segunda-feira, 8 de setembro de 2014

As duas caras da paz


Por Julián Subversivo, guerrilheiro das FARC

 «Sem as mudanças necessárias que erradiquem as causas do conflito nunca poderá haver paz, como dizia Eduardo Franco Isaza»

Em nosso constante trasfegar como guerrilheiros revolucionários levando a mensagem de mudança e esperança, tratando de construir consciência por todo o território nacional, nos demos conta que a pergunta pela paz em Colômbia é uma inquietude que não só revela aos que tratamos diretamente de consegui-la como também que desperta o interesse de todas as comunidades e pessoas que compõem o povo colombiano.
Que seria a paz, porém, de maneira mais concreta, que seria a paz em Colômbia?, é a pergunta a responder. Aqui há duas posições em contradição; uma é a paz que queremos as FARC-EP e a outra é a paz que o governo pretende impor sob o conselho dos opressores nacionais e internacionais.
A paz que as FARC-EP queremos, como reiteramos em inumeráveis ocasiões através destes 50 anos de luta, é uma paz baseada na justiça social, na igualdade efetiva e não só formal, uma paz que signifique soberania, segurança alimentar, bem-estar social, independência e dignidade para todos os colombianos. Pelo contrário, a paz que a hegemonia deseja é aquela que signifique a morte, a eliminação do protesto social, uma paz baseada na conservação do status quo, das condições de desigualdade, fome, pobreza, repressão e injustiça, é a paz do silêncio dos fuzis do povo e sua rendição incondicional às exigências depredadoras do capitalismo.
Em suma, a paz, para eles, é a eliminação completa da resistência popular ante o tirano e a possibilidade de estender sem obstáculos a realização de seus obscuros interesses, é a paz do burguês, falsa, hipócrita, o reflexo de sua idiossincrasia.
Certo dia, realizando uma reunião de encontro com os companheiros indígenas na região do Chocó, um deles me pergunta: “Companheiro, por que o presidente Santos diz que quer a paz e passam tantos aviões de guerra por aqui?” A pergunta nos ensina algo muito interessante, e é que o povo está se dando conta da falsidade do discurso burguês, da incongruência entre suas palavras e suas ações. E é que ninguém poderia engolir o conto de que a guerrilha é quem opera sob uma máscara de hipocrisia em seu intento de paz, quando esta propôs cessar-fogo bilateral, e ante a sem-razão negativa do governo optou por fazê-lo de forma unilateral, enquanto os aviões inimigos percorrem os ares em busca de guerrilheiros dormidos para assassiná-los covardemente.
A hipocrisia dos detentores do poder é óbvia, não só para os guerrilheiros e o olho crítico como também para as pessoas comuns da sociedade, como demonstra a pergunta do companheiro indígena; pois não podes falar de paz e ao mesmo tempo celebrar e fazer alarde das baixas inimigas; não podes falar de paz e continuar com o fortalecimento da força militar e policial à custa do tesouro público; não podes falar de paz quando contra aquele com quem tentas conciliar lhes descarrega bombas de 500 libras ou mais enquanto está imerso no sono. A paz só se pode fazer com passos concretos para sua consecução e não só com palavrório formal que não vai mais além de uma entrevista ou um pronunciamento por um microfone. A este respeito, as FARC-EP sempre estivemos dispostos ao cessar das hostilidades, pois levar a cabo um processo de paz sob o fogo da confrontação denota numa contradição que atenta seriamente contra o êxito das conversações, é a velha contradição burguesa entre teoria e prática.
O ataque militar à insurgência por parte do governo se intensifica, e através de seus meios de publicidade festeja os mortos que seu ataque terrorista deixa, satanizando as ações guerrilheiras. Segundo a estúpida e inaceitável teoria hegemônica, é lícito que o exército burguês mate guerrilheiros a torto e a direito de maneira covarde quanto estes dormem, porém não se aplica o mesmo critério para as ações guerrilheiras contra o Exército e a Polícia, ações que são estigmatizadas como terroristas, como se os guerrilheiros fossem menos que outro ser humano e fosse lícito tirar-lhes a vida, ainda quando tivemos que recorrer às armas só porque os detentores do poder não nos deixaram outra opção.
Assim que, se quiséssemos responder a pergunta do companheiro indígena, teria duas vias para guiar-nos: uma seria a retórica que historicamente o capitalismo tem utilizado, a outra seriam as ações concretas do governo com vistas à paz. Se nos guiamos pela primeira, diríamos que sim, que Santos e seu governo querem a paz com justiça social, segundo alardeiam por seus meios de publicidade. Porém, como sabemos que a práxis burguesa é contrária a sua teoria, o que diríamos a este companheiro é que ele intui bem, que há uma contradição no governo, que diz uma coisa e faz outra, e que tudo aponta para que só querem a paz sem transformações, a paz do desarmamento, desmobilização e reintegração dos guerrilheiros à vida social, o chamado DDR, isso que o império chama paz, a rendição da insurgência e a eliminação do protesto para poder levar a cabo seus negócios.
Sim, lamentavelmente, tudo parece apontar para ali, pois, desde um princípio, o governo deixou claro que não discutiria mudanças reais acerca do modelo econômico e das bases institucionais, isto acompanhado de mostras firmes de continuar sua campanha de ataques à guerrilha.
Tomara que estejamos equivocados, tomara, apesar de todos os claros indícios contra a paz que os colombianos querem e necessitam, possa chegar a bom porto o barco da mudança, do bem viver da população, da democracia real, participativa e vinculante; pois sem as mudanças necessárias que erradiquem as causas do conflito nunca poder haver paz, como dizia Eduardo Franco Isaza; enquanto existam tiranias, ditaduras ou desigualdade em Colômbia, continuarão surgindo os que se oponham a elas pela via que lhes deixem, seja a pacífica ou a armada, se for necessário.

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