sábado, 1 de agosto de 2015

São necessárias novas medidas de desescalada.

As FARC-EP registramos como positiva a decisão presidencial de suspender os bombardeios contra nossos acampamentos, num gesto que se corresponde com a ordem ministrada pelo Secretariado das FARC-EP de cessar todo tipo de ações ofensivas contra a Força Pública e a infraestrutura pública e privada em todo o país a partir do último 20 de julho. Sem dúvida, a determinação do senhor presidente é uma medida que contribui para gerar um clima de confiança propício para avançar na discussão dos temas pendentes do Acordo Geral de Havana.
Em meio a um novo ambiente que se começa a gerar, depois do acordo firmado pelas partes no último 22 de julho, conhecido sob o título “Agilizar em Havana e desescalar em Colômbia”, se faz necessário acordar novas medidas que aprofundem e consolidem este processo de desescalada, para que cada vez seja mais remota a possibilidade de que este esforço possa se lançar a perder.
Tal como ficou consignado em nossa ordem de cessar-fogo ministrada a todas as unidades: “Nenhuma unidade das FARC-EP está obrigada a se deixar golpear por forças inimigas e terá todo o direito ao exercício de sua legítima defesa em caso de ataque”.
A propósito, queremos chamar a atenção sobre fatos recentes que sucederam nos estados do Cauca e Nariño, onde o avanço das operações terrestres contra as posições insurgentes pôs em risco o cessar-fogo unilateral das FARC-EP. Somente a prudência das unidades guerrilheiras tem evitado que se apresentem fatos lamentáveis nestes casos.
La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 28 de julho de 2015
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC EP.

-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Não se pode pactuar um modelo de justiça em que o Estado e os determinadores fiquem impunes.

La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 25 de julho de 20015
O debate sobre a paz, realizado nesta semana no Congresso da República, não somente foi oportuno e necessário como também refletiu uma vez mais que o atual intento por colocar ponto final a mais de 50 anos de guerra ocupa o interesse prioritário da agenda nacional, ao mesmo tempo em que refletiu um leque variado de posições dos distintos partidos políticos, deixando em evidência que –exceto as forças da extrema-direita comandadas pelo senador Uribe Vélez- todos apoiam os esforços feitos em Havana para conseguir um grande acordo de paz.
Que o ex-presidente Uribe e sua bancada tenham disparatado contra o processo de Paz com o desgastado sofisma de que em Colômbia não há um conflito armado interno não nos surpreendeu, nem nos desvelou: sabemos muito bem que ele e seus alfis fazem e farão até o impossível para evitar que as futuras gerações de colombianos e colombianas vivam e desfrutem de um país em paz.
No entanto, depois de ouvir com atenção as intervenções da maioria dos porta-vozes de cada bancada, nos assalta uma preocupação que hoje queremos compartilhar a partir desta tribuna: apesar de apostar na paz, muitos deles falaram com um grande desconhecimento das origens, da natureza e da história do conflito. Boa parte deu como um fato que não se firmará um acordo final de paz se não há cárcere para a guerrilha, cujos máximos dirigentes –segundo se afirmou- deverão pagar algum tipo de penalidade.
Pensamos que estas são versões recicladas da leitura unilateral e equivocada que o governo vem fazendo sobre a origem e os propósitos do processo que se empreendeu desde o ano de 2012 em Havana.
Na afirmação de que os chefes guerrilheiros deverão pagar algum tipo de condenação se esconde a tese segundo a qual as FARC são as responsáveis por estas décadas de conflito armado e que a verdade sobre o mesmo só se conhecerá uma vez seja firmado o acordo de paz e se produza o desarmamento da guerrilha.
Segundo essa tese, devemos entender que,
Os falsos positivos foram culpa das FARC-EP?
Os 6 milhões de deslocados foram culpa das FARC-EP?
Os mais de 6.500 massacres cometidos pelo paramilitarismo são culpa das FARC-EP?
As milhares de pessoas torturadas e desaparecidas foram responsabilidade das FARC-EP?
Toda a violência de gênero ocorrida durante o conflito é culpa das FARC-EP?
Toda a participação de menores no conflito é culpa das FARC-EP?
O despojo de terras em Urabá, Chocó, Sul de Bolívar, Córdoba Cesar, Magdalena meio, a Altillanura, Cauca, Vale do Cauca, que soma mais de seis milhões de hectares, é culpa das FARC-EP?
Então, devemos crer que os paramilitares já pagaram suas culpas e que em Colômbia não há paramilitares?
Só bandos criminosos narcotraficantes, um dos quais é as FARC-EP?
Os representantes da classe dirigente, os partidos políticos, o empresariado, os terra-tenentes e as multinacionais não assumirão nenhuma responsabilidade?
Devemos assinalar que para falar de justiça é necessário conhecer toda a verdade. Não se pode pactuar um modelo de justiça em que o Estado e os determinadores fiquem impunes.
À presente legislatura corresponde a responsabilidade de tratar temáticas de indiscutível importância, em momentos de particular dificuldade para o país. Ao debate do fim do conflito e das políticas públicas originadas dele, há que somar a iminência de uma crise econômica sem precedentes, com o barril de petróleo a menos de 60 dólares, o ouro a 1.200 dólares a onça, as exportações em descenso ou estancadas, os hospitais fechados ou quebrados e uma crise econômica internacional cada vez mais aguda.
Nessas condições, um governo debilitado, que descumpre com as organizações sociais e se nega a verdadeiras mudanças, deverá enfrentar-se não só com um parlamento dividido como também com a resposta popular nas ruas.
É por isso que hoje, quando estamos mais perto do que nunca da possibilidade de um encerramento da expressão armada do conflito, pensamos que desde o parlamento se deve atuar com suma responsabilidade, sem apelar para velhos truques midiáticos para distorcer o sentido do processo de paz, vendendo a velha ideia de que a guerra tem sido protagonizada por uns bons, muito bons, que foram atacados por uns maus, muito maus, sobre os quais deve recair todo o peso da lei.
Nesta hora transcendental se necessitará de partidos políticos e lideranças parlamentares à altura dos desafios do momento, plenamente conscientes da transcendência de suas decisões e comprometidos com o supremo objetivo da paz.
Poderíamos coincidir com o Dr. Humberto de la Calle em que hoje é mais possível vislumbrar cenários de paz certa do que antes.
Não obstante, o chefe negociador do governo pouco ajuda a concretizá-los ao insistir em interpretações que já se tornaram costume na delegação do governo e que em nada correspondem com a realidade, a saber:
- O primeiro, que o tema da agilidade das conversações é assunto que incumbe somente à guerrilha. Isto, o sabe muito bem quem conheça de perto o que acontece na Mesa, não é certo. No transcurso das conversações temos dado conta de presteza e interesse por conseguir rápidos avanços. Tem sido precisamente o governo quem tem adiado debates urgentes, atuando com displicência em numerosas ocasiões e tornando complexos pontos que seriam de fácil consenso, com um pouco de sentido comum.
- O segundo, havendo expressado nitidamente nossa posição acerca do tema da deixação de armas, a insistência em equiparar essa deixação com a entrega destas à contraparte não é mais que uma falácia. Sabe muito bem o chefe negociador do governo da Colômbia que o firmado no Acordo Geral de Havana não é a entrega das armas à contraparte. Não se consegue um acordo definitivo simplesmente repetindo milhares de vezes suas próprias teses ante as câmeras.
- O terceiro, denominar “pendentes ilegítimos” ou “pendentes fictícios” as ressalvas e temas pendentes que as FARC-EP mantemos frente aos acordos dos pontos 1, 2 e 4.
Estigmatizando as questões que a contraparte considera determinantes nos pontos referidos, o governo não consegue que as abandonemos, pelo contrário: ratifica nossa convicção em que sua discussão é vital para a firma de um Acordo Final.
O país pode ter a certeza de que nas FARC-EP já tomamos a decisão de buscar o fim do conflito. Em Cuba e em Colômbia nossa luta é pela paz.
Porém, nossa determinação, que tem sido consultada com com toda a base guerrilheira, não se debe confundir com um sinal de rendição ou de sometimento. Se o estabelecimento segue pensando que se trata disso, a paz continuará sendo uma quimera.
DELEGACIÓN DE PAZ DE LAS FARC EP.

-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Comissão de Esclarecimento da Verdade, JÁ

La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 23 de julho del 2015
No encerramento do Ciclo 37 de conversações, a Colômbia recebeu com expectativa e otimismo o anúncio da criação da Comissão de Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição e de um “Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição”, que cumpra com o fundamento de que, efetivamente, “ressarcir as vítimas está no centro do acordo”.
Nas últimas jornadas de trabalho construímos o documento “Agilizar em Havana e desescalar em Colômbia”, concretizando-se um “Plano de Trabalho” que servirá de força adicional de impulso ao Acordo Geral de Havana.
Nesta etapa avançaremos com uma nova metodologia que aponta a realizar um trabalho técnico, integral e simultâneo no tratamento dos temas e na busca de conclusões prontas. Em meio a um ambiente de desescalada do conflito, cuja base foi a declaratória unilateral de cessar-fogo por parte das FARC-EP, e o compromisso do governo de atuar em correspondência, trataremos de alcançar o “Cessar-Fogo bilateral e definitivo”. Em quatro meses faremos as primeiras avaliações sobre os resultados e as perspectivas.
O mais urgente agora é concluir a configuração da Comissão de Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição. A esse respeito, teremos que fazer todo o necessário para fazê-la andar antes que termine novembro, porque há que levar em conta que, se o bem jurídico tutelado neste processo é a paz como direito síntese e as vítimas, a participação Destas deve se dar desde já, tomando a verdade como base para a construção de qualquer sistema de justiça. Em consequência, para falar de justiça, haverá que falar primeiro da VERDADE.
O êxito destes objetivos maiores terá que passar pela reparação das vítimas, retomando a Mesa o estudo dos informes da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas e abordando sem mais morosidades o esclarecimento do fenômeno do paramilitarismo, a respeito do qual já está assentada e publicada nossa proposta de 9 de julho de 2015, com um anexo também público, que denuncia a situação atual dos grupos paramilitares.
Se a verdade pura e simples é a melhor maneira de persuadir, comecemos a conhecê-la desde já, pela boca dos atores do conflito e das vítimas, como um gesto enorme de desescalada. E, claro está, deverão ser abertos os arquivos.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC EP.

-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Se Começa a pressentir o fim da epopeia

Por Alberto Pinzón Sánchez
Não é o mesmo JM Santos fazendo autopropaganda desde sua casa jornalística El Tiempo que o presidente de “todos” os colombianos falando no “sacrossanto recinto da democracia [genocida] da Colômbia”. Tampouco é o mesmo o mal humorado e arrogante Humberto de la Calle dizendo ao país a partir do oligopólio midiático contra insurgente [OMCi] que pode chutar quando lhe der vontade a mesa de Havana que o submisso plenipotenciário do governo em Havana falando aos parlamentares colombianos em vésperas de eleições.
E nem o que dizer do novo ministro de Defesa, o “empresário” Villegas, dando entrevistas aos meios dependentes do departamento de guerra psicológica do exército colombiano, que rendendo informes de gerência no plenário do senado, sobre o número [suposto] de guerrilheiros das FARC como indicador de eficiência, porém evitando [não se sabe por que] os terríveis ou tremendos indicadores de CUSTOS [que como empresário deveriam preocupá-lo] sobre as 372 ações armadas realizadas desde a suspensão da trégua unilateral a 22 de maio de 2015, por esses 6.000 guerrilheiros reduzidos ou restantes. E que, segundo a ONG Paz e Reconciliação, regressaram às médias mensais de 186 ações armadas por mês, semelhantes às de há 4 anos, quando os números aproximados do Ministério de Defesa diziam que os guerrilheiros eram 9.000. Quer dizer, que, ao terem sido reduzidos dramaticamente e bombardeados, em lugar de diminuir, aumentaram a “eficácia”, entendida esta como o indicador de gerência que combina a eficiência com a efetividade. De acordo, senhor empresário?
Tudo parece indicar que mudaram ou pelo menos se moveram duas coisas: Uma, o nível de realismo de seus respectivos discursos; e outra, o cenário, não só de salão como também do panorama pré-eleitoral que parece ter tomado literalmente o “coração e a mente” contra insurgente dos políticos colombianos.
O que produziu o fato político de que, ante o Parlamento colombiano, o núcleo duro da política de paz do governo tenha devido recorrer a apresentar os fatos com um pouco mais de realismo ao costumeiro nos últimos 70 anos de Contra Insurgência, quando sempre os apresentou como a derrota das Farc “nos próximos meses”? “Dezoito”, disse Marta Lucia em 2002, quando Uribe colocou-a à frente de sua tropa.
Por que o presidente Santos, em seu discurso sobre a pátria boba em 20 de julho de 2015, numa passagem realmente notável e destacável, mudou de “inimigos de alto valor”? E já não sejam as “as FART” ou o terrorismo, senão que [...] “se trata de que concentremos nossas energias em lutar contra os verdadeiros inimigos, que são: a Pobreza, a Iniquidade, o Desemprego, a Corrupção, a Insegurança e [vá lá alguém acreditar] a GUERRA”...
A resposta é simples: ademais da crise [de todas as esferas] da vida socioeconômica em Colômbia, e a que a geoestratégia do Pentágono induziu uma mudança nos “politiqueiros colombianos”; tal fato se deve ao fato de que todos, dentro e fora do país, entenderam a diferença entre trégua unilateral de dois meses decretada pelas Farc e a contraofensiva do levantamento guerrilheiro, produzido quando os estrategistas militares do governo [Pinzón, Asprilla e demais fanfarrões militaristas] pretenderam aplicar um golpe de audácia à insurgência assassinando e volatilizando com bombas violadoras do DIH a Jairo Martínez e seus companheiros, com a finalidade de modificar, na última hora, a correlação de forças a seu favor.
Há que dizê-lo, também, que se deve a outra circunstância política em desenvolvimento: o isolamento paulatino de Uribe Vélez, cuja concepção de “Impunidade militar para continuar a guerra” foi reduzida ao “viril alento” [pobre Rafael Núñez] e às broncas do “soldado sem couraça” do decomposto Alfredito Rangel, ou às patadinhas da louca das laranjas.
Por isto Santos, com um pouco mais de realismo, desescala o nível da rivalidade com “o perverso de bairro”, toma uma pequena distância dele, e simplesmente lhe oferece [sabendo que ele vai rechaçar]...que falemos com serenidade e sem meias verdades, e a que busquemos os acordos em meio às diferenças. Que não nos passe o da Pátria Boba!”
Contando também, realisticamente, que, com a prolongação da nova trégua unilateral decretada neste 20 de julho pelas FARC e os avanços e acordos vindouros nas conversações em Havana, poderão ser realizadas as próximas eleições, onde se definirá definitivamente a rivalidade Santos-Uribe, que serão “as mais tranquilas e seguras em muitas décadas em Colômbia”.
Só nos cabe perguntar: e sem a tradicional corrupção?

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Franklin Martins mostra o Brasil que a música inventou

Jornalista, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula resgata a história brasileira contada em tempo real ao longo de um século por seus melhores intérpretes: os compositores populares
por Paulo Donizetti de Souza publicado 11/07/2015 11:59, última modificação 12/07/2015 11:04
Paulo Pepe / RBA
 
Veio a calhar a quarentena imposta a si mesmo por Franklin Martins, desde que saiu da cadeira de ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula – exceto para os movimentos sociais que preferiam vê-lo seguir na missão de tocar uma nova regulamentação para o sistema brasileiro de radioteledifusão, a lei de meios. O anteprojeto que deixou pronto antes de se retirar, no último dia de 2010, nunca mais saiu da gaveta. A regulação atual é de 1962 e já caducou. Estaria, portanto, na frente da fila de projetos que passaram por suas mãos. Nos últimos tempos, porém, o jornalista decidiu tocar outro projeto seu, na fila desde 1997: investigar a relação das canções populares com o cotidiano e a política, dos primeiros anos na República ao início deste século.
Sua pesquisa identifica o que as marchinhas do início dos 1900 têm em comum com o rap recitado hoje: ambos registram a cena social e política no momento em que acontece. É o povo, por meio da arte musical, escrevendo a sua própria história. Para batizar esse projeto, nada mais apropriado do que Lamartine Babo (1904-1963), que absorveu como poucos duas grandes características do povo brasileiro: humor e sensibilidade. Uma frase que abre a antológica marchinha História do Brasil dá nome também à vasta garimpagem de Franklin Martins transformada em livros. Quem foi que inventou o Brasil? acaba de ter os dois primeiros volumes lançados pela Editora Nova Fronteira – um contando a história musicada da República até 1964 e outro que vai daí até 1985. O terceiro e último, de 1985 a 2002, sai em breve. São canções de todos os gêneros imagináveis, com letras e muitas imagens nas versões impressas e áudios disponíveis no site do projeto.
Franklin Martins, a completar 67 anos em agosto, escreveu nos principais jornais de alcance nacional e foi comentarista político em rádio e TV. Durante a ditadura, foi ativista na resistência ao regime, conheceu a prisão, viveu cinco anos na clandestinidade e outros cinco no exílio. Nesta entrevista, assinala que só comenta a história até 2002. Provocado, porém, a indicar uma música de sua garimpagem que se encaixaria nos dias de hoje, cita de pronto o Rap da Felicidade (Eu só quero é ser Feliz), na verdade um funk de 1995 da dupla de MCs Cidinho e Doca. Para quem compilou mais de 1.100 canções desde os teatros de revista de Arthur Azevedo, diz muito. “O Brasil resolveu muitos problemas de 2002 para cá, mas surgiram novos.”
Essa pesquisa tão intensa chegou a pegar o ambiente entre monarquia e república?
Pega alguma coisa, porque quando veio a indústria fonográfica foram gravadas músicas de sucesso na transição. Por exemplo, a primeira música do livro, As Laranjas de Sabina, foi gravada em 1902, mas é de 1889, meses antes da proclamação da República, e foi depois tema de teatro de revista em janeiro de 1890, dois meses depois da proclamação. Contava a história de uma mulata que vendia laranjas, na porta da Academia de Medicina, no Rio. A música é de Arthur Azevedo, que foi um grande autor de teatro de revista. O subchefe de polícia proibiu a mulher de continuar vendendo laranja. Os alunos fizeram um protesto bem-humorado, sacaneando o subchefe e pedindo que ela voltasse a poder vender laranja. Percorreram o centro do Rio de Janeiro, visitaram os jornais, a população começou a aplaudir e, naquilo, começaram os “Viva a República”, “Viva Ruy Barbosa”. A polícia voltou atrás, e ela virou uma bandeira republicana, sem querer. Então começa nessa época. Garimpei mais de 1.100 músicas, o que mostra a riqueza da produção musical, no Brasil, sobre política. Além dos livros, os fonogramas estão em um site que tem o nome do livro, quemfoiqueinventouobrasil.com.
O início do século passado coincide com a formação do operariado. Isso se vê também no cenário musical?
Aparece pouco. Talvez porque a formação do movimento operário se dá em São Paulo, e a única gravadora que existia estava no Rio. Você tem os fenômenos políticos mais gerais sendo refletidos, as gozações aos presidentes da República, as grandes revoltas, a Revolta da Chibata, da Vacina, Contestado, tudo isso tem. Mas o movimento operário mesmo não aparece.
Depois começa a movimentação política para decidir qual setor da elite vai controlar o poder. A era dos golpes, a Revolução de 1930...
Na Revolução de 30 já tem o rádio. Antes, uma característica impressionante da música é a constância da produção sobre política. Isso não ocorre em outros países, pelo menos não com a mesma intensidade. No Brasil, temos produção de caráter militante, mas temos uma crônica social muito presente. A música brasileira tem uma tradição de fazer crônica.
Ora ufanista, ora dramática, ora brincalhona...
Em geral, ela é irreverente, brincalhona. No Brasil Colônia se tem referências de muita poesia irreverente, com Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga. Quando a família real vem, se faz música gozando a família e a corte. A corte foi se instalando na casa dos outros e botando todo mundo para fora. Tem muita sátira daquelas injustiças. A partir de 1850, se tem os cafés dançantes, ou os chopes berrantes, no Rio. E botavam alguém ali para cantar. Geralmente, músicas influenciadas pela cançoneta francesa, que tem o duplo sentido, maliciosa. Era a época de grandes autores de teatro de revista e, sempre, com caráter sarcástico, brincalhão. O que fazia o teatro de revista? Passava em revista os acontecimentos dos meses anteriores. Não só políticos, mas culturais, comportamentais, moda... Isso vai até 1902. A indústria fonográfica começa. Os primeiros sucessos têm muito a ver com isso.
E quando a música começa a ganhar a rua?
Por volta de 1915 um fenômeno vai consolidar essa característica da crônica na música brasileira e, por tabela, da crônica sobre política: a mudança do caráter do carnaval. O carnaval era fundamentalmente uma festa bailada. As pessoas desfilavam ao lado de um corso, ao lado de um carro alegórico ou de um bloco. Mas bailava – como é o carnaval no mundo inteiro. O carnaval começa a assumir a caraterística de festa marchada, pulada. Pelo Telefone, gravado em 1917, estoura no carnaval. O carnaval se torna desaguador dessa crônica social, política, cultural, comportamental. O que é o carnaval? É o teatro de revista na rua. Populariza um tipo de teatro de revista e cria um mercado espetacular. Quando morreu o Barão de Rio Branco, pouco antes do carnaval de 1912, o governo quis suspender, guardar o luto, e coisa e tal, e marcou o carnaval para a quaresma. Aí, tem umas músicas que brincavam. Diziam “O Barão morreu, fizeram dois carnavais. Que bom se morresse o Marechal”, se referindo ao presidente Hermes da Fonseca. Já era festa com apelo popular. Quando vem o rádio, em 1922, isso se multiplica.
A música caipira mudou a indústria e a indústria mudou a música caipira?
Quando chega a indústria fonográfica, a música caipira, em que muitas vezes o cara contava uma história em 20 minutos, tem de ser reduzida para dois, três, para ser lançada em disco. É a primeira produção independente no Brasil, em 1929. O Cornélio Pires, desde 1915, viajava pelo interior de São Paulo, do Paraná e de Minas dando espetáculos, mas não era nada gravado. Contava causos e tinha músicas. Em 1924, ele tinha composto a Moda da Revolução, sobre o movimento daquele ano, que não foi gravada na época, porque ninguém gravava música caipira. Só foi gravada em 1929. Ele vai para uma das gravadoras americanas recém-chegadas e diz que quer gravar. “Não, não tem mercado para isso”, ouve do diretor. Ele saiu e voltou com um pacotão de dinheiro: “Quero que imprima seis discos para mim, 5 mil de cada um (as tiragens costumavam ser de 300, 400). E tenho as minhas condições: quero a cor do rótulo diferente, quem vai vender sou eu, nas minhas exibições.” Na primeira turnê, esgotou. Voltou lá, e pediu mais. As gravadoras – eram quatro grandes, no Brasil – descobriram que a música caipira era um filão espetacular e todas, em um ano, estavam com uma dupla caipira. Tinha dupla que cantava com um nome em uma gravadora, e em outra com outro nome.
O período do Estado Novo é um prato cheio para a música política?
É. Mas tem diferenças. Getúlio fica de 1930 a 1945, mas não é o mesmo regime. Até 1937, tem um regime centralizado, fruto de uma revolução. Nomeou interventores em todos os estados. Está cheio de músicas sobre os interventores. Teve um processo político, tem a Constituição. Em 1937, ele dá o golpe e vem uma ditadura. Os anos 1930 marcam o crescimento da produção do Norte e do Nordeste. Tem muitas músicas sobre todos os fatos. Só não tem sobre a Aliança Nacional Libertadora (ANL), do Prestes. Tem Hino Integralista. Tem músicas gozando integralistas. Quando vem o Estado Novo tem um período de pasmaceira. As músicas eram de puxação de saco. O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) proibia música contra.
E na Segunda Guerra, quando o governo ficou em cima do muro um tempo?
Durante muito tempo ficou dividido. Depois as músicas começam a elogiar a América, a bater no Hitler. A luta política vai se transferindo para o único terreno em que era permitido. Reuni mais de 100 músicas sobre a guerra. Dá para escrever a história da Segunda Guerra Mundial com as músicas. É muito gozado que esse capítulo termina com três músicas com o Laurindo, um personagem fictício, que os sambistas do Rio criaram para mandar recados. Wilson Batista fez umas cinco músicas com Laurindo. No final, queria fazer uma música em que o Laurindo seria assassinado, porque ele não aguentava mais o Laurindo. Mas o Laurindo volta da guerra com ideias socialistas. O Wilson Batista faz: “O camarada Laurindo lutou na guerra, é um herói, mas aprendeu na guerra que agora tem que mudar”. Aí fazem (José Gonçalves e Ari Monteiro) o samba Conversa, Laurindo, sacaneando o Wilson Batista: “Você fica dizendo que foi lutar, que foi um herói. Você não saiu nem de Niterói”. A guerra representou uma derrota do nazifascismo, uma vitória das teses progressistas, da democracia, e também das ideias socialistas.
O clima reflete o que viria nas eleições de 1945.
Ou já era reflexo da mudança de comportamento de alguns setores. Prestes se elegeu senador com uma votação espetacular. O Partido Comunista elegeu a terceira bancada. Era sintoma de que havia uma percepção do papel da União Soviética na derrota do nazifascismo. Isso no mundo todo, não só aqui. A produção musical sobre política continua fortíssima. Tem um fenômeno novo, que antes não existia, que é a produção para eleições.
Quando começa a se criar o ambiente que desembocaria na Bossa Nova?
Em 1950, Getúlio tem uma produção musical muito grande em torno da campanha e, depois, da vitória. Isso vai até o suicídio. Reuni umas 12 canções sobre a morte dele. Tem embolada, rojão, toada gaúcha, música caipira, samba. Depois, tem uma grande produção musical no período do Juscelino, que é quando vai surgir a Bossa Nova – de todos os gêneros, o único que nunca fez nada sobre política. A Bossa Nova mesmo tem um período curtíssimo. Vai de 1958 a 1961. E muitos de seus autores, compositores e interpretes vão gravar músicas sobre política depois. Carlos Lyra era da Bossa Nova, e foi importantíssimo no Centro Popular de Cultura da UNE. Sérgio Ricardo também é da Bossa Nova e foi ser compositor de ritmos ecléticos. Vinicius, Baden Powell, Nara Leão... Mas de todos os gêneros que estudei é o único que não tratou sobre política. Por quê? Foi um período muito efêmero. O repertório é o amor, o sorriso e a flor. Não passa muito daquilo.
 
Mas influencia os compositores das canções de protesto.
Em 1964, o CPC da UNE é algo que tem uma influência muito grande, e vai ter depois, no teatro Opinião, no Arena. Abrir-se para as grandes expressões culturais regionais, o frevo tem uma participação musical intensíssima. Mas já está indo para o que, depois, vai se chamar de música de protesto. Parte dela produz um pouco daquele negócio do “dia que virá”. É como se a gente não precisasse lutar por ele. As pessoas achavam que o regime ia durar muito pouco. Logo devolveria o poder aos civis e a luta política voltaria a padrões semelhantes aos anteriores a 1964. Só em 1965, 1966 é que se dão conta de que a ditadura tinha vindo para ficar. Coincide com a época dos festivais, e a música do “dia que virá” vai cedendo espaço para o “tem que lutar, e não esperar”. A partir do AI-5 vem uma censura brutal, e ao mesmo tempo muita música de adulação do regime.
Com a censura, os compositores começam a trabalhar mais o conteúdo social, a crônica?
Tem muita coisa política também. Não é em cima do fato político. É em cima do clima de opressão. A partir de 1974, a ditadura começa a sofrer derrota nas eleições, a se embaralhar. Fica evidente que nem com o regime de terror, nem com a propaganda conseguiriam ganhar a maioria do país. Na década de 1970 tem músicas vindas de todos os lugares do Brasil. Tem o Clube da Esquina, de Minas, tem o pessoal do Ceará (Fagner, Belchior, Ednardo), de Pernambuco (Alceu Valença, Geraldo Azevedo) e outros, da Paraíba – fora os baianos, que já tinham chegado. Gonzaguinha, João Bosco, Aldir Blanc crescem nessa década. É produção de caráter nacional. Cada um do seu jeito. O Ednardo tem uma música sobre o Araguaia lindíssima (“Quando eu me banho no meu Araguaia/ E bebo da sua água sangre fria (…) Triste guerrilha, companheiro morto/ Suor e sangue, brilho do corpo”). Tem outra que é Passeio Público (“Hoje ao passar pelos lados/ Das brancas paredes, paredes do forte/ Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos/ Ganidos de morte”). É uma música sobre Bárbara Alencar, que se insurgiu contra o Império em 1917, e ficou presa na fortaleza – que dá nome à cidade de Fortaleza. É uma música sobre a tortura que as mulheres sofriam durante a ditadura.
E quando o rock entra?
Em 1978, a censura deixa de ser sistêmica. O pessoal vai testando o terreno, começa a ousar. É nesse período que o rock entra com peso. Geração Coca-Cola e Que país é esse?, por exemplo, são gravadas na década de 1980, mas são de 1979, com o Aborto Elétrico, primeira banda de Renato Russo. Em São Paulo, tem bandas extremamente interessantes, meio rock, meio MPB, até difícil de definir, Premeditando o Breque, Esquadrilha da Fumaça, Língua de Trapo, o pessoal do Lira Paulistana. Uma coisa eclética. E até 1977 era zero de rock. Quer dizer, o rock deixa de ser o que falava só de amor e comportamento. O Raul Seixas bate à porta. O rock é curioso. Vai, vai, e quando dá 1990, para. A partir daí, é rap, é funk, é samba-reggae, repente.
Hoje você vê algo tão parecido com crônica, associado a uma realidade social e política sendo produzida fora do mundo do rap, da música da periferia?
Não falo sobre depois de 2002, porque não estudei. Mas o rap, o funk, o samba-reggae, até mesmo o samba do Bezerra da Silva, que também tem o caráter disso que eu chamo de “bronca social”, se referem a eventos. Diário de um Detento é sobre o Carandiru (1992). A chacina de Eldorado dos Carajás (1996) tem música. Mas a característica central deles, do rap, do funk, e do samba-reggae, é uma música muito mais antissistema do que crônica. Reflete as esperanças que o povo vai perdendo no sistema. Isso perpassa, praticamente, todos os gêneros. O manguebeat é isso. Falam “tenho que mudar o sistema”, mas ninguém tem muita expectativa de que vai convencer um bonitão a olhar diferente. Contra a discriminação racial, a exclusão social, a falta de escola, de hospital, a barbárie da polícia, os massacres, uma democracia na qual os políticos fazem o que querem com ela e que não chega no povo. É nítido que o Brasil estava à beira de uma explosão social.
Esse cenário não perdura?
Não acho que perdura, porque 36 milhões de pessoas saíram da pobreza. É outro cenário. Resolvem-se alguns problemas e aparecem novos. Mas naquele momento estávamos à beira de uma explosão social. Em todos os lugares, todas as músicas, todos os gêneros, é um negócio de “não dá mais”. Você não está pedindo liberdade, está pedindo “olhem por mim”. A primeira música do último capítulo, Eu só quero é ser feliz, fez o maior sucesso (Rap da Felicidade, de Cidinho e Doca, 1995), é aparentemente leve e politicamente premonitória. Lá pelas tantas, diz: “Trocaram a presidência, uma nova esperança/ Sofri na tempestade, agora eu quero a bonança/ O povo tem a força, precisa descobrir/ Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui”. É música de garotos, tem um quê de esperança e de advertência. E a que isso correspondia? A 20 anos sem crescimento, décadas perdidas, desemprego brutal, concentração de renda monumental, Estado ineficiente, repressão como forma de conter a luta social, massacres, ação da polícia nas periferias, nas favelas. Essa polícia ainda está na ativa. A diferença é que antes ninguém falava nada.
Tem alguma coisa da sua pesquisa musical que se encaixaria bem na atual conjuntura?
Acho que, no fundo, Eu só quero é ser feliz encaixa. Tem muitos progressos, e tem novos problemas. Continua atual. Um rap que gosto muito, do Gog, Brasil com P, continua atual. Pobre, Preto e Prostituta vivem sendo objeto de agressões...
Pode acrescentar Petista aí também?
Pode. Mas o PT tem de melhorar, senão fica difícil. O PT precisa entender isso. Quem não luta não merece triunfar, entende?
A produção iconográfica dos três volumes de Quem foi que inventou o Brasil?, coordenada por Vladimir Sacchetta, inspirou também a exposição A Música Canta a República, que fica em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, até 2 de agosto. Depois segue para o Rio de Janeiro até novembro, quando vai para Brasília, no Espaço Cultural dos Correios das duas cidades

Começa em Colômbia a exumação da maior fossa comum urbana do mundo.

Medellín, 16 de julho de 2015
As autoridades colombianas anunciaram que a exumação da maior fossa comum urbana do mundo, situada no bairro Comuna 13 do oeste de Medellín, está prevista para o próximo 27 de julho. Nos trabalhos de exumação se buscará desaparecidos nos últimos 50 anos da guerra que o Governo enfrenta com os paramilitares e a guerrilha.
Pelo tamanho da zona e pelo número de pessoas que poderiam ter sido enterradas neste lugar [...], pode-se dizer que se trata da maior fossa comum urbana do mundo”, assegura Jorge Mejía, o assessor da Prefeitura de Medellín, em declarações a Reuters.
Os ativistas de direitos humanos asseguram que na fossa poderiam ter sido enterrados ao redor de 300 civis caídos ao longo das cinco décadas de guerra entre as forças de segurança do Estado, os grupos paramilitares e as guerrilhas esquerdistas. Por sua parte, o Governo estima que poderia haver umas 90 pessoas na fossa comum.
As guerrilhas urbanas, os paramilitares e muitos setores das instituições do Governo podem ser responsáveis pelo ocorrido na Comuna 13”, enfatizou Mejía, quem informou que uns trinta funcionários governamentais, incluindo as equipes forenses, escavarão e exumarão a fossa comum durante os próximos cinco meses.
Segundo os ativistas, algumas vítimas poderiam ter sido assassinadas pelas tropas do Governo durante as operações militares levadas a cabo contra a guerrilha em 2002 para recuperar o controle da Comuna 13.
Em Colômbia se estima que mais de 30.000 pessoas foram desaparecidas no transcurso de uma guerra que já dura mais de 50 anos. Até o momento, as autoridades colombianas exumaram cerca de 6.000 corpos de fossas comuns.
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Discurso do Ministro de Relações Exteriores da República de Cuba Bruno Rodríguez Parrila, na Cerimônia de Reabertura da Embaixada de Cuba nos Estados Unidos.

Exmª Sra. Roberta Jacobson, secretária de Estado Adjunta, e senhores funcionários do Governo dos Estados Unidos que a acompanham:

Honoráveis Membros do Congresso:


Estimados Representantes das Organizações, Movimentos e Instituições estadunidenses que realizarem ingentes esforços pela mudança de política em relação a Cuba e o melhoramento das relações bilaterais:
Estimados Representantes das Organizações e Movimentos da emigração patriótica:
Excelentíssimos Srs. Embaixadores:
Companheiros da Delegação Cubana:
Encarregado de negócios José Ramón Cabañas, funcionários e trabalhadores da Embaixada de Cuba:

Estimadas amigas e amigos:
A bandeira que honramos à entrada desta sala é a mesma que aqui foi arriada há 54 anos, conservada zelosamente na Flórida por uma família de libertadores e depois pelo Museu de nossa cidade oriental de Las Tunas, como antecipação de que este dia teria que chegar.
Ondeia novamente neste lugar a bandeira da estrela solitária que encarna o generoso sangue derramado, o sacrifício e a luta mais que centenária de nosso povo pela independência nacional e pela plena autodeterminação, frente aos mais graves desafios e perigos.
Rendemos homenagem a todos os que caíram em sua defesa e renovamos o compromisso das gerações presentes e, com absoluta confiança nas que virão, de servi-la com honra.
Invocamos a memória de José Martí, quem viveu consagrado à luta pela liberdade de Cuba e conheceu profundamente os Estados Unidos. Em suas “Escenas Norteamericanas” nos deixou uma nítida descrição da grande nação do norte e o elogio do melhor dela. Também nos legou a advertência de seu exacerbado apetite de dominação que toda uma história de desencontros confirmou.
Chegamos aqui graças à condução firme e sábia do líder histórico da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz, a cujas ideias sempre guardaremos lealdade suprema. Recordamos sua presença nesta cidade, em abril de 1959, para promover relações bilaterais justas e sua sincera homenagem a Lincoln e Washington. Os propósitos que prematuramente o fizeram vir são os que tentamos nestas décadas e coincidem exatamente com os que nos propomos hoje.
Muitos nesta sala, políticos, jornalistas, personalidades das letras ou das ciências, estudantes, ativistas sociais estadunidenses, usufruíram de infinitas horas de enriquecedora conversação com o Comandante que lhes permitiram compreender melhor nossas razões, objetivos e decisões.
Este ato foi possível pela livre e inquebrantável vontade, pela unidade, o sacrifício, a abnegação, a heroica resistência e pelo trabalho de nosso povo, e pela força da Nação e da cultura cubanas.
Várias gerações da diplomacia revolucionária confluíram neste esforço e entregaram seus mártires. O exemplo e o verbo trepidante de Raúl Roa, o Chanceler da Dignidade, continuam estimulando a política externa cubana e estarão na lembrança dos mais jovens e dos futuros diplomatas.
Sou portador de uma saudação do Presidente Raúl Castro, expressão de boa vontade e da sólida decisão política de avançar, mediante o diálogo baseado no respeito mútuo e na igualdade soberana, para uma convivência civilizada, ainda dentro das diferenças entre ambos governos, que favoreça a solução dos problemas bilaterais, promova a cooperação e o desenvolvimento de vínculos mutuamente vantajosos, como desejam e merecem ambos povos.
Sabemos que isso seria uma contribuição à paz, ao desenvolvimento, à equidade e à estabilidade do continente, ao exercício dos propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na Proclamação de América Latina e Caribe como Zona de Paz, firmada na II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em Havana.
Com o restabelecimento das relações diplomáticas e da reabertura de Embaixadas, culmina hoje uma primeira etapa do diálogo bilateral e se abre passagem ao complexo e certamente longo processo para a normalização das relações bilaterais.
É grande o desafio porque nunca houve relações normais entre os Estados Unidos da América e Cuba, a pesar de um século e meio de intensos e enriquecedores vínculos entre os povos.
A Emenda Platt, imposta em 1902 sob ocupação militar, cerceou um esforço libertador que havia contado com a participação ou a simpatia de não poucos cidadãos norte-americanos e deu origem à usurpação de território cubana em Guantánamo. Suas nefastas consequências marcaram indelevelmente nossa história comum.
Em 1959, os Estados Unidos não aceitaram a existência de uma pequena e vizinha ilha totalmente independente e, uns anos depois, ainda menos, a de uma Revolução socialista que teve que se defender, e desde então encarna a vontade de nosso povo.
Cito a história para afirmar que hoje se abre a oportunidade de começar a trabalhar para fundar umas relações bilaterais novas e diferentes a todo o anterior. Para isso, o governo cubano compromete toda sua vontade.
Só a eliminação do bloqueio econômico, comercial e financeiro, que tanto dano e privações ocasiona a nosso povo, a devolução do território ocupado em Guantánamo e o respeito à soberania de Cuba darão sentido ao fato histórico que estamos vivendo hoje.
Cada passo que se avance contará com o reconhecimento e a favorável disposição de nosso povo e governo, e receberá evidentemente o estímulo e o beneplácito da América Latina Caribenha e do mundo.
Ratificamos a vontade de Cuba de avançar para a normalização das relações com os Estados Unidos, com ânimo construtivo, porém sem menosprezo algum a nossa independência, nem ingerência em assuntos que pertencem à exclusiva soberania dos cubanos.
Persistir em objetivos obsoletos e injustos e só propor-se uma mera mudança nos métodos para consegui-los não fará legítimos aqueles nem ajudará ao interesse nacional dos Estados Unidos nem ao de seus cidadãos. No entanto, se assim ocorrera, estaríamos dispostos a aceitar o desafio.
Acorreremos a este processo, como escrevera o presidente Raúl Castro em sua carta de 1º de julho ao Presidente Barack Obama, “estimulados pela intenção recíproca de desenvolver relações respeitosas e de cooperação entre nossos povos e governos”.
Desde esta Embaixada, continuaremos trabalhando com empenho para fomentar as relações culturais, econômicas, científicas, acadêmicas e desportivas, e os vínculos amistosos entre nossos povos.
Transmitimos o respeito e reconhecimento do governo cubano ao Presidente dos Estados Unidos por seu chamado ao Congresso a suspender o bloqueio e pela mudança de política que enunciou, em particular pela disposição que expressou de exercer suas faculdades executivas com esse propósito.
Relembramos especialmente a decisão do Presidente Carter de abrir Seções de Interesses respectivas em setembro de 1977.
Me alegra agradecer ao governo da Confederação Suíça por sua representação dos interesses cubanos durante os últimos 24 anos.
Em nome do Governo e do povo de Cuba, desejo expressar nossa gratidão aos membros do Congresso, académicos, líderes religiosos, ativistas, grupos de solidariedade, empresários e tantos cidadãos estadunidenses que se esforçaram ao longo de muitos anos para fazer chegar este dia.
À maioria dos cubanos residentes nos Estados Unidos, que têm defendido e clamam por uma relação diferente deste país com nossa Nação, expressamos reconhecimento. Nos disseram, comovidos, que multiplicarão seus esforços, leais à tradição da emigração patriótica que serviu de sustentação aos ideais de independência.
Expressamos gratidão a nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, que estiveram de maneira decisiva junto a nosso país e exigiram um novo capítulo nas relações entre os Estados Unidos e Cuba, assim como o fizeram com extraordinária constância muitíssimos amigos em todo o mundo.
Reitero nosso reconhecimento aos governos, aqui representados pelo Corpo Diplomático, que com sua voz na Assembleia Geral das Nações Unidas e em outros âmbitos deram uma contribuição decisiva.
José Martí organizou a partir daqui o Partido Revolucionário Cubano para conquistar a liberdade, toda a justiça e a dignidade plena dos seres humanos. Suas ideias, reivindicadas heroicamente no ano de seu Centenário, continuam sendo a essencial inspiração neste caminho que nosso povo, soberanamente, escolheu.

Muito obrigado.

Equipe ANNCOL - Brasil

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...