sábado, 14 de fevereiro de 2015

Palavras de encerramento no evento de informe da Comissão Histórica

La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 10 de fevereiro de 2015
A Delegação de Paz das FARC-EP recebe com beneplácito os informes apresentados hoje pela Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, e manifesta sua satisfação pelo passo que demos na busca da verdade em torno dos fatos que configuram o conflito colombiano.
Até agora, o Estado colombiano tinha vindo sustentando um discurso unilateral sobre a origem do conflito, sobre suas causas, seus responsáveis e suas consequências. Fruto dos esforços das partes no atual processo de Diálogos de Paz, pela primeira vez o povo colombiano dispõe de um relato plural, ainda em construção, porém já não unilateral, mas sim reflexo das distintas visões que mantemos os que temos confrontado neste longo conflito social e armado que tem dessangrado a Colômbia por mais de 50 anos. Saudamos este primeiro passo, impensável quando começamos estes diálogos, e manifestamos nossa firme vontade e compromisso de trabalhar para que o povo colombiano continue avançando pelo caminho da verdade histórica, a fim de que esta nunca mais possa ser ocultada aos filhos e filhas da Colômbia.
O povo que não conhece sua história está condenado a repetir uma e outra vez erros irreparáveis e de trágicas consequências. Por isso a Memória Histórica é patrimônio inalienável dos povos livres e é nossa obrigação construí-la entre todas e todos, negando-nos a ocultar quantas explicações resultem imprescindíveis para a construção de um futuro de paz e reconciliação. As experiências de outros povos demonstram que renunciar a construir coletivamente uma Memória Histórica é um esforço estéril que só conduz à incessante reabertura de feridas que necessariamente devem ser cicatrizadas para alcançar e manter a paz. Porque não queremos que o mais trágico de nossa história se repita, porque é nossa obrigação superar décadas de guerra contra o povo colombiano, é pelo que as FARC-EP nos empenhamos neste esforço de construir um relato certo de nossa história recente, um relato da história e das causas mais profundas deste cruento conflito que tanta dor e danos tem causado aos colombianos.
É questão unânime que os pobres, os humildes, os despossuídos, nunca começaram nem quiseram as guerras. A paz é condição prévia indispensável para o progresso dos povos, para acabar com a pobreza, as desigualdades e a exclusão social, para empreender profundas transformações em benefício das maiorias e assim poder construir uma sociedade justa de homens e mulheres livres e iguais. Pelo contrário, quando as classes dominantes se negam a permitir os avanços sociais, proscrevem a igualdade, pervertem a justiça e negam a democracia política e social, o povo, para simplesmente poder viver dignamente, se vê compelido a levantar-se contra a tirania recorrendo ao sagrado direito à rebelião frente à injustiça e a opressão. Quem nega os direitos fundamentais a todo um povo não pode, por sua vez, fazê-lo responsável pelo imenso sacrifício que supõe exercer o direito à rebelião, nem pode criminalizá-lo pelo fato de aspirar a construir uma sociedade justa valendo-se do único recurso que ficou a seu alcance quando se lhe impede o exercício da democracia, o recurso às armas.
Mantemos a afirmação de que o conflito social e armado que a Colômbia padece não foi causado pelo levantamento campesino que deu origem às FARC-EP, nem por outros levantamentos rebeldes que se situam na origem das distintas expressões de insurgência que nossa Colômbia conheceu ao longo de sua história. Ninguém pode hoje manter com seriedade e mínima rigorosidade histórica que a posta em marcha de um projeto coletivo de vida pelos campesinos de apenas quatro veredas da imensa Colômbia desse lugar ao surgimento de uma “república independente” que ameaçasse a integridade de nosso país ou pusesse em perigo a própria existência do Estado. A rebelião foi a consequência de uma das causas do conflito: a agressão das classes dominantes; a causa do conflito foi a negação de direitos pelos poderosos, pelo estabelecimento, à maioria do povo colombiano.
No conflito colombiano não tem havido vencedores nem vencidos. Houve, sim, igual que em todas as guerras, uma vítima: o povo colombiano. Por isso afirmamos que carece de sentido que o Estado pretenda obter na Mesa de Diálogos uma vitória que foi incapaz de obter nos campos de batalha durante anos, apesar da imensa desproporção de meios e recursos, contando com ingentes forças desdobradas para a guerra pelo aparelho do Estado e também pelas potências estrangeiras que o têm apoiado. Não estamos ante um processo de subordinação ou submissão, porque nenhuma parte pôde vencer a seu adversário. E é obrigação de ambas as partes na Mesa de Diálogos construir um relato do conflito e de suas causas que resulte crível e rigoroso por basear-se em fatos objetivos, e que evite a tentação de apresentar uma insurgência que tem resistido numa guerra desigual como a responsável pelos crimes perpetrados contra o povo, em cuja defesa se levantou. Por isso temos rechaçado e rechaçaremos quantas visões pretendam apresentar o atual processo de busca de uma solução política para o conflito colombiano como um processo de exclusiva apresentação de contas ante a justiça. Rechaçaremos igualmente quantas propostas se nos formulem exigindo responsabilidades políticas ou jurídicas unilateral e exclusivamente à insurgência, pretendendo ocultar assim que a maior responsabilidade no conflito corresponde, sem dúvida, a um Estado e uma classe dirigente que se afastaram há anos do bom governo que obriga a buscar o bem comum, e que não hesitaram em oprimir todo um povo unicamente para preservar seus privilégios e impedir a justa divisão das imensas e comuns riquezas que nossa pátria contém.
Hoje, escutamos distintas explicações sobre a origem do conflito e sobre suas causas. Uma primeira conclusão há de ser que a rigorosidade na análise histórica é incompatível com a visão unilateral dos privilegiados; é incompatível com o discurso único que tem regido e imperado na Colômbia da violência que queremos deixar para trás. Para superar essa análise perniciosa e daninha para nosso povo foi que as partes acordamos pôr em marcha a Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, cujas conclusões hoje se nos expuseram. Estamos satisfeitos porque cremos que se abriu outro caminho para a paz. Cremos que entre todos demos um passo histórico, um passo imprescindível e mil vezes adiado até agora. Porém cremos que ainda resta muito mais por fazer. A história nos mostra que sem pôr-nos de acordo num correlato histórico comum, numa Memória Histórica coletiva, não haverá verdadeira reconciliação nacional e, portanto, o fantasma de uma nova guerra num futuro mais ou menos próximo ou distante não poderá ser definitiva e eficazmente conjurado.
É, portanto, uma necessidade que, assim como as FARC-EP vimos assumindo nossas responsabilidades pelas consequências e os efeitos que nosso acionar no conflito social e armado puderam ter, o Estado e o estabelecimento assumam suas responsabilidades sobre as causas que hoje foram aqui expostas. É imprescindível que as classes dominantes realizem um exercício de contrição e reconheçam que a negação dos direitos de todo um povo, a condenação deste à miséria e à exclusão, a desenfreada acumulação de imensas riquezas em poucas mãos e a usurpação de terras ao campesinato, sonhos e futuro, se situam inequivocamente na origem do longo conflito social e armado que agora entre todos estamos empenhados em superar. Somente um firme compromisso para que as ditas causas nunca mais voltem a aparecer em nossa pátria serão garantia para a sólida construção da Nova Colômbia em paz que todas e todos queremos para nossos descendentes.
Estimulamos o povo colombiano a debater e desenvolver as conclusões hoje aqui expostas por esta Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, a construir entre todos e todas, esse relato histórico, imprescindível para a reconciliação e ainda inacabado, sobre as causas do longo conflito social e armado. Exortamos a estudar nossa história para conhecê-la e nunca mais repetir os catastróficos erros cometidos, uma e outra vez, por uns maus governantes que não souberam dar a seu povo o bem-estar e a paz que todos, sem distinção de origem, classe ou condição merecemos.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

FARC-EP Saúdam a Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas

La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 10 de fevereiro de 2015
Compatriotas relatores
Víctor Manuel Moncayo Cruz e Eduardo Pizarro Leongómez
Comissionada Maria Emma Wills e demais integrantes da
Comissão histórica do conflito e suas vítimas.

«Seja o que for, já não nos encontramos nos tempos em que a história das nações era escrita por historiógrafos privilegiados aos quais se lhes dava inteira fé sem exame... são os povos os que devem escrever seus anais e julgar aos grandes homens.» Simón Bolívar (Diario de Bucaramanga).

Apreciamos imensamente o trabalho realizado pela “Comissão histórica do conflito e suas vítimas”. Somos conscientes de que vocês não contaram com as melhores condições para realizar suas elaborações, sobretudo pela insuficiência de tempo. Não obstante, estamos convencidos de que souberam compreender que a dinâmica imposta por um processo como o que adiantamos não dá espera, e responderam ao chamado que lhes fez a Mesa de diálogos desde Havana. Certamente sempre se considerará que o realizado poderia ser melhor, se se tem em conta o rigor que demanda todo esforço intelectual e investigativo que se preze ser sensato e particularmente este que será um insumo fundamental para aprofundar na busca da verdade a respeito das causas e consequências da longa confrontação política, social e armada da qual a Colômbia padece, o qual gera imensas expectativas na opinião nacional frente aos resultados que agora se fazem públicos.
Suas contribuições ao entendimento da complexidade do conflito, assim como as análises que contribuam para seu trâmite pela via exclusivamente política, serão, com certeza, indiscutíveis. Além disso, suas aproximações à problemática das vítimas e à definição das responsabilidades, assuntos que, ao lado da busca de soluções à miséria, desigualdade e à carência de democracia se encontram no centro de nossas preocupações.
Desde o início mesmo dos diálogos, propusemos uma comissão que se ocupasse do esclarecimento da verdade histórica do conflito. Após mais de um ano de formulação da dita iniciativa, o Governo nacional respondeu positivamente a nossa proposta e se compôs a “Comissão histórica do conflito e suas Vítimas”. Em igual sentido, estamos certos de que se concretizará o acordo sobre a “Comissão de esclarecimento e não repetição”, com cujo trabalho se complementará o esforço por alcançar o propósito de construção da verdade histórica como parte de nosso compromisso com as vítimas e, em geral, com o país.
Tal propósito, evidentemente, representa uma tarefa pendente, sobretudo se se leva em conta que, sendo o conhecimento da história uma condição inevitável para traçar o curso do porvir, o qual é axiomático, a realidade histórica e sua interpretação também se converteram num campo de batalha. Paralelamente com as pretensões de uma vitória militar sobre nosso levantamento armado, que, aliás, nunca chegou, fizeram carreira a falsificação e o negacionismo. Por mero dispositivo e através da manipulação midiática, se pretendeu fazer desaparecer a existência do conflito e com isso a perspectiva de uma solução política e a possibilidade de encontrar a reconciliação em condições de justiça e vida digna.
Nossa longa e legítima luta buscou ser desprestigiada e apresentada como parte das atividades próprias de uma indústria criminal; nosso acionar guerrilheiro foi convertido em simples comissão de delitos, tipificados na longa lista do direito penal. Ainda hoje, os setores mais atrasados da opinião pública e funcionários mal-intencionados do Estado, inimigos da paz, como o Procurador Geral da Nação, persistem nessa ideia. Sua intenção é clara: apagar o inapagável; estimular a ideia de que nossa luta guerrilheira é a invenção de um grupo de indivíduos para se enriquecerem e, de passagem, ultrajar a população e convertê-la em objeto de vitimização; promover o ódio e a vingança entre os colombianos; suprimir de golpe a possibilidade da rebelião armada e continuar pelo caminho do desconhecimento do delito político e suas conexidades, ainda sabedores de que tal despropósito pode levar o processo de diálogo a uma sem saída.
Daí a importância do retorno à história. Só ela permite compreender nosso presente e projetar nosso futuro. O que ansiamos nós outros é o da paz com democracia verdadeira e justiça social, é o da reconciliação nacional. E esse retorno à história o concebemos como uma construção complexa na qual devem ter espaço todas as vozes. Por isso, nosso entendimento da Comissão partiu da necessária consideração de múltiplas perspectivas de análises e enfoques, sempre sob a suposição que ainda em presença deles há fatos e evidências históricas indiscutíveis; que o relato histórico não é só um assunto de interpretação, senão que deve ser elaborado precisamente com base numa rigorosa avaliação dos fatos e das evidências.
Somos conscientes das dificuldades para a elaboração do referido relato. Começando, como já assinalaram alguns historiadores, que para uma história do conflito faltam ainda por explorar –com o devido julgamento- as fontes guerrilheiras e os ainda não abertos arquivos do Estado, sem deixar de lado inclusive os de governos estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos que, como é bem sabido, têm jogado um papel determinante em nossa história. A elaboração dessa história ainda nos espera.
Quando acordamos a composição da Comissão, conhecendo os limites que a investigação histórica impõe, assinalamos que não pretendíamos que se realizasse uma nova investigação, senão que, a partir das já existentes e confiando no conhecimento dos expertos, se pudesse adiantar um exercício de interpretação que contribuísse para compreender a complexidade do conflito colombiano, suas causas e origens, sua persistência, os impactos gerados por este sobre a população e, ademais, que contribuísse na definição das responsabilidades. Não buscávamos um relato único; entre outras coisas, porque a história que nos aguarda não é a dos vencedores. Pretendíamos, reiteramos, que as mais diversas vozes fossem ouvidas, inclusive aquelas que teórica e epistemologicamente se podem situar no campo da história feita desde a subalternidade.
Estamos certos de que conseguimos essa incumbência. Os informes dos doze expertos, assim como o informe da relatoria, com sua aproximação teórica, metodológica e interpretativa diversa, enriquecerão as discussões da Mesa e, não nos cabe a menor dúvida, marcarão uma etapa no debate nacional, acadêmico e da opinião pública acerca da história do conflito social e armado. As vítimas do conflito contarão com um inevitável referente para compreender o que passou e especialmente pensar em como superar o que faz com que a vitimização se reproduza e persista.
Nesse sentido, queremos agradecer-lhes pelo trabalho realizado. Estejam certos de que o Informe da Comissão representa uma contribuição substantiva ao processo de paz. Seus alcances ainda não podem ser percebidos na devida dimensão. Certamente irá suscitar reações e inquietações diversas que deveremos assumir com sabedoria, sensatez, probidade e a obrigação ética de comprometer-nos em aliviar, como dizia o Libertador Simón Bolívar, “os horrores da guerra”, favorecendo a reconciliação. De tal maneira, então, que muito útil seria manter coesa e em funcionamento a equipe de estudiosos que integram a Comissão histórica do conflito e suas vítimas, a fim de continuar contando com tão importante fonte de consulta e assessoria no curso dos debates que levamos ao redor do ponto 5 da Agenda, referido a Vítimas, e os que já estamos às portas de abordar em relação com a finalização do conflito.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

FARC-EP saúdam visita da Frente Ampla pela paz

La Habana, Cuba, sede dos diálogos de Paz, 9 de fevereiro de 2015
Companheiras e companheiros da Frente Ampla pela paz
Nossa saudação fraterna e ampla, como é o caráter do espaço que hoje vocês integram somando esforços de diferentes organizações políticas e sociais populares, que decidiram seguir um caminho de convergência para o propósito fundamental e louvável de alcançar a paz para Colômbia.
Importantes organizações, personalidades e dirigentes políticos e sociais reconhecidos se encontram hoje comprometidas e comprometidos em garantir a boa marcha do empreendimento de unidade que durante tantos anos foi esquivo ao setor majoritário de compatriotas que clamam e lutam pela reconciliação nacional, em condições de justiça e dignidade. Felizmente, assim o corrobora a presença de vocês aqui em Havana, juntos, atuando mancomunadamente ao redor da altíssima causa da paz, fazendo parte essencial de um processo de verificação de algo tão importante como é o declaratório do cessar-fogo. Isto, ademais, marca uma etapa histórica no que concerne à participação protagônica e decisiva do soberano na definição dos destinos do país.
A visita de vocês, que vem a ser a primeira de ampla representação que porta-vozes dos diversos setores sociais fazem de maneira pessoal em Havana, a uma das partes em conversação, trazendo, ademais, uma mensagem de concórdia e esperança contra a continuidade da guerra, cremos que pode ser a abertura, que a insurgência tem exigido com tanta insistência, aos cenários de participação direta que necessariamente o povo deve ter na Mesa de Diálogos, se em verdade queremos alcançar uma paz estável e duradoura.
Atos de desprendimento e gestos que tomam por meta a busca do bem-estar comum são os que preenchem de autoridade moral aos que os exercem, e brindam a certeza em que é possível abrir caminhos a uma alternativa de mudança em nosso país. Com sinceridade assim o vemos, e cremos que é o que a presença da Frente Ampla pela Paz encarna, gerando otimismo em nossos corações.
Queremos agradecer, uma vez mais, a Frente Ampla pela PAZ, a cada uma de suas organizações e integrantes, agora de maneira presencial, por ter assumido o difícil compromisso de adiantar a verificação do cessar-fogo, unilateral e por tempo indeterminado, que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Exército do Povo decidimos decretar a 20 de dezembro do ano passado e que completa no dia de hoje 52 dias. Sem tal aceitação da verificação não nos teria sido possível dar início à determinação que tomamos pensando em razões estritamente humanitárias e em propiciar um melhor ambiente para as discussões na Mesa.
Vocês complementam sua intrepidez acorrendo a Cuba para realizar a análise do que têm sido estas semanas de silêncio das armas por parte das FARC-EP, e acreditamos que será fato de constatação, que se tratou de um tempo no qual com suma responsabilidade suportamos o assédio guerreirista de um regime que ainda não encontra o caminho para a desescalada prática da confrontação, e, pelo contrário, recrudesce suas operações militares, sem importar-lhe que a insurgência fariana não somente suspendera suas ações ofensivas contra unidades do exército e da polícia e contra a infraestrutura pública e privada, senão que também evitou o avanço das tropas institucionais e dos choques, ademais de haver atuado com paciência e ponderação frente já a vários ataques realizados contra nossas posições, os quais foram denunciados oportunamente.
Com os braços abertos, os recebemos com sentimento de pátria, para informar-lhes sobre os avanços das conversações e na expectativa de suas reflexões, da transmissão de suas experiências e inquietações; dispostos a ouvir suas observações e sugestões, e a que construamos juntos fórmulas que coadjuvem a dar maior avanço ao processo de diálogo com o governo, tendo sempre presente que é junto à cidadania que nos corresponde tomar as determinações que encaminhem a Colômbia para a conquista da paz verdadeira, porque o povo não pode ser um simples espectador da definição de seu futuro.
Muito obrigado novamente à Frente Ampla pelo respaldo inestimável que tem dado ao processo de paz em geral, obrigado por sua ação de verificação do cessar-fogo unilateral e por tempo indeterminado, obrigado por sua persistência em impulsionar a concretização sem demora do cessar bilateral, e obrigado por irem abrindo com a execução de sua agenda social anti-neoliberal, e com sua heroica oposição à agenda legislativa antipopular, um caminho de protagonismo para o constituinte primário.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
--
Equipe ANNCOL - Brasil

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Resolução Política: “Reunido em Belo Horizonte, no dia 6 de fevereiro de 2015, nas comemorações dos 35 anos do Partido dos Trabalhadores, o Diretório Nacional resolve:

Expressar ampla solidariedade e defender o governo da presidenta Dilma contra os ataques da oposição de direita.

Condenar a ofensiva e denunciar as tentativas daqueles que investem contra a Petrobrás, pois, a pretexto de denunciar a corrupção que sempre combatemos, pretendem, na verdade, revogar o regime de partilha no pré-sal, destruir a política de conteúdo nacional e, inclusive, privatizar a empresa. É nosso dever fortalecer a Petrobrás e valorizar seus trabalhadores. É nossa tarefa também defender a democracia e as conquistas do povo, denunciar as tentativas de desqualificar a atividade política e de criminalizar o PT.

Reafirmar o posicionamento adotado em Fortaleza em dezembro último, de apoiar as investigações em curso sobre a corrupção na Petrobrás e exigir que elas sejam conduzidas rigorosamente dentro dos marcos legais e não se prestem a ser instrumentalizadas, de forma fraudulenta, por objetivos partidários. O PT reafirma a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção. Qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção, deve ser expulso.

Conclamar a militância a contribuir para a criação de uma articulação permanente de partidos, organizações, entidades – uma força política capaz de ampliar nossa governabilidade para além do Parlamento e de criar condições para realizar reformas estruturais no País. Reforçar as campanhas pela reforma política e pela democratização da mídia.

Frente ao permanente flerte com o golpismo daquelas elites que não conseguem vencer e nem convencer pelas ideias, o PT deve tomar a iniciativa de propor a unificação das propostas democráticas pela reforma política e construir uma ampla mobilização social para formar em torno da reforma política democrática uma vontade majoritária na sociedade. Partindo da proibição do financiamento empresarial e da garantia do financiamento público, buscaremos construir uma plataforma unitária na qual seja incorporada o voto em lista preordenada e paritária em termos de gênero. Além disso, o DN apoia a declaração de inconstitucionalidade do financiamento empresarial às campanhas eleitorais em curso no Supremo Tribunal Federal.

Apoiar a engajar a militância em mobilizações sociais, a exemplo das jornadas convocadas pela CUT e na organização do 1o. de Maio; Propor ao governo que dê continuidade ao debate com o movimento sindical e popular, no sentido de impedir que medidas necessárias de ajuste incidam sobre direitos conquistados – tal como a presidenta Dilma assegurou na campanha e em seu mais recente pronunciamento. Nesse sentido, é necessário formalizar o processo de diálogo tripartite entre governo, partido e movimento sindical e popular, principalmente no que se refere às Medidas 664 e 665, bem como a definição de uma agenda comum pelas reformas democráticopopulares.

Recolocar na ordem do dia a necessidade de aprovar a criação de um imposto sobre grandes fortunas; Incentivar o debate sobre a necessidade de buscar novas fontes de receita para financiar projetos sociais e investimentos em infraestrutura, o que implica reformar o atual sistema tributário — desigual, injusto e regressivo, pois grava a produção, os salários e o consumo popular, ao passo que poupa a riqueza, o patrimônio e a especulação; Preparar o partido para a disputa das eleições municipais de 2016, recuperando a importância de difundir o modo petista de governar.

Convocar o conjunto da militância a engajar-se nos debates do 5º Congresso, que será também aberto à participação de simpatizantes. O PT só ganha sentido se ele for expressão de suas bases, que devem ser ouvidas sempre para decidir os rumos do partido.

Por fim, no curso desta celebração histórica do nosso 35o. aniversário, saudamos o heroísmo do povo cubano que, por sua resistência, começa a quebrar o bloqueio imposto durante décadas pelo imperialismo. Saudamos também a vitória do novo primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, do Syriza, derrotando a política de austeridade fiscal, a quem desejamos êxito em sua batalha contra as políticas neoliberais que vêm revogando direitos e promovendo recessão e desemprego na Europa.

Congratulamo-nos, ainda, com o presidente da Bolívia, Evo Morales, que há pouco iniciou seu novo mandato presidencial – conosco irmanado na luta internacionalista, especialmente na integração latino-americana e caribenha.

Belo Horizonte/MG, 06 de fevereiro de 2015 Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores”




--
Equipe ANNCOL - Brasil
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

FARC: Cumpramos com a ordem da Agenda

«Se olham aos que ganham poder e dinheiro no conflito, Saberão quem são os que não querem a paz».
Jody Williams, prêmio Nobel da paz
La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 2 de fevereiro de 2015
Iniciamos hoje a primeira rodada de conversações do ano 2015. Se trata da continuação do diálogo civilizado entre partes enfrentadas desde há mais de meio século. Múltiplas razões levaram o Governo e as FARC-EP a sentarem-se em condições de partes iguais e firmar em Havana o acordo de agosto de 2012, com a alta mirada de dar uma solução diplomática ao conflito político-social interno, que nunca alcançou sua culminação com um vencedor e um vencido. Havia que explorar vias alternativas à confrontação armada entre irmãos de uma mesma nação, que bem podem superar o derramamento de sangue, porém não com a teoria do chefe da Delegação do Governo de “matar dois pássaros com um tiro”, a qual ainda entranha uma visão militarista e excludente a respeito da guerrilha, mas sim fazendo confluir ideias e ações que beneficiem ao conjunto da pátria.
O Acordo Geral para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura beneficia desde o primeiro dia de sua vigência a população civil não comprometida ativamente na confrontação armada, igual que aos próprios contendores; convida as partes a contribuírem com soluções para problemas de diferente índole que afligem o país e que causaram a violência desde tempos por muitos já não recordados, porém que, certamente, não os gerou a guerrilha e sim o Estado; inclui os princípios da Cláusula Martens acolhidos pelas normas humanitárias e se constituem no verdadeiro marco jurídico para a paz, saído da vontade das partes dentro do contexto e espírito dos chamados convênios especiais plasmados nos Convênios de Genebra de 1947, e seus correspondentes Protocolos.
Por algo, o artigo sexto do Convênio III faculta às partes contendoras a acorrer à concertação de acordos “sobre qualquer questão que lhes pareça oportuno resolver particularmente”. Nada diferente do anteriormente exposto e, por razões humanitárias, é o que conduziu as FARC-EP a propor fórmulas ou gestos de desescalada do conflito e a declarar e ordenar um cessar-fogo unilateral e por tempo indeterminado, que seja verificável.
Dentro do marco geral aludido e com pleno espírito de reconciliação, reiniciamos os diálogos, esperando que se continue com o cumprimento do acordado nos termos conhecidos pelo povo da Colômbia e do mundo inteiro. O respeito devido a este fundamento não pode ser descarrilado com fórmulas alheias ao processo.
É necessário dizer que, em atenção à ordem da Agenda, tudo tem seu momento e lugar, o qual não dá espaços a soluções falsas como os referendos com sabor e obsessões eleitorais que escapam ao já combinado. Não nos sentimos aludidos por normas que pretendem invadir as de competência e decisão da instância única de entendimento que é a Mesa de Diálogos de Paz de Havana.
Dentro desta perspectiva, é de nosso interesse que convenhamos já os procedimentos e mecanismos para conseguir a reparação às vítimas por parte de todos os atores vinculados ao conflito, armados e não armados, sem consideração de seu status, hierarquia, condição ou origem, independentemente de que tenham feito e façam ou não parte do Estado.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC


-- 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O dilema a definir entre todos

De acordo com o informado pela grande imprensa, às três da tarde do dia 5 de fevereiro terá lugar uma reunião entre a Unidade Nacional, o alto mando militar colombiano e o ministro da defesa, na qual a coalizão do governo do Presidente Juan Manuel Santos comunicará à cúpula castrense que as forças armadas oficiais não serão as perdedoras na firma de um acordo final com as FARC, visando tranquilizá-las para que não se oponham ao processo de paz.
O acordo sobre a referida reunião surgiu de outra reunião celebrada em Palácio entre os porta-vozes da Unidade Nacional, o mindefesa e o próprio Presidente da República. Ali, teriam decidido a necessidade de blindar as forças armadas de maneira tal que não vão resultar prejudicadas pelo pactuado em matéria de justiça na Mesa de Havana. E é essa determinação a que se pensa dar a conhecer ao corpo de generais na data mencionada.
Limitando-nos ao informado publicamente, ademais das garantias judiciais aos militares no pós-conflito, nessa reunião se tratará acerca do trâmite do projeto em curso sobre foro penal militar e o compromisso oficial de levá-lo adiante, além de calar as vozes que dentro das forças militares manifestaram dissimuladamente sua inconformidade com os desenvolvimentos do processo de paz que se adianta com as FARC-EP em Havana.
Nessa tripla direção, o senador Roy Barreras, protagonista central da reunião preparatória, declarou ante a imprensa que se aplicarão benefícios de justiça transicional a guerrilheiros e militares, porém não com a mesma rasoura. Deverá haver um capítulo especial para a força pública. No mesmo sentido, o senador Armando Benedetti saiu dizendo que haverá que buscar uma justiça transicional para os militares, na qual eles tenham direito a um indulto.
Quer dizer, haverá duas justiças transicionais completamente diferentes, uma para a insurgência e outra para os integrantes das forças armadas. Por sua parte, também ouvimos declarações do porta-voz oficial na Mesa por parte do governo, Humberto de La Calle, nas quais se refere às diferenças com as FARC em matéria de justiça transicional e aos esforços que haverá que realizar para superá-las e alcançar um ponto de encontro.
Também nos inteiramos uns dias atrás da roda de imprensa concedida pelo general Oscar Naranjo acerca das próximas sessões da Mesa, os mecanismos a implementar e a forma como haverão de se desenvolver as discussões. Todo o anterior deixa claro que existem definições por parte do governo nacional em todas as matérias pendentes, sobre o qual não duvida em informar ao público, apesar de não ter tratado nem combinado nada ainda a respeito conosco.
Já se maneja na imprensa o conteúdo que terão as discussões da Subcomissão Técnica sobre o fim do conflito, não obstante que as delegações das partes em Havana ainda não abordam o tema do mandato que deverá ter a dita subcomissão para seu trabalho. Do mesmo modo, se agita o debate em torno da composição ou participação das FARC num corpo de polícia ou gendarmaria rural quando tal assunto nem sequer foi mencionado na mesa.
Todas essas questões devem se originar, cremos, na ânsia do governo nacional por tranquilizar a diversos setores ou grupos de interesse com relação ao que finalmente poderia sair da Mesa. A atitude do Presidente Santos após seu retiro espiritual de Cartagena parece dirigida a fortalecer ao máximo no ânimo da nação a vontade de apoiar o processo de paz de Havana, e isso está bem. O discutível é se, para fazê-lo, convém agitar tanta expectativa incerta.
No passado, houve uma posição tão radical por parte do governo com relação à divulgação dos conteúdos que se discutiam na Mesa, se insistiu tanto na denominada confidencialidade e na inconveniência de referir-se em público a temas delicados pendentes de abordar, que a repentina atitude contrária não deixa de chamar a atenção. Mais quando ela se liga a pressas, prazos e conjunturas eleitorais mediante as quais parece que se intenta pressionar-nos.
Supomos que o governo do Presidente Santos sabe bem o que está fazendo, ainda que não deixe de inquietar-nos. Seria injusto de nossa parte não reconhecer a boa vontade oficial em colaborar e inclusive facilitar cada um dos movimentos que tem sido necessário realizar tanto para a recomposição de nossa delegação como para a integração da Subcomissão Técnica. Nisso o Presidente e demais autoridades têm demonstrado grande seriedade. E deve-se reconhecer.
Ainda que, em nossa opinião, essa mesma seriedade pode ser questionada ao observar o mar de especulações que circulam, entre outros, sobre os temas a que nos referíamos. Ou, por exemplo, num assunto tão crucial como o do cessar-fogo bilateral. Após reconhecer o cumprimento por nossa parte do compromisso adquirido a partir de 20 de dezembro do ano anterior, o Presidente insinuou formalmente que sua bilateralidade seria um próximo objeto de discussão.
Quando, na realidade, se estava referindo ao pactuado no Terceiro Ponto do Acordo Geral sobre o final do conflito, isto é, o cessar-fogo bilateral que haverá de ter lugar quando se firme um acordo final que na verdade não o sentimos tão próximo. Continuamos sofrendo permanentes investidas por parte das forças armadas regulares, e pondo sangue guerrilheiro, que é sangue do povo colombiano em luta. Assim é muito difícil continuar.
Já o dizia o Comandante Fidel Castro Ruz em sua mais recente mensagem pública, ao referir-se às aproximações entre os governos dos Estados Unidos e de Cuba, defender a paz é um dever de todos. A humanidade inteira luta contra os que têm feito da violência e da guerra o mecanismo predileto para acrescentar e defender suas fortunas. A paz, realmente, é uma aspiração dos povos secularmente submetidos pelas armas dos proprietários.
É necessário que uma imensa maioria de colombianos se ponha em pé para fazer a oligarquia governante saber que não está disposta a continuar suportando sua guerra nem seus crimes. Está bem, estamos dispostos plenamente a fazer política por vias pacíficas e civilizadas, porém para isso se requer que os donos do poder deponham definitivamente sua atitude e condutas violentas. Disso se trata em Havana, e esse cardeal dilema devemos defini-lo entre todos.

TIMOLEÓN JIMÉNEZ
CHEFE DO ESTADO-MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP

-- 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Marginalzinho: a socialização de uma elite vazia e covarde

Saindo um pouc dos textos farianos,  resolvi postar algo que encontrei em Carta Capital e que realmente é o meu pensamento expresso de  uma forma mais  complementada ou suplementada.(Ninfeia G)

De Carta Maior
Para todos nós!

 
 
 Parada em um sinal de trânsito, uma cena capturou minha atenção e me fez pensar como, ao longo da vida, a segregação da sociedade brasileira nos bestializa

Era a largada de duas escolas que estavam situadas uma do lado da outra, separadas por um muro altíssimo de uma delas. Da escola pública saíam crianças correndo, brincando e falando alto. A maioria estava desacompanhada e dirigia-se ao ponto de ônibus da grande avenida, que terminaria nas periferias. Era uma massa escura, especialmente quando contrastada com a massa mais clara que saia da escola particular do lado: crianças brancas, de mãos dadas com os pais, babás ou seguranças, caminhando duramente em direção à fila de caminhonetes. Lado a lado, os dois grupos não se misturavam. Cada um sabia exatamente seu lugar. Desde muito pequenas, aquelas crianças tinham literalmente incorporado a segregação à brasileira, que se caracteriza pela mistura única entre o sistema de apartheid racial e o de castas de classes. Os corpos domesticados revelavam o triste processo de socialização ao desprezo, que tende a só piorar na vida adulta.
Mas eis que, de repente, um menino negro, magro e sorridente, ousou subverter as regras tácitas. Brincando de correr em ziguezague, ele “invadiu” a área branca e se esbarrou num menino que, imediatamente, se agarrou desesperadamente no braço da mulher que lhe buscara. Foi um reflexo automático do medo. O menino “invasor” fez um gesto de desculpas – algo como “foi mal” -, e voltou a correr entre os seus, enquanto que a outra criança seguia petrificada.
No olhar do menino “invadido”, havia um misto de medo, de raiva, mas principalmente, de nojo – como que se a outra criança tivesse uma doença altamente contagiosa. Não é difícil imaginar o impacto de esse olhar no inconsciente do menino negro e pobre. Este aprendia, desde muito cedo, que era um intocável, que vivia em uma sociedade na qual seu corpo, na esfera pública, valia menos que o de um menino da mesma idade, que ainda não tinha nenhum mérito conquistado, apenas privilégios herdados.  As consequências desse gesto minúsculo serão trágicas para o menino "invadido", pois é vítima da ignorância social. Mas será muito mais trágica para quem é negro e desprovido de capital econômico, social e cultural. Para que essa que criança não se corrompa no futuro, ela precisa ser salva do olhar de nojo.
É possível que, por meio de leitura e mistura, o menino amedrontado se engrandeça politicamente no futuro, se liberte do muro que lhe protege e dispense o braço da babá. Mas, infelizmente, há uma tendência grande de que ele, cercado por medo e preconceito, passe o resto de sua existência se protegendo do “marginalzinho”. Pivetes, favelados, fedorentos: isso é tudo que o ele ouve sobre seus vizinhos. Trata-se de uma verdade histórica a priori, para além da qual não se consegue pensar. Essas categorias compõem o discurso forjado sobre a pobreza, que, em última instância, visa à intervenção e à manutenção do poder. Reproduzindo este discurso, então, o menino tornar-se-á um adulto. Ele blindará seu carro, colocará alarme em sua casa, pedirá a morte de traficantes. Dirá que rolezinho é arrastão, pedirá mais polícia e curtirá a vida em camarotes. Pode ser até que ele peça a volta da ditadura. Achando que é um cidadão de bem que age contra a marginalidade do mal, forma-se um perfeito idiota.
Ah, mas os pobres da África a gente gosta
Em 2012, enquanto eu estava em Harvard, recebi a visita de uma orientanda do Brasil. Ela tirava fotos e se exibia no Facebook: “#Orgulho”, “Minha orientadora é pós-doutora por Harvard, e a sua?”. Em uma pausa, ela me perguntou em que escola eu havia estudado para ter chegado a uma universidade da elite internacional. Ela buscava identificação. Eu era um exemplo de uma mulher jovem, branca e “bem sucedida”, exatamente como ela se projetava nos próximos dez anos. Eu, sabendo que ela havia estudado do lado de dentro do muro, respondi que passei a parte mais rica da minha vida, dos 2 aos 17 anos de idade, do outro lado do muro. Ela não postou, mas bem que pensou: #MinhaOrientadoraÉMarginalzinha...".
A reação dela era de decepção, vergonha e certa pena de mim. Ela ficou vermelha, desconcertada, sem chão. Engasgou-se e começou a tossir para disfarçar a cor de suas bochechas. Isso tudo porque ela sabia muito bem que tinha passado aproximadamente quinze anos de sua vida chamando pessoas como eu de “tigrada”. Ela se socializou negando a alteridade e, portanto, nunca imaginou que a relação de poder entre os atores dos diferentes lados do mundo se inverteria. Tudo que ela havia aprendido sobre aquele Outro era simplesmente de que se tratava de uma não-persona. O motivo pelo qual o seus vizinhos tinham menos do que ela não cabiam em sua imaginação. Fazendo parte da meritocracia sem mérito, ela simplesmente merecia ter o que tinha.
Ela, então, tinha que desvendar um enigma: como uma pessoa que tinha vindo de um lugar tão ruim podia estar em uma Universidade tão boa? A única maneira de ela se reconciliar com seus próprios preconceitos era me classificar como um daqueles casos excepcionais de superação que aparecem Globo Repórter. Eu respondi que não, que o destino de quem sai de lá tem sido muito variado. Há quem entra para o crime e morre antes dos 18 anos, mas a maioria tem histórias de lutas, perdas, mas, sobretudo, conquistas. Uma pena que ela nunca quis saber dessas histórias e deixou de crescer por meio da alteridade.
Ironicamente, essa aluna estava voltando de um programa voluntário para ajudar uma comunidade miserável de Ruanda.  Havia poesia – e alívio cristão – em (arrogantemente) querer salvar a África. Por algum motivo, os pobres e negros do lado de lá do oceano (que não assaltariam a sua caminhonete já adquirida aos 21 anos) eram mais dignos de sua profunda bondade do que os pobres e negros que ela havia ignorado por toda a sua existência.
Eu sempre me pergunto as razões pelas quais esse perfil de elite se comove com a pobreza romantizada, mas nega a solidariedade ao pobre da mesma cidade. Nessas horas, me vem à cabeça o dia em que meus colegas de escola estavam participando de um campeonato de futsal, mas não tinham quadra para treinar. Marcamos uma reunião com a diretora da escola do lado no intuito de solicitar, em nome de nossa vizinhança, o uso da quadra durante a noite, que ficava inativa. Em um ato de profunda humilhação, fomos “escoltados” até o escritório e recepcionados com as piadas das outras crianças (que não teriam tido coragem de debochar fora da fortificação). Depois de muita resistência, a diretora liberou o uso do ginásio, o que foi vetado uma semana depois em função de uma bola que tinha desaparecido. Apesar de eu ter convicção de que não houve roubo, eu nunca vou poder afirmar isso com 100% de certeza. O que eu posso afirmar para o resto da minha vida é que, desde então, eu sou contra a pena de morte – e de toda a concepção de que bandido bom é bandido morto - justamente porque muitos inocentes terão suas vidas abortadas por causa do preconceito. Quinze jovens tiveram seu sonho de competir interrompido por causa de uma falsa verdade: a de que nós só poderíamos ser ladrões. Consequentemente, “não adianta mesmo querer ser generoso e dar oportunidade para marginal”.
Entender que o pobre do lado tem o mesmo valor do pobre da África é uma tarefa para uma vida toda, pois envolve uma postura política de grandeza reflexiva intelectual e o reconhecimento de nossa responsabilidade sobre o Outro. Reclama-se da ineficiência do Estado brasileiro, mas toda a violência estrutural gerada por este Estado é reproduzida por sujeitos covardes e apáticos que negam, estigmatizam e inviabilizam o Outro.
Faz vinte anos que eu deixei a escola. Em minha última visita, em 2014, as instalações estavam muito mais deterioradas. As goteiras continuam lá. Sem professores em sala de aula, os alunos não podem ir para área de esportes porque o lugar está interditado há seis anos por risco de o teto desabar. Mas o muro da escola do lado continua a crescer.
Desde pequena eu aprendi que a violência é holista. As elites não são vítimas da violência urbana. A agressão sofrida é a mesma que se pratica.  O olhar de nojo é também assassino. E os muros ferem mais do que protegem.  Será que as pessoas imaginam o quanto podem crescer derrubando muros?

Original em  http://www.cartacapital.com.br/sociedade/marginalzinho-a-socializacao-de-uma-elite-vazia-e-covarde-3514.html
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...