segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Sobre processo de paz: mitos y mitomanias

As FARC-EP falam sobre os mitos de Santos La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 23 de janeiro de



As recentes declarações de Juan Manuel Santos na Europa parecem mais um delírio recheado de arrogâncias desnecessárias do que a expressão de uma política coerente que proporcione garantias para adiantar o processo de paz. Não se pode distorcer a realidade crendo que é correto escalar a guerra como se não houvesse conversações, ou que se possa adiantar um diálogo simulando que o país não está sofrendo os estragos da confrontação.




Não é sensato divertir-se com a morte, como o está fazendo Santos na Espanha, e ao mesmo tempo sabotar alocuções conjuntas de reconciliação em Havana, porque a contraparte desfere golpes militares. Não se pode manter o país incendiado e dar destino de carne de canhão a centenas de soldados humildes, e ao mesmo tempo ameaçar com que, se atentam contra uma figura importante, explodirá o processo em mil pedaços. Esta discriminação entre vidas que têm valor e outras que não o tem, porque simplesmente não pertencem à classe dos abastados, é o mais repugnante que se lhe possa escutar de um mandatário que apregoa estar comprometido com a reconciliação do país. Desde a contraparte se tem falado dos mitos do processo de paz, utilizando o conceito pejorativamente, em sentido de falsa crença estendida; na mesma linha podemos precisar que não estamos na Mesa de Diálogos como consequência de uma pressão militar e no caminho da submissão. Este seria o primeiro mito a desmontar, porque equivoca causas e rumos.


A paz é um propósito estratégico das FARC e por isso estamos em Havana. Todos os eventos anteriores de diálogo estiveram envolvidos nesse princípio. Por isso, se equivocam Juan Manuel Santos e Felipe Gonzáles, crendo que com uma concepção militarista ou com a exaltação da criminal estratégia sionista contra a Palestina vão convencer o mundo de que o terrorismo de Estado, respaldado pelo poder bélico do império, é a chave para alcançar a paz.



Vergonha deveria ter Santos de permitir sem recato algum subordinar-se à CIA e permitir um intervencionismo de potências estrangeiras no conflito interno colombiano. Pois, ademais dos Estados Unidos, contra as FARC e o movimento popular também atuam a inteligência britânica, a própria Espanha de Felipe Gonzáles, e Israel. É inadmissível que o governo colombiano reconheça com vaidoso orgulho que desde o Comando Sul se dirige a guerra contra insurgente, pois é isso o que significa a presença da tecnologia da Agência Nacional de Segurança, NSA, e o gasto de 9 bilhões de dólares, que, fora do que custou o Plano Colômbia, é o que investiram na execução de bombardeios covardes contra os acampamentos das FARC.



O segundo mito do governo é crer que a agenda de paz se pode interpretar sem atender ao preâmbulo, que é o espírito do Acordo Geral de La Habana. Tão importante é este que dele deriva o necessário compromisso de discutir aspectos nodais como a política econômica e os graves problemas de miséria urbana e exclusão política.


As FARC têm unidade e coerência entre o que dizem publicamente e o que fazem em cada cenário, incluindo o da mesa de conversações; por isso, o terceiro mito é pensar que nosso discurso ante a mídia é só retórica e mentira de galerias. As propostas de mudança social que o povo agita nas ruas são bandeiras nossas que não arriaremos no cenário do diálogo. O quarto mito é crer que na Colômbia há uma democracia e que os representantes do estabelecimento são seus defensores. O que existe realmente é terrorismo de Estado, e por isso nossas propostas por fortalecer a participação política popular e estabelecer a verdadeira democracia não são devaneios ou distrações. Nossos argumentos em defesa das maiorias vão em sério, do que se depreende que não cessaremos em insistir em resolver os problemas essenciais que causaram a miséria e a desigualdade. Por isso coincidimos com Juan Manuel Santos em que os acordos parciais até agora conseguidos são quase nada. É óbvio que o fundamental está por se debater. Nunca o governo pactuou com as FARC deixar por fora de discussão o assunto das Forças Armadas, seu gigantismo e sua doutrina. Assim, o quinto mito é crer que se pode chegar à paz sem a desmilitarização da sociedade e do Estado e mantendo vigentes fatores inumanos como a Doutrina da Segurança Nacional, a concepção do inimigo interno e o paramilitarismo.



Por outro lado, é impensável que num processo como o que adiantamos se possa ignorar que é necessário devolver a função social à propriedade. Daí que o sexto mito é iludir-se com que a paz estável e duradoura poderia ser possível sem acabar com o latifúndio e sem frear a estrangeirização da terra.



É importante ter em conta que o país não está conformado com as informações fragmentadas e parciais que se dão sobre os resultados do processo. Como está assinalado na agenda, as partes só pactuaram manter confidencialidade sobre os debates internos, porém não sobre as conclusões. Então, o sétimo mito é confundir confidencialidade com secretismo, pensar que as saídas à guerra podem ser buscadas à revelia da cidadania, e que em seguida um mecanismo de referenda que requer da plena participação do soberano se pode impor unilateralmente, restringindo-a aos termos de uma consulta limitada e desinformada.



O oitavo mito é pensar que num cenário de décadas de guerra suja institucional, o Estado pode ser juiz e parte, e erigir de sua conta normativas e mecanismos de transição, pensando, ademais, que num processo que deve favorecer as vítimas se lhe pode fazer a defesa à composição da Comissão de esclarecimento da verdade da história do conflito interno colombiano.



Nunca nos proclamamos figuras angelicais, porém tampouco pode o regime pretender que somos o próprio Belzebu e que as elites governantes constituem uma corte de querubins celestiais. É um mito pensar que a insurgência é a máxima responsável pelos fatos da confrontação e que o Estado não está incurso em crimes internacionais. Recordamos que as FARC não vieram a La Habana para pactuar impunidades. Deve ficar claro que, por ação ou por omissão, o Estado é o máximo responsável. De nada lhes valeria manter essa tendencia mórbida a desfigurar a realidade. Finalmente, é um fato que sem reforma rural integral e sem participação política, isto é, sem fundar elementos essenciais para a democracia, não se poderia combinar e construir a paz. Porém, esta busca em La Habana não é tão simples, porque aqui não se trata de um assunto de distribuição de “geleia”. As FARC não têm delegado que se compram ou se vendam e por isso se requerem argumentos, políticas, sensatez e verdadeira vontade de mudança e reconciliação.


Não nos resignamos a que, enquanto se desenvolvam os diálogos, tenhamos que contemplar a perseguição, a criminalização e a morte de muitos dirigentes populares e de oposição, e que tenhamos que observar, especialmente, a fragilidade das garantias que se nos oferecem para a Participação Política. Ser testemunhas da forma como se distribuem os recursos públicos como “geleia” corruptora, para alinhar parlamentares, magistrados, funcionários e chefes de coletividades políticas, de uma forma tão descarada, nos move o espírito para dizer que essa não é a “democracia” que queremos e que estamos buscando.



Desde La Habana fazemos um chamamento a abrir um debate sobre estes imperdoáveis assuntos da vida nacional. E chamamos também a fazer valer o imenso desejo de paz que palpita no coração da Colômbia. A paz não é posse de partidos, mandatários ou personalidades; a paz é um bem supremo que pertence a todos.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP Tradução: Joaquim Lisboa Neto

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