A Câmara Federal, em uma quinta-feira esvaziada, aprovou o plebiscito para a divisão do Estado, que foi proposto por parlamentares de outras regiões, e deverá também definir o futuro de 7,5 milhões de paraenses em seis meses.
Por Érico Albuquerque *
Desse jeito, como sempre, foram tratados os destinos da Amazônia e do Grão Pará desde o Brasil Colônia até nossos dias: à revelia de seus habitantes, sob interesses do capital mercantil ou financeiro, de grandes corporações e de latifundiários, com o beneplácito e conivência das elites locais, antigas e novas.
Sintomaticamente, os defensores locais da divisão, velada ou abertamente, pretendem que o plebiscito se restrinja às pretensas áreas, deixando de fora do debate e da decisão a grande maioria dos paraenses.
Entendemos que essa é uma questão de extraordinária relevância para ficar restrita à discussão elitista ou localizada, sem o devido aprofundamento e abrangência, para que todos tenham a consciência do melhor caminho: se o de desenvolvimento e inclusão social das 7.500.000 vidas, que deve ser o objetivo desse processo, ou de uma minoria que busca dividir para reinar.
Por outro lado, o plebiscito, apesar dos subterfúgios, se apresenta como uma oportunidade do Pará refletir sobre o seu papel e importância na história política, socioeconômica e cultural do Brasil e os reflexos de ser um estado periférico e com riquezas naturais, em um país que, na divisão internacional do trabalho, ainda exporta prioritariamente matérias primas e insumos.
Não é possível falar do Pará descolado do Brasil, assim como de sua divisão, sem considerar a concepção e o modelo de desenvolvimento de dependência, devastação e sangria que se mantêm até hoje, e que desenharam a sua geografia de concentração de riquezas, expansão da pobreza e da miséria (o estado tem aproximadamente 10% dos miseráveis do país), e de insuficiente e débil presença do poder público para a maioria da população, diga-se, em todo seu território.
Nesse momento em que, a nível nacional, buscam-se alternativas para o desenvolvimento nacional, com geração de emprego e renda, tendo a União como seu principal promotor e indutor, precisamos colocar em pauta a necessidade da integração regional, trabalhando de forma racional e justa as potencialidades existentes, garantindo infraestruturas e tecnologias que atendam à demanda nacional e as particularidades regionais, gerando riqueza e inclusão social de forma equânime em todo o Brasil.
Seguindo esse raciocínio, devemos pensar sobre a importância da Amazônia, e em particular do Pará para o desenvolvimento nacional e vice-versa, considerando o conjunto de suas potencialidades. Ambos são estratégicos. Arriscamos a dizer, para o bem e para o mal, que o Pará representa a Amazônia não só nas riquezas naturais, nas capacidades energéticas, minerais, hídricas, solos férteis e biodiversidade.
Mas, como o estado que sofre os maiores saques, sem contrapartidas; e acolhe imigrações que historicamente forjaram essa diversidade populacional, e uma rica, conflituosa e contraditória experiência de ocupação em solo amazônico. O Pará, apesar das adversidades, absorveu esse potencial humano em diversas regiões.
É inegável que o Pará seja um conjunto de potencialidades distribuídas em seu território, que, se desenvolvidas de forma integrada, geram riquezas para incluir social e economicamente toda a sua população e, ainda, contribuir com o desenvolvimento nacional e regional. O que nos leva a refletir por que isso não acontece.
Há quem responda que é o tamanho, são as distâncias e o abandono, e, nesse sentido, é preciso dividi-lo. Talvez os portadores desse pensamento vejam as árvores, não a floresta. Talvez deixem de observar que não são apenas as regiões pretensas à separação que sofrem da ausência do poder público, mas, para não ir muito longe, a grande maioria da população metropolitana que em tese estão próximas ao poder estadual. Talvez não conheçam o Marajó e as dificuldades do nordeste do estado. No entanto, não estamos aqui para comparar pobrezas e misérias, sim para encontrar suas causas e saná-las.
No nosso entendimento, o Pará sofre historicamente pela distorção do desenvolvimento capitalista tardio e concentrado do país, que relegou o estado a mero fornecedor de matéria prima mineral e vegetal, insumos e energia, através de grandes projetos; à fronteira agropastoril para a monocultura com base no latifúndio; portanto, desindustrializado, com ausência de infraestrutura e tecnologia que atendam às necessidades de seu desenvolvimento integrado.
Nesse sentido, vivemos a lógica do saque, da dependência, da exploração predatória, sem a devida verticalização da produção de riquezas, lógica que permeia todas as possíveis benfeitorias até hoje realizadas. Daí o abandono e o sofrimento para a maioria da população de qualquer região do estado.
O Pará sofre historicamente da ausência de um projeto de desenvolvimento com sustentação ambiental capaz de incluir o seu povo, integrando seus diversos polos regionais, trabalhando a sinergia de suas riquezas naturais, seu potencial energético, com infraestruturas e tecnologias apropriadas, agregando riquezas nos inúmeros e diversos produtos regionais, aproveitando e valorizando os recursos humanos, investindo em empreendimentos que de fato gerem empregos e ampliem a renda. Para isso é preciso colocar o aparato estatal a serviço desse desenvolvimento e criar condições para que o estado possa investir, acoplado ao desenvolvimento nacional.
O Pará sofre por, historicamente, ser governado, na grande maioria das vezes, por elites políticas e econômicas sem compromisso com o povo, avessas ao trabalho e à agregação de riquezas, voltadas para o enriquecimento fácil através do patrimonialismo, da pecuária extensiva, do latifúndio, de atividades predatórias e ilegais, da especulação imobiliária, da sonegação de impostos, etc.
Às vezes aparentam modernidade no discurso, mas são conservadoras na essência e na prática, sem perspectivas de avanço político-socioeconômico, sem nada de novo. Portanto, na nossa compreensão, são principalmente outras as causas que propiciam o infortúnio de milhões de paraenses, além da distância.
Por outro lado, é preciso desvendar qual o real interesse das elites defensoras da divisão do estado, sendo algumas do campo da esquerda, e quais as consequências de fato para as populações locais e para o conjunto da população do Pará. Há justeza no que está sendo proposto?
As lideranças defensoras da divisão do Pará sempre usaram essa bandeira, com base em elementos da realidade, principalmente nos períodos eleitorais, como plataforma política, estimulando disputas regionais e garantia do eleitorado, procurando mostrar que uma região se beneficiava em detrimento da outra, ocultando que os mesmos problemas existiam em todo o estado. Propagam um sentimento separatista sem aprofundar obviamente sobre as reais causas, mesmo quando infraestrutura e instrumentos do poder público estadual se instalam na respectiva região.
As elites políticas, tanto do pretenso “Carajás” como do pretenso “Tapajós”, não apresentam projetos de desenvolvimento que indiquem a inclusão social de sua população, nem contestam a lógica do saque das riquezas e de atividades predatórias. As bases sociais que de fato representam não estão preocupadas com a verticalização de economia e agregação de valor, com o incentivo à agricultura familiar, e sim com produtos primários para exportação com base no latifúndio. Grande parte da base social dessas elites foi a que mais devastou, mais enriqueceu, mais gerou conflitos pela terra, grilando, expulsando e matando camponeses e suas lideranças.
No momento em que se pensa em novos rumos para o Brasil com mais investimentos para a infraestrutura e o setor produtivo, que se geram milhares de postos de trabalho e os trabalhadores conquistam aumento real de salário, ampliando o poder de compra; que os efeitos dessa política chegam aos rincões do país, tirando brasileiros da miséria, precisamos refletir sobre os efeitos da divisão do Pará para seu povo e para o Brasil.
A divisão do Pará fraciona e enfraquece as diversas potencialidades para um desenvolvimento integrado, ambientalmente sustentado, com inclusão social no estado; possibilitando maior risco de degradação da natureza. Ao mesmo tempo, o Pará perde o papel estratégico no desenvolvimento nacional, enfraquecendo o poder de pressão que garanta apoio para o seu necessário desenvolvimento; em contrapartida, a manutenção do estado desenvolvido possibilita uma integração mais forte da região Amazônica, sem fracioná-la ainda mais.
A divisão do Pará levará ao surgimento de três estados débeis, dependentes da verba da União. Segundo o economista Rogério Boueri, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o custo de manutenção dos dois pretensos estados terá um déficit de R$ 2,16 bilhões por ano, que deve ser coberto pela União, sem computar os altos investimentos na criação de cada estado (construções de edifícios públicos e implantação de infraestrutura como aeroportos, rodovias, etc.). O “Tapajós” gastaria 51% do PIB na máquina pública e o “Carajás” 23%, sendo que a média nacional é de 12,72%. O Pará gastou, em 2008, 16%.
Por outro lado, o Pará remanescente ficará com 18% do território, 78 municípios e 4,9 milhões de pessoas (64% dos 7,5 milhões) e PIB per capita de R$ 3.958,00; o “Tapajós” com 58% do território, renda per capita de R$ 4.779,00, com o potencial mineral no vale do rio Tapajós, província polimetálica, potencial turístico; o “Carajás” com 24% do território, renda per capita de R$ 8.763,00, com minérios, rebanho bovino, hidrelétrica, grandes frigoríficos.
Pelo que se deduz, o que está em jogo é a vida de 7,5 milhões de paraenses, natos ou por adoção, que perdem com a divisão do estado, cuja possibilidade de inclusão está no combate à lógica entreguista e predatória que reina no Pará, com a conivência das elites dirigentes, e a tomada de rumo para um projeto de desenvolvimento que gere riquezas para o povo.
Com esse entendimento, conclamamos o povo paraense, de todas as regiões, a defender o Pará de mais esse golpe, travar o bom combate pelo NÃO à divisão do estado: por não resolver os problemas locais, impedir o desenvolvimento, ser oneroso ao país só para favorecer as elites locais, e não possuir justeza na sua intenção.
Érico de Albuquerque Leal é Secretário Político do PCdoB, no Pará.
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