quinta-feira, 7 de julho de 2011

A professora Dignidade

Poucos homens têm coragem para recusar honrarias. A vaidade é uma praga que atinge a quase todos indistintamente. Até os melhores já se renderam a ela, e, ao cederem à tentação, se rebaixaram, justamente quando pensavam atingir degraus mais elevados em suas vidas.

Quanto aos medíocres, então, nem se fala. Alguns são tão ingênuos que acreditam mesmo ser merecedores da homenagem, da indicação, do prêmio, da comenda, dos salamaleques. Não sei se hoje o comércio desse tipo de medalhas ainda prospera, mas era bem ativo antigamente. Toda pequena comunidade tinha o seu "comendador", geralmente um bobo-alegre que pensava que aquela medalhinha no peito lhe dava o status de um bom sujeito, um tipo especial perante seus pares.
Há alguns casos de personalidades que recusaram honrarias e nem por isso ficaram com a fama de temperamentais, geniosas ou coisas do gênero. Continuaram a brilhar em suas atividades. Passaram à posteridade como expoentes nas suas áreas. br /> Para elas, porém, fazer isso não deve ter sido tão difícil, pois já eram pessoas famosas: em alguns casos, mais célebres até que as entidades que pretendiam homenageá-las.
Diante de tudo isso, causa até um choque saber que a professora potiguar Amanda Gurgel, que se tornou figura pública depois de denunciar as condições em que trabalham os professores do Rio Grande do Norte numa audiência da Assembleia Legislativa - o seu vídeo virou hit na internet - recusou um prêmio de uma entidade empresarial.
No seu blog, ela explica os motivos de uma forma tão lúcida quanto o depoimento disseminado na rede. Fosse ela uma arrivista qualquer, certamente teria ido, segunda-feira, à cerimônia dos empresários, teria recebido muitos aplausos, teria sorrid o para os fotógrafos, seria abraçada e beijada. Conquistaria seus 15 minutos de fama.
Felizmente, para ela e para todos os brasileiros que desejam um país melhor, a professora não foi receber a comenda dos empresários. O que ganhou com a recusa tem um valor muito maior: a dignidade de uma pessoa não tem preço.

A seguir, a íntegra de sua carta ao PNBE antecedida das explicações que deu aos leitores de seu blog:



Oi,
Nesta segunda,o Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) vai entregar o prêmio "Brasileiros de Valor 2011". O júri me escolheu, mas, depois de analisar um pouco, decidi recusar o prêmio.

Mandei essa carta aí embaixo para a organização, agradecendo e expondo os motivos pelos quais não iria receber a premiação. Minha luta é outra.
Espero que a carta sirva para debatermos a privatização do ensino e o papel de organizações e campanhas que se dizem "amigas da escola".
Amanda




Natal, 2 de julho de 2011

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,

Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após u m curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.


Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald's, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.

A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.

Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.

Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.


Saudações,
Professora Amanda Gurgel

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