sábado, 2 de março de 2013
As finanças secretas e caóticas da Igreja Católica
Marcelo Justo(Carta Maior)
A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as
indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis
e doações são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Em
entrevista à Carta Maior, o jornalista Jason Berry, fala sobre as
finanças secretas da Igreja Católica, tema que foi objeto de sua
investigação nos últimos 25 anos. Essa história, segundo ele, remonta
à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para
neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano. A reportagem é de
Marcelo Justo.
Marcelo Justo
Londres - O Papa Bento XVI abandona o barco em meio a sérios problemas
financeiros. A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do
Vaticano, as indenizações pelos escândalos sexuais e o número
decrescente de fieis e doações são alguns dos problemas que o próximo
pontífice herdará. Ninguém sabe exatamente quanto gasta a Igreja
Católica em nível mundial, mas segundo uma investigação da revista
inglesa The Economist, publicada no ano passado com base em dados de
2010, a cifra rondaria os 170 bilhões de dólares. Em um livro sobre as
finanças secretas da Igreja Católica, o jornalista Jason Berry, que
investigou o tema nos últimos 25 anos, afirma que a estrutura
financeira da igreja é “caótica” e “opaca”.
Em entrevista à Carta Maior, Berry falou das dificuldades econômicas
do Vaticano que, para ele, remetem à guerra fria e à massiva injeção
de dinheiro da CIA no Vaticano para neutralizar a ameaça do Partido
Comunista Italiano, então o mais poderoso da Europa ocidental.
Carta Maior: Como é a estrutura financeira da Igreja Católica em nível mundial?
Jason Berry: A Igreja Católica é muito hierárquica, monárquica eu
diria, com o Papa como líder e dioceses dirigidas por arcebispos e
bispos em todo o globo. Mas, em virtude de seu próprio tamanho, é
internamente caótica e ingovernável. Cada bispo trabalha em sua
diocese como se estivesse comandando um principado.
CM: O que sabemos de concreto sobre a riqueza do Vaticano?
JB: Há uma absoluta opacidade nas contas. Quando o Vaticano declara
suas rendas e gastos anuais não inclui o Instituto para as Obras de
Religião, o IOR, mais popularmente conhecido como o Banco do Vaticano,
cujos fundos são estimados em cerca de 2 bilhões de dólares. O IOR tem
sido administrado em um clima de absoluta falta de transparência, o
que o converteu em um veículo perfeito para o trânsito de todo tipo de
fundos. Mas agora, com a investigação do Banco Central da Itália sobre
lavagem de dinheiro, isso está mudando.
CM: Segundo algumas informações, o Vaticano tem interesses em uma
empresa de espaguete, no setor financeiro, aviação, propriedades e uma
companhia cinematográfica. Diz-se, inclusive, que controla entre 7 e
10% da economia italiana. Mas, dada a opacidade de suas contas, até
onde é possível confirmar essas informações?
JB: Há informação disponível a instituições que nos permite saber onde
está o dinheiro do Vaticano. Na Itália, o Vaticano investiu muito no
Banco de Roma, que foi fundamental na reconstrução da Itália depois do
“Risorgimento” no século XIX. Também tem negócios na área dos
transportes públicos. A isso deve-se somar propriedades na própria
Itália, na Europa e nos Estados Unidos. O Vaticano chegou a ser um dos
proprietários do edifício Watergate, do famoso escândalo que provocou
a renúncia de Richard Nixon. O grande tema hoje em dia é averiguar até
onde prestou serviços a clientes que o utilizam como um banco “off
shore”.
CM: Que impacto econômico os escândalos sexuais tiveram nas finanças da igreja?
JB: Nos Estados Unidos esse impacto foi muito forte. As dioceses e
ordens religiosas pagaram mais de dois bilhões de dólares. Em muitas
cidades tiveram que fechar igrejas. Los Angeles, Chicago e Boston,
três das mais importantes arquidioceses, tiveram um rombo médio de 90
milhões de dólares em seus fundos de pensão.
CM: Em seu livro “Vows of Silence” você fala do fundador dos
Legionários de Cristo, o mexicano Marcial Maciel que chegou a
controlar um império de 650 milhões de dólares e contou com a proteção
do Papa João Paulo II, apesar das denúncias de abusos sexuais. Maciel
teve fortes vínculos com o governo de Pinochet no Chile e com os
governos da América Central. Há alguma figura equivalente na igreja de
hoje?
JB: Maciel foi o mais bem sucedido coletor que a igreja teve. Começou
no final dos anos 40 buscando apoio de milionários católicos no
México, Venezuela e Espanha durante a perseguição dos padres no México
e pouco depois da guerra civil espanhola. Com este dinheiro, Maciel
formou sua própria base de poder em Roma e se converteu no porta-voz
do setor mais conservador e militante da igreja. Assim como fez com
Franco, se vinculou muito com Pinochet no Chile. Nos Estados Unidos o
próprio diretor da CIA durante os anos Reagan, William Casey, fez uma
doação de centenas de milhares de dólares aos legionários. Maciel
comportava-se como um político que viajava pelo mundo arrecadando
fundos para fazer avançar a causa do catolicismo conservador e a
agenda política conservadora. Mas a verdade era que toda sua ideologia
encobria um delinquente sexual com poderosos contatos.
Apesar de ter sido acusado de abusar de seminaristas, o Vaticano não o
investigou até 2004, a pedido do cardeal Ratzinger, quando João Paulo
II estava morrendo. Graças a isso sabemos que teve filhos com duas
mulheres no México e que manteve ambos os lares com dinheiro da Legião
de Cristo. O escândalo é que o Vaticano demorou tanto para
investigá-lo e deixou que ele se transformasse em um Frankenstein. Não
há hoje uma figura equivalente no que diz respeito à arrecadação de
fundos.
CM: Há uma longa história de escândalos nas finanças do Vaticano. Nos
anos 80 houve o escândalo do Banco Ambrosiano e seu presidente,
Roberto Calvi, que apareceu enforcado debaixo da ponte de Blackfriars
em Londres. Calvi tinha fortes vínculos com o então presidente do
Banco do Vaticano, o arcebispo estadunidense Paul Marcinkus. Há uma
continuidade entre esses escândalos e os atuais problemas do banco?
JB: Creio que na realidade é preciso retroagir à Segunda Guerra
Mundial quando a CIA começou a transferir grandes somas para o Banco
do Vaticano. Em 1948, foi a primeira eleição na qual o Partido
Comunista italiano, convertido no mais importante da Europa, buscava o
poder. Neste momento houve uma grande campanha nos Estados Unidos,
patrocinada pelo governo, da qual participou Frank Sinatra, para
financiar a democracia cristã. Este foi o começo da história do
dinheiro que círculos dos serviços de inteligência estadunidenses para
o Vaticano. Uma geração depois, com Roberto Calvi e Marcinkus, o banco
havia se convertido em uma via muito lucrativa para a passagem de
dinheiro. No final dos anos 80, o banco teve que pagar uma multa de
250 milhões de dólares. Já ali o banco funcionava como uma “off shore”
para seus clientes privilegiados. Mas ainda falta muito por documentar
sobre essa história.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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