Por Marco León Calarcá
…Hoje afrontamos outra crise, a enfrentamos com igual compromisso pela paz e a confiança de que a sensatez sairá adiante na solução, porém, igual que em todo o processo, se nota a reticência de setores do governo nacional a reconhecer a contraparte como igual...
Viemos desde a montanha carregados de compromissos, responsabilidades e, por que não dizer, de esperanças, depois de lustros e décadas, segundo o caso, resistindo ao hegemonismo neoliberal transgressor dos direitos fundamentais de nosso povo, apoiado pela imensa dispersão do império mais poderoso jamais conhecido pela humanidade, com todo seu poder a serviço das elites colombianas em seu propósito de acabar a sangue e fogo conosco e com o que representamos.
O Secretariado das FARC-EP depositou a enorme responsabilidade de auscultar as possibilidades de construir um caminho para a paz com justiça social sobre os ombros de Mauricio Jaramillo, o responsável, Ricardo Téllez, Andrés París, Sandra Ramírez, Carmenza Castillo e os meus.
Já em Cuba, depois da revisão médica, que foi o primeiro, e ainda sentindo as magníficas condições brindadas pela ilha da liberdade, país anfitrião, entre as quais ressalta a tranquilidade, se realizou, a 22 de fevereiro de 2012, a reunião técnica, Jaime Avendaño e Alejandro Eder pelo governo, Andrés e eu pelas FARC-EP, para definir horários e esquemas de trabalho, ademais da primeira proposta negada pelo governo: realizar registro filmográfico e fotográfico para a memória, para a história.
A 23 de fevereiro de 2012 demos início ao Encontro Exploratório. Nós fomos os seis e nos sentamos frente a Sergio Jaramillo, Frank Pearl e Enrique Santos, os plenipotenciários do Governo. Iniciamos o intercâmbio de visões e constatamos o distante que estávamos e o dano feito pela satanização do Caguán, ainda incontável como referente de paz.
Em nossa Delegação primava uma grande desconfiança, porém estávamos persuadidos da necessidade da solução diferente à guerra para a problemática econômica, política, social, cultural e ambiental do país.
E a Delegação do Governo estava convencida de ter à frente a representação de uma guerrilha derrotada no militar e sem norte político, dedicados a bandidagem, enfim, crentes de suas próprias mentiras. Esse foi seu primeiro grande estrellón com a terca realidade no transcurso das reuniões; no entanto, nasce nesta concepção a essência das crises vividas pelo processo em todas as suas etapas, a impossibilidade de reconhecer, por parte de setores das elites, a igualdade das partes no desenvolvimento do processo.
Em várias ocasiões se acabou a paciência e restava respirar fundo e contar vários milhares pelas intermináveis discussões, as prolongadas reuniões, houve dias em que o salão onde trabalhávamos parecia a casa dos monstros... pelas toalhas que cobriam as pranchetas de redigir, as teias as imaginamos, a desconfiança proscreveu destas reuniões qualquer aparelho eletrônico, as obsessões governamentais, as mentiras que nos tocava ouvir, o desequilíbrio nas comunicações, os ultimatos...
Menção à parte merece a paradoxal confidencialidade, pois a contraparte sabia onde situar-nos, os gringos também, tínhamos permissão do governo cubano e no entanto não podíamos sair nem até a esquina, nos escondíamos dos amigos.
Discutimos e debatemos, sustentamos e destruímos propostas e posições, superamos várias crises. E assim fomos adiantando, construindo o Acordo Geral de Havana, ponto a ponto, tratando de ser simples, inclusivos e claros na linguagem. Ao final, depois de consultar com nossa direção numa reunião ampliada do Estado-Maior, pudemos dizer tarefa cumprida. Em 26 de agosto de 2012 firmamos o Acordo.
Em honra da verdade, há que destacar o papel jogado pelos governos de Cuba e Noruega, seus delegados sempre atentos para brindar o apoio necessário, e ao lado o governo da República Bolivariana de Venezuela facilitando o necessário nesta etapa e em geral nos diálogos.
Aqui estamos, quatro anos depois, com o anelado Acordo Final à vista no horizonte, ainda não logramos superar a permanente desconfiança, se cria confiança gota a gota e se destrói com abundância; no entanto, superamos várias crises, porém permanece sempre uma fraude, uma inclinação à unilateralidade produto do rechaço à igualdade das partes, não se aceita esta realidade.
E, para variar, hoje afrontamos outra crise, a enfrentamos com igual compromisso pela paz e a confiança de que a sensatez sairá adiante na solução, porém, igual que em todo o processo, se nota a reticência de setores do governo nacional a reconhecer a contraparte como igual. Se dá espaço e se alimenta aos inimigos da paz a prepotência que impulsa a impor visões, estas deveriam ser compartilhadas para buscar aproximações, o marco do diálogo mostra como com o intercâmbio as soluções são conquistadas sem traumatismos.
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