domingo, 29 de junho de 2014

O que falta à paz de Santos

Por Jaime Caycedo

O secretário-geral do Partido Comunista Colombiano, Jaime Caycedo, analisa os votos que fizeram possível a reeleição de Juan Manuel Santos, a necessidade de reformas democráticas que estruturem uma paz estável e o culminante tema que inicia sua discussão em Havana: as vítimas.

Em entrevista com o Semanário VOZ, Caycedo ressalta os desafios de independência da frente ampla e a necessidade de fazê-la girar para a esquerda.

Qual é a primeira leitura que se pode fazer da eleição de Juan Manuel Santos nos comícios presidenciais passados?

O presidente eleito tem uma maioria que não é frágil, porém é evidente que a ultra direita obteve um montante importante de votos e põe a pensar em qual será a perspectiva para o futuro imediato e o governo que vem. Do que não pode se ufanar Santos é ter em sua mão um cheque em branco, porque ganhou graças aos votos da esquerda. Se a diferença entre Santos e Zuluaga tivesse sido maior do que dois milhões de votos, se poderia assegurar que a contribuição da esquerda pôde ter sido residual, porém, neste caso, a esquerda foi decisiva e isso tem que ser claro no projeto da política social e da política de paz deste novo governo.

É claro, então, que o voto por Santos foi pela solução política ao conflito e não por sua visão de Estado.

É a avaliação do que representou nosso voto: a solução política como saída e, desde logo, o diálogo como fórmula. Porém é evidente que só esse fato não é suficiente, pois o projeto do processo de paz que vem se adiantando em Havana tem na atitude do governo Santos um flagrante desconhecimento das necessárias reformas democráticas, políticas e sociais para o país. E esses são elementos que, neste momento, resultam ser obstáculos para alcançar a paz.

— A paz foi um plebiscito, porém o governo Santos não passou o exame nesse tema.

O processo de paz recebeu uma espadeirada. É um fato positivo que o povo colombiano tenha acolhido essa via. Porém, o processo de paz requer ingredientes novos. Nós vimos insistindo em que se deve diminuir a concepção da guerra como política dominante do Estado. O orçamento mais alto é o da guerra, então não nos venham dizer que com esse orçamento de guerra se faz a paz; a paz não se faz com um aparelho militar gigantesco que assusta os países vizinhos. Se necessita vontade real do governo Santos.

— Há muito trecho entre a paz de Santos e a paz com mudanças?

— A mobilização, as paralisações, os protestos não são um ponto adjetivo, não é um assunto à margem da paz. O apoio com votos para o presidente implica que os temas agrários, a desprivatização da saúde, a solução da educação privatizada e a iminente reforma trabalhista são exigências que nascem a partir do movimento popular e obrigam a ser vinculantes no tema de paz. O governo deve entender que esses assuntos fazem parte das reformas para a paz com justiça social, do contrário, a paz não se aclimatará em Colômbia, nada passará se não se resolvem os grandes desequilíbrios do país.

— Os milhões de votos querem dizer que paz sim, porém o modelo Santos não?

— É um paradoxo deste governo. Santos recebe respaldo para avançar num processo de solução política, porém não é para seu modelo econômico e social e menos [ainda] para o projeto atual do estabelecimento colombiano. Esse sistema político está em crise e o presidente reeleito não quer reconhecer. Sua proposta de suprimir a reeleição é um problema antagônico, isso não toca nos temas de fundo para uma abertura democrática. Por exemplo: há que modificar o sistema eleitoral, a lei 1475, mediante a qual se proíbem em Colômbia as coalizões de forças alternativas para constituir novas maiorias no país, com o pretexto da dupla militância.

— O novo governo permitirá uns mínimos para a oposição?

— Na antidemocracia do sistema político se carece até de um estatuto para a oposição desde há duas décadas, porém, neste caso, tampouco é um estatuto para a direita de Álvaro Uribe Vélez, que hoje tem presença no Estado. O uribismo faz parte do governo, em regiões do país foi a burocracia que fez possível os sete milhões de votos de Óscar Iván Zuluaga, isso não é simpatia por ele. O santismo e o uribismo são parte do mesmo Estado.

Nós somos oposição democrática diferente da ultra direita e por isso reivindicamos uns mínimos: não mais exclusão, nem genocídios. Se deve ampliar a esfera política e democrática para incluir não só a esquerda domesticada, como também a esquerda revolucionária que está aqui e a que pode vir. Toda a esquerda.

— A propósito da unidade e da esquerda, que papel assume a Frente Ampla?

— Nós não queremos estabelecer uma caracterização taxativa desta iniciativa que vem tomando força para uma paz com mudanças, liberdades e soberania. A Frente Ampla está gerando na esquerda novos reagrupamentos, novas visões e aproximações que, a nosso ver, são positivas. Porém, o governo quis cooptar essa Frente desde antes das eleições. Por isso rechaçamos que a Frente se confunda com uma estrutura de governo sob a direção de Juan Manuel Santos e seu modelo de guerra e neoliberalismo

Por isso, acreditamos que essa iniciativa de unidade deve assumir sua independência para atuar em favor de uma solução política que se diferencie da ideia de paz que o governo apregoa: a paz express, sem compromissos nem mudanças, o silêncio dos tiros sem mudanças profundas na sociedade, sem estimular uma batalha de ideias contra o fascismo incorporado na cotidianidade dos concidadãos. E menos [ainda] uma paz em favor desse grande capital transnacional que busca um novo espaço para negócios.

— O tema do fascismo ressurgiu em cabeça do uribismo. Esse pode ser outro desafio para a Frente Ampla?

— Sim, isso é o que chamamos a construção da pós-guerra. Necessitamos criar as condições de mudança que permitam romper as amarras ideológicas do narco-paramilitarismo, do anticomunismo, da confrontação do mito do castro-chavismo, que não é mais que uma invenção do uribismo para agitar um fantasma entre os setores médios do país. Esse é um desafio da frente: uma cultura de paz, de liberdades, da inclusão. Sem eles, a paz é impossível em Colômbia.

— Por último. Se está dando início ao tema de vítimas no processo de conversações. Que opinião tem a respeito?

Esse tema é tão incerto como a verdade histórica. Não se reconheceu ao Partido Comunista em toda a sua história, inclusive na recente da União Patriótica ou desde sua fundação, o ser vítima. O anticomunismo foi uma parte da doutrina do Estado e naturalmente isso é uma carga muito grande. Quantas vítimas do Partido Comunista existem em Colômbia, companheiros mortos na tortura, assassinados, desaparecidos e até agora ninguém sabe nada deles e, sem ir muito longe, a história do genocídio da União Patriótica. Essas vítimas devem ser reconhecidas.


El anticomunismo debe ser reconocido como causa de violencia contra el pueblo y del exterminio y los genocidios, que debe ser extirpado de la Colombia en paz. Queremos que el gobierno flexibilice su postura ante estos temas, no solo le exija a los insurgentes hacerlo. No se puede seguir culpando a los comunistas de la guerra en Colombia, el informe Basta Ya exonera al Estado de culpas en el conflicto y también libera a los empresarios y la clase dominante de responsabilidades, pero ellos encendieron la guerra

fuente: pacocol.org


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