do mesmo povo colombiano, nos afetam por igual seus grandes problemas.
A nossas guerrilheiras e nosso guerrilheiros, a nossos prisioneiros e prisioneiras de guerra, a suas famílias, a nossos licenciados de fileiras e mutilados, queremos enviar-lhes uma mensagem de alento, vocês viveram e lutaram como heróis, abriram com seus sonhos o caminho da paz para Colômbia. Os três monumentos que serão construídos com suas armas darão testemunho eterno do que representou a luta das e dos combatentes das FARC-EP e do povo humilde e valente desta pátria.
Colômbia espera agora que, graças à necessária diminuição da porcentagem do gasto público destinado à guerra que o fim da confrontação deverá trazer e o consequente aumento do investimento social, nunca jamais, nem em La Guajira, nem no Chocó, nem em nenhum outro espaço do território nacional tenham por que continuar morrendo meninos e meninas de fome, desnutrição ou enfermidades curáveis.
Coroamos, por via do diálogo, o fim do mais longo conflito do hemisfério ocidental. Somos os colombianos e colombianas, por tanto, um exemplo para o mundo: que doravante sejamos dignos de levar uma honra semelhante. Reconheçamos que cada uma e um de nós temos a quem chorar. Perdemos a filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas.
Glória a todos os caídos e vítimas desta longa conflagração que hoje termina!
Em nome das FARC-EP ofereço sinceramente perdão a todas as vítimas do conflito, por toda a dor que tenhamos podido ocasionar nesta guerra.
Que Deus abençoe a Colômbia. Se acabou a guerra. Estamos começando a construir a paz. O amor de Mauricio Babilonia pela Meme poderá ser agora eterno e as borboletas que voavam livres atrás dele, simbolizando seu infinito amor, poderão agora multiplicar-se pelos séculos cobrindo a pátria de esperança.
Bem-vinda esta segunda oportunidade sobre a Terra!
Cartagena de Índias, 26 de Setembro de 2016
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

http://videos.telesurtv.net/video/594940/colombia-todo-listo-en-cartagena-para-firma-del-acuerdo-final-de-paz


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O conflito social e armado da Colômbia passa a ser visto como mais um Processo histórico

Por Alberto Pinzón Sánchez
Em 1968, o historiador Eric Hobbawm escrevia que a denominada “Violência liberal-conservadora” havia sido “provavelmente a maior mobilização armada de campesinos na história recente do Hemisfério Ocidental, com a possível exceção de determinados períodos da Revolução mexicana”.
Hoje [24.9.2016], 48 anos depois de escrita esta contundente afirmação e depois de comprovar a comoção mental causada na opinião pública nacional e internacional pela X Conferência Guerrilheira das FARC-EP, realizada em seu refúgio amazônico das planícies do Yarí, e que sem ser derrotada militarmente deu por concluída uma das mais importantes prolongações daquela mobilização armada à qual se referia o ilustre historiador Hobsbawm
Hoje se lhe pode acrescentar que não só foi a “maior” como também a mais prolongada e não derrotada mobilização armada ocorrida no hemisfério ocidental, formada majoritariamente por gentes do campo; por campesinos, por pobres do campo e por assalariados agrícolas, porém também por operários, camadas médias e intelectuais urbanos, os quais em sua práxis criadora e transformadora abraçaram e fundiram numa só as ideias de Marx, de Lênin, de Bolívar, de Mariátegui, de Gramsci, de Ernesto Guevara e de Fidel, do legendário povo Vietnamita e de tantos exemplos libertadores mundiais, conservaram-nas sem “poluições” no oxigênio pleno das selvas colombianas e fizeram-nas suas e inseparáveis.
A história que se está escrevendo porque é totalmente nova e inédita por seu aspecto de massas [a história a fazem as massas] que contradiz totalmente as versões de tantos “colombianólogos e violentólogos” fretados, nacionais como anglo-saxões e franceses, deverá dar conta dos detalhes do que o mundo inteiro acaba de presenciar. Lamentavelmente Hobsbawm não está para escrevê-la e inseri-la na globalidade de uma história do Século XXI:
A mobilização armada que ele analisou finaliza depois de mais de 70 anos, arrancando ao “establishment” [como ele chamava ao regime de dominação Estatal imperante] não só alguns pactos políticos concretos para pôr em correspondência ou “modernizar” a estrutura com a superestrutura da formação social colombiana, como também chega convertida numa formidável Força Política plenamente consciente de seu potencial histórico transformador.
Como diria um “politólogo” atual, convertida num “sujeito político e histórico pleno”, forjado em meio a uma desigual e espantosa luta por não se deixar exterminar pela mais cruel e sanguinária oligarquia do hemisfério ocidental, apoiada sem reservas pelo mais poderoso Imperialismo global conhecido pela Humanidade e aparecendo de repente como parte da colorida e alegre paisagem.
Como se saísse de entre as árvores onde se protegia, nessa isolada e prodigiosa paragem do divisor de águas das planícies do Orinoco com as selvas do Amazonas chamado “o Yarí”; consciente de seu poderio transformador e reivindicando todas as suas raízes, suas tradições e seus mitos fundacionais ou de origem e, de frente com o novo Processo de transição histórica para o futuro que acaba de forçar.
Porém não é tudo, o mais importante e que a hipócrita e paroquial mentalidade dominante em Colômbia tem minimizado ao máximo; contando com o reconhecimento e a legitimação de toda, toda, a comunidade Internacional e mundial pelo que acaba de transformar.
Obviamente sou partidário de que no Plebiscito no próximo 2 de outubro ganhe o Sim e a referenda do pactuado, porque é a maneira mais ética e de política racional de que esse pacto se cumpra de uma maneira expedita ou talvez com menos traumatismos.
Porém, se ganha o Não. “Considerando friamente, imparcialmente que o homem, esse triste mamífero, tosse, ri, se penteia e se abotoa, que procede suavemente para o trabalho”, como diria o poeta peruano Cesar Vallejo; não me cabe a menor dúvida de que, qualquer que seja o cenário eleitoral que surja no “pós”-Plebiscito [para estar na moda pós moderna], o resultado final para ambos é e será irremediavelmente uma Assembleia Nacional Constituinte; paradoxalmente, contra o querer dos impulsadores do Não, talvez mais rápida e abrupta com Não do que se ganha o SIM.
Um dos analistas mais agudos da contra insurgência transnacional e raivoso anticomunista que é o colunista da revista Semana, Alfonso Cuellar, acaba de escrevê-lo. Se deve ler sua percepção dolorida e triste sobre o processo que conclui e sobre o outro que se abriu (ver http://www.semana.com/opinion/articulo/alfonso-cuellar-lo-que-esta-en-juego-con-el-no/494866)
Então, alguém pode tranquilamente voltar a Hobsbawm para comprovar que o escrito em 1968 sobre a Violência bipartidarista em Colômbia se correspondia com a realidade da História do Século XXI; porém que em Colômbia, pela camada impenetrável de basalto Estatal [hegemonia+coerção] construída pela contra insurgência transnacional, esse século XX se prolongou até bem entrado o século XXI. Até o inolvidável e histórico ano de 2016, ano do Acordo de Havana entre o Estado colombiano e a Insurgência [de maioria rural] das FARC-EP, que converteu o chamado conflito social armado da Colômbia em mais um Processo histórico.
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

domingo, 18 de setembro de 2016

Palavras do Comandante Timoleón Jiménez na instalação da Décima Conferência Nacional Guerrilheira


Camaradas:

Nos encontramos reunidos aqui, após cinquenta e dois anos contínuos de confrontação política e militar com o Estado colombiano, com o propósito de realizar nossa Décima Conferência Nacional, máximo evento democrático contemplado em nossos Estatutos. Ademais do Estado-Maior Central e seu Secretariado, estão aqui presentes os delegados e as delegadas eleit@s por votação nas Assembleias de Guerrilheiros cumpridas em cada em cada Frente, Coluna, Companhia e Guerrilha. Uma representação a mais ampla possível de todos os guerrilheiros e guerrilheiras das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo.
 
Contrariamente a como apregoam nossos contraditores e críticos gratuitos, as FARC-EP nos encontramos muito longe de ser uma organização de exclusiva natureza militar, regida pelos caprichosos critérios de um corpo de mandos ambiciosos. Se algo nos caracterizou desde nosso mesmo nascimento, é precisamente nossa natureza rigorosamente política, fundada na mais ampla democracia, com uns lineamentos políticos, militares e culturais tecidos pelo conjunto de seus integrantes desde suas primeiras conferências nacionais. Foram estas as encarregadas de designar, mediante o voto de todos os seus participantes, aos membros de sua direção nacional, mandatado assim pelo coletivo para se encarregarem da execução das linhas traçadas por ele, e para responder por seu desempenho ante a seguinte Conferência.

Vocês podem dar fé da existência das células partidárias, onde os integrantes de cada esquadra ou unidade básica gozam de plena liberdade, para mostrar os defeitos e erros tanto de seu corpo de mandos como de todos os seus militantes, em reuniões semanais ou quinzenais, e nas quais os comandantes de todos os escalões estão obrigados a participar, sem direito a ocupar cargos de representação, que de algum modo pudessem constranger a expressão livre do coletivo.

Também podem predicar a contínua prática de balanços, nos quais as guerrilheiras e os guerrilheiros gozam do pleno direito para expressar sua opinião em relação às tarefas ou missões objeto de análise. E da realização das Assembleias de cada unidade, pelo menos uma vez ao ano, nas quais o coletivo reunido analisa e debate o trabalho cumprido por mandos e combatentes de base, no curso do período submetido a análise.

Sem sombra de dúvidas, foi essa contínua prática democrática a que nos permitiu permanecer coesos e ferreamente unidos, ante os enormes desafios de natureza militar e política que nos tocou enfrentar ao longo destas cinco décadas. Graças a ela saímos sempre adiante, convictos de que nossas decisões e atuações não são o produto de nenhum gênio individual mas sim o amadurecimento de um pensamento coletivo cuidadosamente construído com a colaboração de todos. E é por isso que na execução do conjunto de nossas políticas os combatentes das FARC-EP temos atuado com o entusiasmo de quem se sabe comprometido por uma causa comum, entregando o melhor de si com a convicção plena de estar fazendo o justo.

Aqueles que desconhecem essa natureza das FARC não podem se explicar como os 48 campesinos marquetalianos passaram a se converter nas/nos milhares de mulheres e homens, que compõem a formidável organização que chegamos a ser após várias décadas de luta, e portanto buscam explicar esse prodigioso fato histórico lançando mão das mais aventureiras teorias, encaminhadas sempre a desconhecer a poderosa força criadora da consciência e da organização popular. Um povo unido e organizado devidamente constitui uma força invencível.

As FARC não só resistimos à mais longa e violenta investida empreendida pelo poder imperial e seus aliados do capital nacional e do latifúndio, contra um exército guerrilheiro e um povo declarado em rebeldia, como também conseguimos nos sentar à mesa de conversações com eles, e levar avante um Acordo Final de Terminação do Conflito, com o que fica definitivamente claro que nesta guerra não existem vencedores nem vencidos, ao tempo em que nossos adversários se veem obrigados a reconhecer nosso direito pleno ao exercício político, com as mais amplas garantias. Para nós é claro como e por que o conseguimos. E queremos que aqueles que ainda têm dúvidas sobre nossa luta se aproximem e reconheçam a vontade que nos assiste de entregar todas as energias pelo novo país com que a maioria de colombianos e colombianas sonham.  
 
Vocês sabem bem, e estão em condições de expô-lo com a consciência limpa ante a imprensa nacional e estrangeira aqui presente, ou em qualquer outro cenário, que as FARC-EP sempre pregamos o respeito à população civil, a seus interesses e bens, acima de qualquer circunstância. Que essa população, a qual conhecemos com o nome de massas, tem sido portanto nosso suporte fundamental ao longo de todos estes anos. Em nossa experiência repousam milhares e milhares de exemplos nos quais famílias campesinas, indígenas, negras ou de condição humilde do campo e da cidade nos brindaram apoio incondicional e protegido nossa força e a seus integrantes de múltiplas maneiras, ainda sob o risco de sua própria vida ou liberdade, ameaçadas permanentemente pela fúria das forças estatais ou paramilitares. Sabemos que no coração e na mente da gente simples e honesta que nos conhece em pessoa, e que trata diariamente conosco, aninha uma verdade completamente diferente da apregoada pelos meios de comunicação que estão a serviço da oligarquia.

A Paz reclama que o poder midiático não continue se utilizando como um instrumento mais da guerra. Façamos de seu potencial e eficácia uma ferramenta para a reconciliação entre as colombianas e os colombianos. Há com efeito outra Colômbia, outro acumulado de histórias e verdades que esperam sua oportunidade. Aqui estamos nos preparando para isso, com o afeto e a solidariedade de muita gente de nosso país e de todo o mundo. Nossa mais profunda aspiração é chegar com nossa mensagem a muito mais, até conseguir que a torrente pelas grandes transformações se torne irreprimível. 

O significado do Acordo Final para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura é ainda mais importante do que parece à primeira vista. Se nossos adversários querem apregoar que ganharam a guerra, lá eles. Para as FARC-EP e nosso povo, a maior satisfação será sempre haver ganhado a paz.

Certamente que desta Conferência Nacional haverão de surgir múltiplas conclusões distintas a seu objetivo primordial. Uma delas deverá ser o eterno agradecimento aos povos e aos governos de Cuba e da Noruega, que como países garantidores fizeram até o impossível para conseguir com que este difícil processo chegasse a feliz culminância. De igual modo aos de Venezuela e Chile, que acompanharam as duas partes em todos os momentos em que o requereu a materialização do objetivo final das conversações.

Especial homenagem teremos que render à memória e à abnegação desse titã dos povos de Nossa América, o Presidente Eterno Hugo Rafael Chávez Frías, sem cujo apoio e impulso inicial nada do alcançado teria sido possível. Não há dúvida de que Bolívar e ele ainda têm muito o que fazer na América Latina. E, ao mesmo tempo que a Chávez, haverá que homenagear a todas e cada uma das organizações e personalidades, homens e mulheres, que de maneira admirável levantaram durante anos as bandeiras da solução política, nos mais variados cenários e eventos, arrastando atrás de si a crescentes multidões, que conseguiram posicionar no imaginário colombiano a necessidade de um acordo final de paz.

O Estado-Maior Central e seu Secretariado convocamos esta Conferência Nacional em cumprimento ao disposto pelo Plenário Ampliado do Estado-Maior Central celebrado em março do ano passado, o qual avaliou todos os acordos firmados até então por nossa Delegação de Paz na Mesa de Conversações de Havana, ao tempo em que facultou ao Estado-Maior, seu Secretariado e à Delegação de Paz, para continuar desenvolvendo todos os esforços possíveis, em conformidade com nossos lineamentos históricos, a fim de alcançar um Acordo Final de Paz nos termos concebidos pela Agenda pactuada em agosto de 2012.

Do mesmo modo, o mencionado Plenário estabeleceu de maneira terminante que, chegados a um Acordo Final entre o governo nacional e as FARC-EP, este não poderia adquirir validez para nossa força sem o reconhecimento e a aprovação de uma Conferência Nacional Guerrilheira, a qual deveria ser convocada para esse efeito específico.
Como é de público conhecimento, no 24 de agosto passado foi subscrito na cidade de Havana, ante testemunhas internacionais e com todas as formalidades, o Acordo Final para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura, entre os chefes da Delegação de Paz do governo da Colômbia, Humberto de la Calle Lombana, e das FARC-EP, Iván Márquez.

O passo seguinte previsto pelas duas partes, uma vez entrado em vigência o cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo, deve ser a firma do Acordo final pelo presidente da República, Juan Manuel Santos, e por mim, como Comandante em Chefe das FARC-EP.

Também é de público conhecimento que está definida a data de 26 de setembro para a celebração deste histórico ato na cidade de Cartagena de Índias. Conhecedor o governo nacional da previsão do Plenário do Estado-Maior Central de março de 2015, concordou em cercar de completas garantias a celebração desta Conferência Nacional, com o objetivo de dar a oportunidade a nossa máxima instância democrática, de comprometer a palavra de todas as FARC-EP com este Acordo Final. 

Assim que esta Conferência se convoca com dois propósitos específicos que ficam à sua inteira discussão e definição. Em primeiro lugar, a análise e referenda do Acordo Final que subscrevemos, a fim de que adquira caráter vinculante, isto é, que seja de obrigatório cumprimento para nossa guerrilha. E, em segundo lugar, produzir as disposições políticas e organizativas para iniciar o trânsito para um partido ou movimento político, dentro das quais se encontra a convocatória do Congresso constitutivo que deverá definir o Programa, o Estatuto e a Direção Política.

De todo coração, esperamos que esta histórica Décima Conferência Nacional se caracterize, como todos os nossos eventos, pela mais ampla democracia, a altura dos debates, e o apego fiel à linha político-militar traçada por nossos fundadores Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas. Não me resta mais que convidá-los a inspirar-se no conjunto dos guerrilheiros e das guerrilheiras das FARC-EP que, desde cada um dos blocos, frentes e diversas unidades, esperam que vocês transmitam fielmente o sentir das assembleias gerais que os delegaram.

Há todo um povo que já leva 52 anos à espera da paz, e que tem batalhado incansavelmente por ela. Muitíssimos de seus filhos e de suas filhas ficaram no caminho desse objetivo, e outros muitos permanecem entre as grades nos cárceres do país ou do estrangeiro. Nosso compromisso indeclinável com esse povo deve ser ratificado neste evento de maneira determinante. Nossa preocupação principal há de ser como conseguir que a paz se converta numa realidade em nosso país, sobre a base da justiça social e da democracia.

Isso implica a vinculação das grandes maiorias inconformadas com a vida política ativa de nossa nação, a necessidade de uma nova mensagem, revigorante e esperançosa pelas mudanças, a imprescindível tarefa da unidade sem a qual todo esforço se desperdiça e perde, a presença no cenário de uma forma distinta, sadia e transparente de fazer a política. Nos encontramos frente à transcendental oportunidade de abordar estas tarefas essenciais. Nossa responsabilidade ética e histórica é hoje maior que nunca. Que as meninas e os meninos da Colômbia tenham a real possibilidade de crescer e serem felizes num país em paz. Convido a que esse seja o marco de referência de suas valiosas intervenções.

Declaro oficialmente instalada a Décima Conferência Nacional das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia Exército do Povo. Em suas mãos se encontra o destino da Colômbia.

Savanas do Yarí, 17 de setembro de 2016, o ano da paz.

Colômbia. O outro rosto da guerra: as mulheres das FARC

Resumen Latinoamericano/ Sputnik/ 15 de Setembro 2016.-
Colômbia é um país conservador e machista, porém, entre os intentos de emancipação da mulher nesse país, um dos melhores é o das guerrilheiras das FARC, assegura Oleg Yasinsky, jornalista ucraniano radicado no Chile, quem visitou um dos acampamentos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, exclusivo para Sputnik.
Ali, Yasinsky, quem se encontrava no país latino-americano junto a dois repórteres russos que neste momento preparam um documentário sobre esta organização colombiana, teve a oportunidade de conversar com as guerrilheiras e retratá-las com sua câmara. Segundo o jornalista, aproximadamente 40% dos guerrilheiros das FARC são mulheres, razão pela qual seus estatutos destacam a necessidade de igualdade de gênero.
Seria ingênuo afirmar que o machismo nas fileiras [das FARC] desapareceu totalmente; porém entre eles é muitíssimo menor que nas zonas rurais dos lugares mais remotos da Colômbia”, explica o jornalista.

As relações entre os homens e as mulheres das FARC são muito francas e cada pessoa tem o direito de eleger seu/sua parceiro/a, de viver com ele/ela ou de se separar.
Ao mesmo tempo, a moral revolucionária professada pelos guerrilheiros cultiva o lado romântico das relações, sem acolher o desenfreio sexual ou o hedonismo”, observa Yasinsky.

Segundo o jornalista, as FARC, entre outras coisas, se convertem numa alternativa para as meninas, as jovens e mulheres da Colômbia que veem a guerrilha como um escudo de proteção contra a exploração sexual e a prostituição, negócios controlados tanto pelo narcotráfico como pelos altos mandos do Exército colombiano, de acordo com várias organizações defensoras dos direitos humanos.
A participação massiva de mulheres no movimento guerrilheiro é, por sua vez, uma resposta e uma alternativa a essa realidade”.
Entre as mulheres que Yasinsky conheceu em sua viagem se encontravam alguma menores de idade, as quais não podia entrevistas, pois, segundo os acordos de Havana, os menores de idade de encontram em processo de abandonar as fileiras das FARC e devem ser entregues à Cruz Vermelha e à ONU.
Não obstante, diferentemente do que dizem os meios de comunicação, explica Oleg, “os adolescentes se unem aos guerrilheiros de maneira totalmente voluntária. Sua motivação, evidentemente, não é ideológica; a eles lhes interessa a possibilidade de receber educação [...] e comida três vezes ao dia”.
Quando o comandante em nossa presença reuniu aos menores de idade e lhes informou que era necessário separar-se, no marco do acordado em Havana, eles receberam a notícia com tristeza, algo incomodados; se lhes teve que explicar que ninguém os estava expulsando da organização, que o contato e a amizade continuarão e que em breve todos os guerrilheiros se converterão em civis, porém que a organização revolucionária deve ser honesta e deve cumprir com os compromissos adquiridos”.
Essa foi a outra realidade que o jornalista encontrou em sua viagem. Dois dias depois de Oleg Yasinsky abandonar o acampamento das FARC, a 24 de agosto foi anunciado, na capital cubana, o fim de quatro anos de negociações e o esperado acordo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o Governo. É possível que na próxima vez que estas mulheres vejam a lente de uma câmara, seja nas ruas de uma Colômbia em paz.




1-  Guerrilheiras


2-Cristina. Sete anos na guerrilha. Participou em vários combates com o Exército
3-Milena. O pai de seu filho Adrián morreu num combate sem poder conhecer ao pequeno
4-Patricia. Comandante de esquadra. Combateu por 20 anos junto a seu esposo. Seu filho de onze anos vive em Medellín
5-Olga, Guerrilheira das FARC
6-Os guerrilheiros das FARC visitam uma aldeia vizinha
7-Apenas Paz na Colombia!
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

COMUNICADO CONJUNTO Nº 01, Reunião entre Governo Nacional e FARC-EP no Yarí

16 Setembro de 2016
No dia de hoje se reuniram nas Planícies do Yarí o Alto Comissionado para a Paz, Sergio Jaramillo, o Comandante do Comando Estratégico de Transição – COET, General Javier Flórez, com os membros do Secretariado das FARC-EP, com o acompanhamento do Chefe da Missão da ONU, Jean Arnault, e sua equipe; se acordou o seguinte:
  1. Como resultado das visitas de reconhecimento, e em consideração da logística necessária para facilitar a posta em marcha das Zonas Veredais Transitórias de Normalização, serão 20 Zonas Veredais Transitórias de Normalização [ZVTN] e 7 Pontos Transitórios de Normalização, situados nas veredas que se precisa a seguir:



Estado
Município
Vereda
Guajira
Fonseca
Pondores (PTN)
Cesar
La Paz
Los Encantos (ZVTN)
Norte de Santander
Tibú
Caño Indio (ZVTN)
Antioquia
Remedios
Carrizal (ZVTN)
Antioquia
Ituango
Santa Lucia (ZVTN)
Dabeiba
Llano Grande (ZVTN)
Anori
El Carmin (PTN)
Vigía del Fuerte
Vidri (PTN)
Choco
Ríosucio
Brisas/La Florida (PTN)
Córdoba
Tierra Alta
Gallo (PTN)
Tolima
Planadas
El Jordan (ZVTN)
Cauca
Buenos Aires
El Ceral, Robles (ZVTN)
Caldono
Los Monos (ZVTN)
Corinto
Cominera (PTN)
Nariño
Policarpa
Betania/La Paloma (ZVTN)
Tumaco
La Variante (ZVTN)
Putumayo
Puerto Asís
La Pradera (ZVTN)
Caquetá
Cartagena del Chaira
La Esperanza (ZVTN)
La Montañita
El Carmen (ZVTN)
San Vicente Caguan
Mira Valle (PTN)
Tolima
Villarica
Guanacas (ZVTN)
Arauca
Arauquita
Bocas del Ele (ZVTN)
Meta
Mesetas
La Guajira (ZVTN)
Vista Hermosa
La Reforma (ZVTN)
La Macarena
Yarí (ZVTN)
Guaviare
San José del Guaviare
Charras (ZVTN)
El Retorno
La Colina (ZVTN)
  1. Se avançou na definição dos elementos logísticos necessários para dar início ao funcionamento das Zonas Veredais Transitórias de Normalização. A 25 de setembro em Cartagena se promoverá uma reunião para finalizar a preparação logística das Zonas Veredais Transitórias de Normalização e do Mecanismo de Monitoramento e Verificação.



  1. A partir de 27 de setembro as Nações Unidas iniciarão o acompanhamento e a verificação começando pelo nível Nacional e Regional.



  1. Entre 6 e 10 de outubro se realizará o desdobramento do Mecanismo de Monitoramento e Verificação a suas sedes locais, sem prejuízo das coordenações que se adiantaram e que contaram com o acompanhamento da ONU.



  1. Se acordou as coordenações necessárias para a Firma do Acordo Final para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura no dia 26 de setembro em Cartagena.



  1. Se acordou os protocolos para a Décima Conferência das FARC-EP, na qual se reunirão delegados de toda a organização para referendar os acordos e dar o passo que permita a transformação das FARC-EP num movimento político na legalidade.



  1. Se acordou que a 27 de setembro se realizará o ato de instalação da Comissão de Implementação, Seguimento e Verificação em desenvolvimento do Acordo Final de Paz e de Resolução de Diferenças [CSVR].
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