quinta-feira, 29 de maio de 2014

VENEZUELA: Cidade Socialista Juan Pablo Peñaloza, o tempo da organização popular

por Marco Teruggi
(desde Venezuela para Resumen Latinoamericano)

Eliel García está de pé sobre uma ladeira andina. Atrás dele dois homens aram com um boi. O céu pesa sobre os chapéus. Na frente dele crescem morangos e amoras, um rio caído de uma laguna. Eliel conta sua história, que é a de muitos. Uma história com as mãos abertas sobre a manhã, afundadas na terra.

Ele é originário deste lugar, de Táchira, desta mesma montanha da qual se foi há vários anos a trabalhar na cidade, para depois regressar para organizar, com um projeto coletivo. Assim se fez –elegeram-no- porta-voz do Parlamento Comunal deste ensaio, esta realidade construída: a Cidade Socialista Juan Pablo Peñaloza.
Também é militante da Corrente Revolucionária Bolívar e Zamora, o movimento social e político que impulsionou esta experiência. A Corrente que, explica Eliel, “não vai na frente nem atrás, mas sim ao lado do povo, acompanhando-o, formando, ajudando, mobilizando”.

O primeiro a começar o trabalho de organização nesta zona foi Eduardo Cifuentes, um homem que trouxe a experiência acumulada na Cidade Comunal Campesina Socialista Simón Bolívar, situada no alto Apure, a primeira das três cidades socialistas impulsionadas pela Corrente no país.

Quando chegamos em 2008 encontramos uma paróquia onde a direita tinha espaço, onde eleitoralmente se perdia de 60 a 40. Hoje em dia, nas últimas eleições de 14 de abril, a Revolução ganhou de 75 a 25”, conta com sua filha nos braços, nascida em Juan Pablo Peñaloza.

Desde então se construíram as cinco comunas que compõem Juan Pablo Peñaloza, integradas por 19 conselhos comunais que agrupam um total de 1000 famílias. “Por aí vai o incômodo, ainda que nos digam que a lei não está, nós começamos com os conselhos comunais e a lei não estava, depois com as comunas e tampouco estava”, explica Eliel. “Se nos equivocamos, fazemos com o povo, não dentro de um gabinete”, acrescenta. Por trás dele, o arado continua seu avanço lento e obstinado.

Um passo no caminho

Primeiro, os conselhos comunais. Depois, as comunas. Agora, uma cidade socialista. Cada instância de organização popular –e sua agregação- está pensada num sentido: o Estado Comunal, o novo Estado projetado para substituir o atual, capitalista. Assim o descreve Eliel, nomeando o Plano da Pátria, o plano de governo para o ciclo 2013-2019 que, em sua apresentação, indica que se deve: “Pulverizar completamente a forma Estado-burguesa que herdamos, a que ainda se reproduz através de suas velhas e nefastas práticas, e dar continuidade à invenção de novas formas de gestão política”.

A nova institucionalidade, então, com ensaios, erros e acertos, que se cria –e recria-, entre muitos. Ali onde o governo comunal deve reger. Esse é o horizonte que atravessa os projetos e as práticas da Cidade Socialista, o sentido com o qual se dão os passos, e se compôs cada comuna, “que é tão importante para o socialismo como para a água para o ser humano”, no dizer de Eduardo.

Por isso falam de autogoverno, e buscam dar-lhe forma, dar-lhe vida nas comunidades. “Quando a Cidade Comunal se compõe, ao mesmo tempo em que se ia dando o processo das comunas, se arma o autogoverno. Ainda não existia a Lei das Comunas, o autogoverno era um porta-voz por cada conselho comunal e esse era o autogoverno da Cidade Comunal. Depois, aparece a Lei das Comunas e se lhe nomeia Parlamento Comunal”.

Isso, Yanina Settembrino explica. Ela é argentina. Antes de continuar falando, explica: “A Revolução Bolivariana tem a ver não somente com um projeto venezuelano, senão que também abriu a condição de possibilidade para todos os latino-americanos”.

O autogoverno é a prática que deve ser transversal em toda a Cidade Socialista. Em cada uma de suas instâncias. Desde esse olhar da Corrente, o órgão principal de decisão deve ser a assembleia de cidadãos e cidadãs de cada conselho comunal, enquanto o Parlamento Comunal deve ser mais uma instância de articulação do que de tomada de decisão.

Com o tempo de aprendizagem coletiva, conseguiram avançar nessa direção, como explica Yanina: “Buscamos que exista um autogoverno que possa decidir, que leve a vozaria de 1000 famílias para executar a política pública. Aqui não chegam funcionários sem que o Parlamento esteja informado, não chegam recursos sem que se discuta na comunidade”. O caminho para isso tem uma direção: de baixo pra cima.

Consolidando a economia comunal e campesina

Nas montanhas de Táchira a maioria dos habitantes é composta de campesinos, produtores. Muitos, como Eliel, durante décadas emigraram para buscar trabalho. Assim povoaram morros de Caracas e das grandes cidades do país. Poucos regressaram. Por isso, entre os projetos principais da Cidade Socialista existe uma necessidade transversal: a produção e a distribuição de alimentos.
Para debater cada um dos projetos, foram realizadas mesas de trabalho. Delas nasceram duas reivindicações que se tornaram conquistas: o primeiro Agropatria Comunal do país, e a instalação de uma Empresa de Propriedade Socialista, o Centro de
Armazenamento e Distribuição.

Duas ferramentas para responder as necessidades centrais dos campesinos: conseguir os insumos para produzir –vendidos através do Agropatria-, e a possibilidade de avançar para um sistema de distribuição organizado coletivamente, que possa terminar com o problema dos intermediários. Duas instâncias para avançar na autogestão, na independência comunal do Estado existente.

Com o Agropatria Comunal são os próprios produtores quem atendem aos produtores -992 no total-, e o conselho comunal é quem lhes faz seguimento”, explica Eliel. Quanto à perspectiva do Centro de Armazenamento e Distribuição, que em breve começará a funcionar, Eduardo explica que este deverá ter “um desenvolvimento produtivo endógeno, como falava o Comandante [Hugo Chávez] em 2006, a EPS tem que gerar seu excedente para o próprio sustento de seu espaço territorial e, depois que consigam consolidar seu espaço territorial, expandir-se para outras comunas, cidades comunais”.

Ademais desses dois pilares, a Cidade Socialista conseguiu outro projeto importante: o outorgamento de 100 casas. Javier Mauricio Valderrama, porta-voz do Parlamento e beneficiário de uma delas, conta com foi o processo: “Se fizeram assembleias nos conselhos comunais e nas comunas e se buscou as pessoas mais necessitadas; depois se discutiu no Parlamento Comunal”.

Isto, ele narra sentado numa plataforma de morangos com seu filho sobre os joelhos, e destaca: “Nós mesmos vamos executar [o projeto], como beneficiários”. Resolver as demandas –a dívida histórica- com protagonismo popular em cada uma das discussões, decisões e execuções, essa é a folha de rota da Cidade Comunal.

Até onde?

Autogoverno, empoderamento, governo comunal, protagonismo popular são palavras que formam parte do léxico cotidiano da Cidade Socialista. Para conquistá-lo –isto é, dar corpo e massividade a essas ideias- recorreram a uma ferramenta que definem como imprescindível: a formação política.

Para isso levam adiante, em outras instâncias, a Escola Nacional de Formação de Comuneiros e Comuneiras Oligarcas Tremei. “Trabalhamos com a metodologia da educação popular, todas as pessoas têm direito de opinar, de explicar seu pensamento”, explica María Ochoa. Ela é facilitadora da escola, e militante da Corrente Revolucionária.

Assim, ao cair a noite envolvida em neblina, são dezenas de comuneiros e comuneiras, jovens e adultos, os que, depois de uma jornada de trabalho, se aproximam das 3 escolas onde se desenvolve simultaneamente a formação. “O povo diz que a cada dia quer aprender um pouco mais sobre o processo revolucionário”, conta María antes de entrar na sala para refletir, nesse dia, sobre o poder popular socialista.

Mais, essa é então a estratégia. Assim fundaram conselhos comunais, comunas e este novo passo: uma cidade socialista. Que segue? Até onde? Como continuar depois das cidades socialistas? Seguirão os comuneiros e as comuneiras de Juan Pablo Peñaloza ao ritmo da organização popular sem importar as leis? Repetirão novamente com o poeta Juan Gelman: “Quem disse alguma vez: até aqui o homem, até aqui não?”?

Por isso fazem. A cada dia. Para ir para mais, sustentando nas mãos esse horizonte de Estado Comunal e avançar criando, sendo governo –“o que manda desde baixo, obedecendo”-, como diz Yanina. Então, talvez algum dia a história marque “até aqui”. E nessa hora o povo dirá, esse povo empoderado do qual forma parte Eliel, que acrescenta antes de partir, “isto se começa, porém nunca se termina”, deixando a montanha só com o ruído do arado.

Tradução: Joaquim Lisboa Neto

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Juan Manuel Santos fala de paz, mas vomita fogo

Por Iván Márquez
Integrante do Secretariado das FARC

O presidente da Colômbia, que assume um processo de paz com as FARC em Havana, Cuba, afirmou em recente teleconferência com os chefes militares que "é preciso manter a ofensiva: aqui não vamos deixar de atuar com contundência em toda atuação de nossas forças armadas contra a guerrilha, enquanto não chegar o momento em que assinemos os acordos".

Torna-se paradoxal e incoerente que um homem que fez da paz a bandeira de sua campanha pela reeleição à presidência, ordene, ao mesmo tempo, seus oficiais a pressionar com mais operações militares a insurreição guerrilheira com a qual dialoga.

Somente em Macondo (aldeia ficticia da obra Cem Anos de Solidão) acontece de um Presidente porta-bandeira da paz ser, ao mesmo tempo, porta-bandeira da guerra. E somente seus governantes, que vem respirando durante décadas a loucura da violência, horrorizam-se quando o anelo de paz se ergue como esperança possível e, então, ordenam, disparar contra ela e bombardeá-la a fim de matá-la. Preferem a paz dos sepulcros à paz com mudanças sociais, econômicas e políticas.
Fazer concessões à guerra, jogando a paz ao fosso dos leões da disputa eleitoral, é um despropósito, um insulto ao sentimento de reconciliação das maiorias nacionais.

E é justamente a esse cenário contaminado de militarismo do regime e em absurdo contraste que nos deve chamar à reflexão, que nos chega o importantíssimo apoio ao processo de paz da Colômbia, apoio enviado por mais de duzentos parlamentares dos Estados Unidos e da Europa, ao qual agradecemos em nome do país que anela a reconciliação.

A confiança e o otimismo que os amigos de paz para a Colômbia têm nos diálogos de Havana, estimula-nos a seguir em frente e, com eles, compartilhamos que a única opção para conseguir  uma paz efetiva e duradoura é através da solução política que, sem dúvida, deve ter início ao se tomar as medidas necessárias para reduzir o custo humanitário do conflito. E é a partir desta consideração, exatamente, que deriva a nossa posição constante a favor de um cessar-fogo que alivie as aflições e penúrias do conjunto da população, e nossa disposição de assumir uma trégua bilateral nos termos propostos pelos parlamentares de Washington, Londres, Dublín e Belfast, ao se unirem ao clamor nacional.

É preciso fazer pela paz até o impossível porque ela é a síntese do grande direito, sem o qual nenhum outro direito é viável. A direita guerreirista que impôs a injustiça e a exclusão não vai nos condenar a uma guerra perpétua.

A Colômbia toda, a urbana e a rural, a negra e a indígena, a das camadas médias e dos estratos baixos, deve se levantar e andar para defender o bem sagrado da reconciliação e da paz. Esta oportunidade de paz pertence ao povo e somente o povo é soberano e tem o direito de definir seu rumo.

O sonho de paz dos colombianos não está sozinho. Esperamos o reforço dos povos o mundo para que a reconciliação nesta esquina do norte da América do Sul seja, finalmente, uma realidade para seus habitantes e exerça sua influência benéfica no resto do continente.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cessar-Fogo eleitoral.

As FARC-EP e o ELN temos defendido, reiteradamente, a necessidade de acordar um cessar-fogo bilateral que encaminhe as conversações de paz para uma efetiva e pronta reconciliação entre os colombianos.


A resposta foi a rejeição frontal do regime, que argumenta que somente uma ofensiva permanente contra a guerrilha pode garantir a paz do país. "A paz é a vitória", repetem.

Contrastando e com vista a proporcionar condições mais favoráveis para os diálogos, decretamos cessar-fogos unilaterais e, paradoxalmente, este generoso fato originou o recrudescimento da ofensiva do regime ao ocupar posições desfavoráveis para nossa força.

Hoje, por ocasião do próximo certame eleitoral à Presidência da República, muitas vezes se levantam, com diversidade de argumentos, solicitando-nos uma nova declaração de cessar-fogo, com a intenção de que o clima político eleitoral se caracterize pela maior ausência de perturbações.


A insurreição guerrilheira não acredita no regime eleitoral colombiano; pensamos, como milhões de compatriotas, que a corrupção, o clientelismo, a fraude e as manobras sujas de todo tipo conduzem à ilegitimidade de seus resultados e os escândalos, que hoje se apresentam, dão mais força à nossa razão.


No entanto, consideramos que um clamor nacional tão forte merece ser atendido e já veremos se mudarão a linguagem, as ordens dos altos funcionários e membros da cúpula militar ou policial em relação ao nosso gesto; além domais o fazemos como uma luz de esperança para um cessar-fogo bilateral.


Por tanto, ordenamos a todas as nossas unidades cessar qualquer ação militar ofensiva contra as forças armadas do Estado ou contra a infra-estrutura econômica a partir das 00:00 horas de terça-feira, 20 de maio até as 24:00 hors de quarta-feira, 28 de maio.


Pelo EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL: Nicolás Rodríguez. B.


Pelo Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP: Timoleón Jiménez


 Montanhas da Colômbia, 18 de maio de 2014.

sábado, 17 de maio de 2014

Que o povo governe

Por Iván Márquez
Integrante do Secretariado das FARC-EP




A atual campanha presidencial causa indignação e produz asco. Os colombianos queríamos ver bandeiras programáticas estendidas, mas só vemos flamejar as bandeiras da ruindade e da miséria política.

Quisemos sempre conhecer  dos candidatos à Presidência argumentos políticos e sociais, opções e projetos de estadista para conduzir a pátria para adiante, a visão de um país sem desigualdades, mas só ouvimos as diatribes coléricas e a incitação ao ódio, trinos que não são cantos, mas sim chilreios de "pássaro" da violência (paramilitar do período de "La Violencia", entre 1948 e 1958) que se replicam com argumentos esfarrapados.

Sendo a paz a bandeira estelar da campanha eleitoral, observa-se com preocupação em alguns candidatos uma ignorância suprema sobre o real estado das conversações e os avanços do processo de paz. Seja quem for o Presidente, não terá um desafio mais importante do que o de assinar a paz, o fim do conflito sobre bases sólidas proporcionadas por mudanças que impliquem democracia verdadeira e um estado de bem viver para o povo comum, mudanças que esse povo vem esperando a vida toda.

A Colômbia está farta de personagens como J.J.Rendón, Chica e dos "Comba", de milhões de dólares mal-havidos impulsionando campanhas presidenciais; a Colômbia está cansada da "ydispolítica", dos gramps feitos pelo então DAS (Departamento Administrativo de Segurança, a narco-policia política do regime), da inteligência militar ou diretamente da CIA. É "guerra suja", grita um lado; não, é um crime, responde o outro; cansada do direitista Hoyos, do "harcker", de demandas por calúnia, de água suja para cá, água suja para lá e para lá de uma minoria plutocrática, enquanto os colombianos com olhar de perplexidade, contemplam a degradação da política e a atitude desavergonhada, desrespeitosa de elites mafiosas que sequestraram o Estado para seus próprios benefícios, com o biombo de um sistema eleitoral totalmente deslegitimado.
A política na Colômbia tem que mudar para o bem de todos e, principalmente, para assentar as bases da paz com justiça social, com democracia verdadeira e soberania, o que somente pode ser conseguido rumo a uma Assembleia Nacional Constituinte.

"Já basta", é o grito que brota de milhões, de gargantas e punhos crispados. Temos sido mal governados, enganados, reprimidos com violência, castigados com o chicote desumano dois lucros capitalistas, e com a entrega de nossas riquezas às transnacionais em atitude impune de lesa pátria. Tudo está sendo privatizado e o Estado esqueceu suas obrigação de garantir o bem-estar ao povo. Tratam-nos com desrespeito, nos humilham.

As organizações sociais e populares, hoje mobilizadas em todo o território nacional, ao reclamar aos surdos contumazes seus direitos, estão chegando a um momento em que já não têm outra opção senão se unir a uma grande frente política, em uma alternativa multitudinária que convoque os de baixo, as camadas médias, a juventude e as mulheres, os indígenas e os afro-descendentes, todos, para colocar no Palácio de Nariño  a força das maiorias, a vontade nacional e a razão, o sentir comum e a dignidade; quer dizer, o protagonismo do povo soberano, para que, de uma vez por todas, os usurpadores, essa minoria oligárquica que desde 1830 tomou o governo para enriquecer e defender seus interesses egoístas, cesse em sua depredação.

Como nos tempos de Gaitán, a Colômbia continua clamando pela restauração moral da República e da mudança já; não é demagogia barata que só produz mudanças para que tudo continue igual. O povo tem direito a ser governo. Que o povo governe!

quarta-feira, 14 de maio de 2014

FARC solicita ser retirada da lista de organizações terroristas da UE

Por  Norberto Paredes, da Comissão Internacional





Hoje, quando o governo colombiano e a comunidade internacional nos reconhecem, à luz das conversações de Havana, como interlocutor de fato e de direito, não tem sentido que estados europeus continuem nos tachando de terroristas e pretendam nos impedir de contar a seus povos a verdade incômoda que o regime pretende ocultar. E já é hora de que a União Europeia remova as FARC de sua arbitrária lista de "terroristas" e permitam a abertura de um escritório de representação político-deplomática que funcione com todas as garantias cabíveis. Essa seria sua melhor contribuição para a paz da Colômbia.

A mobilização das FARC-EP pela Europa

Neste ano de 2014, que começou com renovados esforços e brios para conseguir a tão sonhada solução política para o conflito social e armado que dessangra a nossa Pátria, marca mais um ano desde que nossa organização começou a desenvolver um fundamentado e entusiasta trabalho político-diplomático no chamado "velho continente".

Para entender como e por que as FARC direcionaram seu olhar para a Europa, é preciso analisar o contexto histório e político-militar em que se decidiu cruzar o eceano Atlântico para dar a conhecer nossa realidade e nosso projeto revolucionário. De fato, se bem que já existia de antemão um trabalho internacional da organização, é na Oitava Conferência Nacional das FARC-EP, realizada em 1993, quando se decide conferir um caráter estratégico.
A etapa posterior aos diálogos de Cravo Norte, Caracas e Tlaxcala (30 de abril de 1991 - 5 de maio de 1822), frustrados pelo governo neoliberal de César Gaviria Trujillo e pelo imperialismo norte-americano, esteve marcada pelas crescentes e cada vez mais impactantes ações militares da guerrilha contra as forças armadas e de segurança do regime oligárquico. Fechados todos os espaços democráticos devido aos massacres indiscriminados e assassinatos seletivos de opositores e desconformes, e com o genocídio político da União Patriótica em pleno apogeu, com o auge da luta do povo em armas, ficou claro que a correlação de forças com o inimigo ia sendo redefinida no campo de batalha.

Isso, naturalmente, expunha a necessidade de analisar e implementar planos e políticas em todos e cada um dos terrenos referentes às condições objetivas e subjetivas que, em última instância, influem e até determinam os avanços ou retrocessos de qualquer processo revolucionário.

O fator internacional, naturalmente, passou a ter um peso específico maior em nosso Plano Estratégico para a tomada do poder pelo povo, tanto em sua dimensão objetiva, ou seja, dos equilíbrios e contradições entre blocos e potências imperialistas, do impacto geopolítico do desmoronamento do campo socialista, etc., como na subjetiva, referida ao estado do movimento comunista e revolucionário no mundo e ao começo do processo de mudanças na América Latina a partir da vitória do Comandante Hugo Chávez nas eleições presidenciais venezuelana em 1998, entre outros.

Diante de um mundo cada dia mais convulsionado e permeado pela incerteza e pela debandada ideológica, política e ética de amplos setores outrora de esquerda, nosso entranhável camarada Manuel Marulanda Vélez, qual estrategista visionário, expôs que se tornava imprescindível tecer uma teia de aranha de relações políticas e diplomáticas com a maior quantidade possível de governos, forças políticas e sociais no mundo inteiro para ir semeando o terreno do qual brotaria, primeiro, o reconhecimento da insurreição revolucionária como força beligerante, para o que cumprimos todos os requisitos apontados no Protocolo II adicional dos Convênios de Genebra; e depois, o reconhecimento do novo governo, que se instauraria como resultado de uma grande ofensiva guerrilheira combinada com uma insurreição popular das massas camponesas, operárias, indígenas, estudantis e de todos os excluídos.

Além disso, é preciso levar em conta que as relações internacionais de múltiplos níveis são um elemento chave para acompanhar e facilitar a busca de um caminho diferente ao da guerra.

É dentro deste quadro conceitual e estratégico que se deve olhar a iniciativa diplomática das FARC-EP na Europa, empreendida com força depois da Oitava Conferência através do lançamento oficial da Comissão Internacional encabeçada pelo camarada Raúl Reyes.

É preciso dizer que o primeiro passo foi dar a conhecer a situação da Colômbia, sua história contemporânea, mas fazendo uma digressão também à época da colônia e da epopeia das gestas pela independência da Espanha. Havia que dar a conhecer as causas que geraram e que continuam alimentando o conflito social e armado e as propostas das FARC para superá-lo. Sem dúvida alguma também o público europeu, nos mais diferentes cenários, mostrou seu interesse pelas modalidades organizativas e pelo perfil ideológico de uma guerrilha que, sendo a mais antiga da Nossa América, estava se apresentando aos povos europeus anos depois de que tenho feito também outros movimentos de libertação nacional latino-americanos, já desmobilizados ou em claro recuo.

Os representantes das FARC não apenas ganharam o respeito do inimigo de classe, ou seja, do governo e até de setores empresarias, por sua capacidade diplomática e seriedade, mas também colheram a simpatia, o respaldo e a solidariedade de inumeráveis partidos, movimentos sociais, sindicatos e organizações revolucionárias que admiram, sobre todas as coisas, a tenacidade e a coerência ideológica das FARC, sua solidez e sua perseverança, tremendamente resgatáveis em um momento histórico prenhe de cantos de sereia sobre o fim da história, da perda de vigência da luta armada e outras narrativas dos vendedores de cortina de fumaça a soldo da grande burguesia.
Centenas foram as reuniões, fóruns, palestras, seminários, conferências, passeatas e greves em que a insurreição marquetaliana (da região de Marquetalia) entregou e recebeu apoio, solidariedade internacionalista, aplausos e, inclusive, contribuições e sugestões construtivas. Embora não tenham faltado provocadores e franco-atiradores reacionários, cavaleiros da alienação midiática e da desinformação estratégica, a diplomacia guerrilheira conseguiu posicionar em poucos anos a luta do povo colombiano e seus sonhos de paz com justiça social nas agendas de governos e instituições de diferentes níveis, assim como dos movimentos sociais e contestatários de vários países europeus.

Essa atividade, que se viu refletida na participação internacional nos diálogos de Caguán (de San Vicente del Caguán), assustou o regime colombiano e Washington, cujas tentativas permanentes e nos desprestigiar e nos caluniar se viram ridicularizadas em mais de uma oportunidade, justamente em território europeu, com o próprio ex-presidente Pastrana (Andrés Pastrana -1998-2002) tendo que reconhecer isso em seu momento.

Aproveitando os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e o rompimento posterior dos diálogos de San Vicente del Caguán em fevereiro de 2002, o imperialismo forçou que se incluísse as FARC e o ELN na lsita de organizações "terroristas" da União Europeia. A essa ilegítima e arteira medida de caráter supranacional se somaram outras da UE e de alguns de seus países membros, como a perseguição e o julgamento de companheiros e companheiras europeias ou colombianos refugiados nesse continente, por terem expressado solidariedade com a luta das FARC ou simplesmente terem condenado a barbárie da política de "segurança democrática" do narco-paramilitar Uribe Vélez. Este, durante seus dois mandatos, não poupou esforços para isolar e caluniar a insurreição colombiana, contando com certa colaboração de autoridades europeias no momento de nos impedir de expressar nossos pontos de vista como parte beligerante que somos.

Traduziu: Luiz Manuel Cano Prestes

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Entrevista com dois comandantes guerrilheiros otimistas: Iván Márquez e Jesús Santrich, das FARC-EP PIA, Havana

A seguir publicamos uma entrevista de PIA Notícias com Iván Márqudz e Jesús Santrich das FARC-EP, à frente da delegação que participa dos Diálogos de Paz que estão ocorrendo em Havana,Cuba, entre a organização revolucionária e o governo da Colômbia. 

Em seu encontro com PIA, Iván Márquez, membro do Secretariado das FARC-EP e Jesús Santrich, do Estado Maior Central, falaram do desenvolvimento e das perspectivas dos Diálogos de Paz, do papel de sua organização dentro do movimento popular da Colômbia e da Nossa América, da necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte, das estratégias do império como a Aliança do Pacífico ou do negócio transnacional do narcotráfico, e do cenário em Nossa América no pós Chávez.

Que avaliação fazem dos diálogos de paz até o momento e quais são as suas perspectivas futuras?
Enquanto temas de muita transcendência nacional que estavam relegados ao esquecimento passaram ao primeiro plano de debate e pelas mãos do movimento social e popular como bandeiras de luta, o balanço é muito positivo. Referimo-nos a assuntos como o da posse e uso da terra, da exploração mineiro-energética e da indústria extrativa que tanto dano sócio-ambiental está causando, o do reordenamento territorial, o da reforma agrária e rural integral, o dos assuntos da reestruturação política e da democratização do país, por exemplo.

No entanto, já no que se refere à concretização de acordos, havendo esgotado quase três pontos da agenda, o que temos são construções parciais, que são de transcendência, mas que, por enquanto, deixaram ainda sem resolver os aspectos essenciais requeridos para poder se chegar a um tratado de paz estável e duradouro. À maneira de ilustração se poderia dizer que não há acordo sobre o fim do latifúndio e à delimitação sobre a estrangeirização da terra; não se vislumbra ainda o questionamento da Doutrina de Segurança Nacional, que na Colômbia continua marcada pela concepção do inimigo interno, pela presença do paramilitarismo de Estado, nem se definiram compromissos claros que nos indiquem um novo rumo para a economia nacional, alternativo às nefastas receitas neoliberais que cada dia geram mais miséria para as maiorias.

Nós estamos esperançosos em que com a participação da cidadania, com o protagonismo do povo nestas discussões a partir da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, todas estas dificuldades sejam superadas.

Como vêem o movimento popular na Colômbia e qual é o lugar das FARC-EP?


Apesar da guerra suja e do terrorismo de Estado que durante décadas vitimizou o movimento popular, sem dúvidas que ele tem dado mostras de uma valentia e de uma capacidade de reorganização sem limites. O país está cheio de pobreza e desigualdade, bem como está infestado de repressão, de desaparecimentos forçados, presos políticos, terra arrasada e refúgio internos nos campos, massacres, falsos positivos e incontáveis fossas comuns, que são produto da criminalidade sistematizada e persistente do Estado, contra o inconformismo e as reivindicações da população comum. E ainda assim, com tudo e apesar de que o protesto social está criminalizado e recebe um tratamento de ordem pública militarizada, guerreirista, a Colômbia vem sendo sacudida constantemente pela ação das massas nas ruas e estradas, por sua presença cada vez mais coesa e politizada em função de transformações radicais que clamam pela restauração da soberania, da democracia e da justiça social.

Podemos afirmar, em resumo, que o movimento social e popular é pujante e prometedor, e nele o papel das FARC-EP é o de apoio no propósito da unidade e o de contribuir fundamentalmente com questionamentos políticos e nossa influência sobre amplos setores de massas para construir uma alternativa política anticapitalista, que devolva a independência ao nosso país.


Quem quer mudança, soberania nacional e justiça social na Colômbia? E quem não quer?


A mudança social, como transformação revolucionária que funde o socialismo, tem sido nossa bandeira de toda a vida contra um bloco de poder oligárquico que hegemonizou por quase dois séculos a condução do país em uma via de submissão ao império. Na Colômbia as condições materiais, objetivas de existência, que são nefastas, multiplicaram a inconformidade ao jogar para a oposição diversos setores sociais, desde os mais pobres até importantes faixas de classe média que tomaram consciência de que a plutocracia exercida por um punhado de famílias vinculadas ao capital financeiro, afundaram mais de trinta milhões (dos 42 milhões) de compatriotas em um pântano de miséria e necessidades, segregando politicamente as maiorias com procedimentos de violência, de engano e de humilhação, que são aspectos latentes de uma guerra que nos foi imposta para defender os interesses mesquinhos dessas minorias que têm nomes conhecidos como Ardilla Lulle, Santodomingo, Sarmiento Angulo, entre outros aos quais servem os governantes de plantão.

Contra essas injustiças é que as FARC-EP têm agitado seu programa revolucionário, mas a título de um entendimento que permita colocar freio na confrontação; hoje na Mesa de Havana o que colocamos não são propostas radicais da insurreição, mas sim propostas mínimas para para chegar a um entendimento que abra as portas à democracia e ofereça possibilidades para o debate aberto, sem o perigo de que as balas do terrorismo de Estado acabem com a vida dos que estejam na oposição ou tenham pontos de vista diferentes aos dessas oligarquias que até agora nos governaram.



O que é e como se explica o narcotráfio na Colômbia e na região?

O narcotráfico é um negócio capitalista transnacional no qual o capital financeiro tem suas mãos metidas a fundo. Entre 3 e 5 pontos do PIB mundial estão cruzados por este flagelo; dele, por exemplo, se beneficiam os banqueiros internacionais com a lavagem e organizações como a CIA financiam suas operações encobertas da pior espécie. A Colômbia é uma vítima nisso. Vítimas são as empobrecidas massas camponesas, obrigadas pela pobreza gerada pelo neoliberalismo, a sobreviverem valendo-se dos cultivos de folha de coca. E vítimas são os milhões de consumidores em relação aos quais, ao invés de priorizar medidas de prevenção e de saúde pública que impeçam ou reduzam os danos, o que lhes são aplicadas são políticas proibicionistas de perseguição, de criminalização e estigmatização, comprovadamente fracassadas.

Em relação a este problema reinam argumentos hipócritas os quais, ao mesmo tempo em que demonizam os cultivadores de coca e acusam de narcotraficante a guerrilha, para retirar com mentiras sua áurea política, escondem os verdadeiros responsáveis pela comercialização e pelo aumento da produção.

Que resposta dariam diante da mensagem como a que deu o presidente Santos, que espera que as FARC entreguem as armas e que espera ver os integrantes das FARC sentados no Congresso?

O que está estabelecido no acordo geral de Havana é a possibilidade de chegar a um cenário, não de entrega, mas sim de abandono das armas, o que para nós significa em termos concretos que logo após uma longa trégua que permita observar a implementação do que for pactuado, em um ambiente de verdadeira democracia, o uso das armas se torne desnecessário.

E sobre a participação no congresso, o que podemos dizer é que estabelecer a democracia consiste em que todos os colombianos sejam sujeitos ativos no planejamento e condução dos destinos do país. Pode-se dizer que os assuntos do Estado e do governo, o exercício da política como serviço à sociedade, não podem ser privilégio de elites ou de grupos econômicos poderosos.


Para que levar à frente uma Assembleia Nacional Constituinte?

Os problemas da guerra e da paz afetam a vida de todos os colombianos; por isso, para sua solução, para construir um verdadeiro tratado de reconciliação, a participação cidadã, do poder criador do soberano, é um fator principalíssimo. Até o momento o desenvolvimento das conversações reuniu algumas opiniões e elaborações das comunidades, mas não abriu os espaços para que o povo comum debata plenamente suas expectativas. Se isto não se fizer o processo teria um enorme déficit de legitimidade; então, a melhor maneira para que o soberano (o povo) possa assumir o protagonismo que lhe corresponde, porque do que se trata é da definição de seu destino, é através de uma Assembleia Nacional Constituinte, estruturada de maneira tal que todos os setores sociais tenham representatividade para assentar as bases de uma nova institucionalidade.


O que significa para vocês a Aliança do Pacífico? Que projeções existem dos Estados Unidos para o nosso continente?

Significa uma tentativa de ressuscitar a derrotada ALCA, ao estabelecer tratados comerciais que são muito lesivos para importantes ramos da economia regional e o que outorgam são vantagens que o livre comércio concedeu às transnacionais. É também uma pérfida tentativa de descarrilar Nossa América do rumo de integração que vêm traçando iniciativas como as da UNASUL e da CELAC. A Aliação do Pacífico entranha uma suposta integração de ordem comercial, mas repleta de um conservadorismo que resguarda a dependência em relação aos Estados Unidos sem levar em conta que a unidade, a cooperação e a complementariedade entre os nossos países, deve apontar para aspectos que vão mais além do comercial, do econômico e do financeiro, que têm a ver com a cultura, com a questão social e com a identidade dos nossos povos em condições de independência.


Em resumo, o que ocorre é que alguns governos latino-americanos estão é montando para os Estados Unidos uma plataforma no continente com a aliança transpacífico, esta liderada pelo país do norte em momentos em que o litoral Atlântico é suplantado pelo Pacífico no campo das exportações.


No caso da Colômbia, por exemplo, desgrava 92% do universo alfandegário, afetando as defesas de setores tão importantes como a agricultura. De fato isto vai contra a soberania alimentar e a economia camponesa em relação à qual o que havíamos pactuado na mesa era seu fortalecimento.


Com este tipo de alianças não deixaremos de ser exportadores de carvão, de outros produtos minerais, e importadores de bens industriais e agrícolas. O processo de reprimarização e refinanceirização de que sofre hoje nossa economia, sem dúvida será agravado por um iminente aprofundamento da desindustrialização. A Colômbia deve se afastar desse caminho, retomar uma dinâmica autônoma de industrialização e uma política econômica independente, soberana, para a equidade, que entre outras coisas eleve a produtividade do campo através de uma reforma rural integral, como a que as FARC-EP colocaram sobre a mesa de conversações.


O que significa Manuel Marulanda para o movimento revolucionário de Nossa América?

Antes de qualquer coisa, Manuel Marulanda é um exemplo de persistência na luta por ideais de justiça e emancipação. Fidel Castro explicou muito bem o que o comandante Manuel significa para os nosos povos quando expressa: "Considerei e considero que Marulanda foi um dos mais destacados guerrilheiros colombianos e latino-americanos. Quando muitos nomes de políticos medíocres forem ouvidos, o de Marulanda será reconhecido como um dos mais dignos e firmes lutadores pelo bem-estar dos camponeses, dos trabalhadores e dos pobres da América Latina".


Que visão têm da Nossa América pós Chávez e do processo revolucionário na região e que papel têm as FARC nele?


A América pós Chávez conta com a força dos povos que retomaram esse instrumento fundamental de luta, que é o pensamento bolivariano e o de seus heróis nacionais, como herança que, em grande medida, ajudou a resgatar o comandante Presidente. Dizer isso significa que hoje, em Nossa América, há muita agitação de mudança em favor de ideais tão importantes como o da unidade continental, o da independência, o da busca de condições de igualdade e de justiça, o de atuar em condições de soberania, etc. e tudo isso ligado a esse outro grande propósito de equidade que é a construção do socialismo. Dentro desta realidade, nós, simplesmente, somos soldados da mais bela das causas, que é a de libertar um continente que haverá de fulgurar como uma Grande Nação de Repúblicas Irmãs.

Traduziu: Luiz Manuel Cano Prestes

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