sexta-feira, 24 de julho de 2015

Discurso do Ministro de Relações Exteriores da República de Cuba Bruno Rodríguez Parrila, na Cerimônia de Reabertura da Embaixada de Cuba nos Estados Unidos.

Exmª Sra. Roberta Jacobson, secretária de Estado Adjunta, e senhores funcionários do Governo dos Estados Unidos que a acompanham:

Honoráveis Membros do Congresso:


Estimados Representantes das Organizações, Movimentos e Instituições estadunidenses que realizarem ingentes esforços pela mudança de política em relação a Cuba e o melhoramento das relações bilaterais:
Estimados Representantes das Organizações e Movimentos da emigração patriótica:
Excelentíssimos Srs. Embaixadores:
Companheiros da Delegação Cubana:
Encarregado de negócios José Ramón Cabañas, funcionários e trabalhadores da Embaixada de Cuba:

Estimadas amigas e amigos:
A bandeira que honramos à entrada desta sala é a mesma que aqui foi arriada há 54 anos, conservada zelosamente na Flórida por uma família de libertadores e depois pelo Museu de nossa cidade oriental de Las Tunas, como antecipação de que este dia teria que chegar.
Ondeia novamente neste lugar a bandeira da estrela solitária que encarna o generoso sangue derramado, o sacrifício e a luta mais que centenária de nosso povo pela independência nacional e pela plena autodeterminação, frente aos mais graves desafios e perigos.
Rendemos homenagem a todos os que caíram em sua defesa e renovamos o compromisso das gerações presentes e, com absoluta confiança nas que virão, de servi-la com honra.
Invocamos a memória de José Martí, quem viveu consagrado à luta pela liberdade de Cuba e conheceu profundamente os Estados Unidos. Em suas “Escenas Norteamericanas” nos deixou uma nítida descrição da grande nação do norte e o elogio do melhor dela. Também nos legou a advertência de seu exacerbado apetite de dominação que toda uma história de desencontros confirmou.
Chegamos aqui graças à condução firme e sábia do líder histórico da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz, a cujas ideias sempre guardaremos lealdade suprema. Recordamos sua presença nesta cidade, em abril de 1959, para promover relações bilaterais justas e sua sincera homenagem a Lincoln e Washington. Os propósitos que prematuramente o fizeram vir são os que tentamos nestas décadas e coincidem exatamente com os que nos propomos hoje.
Muitos nesta sala, políticos, jornalistas, personalidades das letras ou das ciências, estudantes, ativistas sociais estadunidenses, usufruíram de infinitas horas de enriquecedora conversação com o Comandante que lhes permitiram compreender melhor nossas razões, objetivos e decisões.
Este ato foi possível pela livre e inquebrantável vontade, pela unidade, o sacrifício, a abnegação, a heroica resistência e pelo trabalho de nosso povo, e pela força da Nação e da cultura cubanas.
Várias gerações da diplomacia revolucionária confluíram neste esforço e entregaram seus mártires. O exemplo e o verbo trepidante de Raúl Roa, o Chanceler da Dignidade, continuam estimulando a política externa cubana e estarão na lembrança dos mais jovens e dos futuros diplomatas.
Sou portador de uma saudação do Presidente Raúl Castro, expressão de boa vontade e da sólida decisão política de avançar, mediante o diálogo baseado no respeito mútuo e na igualdade soberana, para uma convivência civilizada, ainda dentro das diferenças entre ambos governos, que favoreça a solução dos problemas bilaterais, promova a cooperação e o desenvolvimento de vínculos mutuamente vantajosos, como desejam e merecem ambos povos.
Sabemos que isso seria uma contribuição à paz, ao desenvolvimento, à equidade e à estabilidade do continente, ao exercício dos propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na Proclamação de América Latina e Caribe como Zona de Paz, firmada na II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em Havana.
Com o restabelecimento das relações diplomáticas e da reabertura de Embaixadas, culmina hoje uma primeira etapa do diálogo bilateral e se abre passagem ao complexo e certamente longo processo para a normalização das relações bilaterais.
É grande o desafio porque nunca houve relações normais entre os Estados Unidos da América e Cuba, a pesar de um século e meio de intensos e enriquecedores vínculos entre os povos.
A Emenda Platt, imposta em 1902 sob ocupação militar, cerceou um esforço libertador que havia contado com a participação ou a simpatia de não poucos cidadãos norte-americanos e deu origem à usurpação de território cubana em Guantánamo. Suas nefastas consequências marcaram indelevelmente nossa história comum.
Em 1959, os Estados Unidos não aceitaram a existência de uma pequena e vizinha ilha totalmente independente e, uns anos depois, ainda menos, a de uma Revolução socialista que teve que se defender, e desde então encarna a vontade de nosso povo.
Cito a história para afirmar que hoje se abre a oportunidade de começar a trabalhar para fundar umas relações bilaterais novas e diferentes a todo o anterior. Para isso, o governo cubano compromete toda sua vontade.
Só a eliminação do bloqueio econômico, comercial e financeiro, que tanto dano e privações ocasiona a nosso povo, a devolução do território ocupado em Guantánamo e o respeito à soberania de Cuba darão sentido ao fato histórico que estamos vivendo hoje.
Cada passo que se avance contará com o reconhecimento e a favorável disposição de nosso povo e governo, e receberá evidentemente o estímulo e o beneplácito da América Latina Caribenha e do mundo.
Ratificamos a vontade de Cuba de avançar para a normalização das relações com os Estados Unidos, com ânimo construtivo, porém sem menosprezo algum a nossa independência, nem ingerência em assuntos que pertencem à exclusiva soberania dos cubanos.
Persistir em objetivos obsoletos e injustos e só propor-se uma mera mudança nos métodos para consegui-los não fará legítimos aqueles nem ajudará ao interesse nacional dos Estados Unidos nem ao de seus cidadãos. No entanto, se assim ocorrera, estaríamos dispostos a aceitar o desafio.
Acorreremos a este processo, como escrevera o presidente Raúl Castro em sua carta de 1º de julho ao Presidente Barack Obama, “estimulados pela intenção recíproca de desenvolver relações respeitosas e de cooperação entre nossos povos e governos”.
Desde esta Embaixada, continuaremos trabalhando com empenho para fomentar as relações culturais, econômicas, científicas, acadêmicas e desportivas, e os vínculos amistosos entre nossos povos.
Transmitimos o respeito e reconhecimento do governo cubano ao Presidente dos Estados Unidos por seu chamado ao Congresso a suspender o bloqueio e pela mudança de política que enunciou, em particular pela disposição que expressou de exercer suas faculdades executivas com esse propósito.
Relembramos especialmente a decisão do Presidente Carter de abrir Seções de Interesses respectivas em setembro de 1977.
Me alegra agradecer ao governo da Confederação Suíça por sua representação dos interesses cubanos durante os últimos 24 anos.
Em nome do Governo e do povo de Cuba, desejo expressar nossa gratidão aos membros do Congresso, académicos, líderes religiosos, ativistas, grupos de solidariedade, empresários e tantos cidadãos estadunidenses que se esforçaram ao longo de muitos anos para fazer chegar este dia.
À maioria dos cubanos residentes nos Estados Unidos, que têm defendido e clamam por uma relação diferente deste país com nossa Nação, expressamos reconhecimento. Nos disseram, comovidos, que multiplicarão seus esforços, leais à tradição da emigração patriótica que serviu de sustentação aos ideais de independência.
Expressamos gratidão a nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, que estiveram de maneira decisiva junto a nosso país e exigiram um novo capítulo nas relações entre os Estados Unidos e Cuba, assim como o fizeram com extraordinária constância muitíssimos amigos em todo o mundo.
Reitero nosso reconhecimento aos governos, aqui representados pelo Corpo Diplomático, que com sua voz na Assembleia Geral das Nações Unidas e em outros âmbitos deram uma contribuição decisiva.
José Martí organizou a partir daqui o Partido Revolucionário Cubano para conquistar a liberdade, toda a justiça e a dignidade plena dos seres humanos. Suas ideias, reivindicadas heroicamente no ano de seu Centenário, continuam sendo a essencial inspiração neste caminho que nosso povo, soberanamente, escolheu.

Muito obrigado.

Equipe ANNCOL - Brasil

Dimensionar o momento que vivemos

Por Nelson Lombana Silva.
Alguém perguntou a Lênin se era pertinente ir ao parlamento burguês e o dirigente do proletariado não duvidou ao dizer que sim, sempre quando se tivesse claro para que se ia. Fidel Castro, no memorável discurso dado na Universidade da República Bolivariana de Venezuela, expressa que a Revolução é filha da cultura. Batalha de ideias.
Quer dizer, ao Parlamento ou a qualquer corporação pública do regime um companheiro ou uma companheira de esquerda consequente sabe a fim de que vai. Tem clara a fita. Vai destruir as relações capitalistas e a construir as relações socialistas. Não vai se amancebar com a pútrida classe dirigente.
A burguesia cuida muito bem disso. Sabe qual é a filosofia da esquerda consequente, por isso lhe bloqueia todos os espaços. Miremos, por exemplo, o sistema eleitoral em Colômbia. É, talvez, o mais antidemocrático do continente e do planeta. Impede descaradamente que as esquerdas se unam.
É, ademais, um sistema corrompido, mafioso e capitalista. A direita não expõe ideias, expõe violência, dinheiro do narcotráfico, demagogia e oportunismo a granel. Um candidato da direita compra sua cadeira ou seu cargo público sem se ruborizar.
Os que militamos de uma ou outra maneira na esquerda ou nas esquerdas, para sermos mais exatos, pareceria que não dimensionássemos nem o terreno, nem o momento que estamos vivendo. Talvez nos deixamos contagiar pelos vícios do capitalismo como a mentira, a arrogância e o analfabetismo político para obcecar-nos em desenvolver o individualismo e o personalismo, melhor dizendo, o grupismo. Quanta água terá que passar sob as pontes para entender que a única saída tática e estratégica é a unidade, sem sectarismos e sem ambiguidades, como bem expôs em seu momento o mestre Carlos Gaviria?
O Partido Comunista Colombiano –por exemplo- está há 85 anos predicando a unidade com a melhor disposição política. No entanto, a resposta frequente é o anticomunismo, inclusive na própria esquerda. Que fazer? Claudicar? Evidentemente que não. Há que persistir, insistir na luta pela unidade. E isso não é um prurido. É a convicção histórica, política e dialética de que as mudanças de fundo fazem-nas os povos e a força principal é a unidade. Quer dizer, não é um capricho. Por isso se torna fundamental dimensionar o terreno e o momento que estamos vivendo.
O fato central nestes momentos é a paz e os diálogos de Havana [Cuba]. É o mais importante. Não em vão há toda uma tenaz monstruosa encaminhada a fazer abortar este processo que avança na heroica pátria socialista caribenha.
Os amigos da guerra se unem, enquanto os amigos da paz duvidam ou em muitos casos lhes dá pouca importância. Consideram-no como algo conjuntural, de pouca monta e transcendência. A tenaz: Santos, Uribe, Procurador Ordóñez, meios massivos de comunicação e o comando sul dos militares dos Estados Unidos vai pelo rompimento da mesa de diálogo e que a pátria continue se dessangrando por todos os costados.
Para eles a guerra é um negócio em que ganham de ponta a ponta. Nenhum de seus membros vai para a frente de batalha, vão os filhos dos pobres a expor o peito e, no caso dos soldados e policiais, a defender os interesses da classe dominante. Disse-o bem Ainda Avella Esquivel: “No dia em que os filhos da oligarquia e os filhos dos generais tenham que ir para a frente de batalha, nesse dia, com certeza, se acabará a guerra”.
Oitenta e cinco por cento do território tolimense se encontram concessionados em títulos mineiros, uns concedidos e outros por conceder a favor das multinacionais e transnacionais, especialmente à transnacional Anglo Gold Ashanti. Vamos ficar sem território, sem água, sem fauna e sem flora. No entanto, parece que isto a muitos e muitas não lhes chame a atenção e, em vez de contribuir para a unidade, se obcecam na desunião por coisas às vezes de pouca monta.
O Partido Comunista tem insistido em que a esquerda deve se desenvolver, sobretudo passar da fase da oposição para ser opção de poder. A luta pelo poder não é coisa de pouca monta, exige muita vontade política e consciência tanto social como de classe. Pareceria que as esquerdas estivessem infiltradas, coisa que não é raro, porquanto o inimigo de classe que tem o poder em suas sujas mãos tem todo o dinheiro do mundo para comprar consciências fracas e desideologizadas que vendem seus irmãos de classe por um prato de lentilhas.
Devemos dimensionar o momento que vivemos colocando o coletivo sobre o individual. Não é tempo de vetos. É tempo de compreender a rica diversidade como fortaleza. Defender os diálogos de paz de Havana, o meio ambiente e lutar decididamente contra a corrupção. A unidade é o horizonte e a paz com justiça social o destino correto do povo colombiano.
O debate eleitoral não é para dividir, é para unir; não é para alienar, é para formar politicamente a comunidade; não é para fazer concessões ao inimigo de classe, é para colocá-lo a descoberto ante as massas. O discurso político de campanha não deve ser água-com-açúcar, evasivo e etéreo. Deve ser claro, preciso, concreto, real, revolucionário. Não importa que fiquem a descoberto os pusilânimes e os ambivalentes que pretendem ter um pé na direita e outro na esquerda. É hora das definições, é hora da unidade.
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Equipe ANNCOL - Brasil

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Mensagem do ministro do STF emociona internautas e viraliza no Facebook

Mensagem do ministro do STF emociona internautas e viraliza no Facebook

Luis Roberto Barroso foi patrono de uma turma de formandos em Direito e fez o discurso durante colação de grau.Foram 47 mil curtidas em apenas dois dias.
Leia o texto na íntegra:
A vida e o Direito: breve manual de instruções
I. Introdução

Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meu espírito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinária como a de vocês. Mas nós somos – vocês e eu – militantes da revolução da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugar do futuro juristas falarão menos, escreverão menos e não serão tão apaixonados pela própria voz.

Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoção genuína da minha voz. E ninguém terá dúvida da felicidade imensa que me proporcionaram. Celebramos esta noite, nessa despedida provisória, o pacto que unirá nossas vidas para sempre, selado pelos valores que compartilhamos.

É lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instruções. Porém, não resisti à tentação – mais que isso, à ilimitada pretensão – de sanar essa omissão. Relevem a insensatez. Ela é fruto do meu afeto. Por certo, ninguém vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho, as suas próprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espaço de tempo que me impus, um guia breve com ideias essenciais ligadas à vida e ao Direito.

II. A regra nº 1

No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso do arremesso de anão". Como se lembrarão, em uma localidade próxima a Paris, uma casa noturna realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um anão, um deficiente físico de baixa altura, à maior distância possível. O vencedor levava o grande prêmio da noite. Compreensivelmente horrorizado com a prática, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

Após recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francês confirmou a proibição. Na ocasião, dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mão de sua dignidade humana, deixando-se arremessar como se fora um objeto e não um sujeito de direitos, cabia ao Estado intervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observava que a história não havia terminado ainda.

E em seguida, contava que o anão recorrera em todas as instâncias possíveis, chegando até mesmo à Comissão de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibição. Sustentava ele que não se sentia – o trocadilho é inevitável – diminuído com aquela prática. Pelo contrário.

Pela primeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhava salário e gorjetas, e nunca fora tão feliz. A decisão do Conselho o obrigava a voltar para o mundo onde vivia esquecido e invisível.

Após eu narrar a segunda parte da história, todos nos sentíamos divididos em relação a qual seria a solução correta. E ali, naquele primeiro encontro, nós estabelecemos que para quem escolhia viver no mundo do Direito esta era a regra nº 1: nunca forme uma opinião sem antes ouvir os dois lados.

III. A regra nº 2

Nós vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra o nosso exemplo anterior, cada um é feliz à sua maneira. A vida pode ser vista de múltiplos pontos de observação. Narro-lhes uma história que li recentemente e que considero uma boa alegoria. Dois amigos estão sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Começam, como previsível, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em que a cerveja acumulava, passam a falar sobre religião. Um deles é ateu. O outro é um homem religioso. Passam a discutir sobre a existência de Deus. O ateu fala: "Não é que eu nunca tenha tentado acreditar, não. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neve em um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. Aí, me ajoelhei no chão e disse, bem alto: Deus, se você existe, me tire dessa situação, salve a minha vida". Diante de tal depoimento, o religioso disse: “Bom, mas você foi salvo, você está aqui, deveria ter passado a acreditar". E o ateu responde: "Nada disso! Deus não deu nem sinal. A sorte que eu tive é que vinha passando um casal de esquimós. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram o caminho de volta. É a eles que eu devo a minha vida". Note-se que não há aqui qualquer dúvida quanto aos fatos, apenas sobre como interpretá-los.

Quem está certo? Onde está a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, “nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos”. Para viver uma vida boa, uma vida completa, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presunção ou arrogância. Sem desconsiderar o outro.

Aqui a nossa regra nº 2: a verdade não tem dono.

IV. A regra nº 3

Uma vez, um sultão poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Intrigado, mandou chamar um sábio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sábio fez um ar sombrio e exclamou: "Uma desgraça, Majestade. Os dentes perdidos significam que Vossa Alteza irá assistir a morte de todos os seus parentes". Extremamente contrariado, o Sultão mandou aplicar cem chibatadas no sábio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sábio. Este, ao ouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irá viver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a revelação, o Sultão mandou pagar ao sábio cem moedas de ouro. Um cortesão que assistira a ambas as cenas vira-se para o segundo sábio e lhe diz: "Não consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual à do primeiro sábio. O outro foi castigado e você foi premiado". Ao que o segundo sábio respondeu: "a diferença não está no que eu falei, mas em como falei".

Pois assim é. Na vida, não basta ter razão: é preciso saber levar. É possível embrulhar os nossos pontos de vista em papel áspero e com espinhos, revelando indiferença aos sentimentos alheios. Mas, sem qualquer sacrifício do seu conteúdo, é possível, também, embalá-los em papel suave, que revele consideração pelo outro.

Esta a nossa regra nº 3: o modo como se fala faz toda a diferença.

V. A regra nº 4

Nós vivemos tempos difíceis. É impossível esconder a sensação de que há espaços na vida brasileira em que o mal venceu. Domínios em que não parecem fazer sentido noções como patriotismo, idealismo ou respeito ao próximo. Mas a história da humanidade demonstra o contrário. O processo civilizatório segue o seu curso como um rio subterrâneo, impulsionado pela energia positiva que vem desde o início dos tempos. Uma história que nos trouxe de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade à era dos direitos humanos. É o bem que vence no final. Se não acabou bem, é porque não chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisas tristes e erradas não nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correção. Estes não são valores instrumentais, mas fins em si mesmos. São requisitos para uma vida boa. Portanto, independentemente do que estiver acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder. A virtude não precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude é a sua própria recompensa.

Eis a nossa regra nº 4: seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando.

VI. A regra nº 5
Em uma de suas fábulas, Esopo conta a história de um galo que após intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido, dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto do telhado e pôs-se a cantar aos ventos a sua vitória. Chamou a atenção de uma águia, que arrebatou-o em vôo rasante, pondo fim ao seu triunfo e à sua vida. E, assim, o galo aparentemente vencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa história, como próprio das fábulas, é bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitória. Humildade não significa pedir licença para viver a própria vida, mas tão-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado da humildade, há outra virtude que eleva o espírito e traz felicidade: é a gratidão. Mas atenção, a gratidão é presa fácil do tempo: tem memória curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa (Aristóteles). Portanto, nessa matéria, sejam rápidos no gatilho. Agradecer, de coração, enriquece quem oferece e quem recebe.

Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida começou a me oferecer este presente, eu incluo a passagem que se segue, e que é pertinente aqui. "As coisas não caem do céu. É preciso ir buscá-las. Correr atrás, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, será necessário voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo. As coisas, eu repito, não caem do céu. Mas quando, após haverem empenhado cérebro, nervos e coração, chegarem à vitória final, saboreiem o sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. É uma delícia. Sem esquecer, no entanto, que ninguém é bom demais. Que ninguém é bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxal que pareça, as coisas caem mesmo é do céu, e é preciso agradecer".

Esta a nossa regra nº 5: ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.

VII. Conclusão

Eis então as cláusulas do nosso pacto, nosso pequeno manual de instruções:
1. Nunca forme uma opinião sem ouvir os dois lados;
2. A verdade não tem dono;
3. O modo como se fala faz toda a diferença;
4. Seja bom e correto mesmo quando ninguém estiver olhando;
5. Ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e é preciso agradecer.
Aqui nos despedimos. Quando meu filho caçula tinha 15 anos e foi passar um semestre em um colégio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Pai gosta de dar conselho. E como vocês são meus filhos espirituais, peço licença aos pais de vocês para repassá-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:
(i) Fique vivo;
(ii) Fique inteiro;
(iii) Seja bom-caráter;
(iv) Seja educado; e
(v) Aproveite a vida, com alegria e leveza.
Vão em paz. Sejam abençoados. Façam o mundo melhor. E lembrem-se da advertência inspirada de Disraeli: "A vida é muito curta para ser pequena".


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terça-feira, 21 de julho de 2015

FARC-EP ordenam a suas unidades cessarem atividades ofensivas a partir de 20 de julho

Comunicado Cessar-fogo unilateral
As FARC-EP comunicamos a todos os nossos Blocos, e a todas as nossas Frentes, Colunas, companhias e demais estruturas político-militares, assim como às milícias bolivarianas e populares subordinadas, que a partir da 00:00 hora do 20 de julho próximo rege a ordem de cessar toda ação de caráter ofensivo contra as forças armadas do Estado e da infraestrutura pública e privada.
A mencionada ordem obedece ao chamado dos países garantidores, Cuba e Noruega, e acompanhantes, Venezuela e Chile, das conversações de paz que se adiantam em Havana, e da avalanche de petições públicas, cartas e mensagens de redes sociais dirigidas a nossa Delegação de Paz por parte de incontáveis personalidades e organizações sociais e políticas, igrejas, juntas de ação comunal e movimentos populares em seu conjunto, pelo que constitui um sério compromisso de nossa organização, de cujo cumprimento estrito somos responsáveis cada um dos mandos e integrantes das FARC-EP.
Esta medida prática, de caráter humanitário, constitui um novo gesto de nossa parte no propósito de pactuar com o governo nacional fórmulas cada vez mais efetivas de desescalada do conflito. Confiamos, portanto, em que seja estimada e valorizada em toda sua dimensão, a fim de que não voltem a se repetir fatos lamentáveis que só fazem dano aos propósitos de paz e reconciliação. Nenhuma unidade das FARC-EP está obrigada a se deixar golpear por forças inimigas e terá todo o direito ao exercício de sua legítima defesa em caso de ataque.
Convocamos ao conjunto de personalidades, instituições, movimentos políticos, forças sociais e populares que elevaram este verdadeiro clamor nacional a participarem de maneira ativa na defesa desta nova esperança que acendemos hoje no território colombiano. Ninguém pode arrancar dos colombianos seu direito a viver em paz, pelo que se torna urgente bloquear o espaço aos setores que clamam pela guerra, por soluções cruentas, repressão e perseguição ao movimento popular e a seus dirigentes.
A Frente Ampla pela Paz, o Processo Constituinte, as igrejas e demais organizações e forças interessadas na vedoria deste cessar-fogo contam com toda nossa confiança e colaboração. Consideramos que o governo nacional deve cercar de plenas garantias o exercício desta função patriótica, e ao mesmo tempo avançar com maior convencimento para uma verdadeira concórdia nacional, fundada na proscrição definitiva da violência, lado a lado com a justiça social, a democracia e a soberania.

SECRETARIADO NACIONAL DAS FARC-EP
La Habana, 19 de julho de 2015.

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Equipe ANNCOL - Brasil


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Desescalada, linguagens e pedagogia de paz.

O processo de paz ingressa num momento crucial a partir do próximo 20 de julho, quando se fará efetiva a trégua determinada pelas Farc, que o governo do Presidente Santos disse que acompanhará com ações recíprocas para alavancar os acordos e consensos na Mesa de Conversações de Havana. Novas linguagens e uma paciente, massiva e prolongada pedagogia de paz são ingredientes para aprofundar a tarefa de terminação do conflito social e armado. A desescalada que se anuncia, que o país inteiro espera com otimismo, deverá criar um clima de tranquilidade para o processo eleitoral em curso para escolher as autoridades locais.

A partir da segunda-feira 20 de julho, a Colômbia viverá um novo e histórico ciclo de paz e tranquilidade tão logo se avance na desescalada da guerra e da destruição com a entrada em vigor da trégua unilateral ordenada pelas Farc, que foi suspensa desde 22 de maio, devido as operações militares da Força Aérea, infiltrada pelo uribismo, a qual executou bombardeios aos acampamentos guerrilheiros, onde morreram várias dezenas de membros da resistência campesina revolucionária.
Nos próximos 4 meses, a sociedade regressará ao clima registrado desde dezembro de 2014 até maio, em que os fatos violentos, por razões políticas, diminuíram radicalmente.
A desescalada recíproca da guerra, nos termos da decisão tomada pelas partes, contará nesta ocasião com a presença de um delegado das Nações Unidas e de outro da Presidência da Unasul, expertos na verificação e monitoramento de tais situações, sem que seja necessária a concentração e o confinamento pressionados pela ultra direita uribista, à qual a paz se sobrepôs deixando-a sem argumentos e sem a manipulação grotesca da violência para obter dividendos políticos. Ficaram sem combustível estes mercadores da morte.
Convém assinalar que os 4 meses projetados para que as negociações de paz de Havana avancem com agilidade não são um prazo fatal para reviver a conhecida fórmula da paz express. Do que se trata é de melhorar a capacidade de trabalho na Mesa de diálogos, de tal maneira que funcionem simultaneamente comissões que atendam e avanços nos temas associados com o fim do conflito, da referenda e verificação do cumprimento dos acordos gerais a que se chegue.
Um elemento central no novo período do processo de paz se relaciona com âmbitos de ordem simbólica e conhecimento mais certeiro dos avanços e conquistas da paz, por parte de milhões de colombianos, para dessa forma superar o ceticismo e a indiferença que a vulgar cizânia e a manipulação midiática dos mais caracterizados inimigos da paz produzem, articulados na delirante ultra direita fascista que Uribe e Ordoñez lideram.
Nesse sentido se sugeriu, pelo Presidente Santos, em outro gesto de sensatez que se lhe deve reconhecer, desescalar as linguagens recorrendo a formas e expressões verbais e semânticas que estimulem um clima de convivência e respeito entre os adversários. Se trata de avançar num “giro linguístico” que recolha as novas realidades que se quer construir para superar 50 anos ou mais de polarização com insultos e aberrantes macartismos, ressaca da guerra fria. Nesse sentido, é pertinente considerar que no terreno da paz democrática e com justiça social as decisões de um sujeito não se acham motivadas tanto por seus interesses materiais como pelos recursos culturais através dos quais concebe seu espaço e determina sua ação. Alterados esses recursos mediante uma ressignificação com mudanças na linguagem, se quer que a forma em que esse sujeito compreende seu contexto e dirige sua ação mude. É nesse nível, o da semântica e o dos imaginários coletivos, onde a paz tem que aspirar a intervir através do projeto objetivo e ético da comunicação, com a finalidade de criar um novo sentido comum capaz de inspirar consensos mais inclinados à paz, em contraposição ao crescente ceticismo que a direita e sua falsimídia estimula estimulam.
De igual maneira se pede à Mesa de diálogos que promova uma ampla pedagogia da paz. O que se pretende consiste num dispositivo educativo que leve a mensagem da paz a milhões de cidadãos; que adiante sua formação nos conteúdos de nossa paz. Que esclareça para a sociedade as vantagens que para a mesma trará que a Colômbia supere a guerra civil que a destrói e mata.
A Mesa de Havana deve recorrer a todas as ferramentas e infraestruturas à sua disposição para converter a nação inteira numa grande escola da paz. Os meios de comunicação, a televisão, a rádio, os sistemas impressos, as editoras, os jornais, as igrejas, as escolas, os colégios, o Sena, as universidades, os espaços públicos, a família, as sedes comunitárias, os hospitais, os cárceres, as redes sociais e todos os cenários de deliberação devem ser incluídos nesta grande campanha de pedagogia pela paz.
Finalizemos dizendo que acerta o Presidente Juan Manuel Santos ao destacar o ambiente pacífico em que transcorrerão as eleições locais e regionais de 25 de outubro do ano em curso. Os inimigos da paz ficarão isolados porque o povo em sua maioria dará um novo impulsionamento ao fim da guerra, que é o insumo do qual se alimenta o guerreirismo uribista.
Há que eleger centenas de prefeitos, vereadores, edis, deputados e dezenas de governadores comprometidos com a paz e a transparência.
Não mais máfias parapolíticas e violentas que despojem os patrimônios públicos e promovam a guerra.

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Equipe ANNCOL - Brasil

Agilizar em La Habana e desescalar em Colômbia

Comunicado Conjunto # 55.
Enviado por Mesa de Conversações
  • Fortalecer a confiança dos colombianos e das colombianas no processo de paz e também a confiança entre as delegações;

  • Agilizar a construção de acordos sobre todos os aspectos restantes da Agenda do Acordo Geral; e
  • Criar as condições para a posta em marcha do Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo [Sub ponto 1 do Ponto 3 “Fim do Conflito” da Agenda do Acordo Geral.

As delegações do Governo Nacional e as FARC-EP decidiram:
  1. Fazer todos os esforços necessários para chegar sem demoras à firma do Acordo Final, para o qual alteramos a metodologia pela de um trabalho técnico, contínuo e simultâneo sobre os pontos centrais da Agenda, ao tempo em que se constroem acordos na Mesa. Para isso definimos um plano com metas preestabelecidas.
  1. Em particular, acordar sem demoras os termos do Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo e Deixação de Armas, incluindo o sistema de monitoramento e verificação.
Para isso, as delegações solicitarão o acompanhamento na subcomissão técnica de um delegado do Secretário-Geral das Nações Unidas e um delegado da presidência da UNASUL [atualmente Uruguai], com o objetivo de que contribua para pôr em marcha a discussão sobre o sistema de monitoramento e verificação e a preparar desde agora sua implementação, sem prejuízo da decisão das delegações sobre a participação no futuro, no sistema de monitoramento e verificação, de outras organizações ou países.
III. No entretanto:
As FARC-EP, como medida de desescalada, manterão a suspensão unilateral de todo tipo de ações ofensivas.
Por sua parte, o Governo Nacional, a partir de 20 de julho, porá em marcha um processo de desescalada das ações militares, em correspondência com a suspensão de ações ofensivas por parte das FARC-EP.
Em todo caso, o Governo Nacional e suas instituições, em cumprimento de suas obrigações constitucionais, continuarão garantindo a proteção de todos os colombianos e o cumprimento da lei em todo o território Nacional. O Governo continuará perseguindo o delito e em nenhum caso tolerará que alguma organização à margem da lei exerça coerção sobre as comunidades mediante o uso das armas. Em cumprimento do anterior, o Governo Nacional promoverá o respeito e garantirá o livre exercício dos direitos fundamentais de todos os colombianos e todas as colombianas.
Em quatro meses, a partir daquela data, cada uma das delegações fará uma primeira avaliação tanto do cumprimento destas medidas de desescalada como dos resultados dos esforços para agilizar os avanços da Mesa, e tomará as decisões que considere pertinentes.
O acima exposto, sem prejuízo da possibilidade de dar início ao Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo, se se chega a um acordo.
IV. O Governo Nacional e as FARC-EP intensificarão, sobre a base de um cronograma, a implementação de medidas de construção de confiança.



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Equipe ANNCOL - Brasil

Desescalada em cifras

Por Horacio Duque Giraldo

A partir de 20 de julho o processo viverá um momento de auge devido à desescalada recíproca acordada entre o governo e as Farc para os próximos 4 meses, até novembro. A paz dispara na frente e seus inimigos ficam em evidência ante milhões de colombianos. Não mais guerra nem violência uribista parapolítica, exige a nação inteira.
O ajuste realizado ao trabalho da Mesa de Conversações de paz entre o governo do Presidente Santos e as Farc modificou substancialmente o ambiente de ceticismo dos meses recentes e assistimos a um novo círculo virtuoso em que os integrantes do diálogo [Governo e Farc] se retroalimentam e oxigenam. Em grande medida, o consenso alcançado reflete as grandes vantagens da exclusão de Pinzón, o qual foi encarregado do Ministério de Defesa, das esferas governamentais, quem operou como ficha fatal da sabotagem ultra direitista ao processo de paz, até o ponto de arriscá-lo, colocando-o à beira do abismo e da dissolução.
Em toda esta reestruturação há que entender um assunto básico. A Mesa de Havana foi conformada e organizada com um objetivo central: acabar com a guerra e estabelecer as condições fundamentais da paz, que não são diferentes dos temas da Agenda acordada e dos procedimentos de sua legitimação democrática. Atribuir outras intenções a dito instrumento é um desvio, como por exemplo pretender que da mesma se origine uma “revolução socialista” devido ao que finalmente se pactue. Claro que pactuar a paz, dadas as terríveis consequências da violência, é todo um salto revolucionário para a sociedade e a nação, e uma maneira de gerar melhores condições para lutar pela eliminação do neoliberalismo depredador. Por enquanto, é suficiente que golpeemos a camarilha violenta e sanguinária que tem feito da morte seu principal negócio, que é o ABC do protagonismo da ultra direita paramilitar uribista.
Não tenho a menor dúvida do grande salto dado com os ajustes metodológicos para agilizar os acordos temáticos, com um trabalho permanente e simultâneo, descartando o sistema de ciclos, e materializar rapidamente a desescalada do conflito. Dentro de quatro meses [em novembro], um mundo de tempo, se avaliará a marcha das negociações para determinar sua possível renovação, “sem mais indicadores que respeitar a trégua e mostrar avanços”, como assinala com bastante acerto Mario Morales em sua página web. Acrescenta o analista que se baixou a pressão na Mesa no que resta de ano, se safou do uribismo, se arejou as eleições de outubro e se salvou temporariamente o processo.
Não resta espaço à artimanha politiqueira uribista de concentrações extemporâneas e verificações falsificadas para sabotar a desescalada como propõe de maneira contumaz C. H. Trujillo em suas delirantes colunas (http://www.portafolio.co/columnistas/verificacion-verdad).
A facção ultra direitista do chefe paramilitar antioquenho resultou num sujeito energúmeno que distribui golpes aos trancos e barrancos. Querem ao país fazer crer que a desescalada é inútil. Sem embargo, basta apreciar as cifras da trégua realizada pelas Farc durante cinco meses, entre dezembro/2014 e maio/2015. São contundentes. Cito-as de maneira concisa para que tiremos as lições e procedamos em consequência. Me valho nestes dados dos importantes estudos de Ariel Ávila e Jorge Restrepo, este último do Cerac.
  • Em 2014 e nos primeiros cinco meses de 2015 ocorreu um fato fabuloso que ninguém quis difundir e apreciar. Se se compara os mortos e feridos da Força Pública de 2013 com os de 2014, se pode observar que a cifra diminuiu em mil membros das Forças Militares e de Polícia afetados em sua integridade física ou mortos. Também houve 14.000 deslocados a menos na população civil. O país poupou 15 mil vítimas. Isto sem contar as mortes de guerrilheiros revolucionários que foram evitadas.
  • Em 2015, o cessar-fogo unilateral das Farc mostrou cifras ainda mais importantes. Entre mortos e feridos, seja de membros da força pública ou membros de grupos guerrilheiros, se conseguiu evitar a morte ou lesões a cerca de 600 colombianos.
  • Em 2015, o total de feridos entre janeiro e abril foi de 620; nesse mesmo período de 2014 a cifra chegou a 706. A redução foi de 12%.
  • Ao comparar os primeiros 4 meses de 2015 com os primeiros 4 meses de 2014, se deu uma redução de 47%. Morreram 61 militares.
  • As cifras também mostram uma redução de guerrilheiros mortos. Entre janeiro e abril de 2014 morreram 107 guerrilheiros; em 2015 foram 51, isto é, uma redução de 52%.
  • Antes da negociação, as Farc e as Forças Militares faziam entre 180 e 200 ações/mês. Durante a trégua se baixou para uma média de 20. O avanço foi espetacular.
  • Segundo cifras consolidadas por Ávila, durante os seis meses do cessar-fogo unilateral das FARC, as ações armadas se reduziram em 90%. Passaram de 1.200 a 180.
  • Se passou de possíveis 895 ações armadas, realizadas em média nos primeiros cinco meses de 2011, para 91 ações nos cinco meses de trégua entre fins de 2014 e 2015. Quer dizer, se apresentou uma redução próxima dos 90%.
  • Quanto ao deslocamento forçado, a melhoria foi importante. Em 2012 foram deslocadas 89.100 pessoas; em 2013, 89.200; em 2014, 66.100; e em 2015, 2.841.

Assim as coisas, os dados anteriores permitem a vários expertos tirarem 4 conclusões.
A primeira é que a trégua funcionou, sim; reduziu a intensidade da confrontação em cerca de 90%. A segunda conclusão é que a força pública continuou operando, isto é, cai aquela versão sobre um cessar bilateral por baixo da mesa. A terceira conclusão que se saca da análise da trégua é que, apesar das 12 ações violadoras, se comprova que as FARC não só cumpriram a trégua numa alta porcentagem, como também, ademais, não se encontrou um parâmetro sistemático de desobediência por parte das frentes das FARC. Quer dizer, não existe indício que indique que as FARC estejam desunidas ou que algumas frentes estariam contra o processo. E uma última conclusão, a mais importante, é que a desescalada da confrontação tem uma repercussão direta na vida humana, que diminui as vítimas e alivia a situação nas regiões do conflito.
No entanto, a ruptura da trégua por parte das Farc foi muito má, já que o cessar-fogo durante cinco meses permitiu que o país vivesse seu momento mais pacífico nos últimos trinta anos.
Muitas vezes, e é o que facilita a manipulação uribista, a partir das cidades não se estima realmente o alívio que a trégua produziu, porém os setores rurais que vivem em carne própria o conflito, sabem, sim, o significativo que foram estes últimos meses, em centenas de municípios e veredas.
O mais importante, o mais transcendental, das tréguas e da redução do conflito, é a diminuição de mortos e feridos da força pública ou dos guerrilheiros e sobretudo da população civil inerme. A diminuição dos deslocados. Enfim, a diminuição das vítimas. Ninguém calcula isto. Ninguém põe atenção à vida, que é o mais importante. Os opositores ultra direitistas às negociações de paz sempre põem o olho em qualquer ação violadora da trégua e os que defendem as negociações e a desescalada, raras vezes, fazem uma ponderação da poupança em vidas humanas.
As negociações de paz e a desescalada do conflito têm dado seus frutos. O custo de voltar à confrontação é grande e desastroso para a vida humana.
Com estas importantes cifras e tendências, deve a Mesa de Havana promover uma grande campanha pedagógica da paz por toda a sociedade e com o apoio dos meios de comunicação.
Há que converter num fato a iniciativa de depositar um voto de apoio à paz nas eleições de 25 de outubro. É uma excelente oportunidade para demonstrar a legitimação do processo e o rechaço aos opositores dos diálogos e das negociações que se promovem em Cuba.

Nota. Raios e centelhas caíram sobre o senador Horacio Serpa por seu apoio ao candidato Didier Tavera ao governo do estado de Santander. Os donos do jornal Vanguardia Liberal, Alejandro Galvis e seu irmão Virgilio Galvis, saíram a rasgar-se as vestes com conclamações moralistas que pretendem desviar a atenção a respeito de suas camaradagens com a máfia do coronel Aguilar e seu filho, o atual governador desse estado, com quem pactuaram multimilionários negócios na contratação pública. Os Galvis são uma poderosa camarilha regional que recorre à fraude desenfreada para potencializar seus negócios imobiliários com o POT e a saúde mediante a privatização do sistema regional de salubridade pública. São uns patifes da mesma laia da parapolítica uribista. Recomendo esta coluna para entender o que se passa ali em Bucaramanga (http://www.elespectador.com/opinion/vanguardia-versus-serpa-pelea-tan-arrecha).
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Equipe ANNCOL - Brasil
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