sábado, 14 de fevereiro de 2015

Palavras de encerramento no evento de informe da Comissão Histórica

La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 10 de fevereiro de 2015
A Delegação de Paz das FARC-EP recebe com beneplácito os informes apresentados hoje pela Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, e manifesta sua satisfação pelo passo que demos na busca da verdade em torno dos fatos que configuram o conflito colombiano.
Até agora, o Estado colombiano tinha vindo sustentando um discurso unilateral sobre a origem do conflito, sobre suas causas, seus responsáveis e suas consequências. Fruto dos esforços das partes no atual processo de Diálogos de Paz, pela primeira vez o povo colombiano dispõe de um relato plural, ainda em construção, porém já não unilateral, mas sim reflexo das distintas visões que mantemos os que temos confrontado neste longo conflito social e armado que tem dessangrado a Colômbia por mais de 50 anos. Saudamos este primeiro passo, impensável quando começamos estes diálogos, e manifestamos nossa firme vontade e compromisso de trabalhar para que o povo colombiano continue avançando pelo caminho da verdade histórica, a fim de que esta nunca mais possa ser ocultada aos filhos e filhas da Colômbia.
O povo que não conhece sua história está condenado a repetir uma e outra vez erros irreparáveis e de trágicas consequências. Por isso a Memória Histórica é patrimônio inalienável dos povos livres e é nossa obrigação construí-la entre todas e todos, negando-nos a ocultar quantas explicações resultem imprescindíveis para a construção de um futuro de paz e reconciliação. As experiências de outros povos demonstram que renunciar a construir coletivamente uma Memória Histórica é um esforço estéril que só conduz à incessante reabertura de feridas que necessariamente devem ser cicatrizadas para alcançar e manter a paz. Porque não queremos que o mais trágico de nossa história se repita, porque é nossa obrigação superar décadas de guerra contra o povo colombiano, é pelo que as FARC-EP nos empenhamos neste esforço de construir um relato certo de nossa história recente, um relato da história e das causas mais profundas deste cruento conflito que tanta dor e danos tem causado aos colombianos.
É questão unânime que os pobres, os humildes, os despossuídos, nunca começaram nem quiseram as guerras. A paz é condição prévia indispensável para o progresso dos povos, para acabar com a pobreza, as desigualdades e a exclusão social, para empreender profundas transformações em benefício das maiorias e assim poder construir uma sociedade justa de homens e mulheres livres e iguais. Pelo contrário, quando as classes dominantes se negam a permitir os avanços sociais, proscrevem a igualdade, pervertem a justiça e negam a democracia política e social, o povo, para simplesmente poder viver dignamente, se vê compelido a levantar-se contra a tirania recorrendo ao sagrado direito à rebelião frente à injustiça e a opressão. Quem nega os direitos fundamentais a todo um povo não pode, por sua vez, fazê-lo responsável pelo imenso sacrifício que supõe exercer o direito à rebelião, nem pode criminalizá-lo pelo fato de aspirar a construir uma sociedade justa valendo-se do único recurso que ficou a seu alcance quando se lhe impede o exercício da democracia, o recurso às armas.
Mantemos a afirmação de que o conflito social e armado que a Colômbia padece não foi causado pelo levantamento campesino que deu origem às FARC-EP, nem por outros levantamentos rebeldes que se situam na origem das distintas expressões de insurgência que nossa Colômbia conheceu ao longo de sua história. Ninguém pode hoje manter com seriedade e mínima rigorosidade histórica que a posta em marcha de um projeto coletivo de vida pelos campesinos de apenas quatro veredas da imensa Colômbia desse lugar ao surgimento de uma “república independente” que ameaçasse a integridade de nosso país ou pusesse em perigo a própria existência do Estado. A rebelião foi a consequência de uma das causas do conflito: a agressão das classes dominantes; a causa do conflito foi a negação de direitos pelos poderosos, pelo estabelecimento, à maioria do povo colombiano.
No conflito colombiano não tem havido vencedores nem vencidos. Houve, sim, igual que em todas as guerras, uma vítima: o povo colombiano. Por isso afirmamos que carece de sentido que o Estado pretenda obter na Mesa de Diálogos uma vitória que foi incapaz de obter nos campos de batalha durante anos, apesar da imensa desproporção de meios e recursos, contando com ingentes forças desdobradas para a guerra pelo aparelho do Estado e também pelas potências estrangeiras que o têm apoiado. Não estamos ante um processo de subordinação ou submissão, porque nenhuma parte pôde vencer a seu adversário. E é obrigação de ambas as partes na Mesa de Diálogos construir um relato do conflito e de suas causas que resulte crível e rigoroso por basear-se em fatos objetivos, e que evite a tentação de apresentar uma insurgência que tem resistido numa guerra desigual como a responsável pelos crimes perpetrados contra o povo, em cuja defesa se levantou. Por isso temos rechaçado e rechaçaremos quantas visões pretendam apresentar o atual processo de busca de uma solução política para o conflito colombiano como um processo de exclusiva apresentação de contas ante a justiça. Rechaçaremos igualmente quantas propostas se nos formulem exigindo responsabilidades políticas ou jurídicas unilateral e exclusivamente à insurgência, pretendendo ocultar assim que a maior responsabilidade no conflito corresponde, sem dúvida, a um Estado e uma classe dirigente que se afastaram há anos do bom governo que obriga a buscar o bem comum, e que não hesitaram em oprimir todo um povo unicamente para preservar seus privilégios e impedir a justa divisão das imensas e comuns riquezas que nossa pátria contém.
Hoje, escutamos distintas explicações sobre a origem do conflito e sobre suas causas. Uma primeira conclusão há de ser que a rigorosidade na análise histórica é incompatível com a visão unilateral dos privilegiados; é incompatível com o discurso único que tem regido e imperado na Colômbia da violência que queremos deixar para trás. Para superar essa análise perniciosa e daninha para nosso povo foi que as partes acordamos pôr em marcha a Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, cujas conclusões hoje se nos expuseram. Estamos satisfeitos porque cremos que se abriu outro caminho para a paz. Cremos que entre todos demos um passo histórico, um passo imprescindível e mil vezes adiado até agora. Porém cremos que ainda resta muito mais por fazer. A história nos mostra que sem pôr-nos de acordo num correlato histórico comum, numa Memória Histórica coletiva, não haverá verdadeira reconciliação nacional e, portanto, o fantasma de uma nova guerra num futuro mais ou menos próximo ou distante não poderá ser definitiva e eficazmente conjurado.
É, portanto, uma necessidade que, assim como as FARC-EP vimos assumindo nossas responsabilidades pelas consequências e os efeitos que nosso acionar no conflito social e armado puderam ter, o Estado e o estabelecimento assumam suas responsabilidades sobre as causas que hoje foram aqui expostas. É imprescindível que as classes dominantes realizem um exercício de contrição e reconheçam que a negação dos direitos de todo um povo, a condenação deste à miséria e à exclusão, a desenfreada acumulação de imensas riquezas em poucas mãos e a usurpação de terras ao campesinato, sonhos e futuro, se situam inequivocamente na origem do longo conflito social e armado que agora entre todos estamos empenhados em superar. Somente um firme compromisso para que as ditas causas nunca mais voltem a aparecer em nossa pátria serão garantia para a sólida construção da Nova Colômbia em paz que todas e todos queremos para nossos descendentes.
Estimulamos o povo colombiano a debater e desenvolver as conclusões hoje aqui expostas por esta Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, a construir entre todos e todas, esse relato histórico, imprescindível para a reconciliação e ainda inacabado, sobre as causas do longo conflito social e armado. Exortamos a estudar nossa história para conhecê-la e nunca mais repetir os catastróficos erros cometidos, uma e outra vez, por uns maus governantes que não souberam dar a seu povo o bem-estar e a paz que todos, sem distinção de origem, classe ou condição merecemos.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
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Equipe ANNCOL - Brasil

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