Fonte:
Equipe Editorial Resistencia
“A
proposta de Ingrid foi de que tirassem o menino de Clara, porque, a
seu ver,
apesar de ser sua mãe, ou o deixava morrer ou saía matando-o”,
diz a guerrilheira Diana num extenso relato sobre os acontecimentos
da acompanhante de Ingrid Betancourt durante a retenção na selva.
O
relato é uma bomba política porque traz ao mundo novos elementos
até agora inéditos. ANNCOL reproduz aqui a versão, desta vez da
guerrilheira Diana, que esteve por todo o tempo com Clara Rojas.
“A
aventura foi grande, porém pudemos cumprir com nossa missão,
conduzindo todos os prisioneiros a salvo”.
Apresentação
Desde
o momento em que Alberto Martínez, uma experiente autoridade do
Estado-Maior do Bloco Oriental, assumiu o comando da Companhia
encarregada da segurança dos prisioneiros de guerra, Diana, sua
companheira sentimental, se somou também à missão. Em suas
próprias palavras, registramos boa parte de suas lembranças
daqueles dias.
Vale
fazer notar que na guerrilha, por conta da transmissão oral, se
conhecem muitas coisas da vida coletiva, mesmo que sucedam a centenas
de quilômetros. O Mono Jojoy dedicava uma hora diária,
sagradamente, a dar uma palestra informativa ao pessoal de sua
companhia de guarda. Era quase rotineiro que à referida palestra
assistisse também o pessoal de três, quatro ou mais companhias da
área circundante, às quais ele ordenava recolher com esse mero
propósito. Desse modo, o pessoal conhecia em primeira mão as
incidências do restante das unidades das FARC-EP.
É
assim como a situação dos prisioneiros de guerra era amplamente
conhecida por boa parte dos guerrilheiros dos Blocos Oriental e Sul.
Assim como também quem era destinado às unidades sob cuja
responsabilidade se encontravam esses prisioneiros, terminava
informando-se, pelo relato dos demais, das diferentes circunstâncias
vividas com eles nos dias e meses anteriores. Dali que a veracidade
do relato por Diana esteja quase por fora de qualquer dúvida.
Desde
logo que existem versões diferentes, fornecidas pelos desertores da
organização que decidiram pôr-se a serviço do inimigo. São as
menos críveis, porque perseguem o propósito fundamental, exigido
ademais pelos serviços de inteligência militar, de enlamear o mais
possível a causa, as intenções e as atuações dos integrantes de
nossa organização, com o expresso propósito de desprestigiar-nos.
Essas versões passam a fazer parte das chamadas operações
psicológicas, uma arma de guerra ensinada pelos manuais de contra
insurgência elaborados nos Estados Unidos. Sua credibilidade é
zero. Quanto às versões dos prisioneiros em liberdade, todas
procuram destacar a própria atuação pessoal, na contramão da
realidade, esforçando-se por fazer de seus captores uns monstros, em
concordância com a chamada correção política: ninguém que se
expresse em bons termos sobre a guerrilha pode ser respeitável. A
grande imprensa e a pressão das chamadas forças ocultas se
encarregarão de fazer-se entender aos que pretendam colocá-lo em
dúvida. Essa opressão se torna mais terrível que a que se teria
podido sofrer na selva, porque é aberta e silenciosa, clandestina e
pública ao mesmo tempo, e se pratica no próprio entorno social do
afetado. Corrói, destrói integridades econômicas e morais. Ninguém
quer assumir esse risco.
Equipe
Editorial Resistencia
Relatado
pela guerrilheira Diana
Em
meio ao desenvolvimento do Plano Patriota, orientado e dirigido por
Álvaro Uribe, demos cumprimento ao plano emanado pelo Secretariado
Nacional do Estado-Maior Central das FARC-EP: Preservar a vida dos
prisioneiros de guerra.
A
retenção de Ingrid Betancur e Clara Rojas foi cumprida na área do
Bloco Sul. Nesse momento já se havia dado aviso aos políticos em
campanha presidencial para que não marcassem presença na área da
antiga zona evacuada. Ingrid Betancur decidiu desafiar as FARC,
viajando a San Vicente, o qual termina em sua longa apreensão. Ela
viajava com o chofer, Clara e creio que um segurança. Ao
explicar-lhes que é ela a que fica retida, que os demais podem ir
embora, Clara Rojas recusa-se a ir e, por sua própria determinação,
decide ficar com Ingrid. Afirma que qualquer coisa que suceda a
Ingrid também deve ocorrer com ela. Nesse momento parece um gesto de
lealdade pessoal para com sua amiga e companheira de política, no
que insiste de modo enfático. Mais adiante se saberia que era muito
mais que isso. Tanto insistiu que acabou ficando. Por sua condição
de mulheres e sua extração social, os comandos acordaram um trato
preferencial para elas. As duas gozavam de algumas liberdades no
acampamento, jamais estiveram atadas. Isso permitiu que em duas
ocasiões tentassem fugir, sendo recapturadas pelo pessoal que saía
em sua busca. Enquanto permaneceram no Bloco Sul, aconteceu a
gravidez de Clara. Ali ela conheceu ao papai do menino, um dos
guerrilheiros que atuava como guarda. A questão é simples, se
gostaram e passou o que passou, às escondidas, claro, esse tipo de
relações não é permitido na guerrilha, nem creio que em nenhum
exército do mundo. Para que falar mais disso? Clara se entregou a
ele por sua livre vontade. Ainda que talvez se arrependesse depois.
O
Mono repetiria em muitas palestras que, de acordo com a versão de
Clara, ela só havia conhecido dois homens em sua vida. Ao primeiro,
que a tinha decepcionado completamente, e agora ao rapaz que a
engravidou. Até então, a relação sentimental que ela sustentava
com Ingrid desde muito antes de sua captura, havia se mantido dentro
das dificuldades normais que se produzem nesse tipo de relações.
Ingrid chegou a se queixar várias vezes do excessivo assédio de
Clara, até expressar que não queria mais dormir com ela. Porém a
notícia da gravidez de Clara causou sérias diferenças entre elas.
Ingrid não entendia que ela tivesse se enamorado do papai do menino.
Aquilo as levou a discutir, a romper sua relação. Ingrid durou um
bom tempo sem voltar a dirigir-lhe a palavra.
Quando
foram postas à disposição do Bloco Oriental, o encarregado da
unidade era Martín Sombra, o hoje renegado das FARC. Quando de sua
captura, Martín Sombra se encontrava desertado das FARC, depois de
muitíssimos anos de militância guerrilheira. Ele havia sido desses
que se chamaram bandoleiros, liberais dos anos ’50, uma pessoa com
muitas deformações em sua cabeça que, a pesar disso, conseguiu
sobreviver e permanecer nas FARC. Sempre se lhe conheceu aqui como um
mitomaníaco, um mentiroso de vocação, ao qual só o Mono ou o
Camarada Manuel [Marulanda] conseguiam manter sob controle. Velho e
doente decidiu renunciar à luta, em troca de usufruir a grande vida
que nunca pôde ter aqui. Hoje, mimam-no os do governo e do Exército.
Porém, nesses dias, seguro que por sua antiguidade nas fileiras, se
lhe encarregou dos prisioneiros. Ele, por sua própria conta,
continuou deixando Ingrid e Clara soltas no acampamento, violando as
orientações do Mono, quem, informado do comportamento delas no
Bloco Sul, tinha ordenado mantê-las mais controladas. Ingrid e Clara
se comportavam bem, faziam tortas de chocolate para celebrar os
aniversários, não só delas ou dos prisioneiros como também dos
guerrilheiros da guarda. Porém, um bom dia, tentaram escapar quando
tomavam banho de rio. Ingrid é uma boa nadadora e, estando distantes
da margem, combinou submergir com Clara, ambas nadando até sair bem
abaixo. Quando os guardas se deram conta, nenhuma das duas aparecia
por nenhuma parte. Enviou-se a buscá-las e lhes encontraram
facilmente no trilho. Era inverno e havia barro.
Daí
em diante se decidiu pôr fim às regalias com elas, simplesmente as
introduziu no interior de um cárcere. Sombra, tal e como costumavam,
havia violado as ordens, agora se viu obrigado a cumpri-las. Os
demais prisioneiros não levaram a mal a gravidez de Clara. Quando se
informaram, se puseram bem contentes e começaram a fazer roupinha,
brinquedos feitos de potes usados de Neofungina [o talco que se lhes
dava para os pés], sapatinhos, gorros, tudo necessário para um
bebê. A própria Ingrid terminou fazendo um carregador para ele. A
maioria dos prisioneiros fabricou objetos para o menino, assim como
os guerrilheiros.
Penso
que o tratamento recebido pelos prisioneiros foi o mais adequado
desde o ponto de vista humano. A vida na guerrilha pode tornar
demasiado dura e primitiva para as pessoas da cidade, mais ainda se
encontram habituadas a certas comodidades muito superiores às da
maioria do povo.
Nós
estivemos sempre no meio da selva, às vezes a dezenas e até
centenas de quilômetros de qualquer lugar povoado onde se poderia
conseguir as coisas necessárias para um grupo humano tão
considerável. Ademais, há que levar em conta que nosso
abastecimento devia ser efetuado na clandestinidade, para evitar ser
localizados. Isso impõe desafios muito difíceis, ao tempo que certa
prioridade na satisfação das necessidades. Há que aprender a
privar-se de muitas coisas elementares que não resultam tão vitais.
Na selva não há rodovias nem estradas, talvez veredas para mulas de
carga ou por onde transitar a pé, com um peso de várias arrobas nas
costas, com destino a um acampamento. Utilizar os rios e as quebradas
implica conseguir e mover canoas, motores, gasolina, óleo, fazer uma
infraestrutura complexa e usá-la corretamente, pois sempre há
aviões e helicópteros procurando, a partir do ar, localizar
qualquer movimento. E também gente que pode delatar em troca de uma
promessa de dinheiro por parte do Estado. Então, nada é fácil, os
sacrifícios que os guerrilheiros têm que realizar são muito
grandes. Isso, os prisioneiros levam muito pouco em conta, aos quais
nunca faltou a comida, o abastecimento de vestir e para dormir, os
medicamentos mais básicos, os objetos de higiene pessoal e todas
essas coisas.
Era
lógico que as coisas se pusessem mais difíceis se o inimigo
conseguia conhecer nossa localização e lançar suas operações por
ar e terra. Tropa por todas as partes, aviões lançando bombas sem
importar um pouquinho se matavam os prisioneiros, rastreamento e
seguimentos permanentes, rajadas de metralhadora lançadas por
helicópteros, desembarques sobre a rota que seguíamos. A estadia em
lugares fixos tinha que chegar a seu fim, se acabavam os
acampamentos, tinha que permanecer em marcha, em mobilidade total, em
disposição de combate. Responder pela vida, integridade, saúde e
segurança dos prisioneiros se tornava muito mais complicado nessas
condições. E no entanto se fazia, sob a chuva e entre o barro, sob
o sol mais implacável, na escuridão das noites. Algo que muitos não
podem compreender é que a guerra é muito dura, no meio de tantas
dificuldades não pode haver hotéis de cinco estrelas.
Quanto
à alimentação, no meio dos bombardeios, metralhamentos, e o
desdobramento do Exército por terra, o fornecimento de mantimentos
se realizava no ombro das tropas guerrilheiras, ou em lancha, até
chegar a seu destino, que era a unidade encarregada dos prisioneiros
de guerra. Os mantimentos se compunham de leite, azeite,
carboidratos, verduras, tubérculos [mandioca, inhame etc],
proteínas, grãos, enlatados, inclusive outros artigos para a dieta
de alguns prisioneiros, como o caso de Géchem e um dos
norte-americanos, que não lembro qual. Ingrid Betancur convocou aos
demais prisioneiros em duas ocasiões a declararem greve de fome, com
o pobre argumento de que se sentia aborrecida com a mesma comida. Era
certo que, à medida que a operação militar se incrementava, o
abastecimento se tornava mais difícil, já não chegavam frutas e
outros artigos como antes. Isso resultaria compreensível para
qualquer pessoa, menos para ela. Os policiais e militares não se
somaram nunca à greve, tampouco os demais políticos. Só Ingrid e
Clara. Se não me falha a memória, creio que o máximo que
agüentaram foi dois dias, porém porque comiam às escondidas do que
guardavam de reserva. Cansaram-se logo e tiraram as camisetas da
greve. Então, desde a hora do café da manhã, comiam
abundantemente, até pedir inclusive mais sopa e broa, das quais
antes detestavam. Quando tínhamos acampamento no meio da selva, ao
redor dele se mantinham as reses que eram abatidas a cada 15 dias,
para o fornecimento de carne. Tínhamos 250 galinhas, muitos patos,
se mantinham de 20 a 30 porcos. Contávamos com uma padaria, com todo
o necessário para a elaboração do pão, e se fazia pão integral
para os doentes. Se lhes prestava serviço de odontologia, enfermaria
e barbearia. Havia uma biblioteca com boa literatura e documentos
nossos, aos quais os prisioneiros tinham acesso. Tinha televisão com
DVD para apresentar-lhes filmes. Tínhamos à nossa disposição 3
canoas com motores para o transporte e várias motosserras para
derrubar [árvores] e preparar a madeira necessária para as
instalações. A segurança interna dos prisioneiros era prestada por
guerrilheiros homens, em parte porque eram maioria em relação às
mulheres encarregadas, e em parte para evitar que se repetisse o que
aconteceu com o Bloco José María Córdoba, onde uma garota se
deixou seduzir e depois escapou com um prisioneiro. As mulheres
estavam destinadas à segurança externa, e a cumprir com os rapazes
os trabalhos necessários no acampamento.
Quanto
à saúde, se contava com instalações sanitárias adequadas ao
habitat em que vivíamos. Aos prisioneiros, sempre se lhes
solucionava os casos de saúde, como as enfermidades tropicais da
área, o planejamento e inclusive enfermidades diagnosticadas antes
de sua retenção, segundo as solicitações de alguns prisioneiros,
como diabetes, PA, problemas de colo etc. Ainda com as dificuldades
descritas acima, se lhes fornecia os medicamentos necessários. Em
seu momento, chegou a orientação de que Clara Rojas fosse novamente
excluída do cárcere, por seu avançado estado de gravidez. Não vou
dizer que fosse por maldade, certamente se devia às pressões
psicológicas que sofria por causa de seu estado nessa situação,
porém o certo era que havia que permanecer sumamente vigilantes com
ela. De repente, era possuída por uns ímpetos incontroláveis de
nervos que a conduziam a golpear fortemente a barriga, com o
propósito declarado de perder o bebê. Ao tratarmos de acalmá-la,
gritava enfurecida que ela não ia poder explicar ao país o
nascimento desse filho. Se lhe organizou um dormitório à parte,
perto da enfermaria, e lhe foram destinadas duas guerrilheiras e dois
enfermeiros para seu cuidado, assim como para a preparação de seus
alimentos. Seus arrebatamentos eram constantes, gritava e nos
insultava, nos tratava mal, golpeava-se a barriga, jogava fora os
alimentos que lhe levavam, nos chamava violadores. Foi uma verdadeira
odisséia agüentá-la até o momento do parto. Uma vez, começaram
nela as dores, se pensou que ia ter um parto normal. Porém sua
atitude foi totalmente negativa, gritava de tudo contra os
enfermeiros. Eles lhe indicavam que fizesse força e ela respondia
que não podia, que se sentia fraca, que a deixassem morrer, que não
queria continuar vivendo e que, uma vez morta, a enviassem para sua
mamãe. Nesse momento, nossa responsabilidade era salvá-la e salvar
a criatura, e se fez tudo quanto esteve ao nosso alcance para
consegui-lo. O conhecimento dos enfermeiros quanto a cesariana não
era suficiente, e tampouco se contava com o instrumental cirúrgico
mais adequado. Porém, com a melhor disposição se puseram à tarefa
de salvar as duas. Após praticar-lhe uma incisão vertical e buscar
a criatura, por sua estranha quietude, os enfermeiros pensaram que o
bebê estava morto. Então se esforçaram por salvar pelo menos ela,
para o qual procederam a extrair o bebê o quanto antes. No forcejo
para consegui-lo, o menino sofreu a fratura do braço. Porém, o
certo foi que isso o conduziu a reagir e mover-se, pelo que os
enfermeiros descobriram que ainda vivia. Então se dedicaram a
extraí-lo com o maior cuidado, conseguindo salvar-lhe a vida, tanto
a ele como a sua mãe. Ela teve que permanecer cerca de uma semana
com a incisão aberta, por causa de uma infecção que contraiu
devido a alguma bactéria. Aplicaram-lhe todos os cuidados médicos
possíveis, até que finalmente se conseguiu curá-la. Porém, logo
veio o problema de que não produzia suficiente leite para amamentar
o bebê, ademais de que ela não tinha a menor ideia de como fazê-lo.
Nessa ocasião, havia uma garota, Yency, em quem ainda havia leite.
Era a companheira sentimental de Sombra nessa época, e ela se
encarregou de alimentar o menino, o que conseguiu fazer durante um
mês. Depois, foi sucedida por outra companheira, Marta, e finalmente
outra, até que o leite secou em todas elas. Então, a alimentação
da criatura continuou com leite S-26 de tarro. O camarada Jorge, El
Mono, tinha ordenado abastecer com leite, fraldas descartáveis e de
pano, roupa, creme, xaropes, no possível todo o necessário, tanto
para o bebê como para a mãe. Tudo isso foi fornecido a ambos.
Decidiu-se encanar o braço do menino, o que se procurou fazer da
melhor maneira. Porém Clara se mostrava sempre muito rude com ele, e
magoava-o com frequência. Depois da recuperação, se permitiu que
Clara permanecesse durante dois meses no acampamento.
Nesse
tempo, as garotas que cuidavam do menino se dedicaram a ensinar-lhe
tudo o relacionado com seu cuidado: como tinha que lhe dar banho,
trocar as fraldas e a roupa, preparar o bule, como levantá-lo para
que o seu braço não se ferisse, quais eram os horários em que
dormia o bebê. Também insistiram muito no asseio pessoal dela
própria para evitar qualquer infecção.
Depois,
voltou ao cárcere com o menino. Transcorreram 3 dias, durante os
quais o menino chorava muito. Então, Ingrid pediu audiência para
falar com o encarregado da unidade, já para então o camarada
Alberto, pois se tinha ordenado demitir Sombra. A explicação de
Ingrid foi que tirassem o menino de Clara, porque, na sua opinião, a
pesar de ser sua mãe, ou ela o deixava morrer ou iria matá-lo. Se
aquilo não se tornasse possível, pedia que pelo menos as
guerrilheiras encarregadas de levar alimento para o menino o
examinassem detidamente, pois era certo que tinha algo. Em atenção
à sua solicitação, se disponibilizou a revisão do bebê.
Clara
tinha sido muito descuidada, lhe deixou criar assaduras, e não sei
de que grau, porém o certo era que tinha os testículos e o pintinho
em carne viva, e seu braço se encontrava desencanado, arroxeado e
saído do lugar. Informado disso, o camarada Jorge recebeu a
orientação de manter o menino no acampamento, para curá-lo e
cuidar dele como era devido, levando-o à mamãe duas vezes ao dia,
para que ela visse e o mimasse. Numa das ocasiões em que lhe levam o
bebê, Clara o agarra e o aperta com raiva, machucando-lhe de novo o
bracinho. Então, continuam levando-o, porém por fora da malha, para
que apenas o veja. Igual, num descuido, as garotas sempre são nobres
e se aproximam dele demasiado, Clara lhe agarra o braço enfermo com
força, com má intenção. Desta vez, sua afetação foi mais grave,
porque no menino já estava soldando a fratura e com o brusco puxão
ficou-lhe o braço quase pendurando no músculo. Ao obriga- la a
soltar a criatura, Clara começou a gritar-nos coisas terríveis, a
insultar-nos, se puxava o cabelo, golpeava a malha, parecia
completamente enlouquecida. A partir desse momento se lhe proibiu
todo contato direto com o menino, levavam-no, sim, porém para que o
visse de longe. O braço do bebezinho ficou definitivamente curado,
porém ficou torto. Não tínhamos recursos para fazer-lhe uma
cirurgia de correção, essas são coisas de especialistas. Com o
tempo, a própria Clara solicitou que lhe permitissem uma audiência
com o encarregado. Quando a concedem, solicita respeitosamente que
lhe deixem ter o menino, comprometendo-se com todos os argumentos
possíveis a não voltar a lhe fazer dano.
Não
se atendeu completamente a sua solicitação, tinha-se desconfiança
dela, a cada vez que se lhe permitiu tê-lo, terminava ferindo-o. Em
seus freqüentes momentos de depressão, assegurava que ela não
queria esse menino, que essa criatura lhe havia desgraçado a vida
para sempre. Já me referi à mudança das condições de reclusão.
Por sorte para Clara, para o bebê e para todos, o anterior teve
lugar enquanto estivemos estabelecidos no acampamento no meio da
selva, nos limites entre o Caquetá e o Guaviare. Porém, em 2004
fortaleceu-se o Plano Patriota e, por essas coisas da guerra, um
desertor que se voa, vai e se entrega ao Exército, fornecendo-lhe a
informação sobre nosso paradeiro. A ordem de Mono não se fez
esperar. Era necessário evacuar o acampamento completamente e
empreender a marcha em direção a Sétima Frente, nos limites do
estado do Meta. Uma companhia móvel de guerrilha podia cumprir essa
ordem sem maiores complicações, porém para nós outros, com o
grupo de prisioneiros, vários deles enfermos e desmoralizados, com
mulheres e até com um bebê de braços, atravessar semelhante
extensão de selva, carregando nas costas tudo o que fôssemos
necessitar, se tornava sumamente difícil.
Vários
dos prisioneiros, os quais não sabiam o que sucedia e aos quais
tampouco se lhes podia dar muitas explicações, pareceram pôr-se de
acordo para complicar mais as coisas. Um guerrilheiro, em média,
deve carregar em seu equipamento nas costas entre duas e três
arrobas de peso, além de suas provisões, aparelhos, granadas e
fuzil que deve portar a instante por necessidade. Uma marcha pela
selva pode compreender, num dia, entre dez e vinte ou mais
quilômetros a pé, dependendo dos obstáculos que encontre, como
represas, rios, fios empinados e outros. E deve cumprir, mesmo que
chova, troveje ou faça o mais ardente dos sóis. Enquanto todos
caminhem e carreguem, não há maiores problemas dos normais. Porém,
outra coisa sucede quanto há enfermos, gente que não pode caminhar
ou carregar com seu provimento nas costas. O peso que estes deveriam
levar, há que dividi-lo entre os demais. Se há que carregar a algum
em rede, deve destinar-se um grupo de seis para isso. Dois, liberados
de todo peso, levantarão em seus ombros a vara na qual se amarra a
rede que carrega o enfermo, a toda velocidade que possam andar
tentarão avançar o trecho mais longo possível, digamos, meio
quilômetro, ou algo assim, até que seu corpo não dê mais. Então,
descarregarão a rede sobre os ombros de outros que vão
substitui-los. E estes um trecho adiante nos terceiros. Enquanto uns
carregam o enfermo, os outros quatro se lançam a reboque, em cima de
seu próprio provimento, dos equipamentos e das armas dos que
carregam, marchando imediatamente atrás deles. Não se descansa
quando se descarrega o enfermo sobre os outros, há que jogar-se nas
costas o próprio equipamento e a provisão dos que carregam o
enfermo. O único descanso se produz quando há que soltar esse peso
para carregar a rede com o enfermo. Essa é uma tarefa que requer
força, energia e determinação sem igual. Geralmente, cumprem-na os
homens, ainda que, às vezes, há garotas com a força física para
executar também essa tarefa.
Pois
bem, vários dos prisioneiros, entre eles o agora General Mendieta, a
quem vale aplicar aquela sentença de que chora como mulher o que não
foi capaz de fazer como homem, declararam que não se sentiam em
condições de marchar por entre a selva. Se declararam enfermos
gravemente incapacitados. A própria Ingrid Betancur, sempre tão
empavonada, decidiu alegar em seu benefício que ela tampouco estava
em disposição de pôr-se a caminhar. Segundo disse, ela estava
muito bem em sua casa e nós outros a tínhamos aqui contra sua
vontade. Assim que também se somou à greve. Exigiu que a
carregássemos ou a deixássemos aí. Não foi um momento fácil.
Sabíamos que o Exército avançava por terra para o lugar e que em
qualquer momento começariam os bombardeios, metralhamentos e
desembarques de tropas.
Se
agora escrevem livros, contam histórias dramáticas ou reclamam
indenizações, fazem-no esquecendo que continuam com vida graças ao
fato de que os guerrilheiros das FARC decidimos enfrentar todas as
dificuldades com eles em cima, antes que abandoná-los no meio da
manigua [terreno coberto de ervas ruins], onde não teriam
sobrevivido nem por um par de dias. Ademais dos que houve que
carregarmos em rede por necessidade ou capricho, tivemos que destinar
duas guerrilheiras para que se encarregassem do menino, cuidando para
que nada pudesse afetá-lo. Os próprios norte-americanos
prisioneiros expuseram que nessas condições se tornava impossível
ligar rádios transistores para a segurança de todos. Um avião
podia localizar-nos pelo sinal que emitissem. E também recomendaram
outras medidas, com o objetivo de evitar que viéssemos a ser vítimas
dos bombardeios aéreos. Sabiam que, nessas circunstâncias, como já
haviam vivido no passado, o Exército colombiano não faria distinção
entre guerrilheiros e prisioneiros. A ordem de Uribe era tirar esse
problema de cima, se havia que matar os prisioneiros com tudo e
guerrilheiros, melhor para ele. As mortes sempre seriam creditadas à
guerrilha, nisso os grandes meios de comunicação não falhariam.
Por isso, doravante se restringiriam muitas coisas, começando pelos
rádios, as lanternas e luzes nas noites, o brilho e a fumaça dos
fogões, a secagem das bolsas plásticas ao sol etc. Também é justo
dizer que, quando se falou com todos os prisioneiros sobre as novas
condições, a maioria adotou uma atitude diferente da de Ingrid e
Mendieta. Compreenderam de que se tratava e se mostraram dispostos a
afrontá-lo.
Marchamos
durante dias e semanas no meio do inverno pela selva, guiados por uma
bússola, um mapa, um transportador e um compasso. Haviam-nos dado as
coordenadas da rota e, ainda que carregávamos um GPS, esse tipo de
aparelhos eram muito novos para nós e nenhum sabia usá-lo
corretamente. O camarada Alberto pediu permissão ao Mono para que um
dos norte-americanos nos explicasse e ele concedeu a autorização.
Recomendou que pedíssemos o favor ao mais velho, porém este não
soube explicar-nos ou não lhe entendemos, porque seu espanhol era
muito deficiente. Nos restou seguir com as ferramentas que tínhamos.
Nos abastecemos nos equipamentos de economia, carne, galinhas, o
mobiliário, ou seja, as panelas, os casinos ou barracas para o
rancho, paus, machados, manilhas, gerador de energia elétrica;
gasolina, remédios, munições, a alimentação para o menino, todo
o necessário.
Iniciamos
a dura caminhada pela rota traçada, rompendo por entre a selva e
desconhecendo os obstáculos. Só sabíamos que o Exército já se
encontrava na área e que devíamos ter muita disciplina, pois
poderíamos esbarrar com alguma patrulha. É de recordar que o Plano
Patriota se caracterizou pelo alto número e o grande tamanho das
patrulhas que penetravam na selva, batalhões completos de
contraguerrilhas, divididos em duas ou três colunas separadas uns
cem metros entre si, para se auxiliarem mutuamente no caso de entrar
em combate. El Mono, que sempre estava pendente de nós pela rádio,
orientou ao camarada Alberto que deixasse três guerrilheiros no
acampamento, com comunicação permanente conosco, para que semeassem
minas nos acessos ao mesmo. Esse comando seria, por sua vez, nossa
retaguarda, com a ordem de marchar três dias depois de nós termos
saído. Como eram poucos, não tardariam em alcançar-nos. Sua tarefa
fundamental era apagar qualquer rastro nosso.
Tínhamos
dois dias de marcha quando escutamos com toda clareza disparos e
ruídos de morteiro em direção ao lugar onde estava o acampamento.
Eram quinze horas. Desde esse momento, o comando não voltou a
informar pela rádio. Até então teríamos avançado uns quatorze
quilômetros. O Exército já se encontrava no lugar de nossa partida
dois dias atrás. Depois, soubemos que desse comando sobreviveram
dois jovens, um guerrilheiro e uma guerrilheira, que permaneceram
perdidos durante um mês completo no meio da selva, sustentando-se
com a água das canhadas e dos restos e frutos que sabiam se podiam
comer. Apareceram, vestidos de farrapos, numa companhia nossa de
combate que os acolheu com alegria.
O
camarada Jorge decidiu enviar companhias de combate em nosso auxílio,
umas para que retivessem o avanço da tropa e outras para
encontrar-nos e apoiar-nos. Porém, para isso ia ser necessário que
transcorressem vários dias. A partir desse momento começou o
sobrevôo de helicópteros e aviões por sobre a selva em que nos
movíamos. Alberto pediu permissão ao Mono para mudar a rota, e ele
nos deu seu consentimento. Alberto sacou o mapa e começamos a buscar
uma rota que nos conduzisse ao desvio mais estreito do rio Tuna, que
conhecíamos como A Ilha do Sol. Assinalamos a rota no mapa e nos
dispusemos a avançar. Antes de partir, se acordou que 8 unidades
ficassem como retaguarda nesse lugar. Com o propósito de apagar
completamente o trilho à tropa que nos seguia, nos metemos numa
represa e começamos a avançar com a água na cintura e, às vezes,
no peito. Assim andamos todo aquele dia. Era tão dificultoso o
trânsito com carga que Ingrid preferiu descer ao solo e começar a
caminhar. O bebê chorava de maneira incessante, havia muitos
espinhos que feriam o corpo.
Quando
os helicópteros passavam sobre nós, Ingrid se punha como louca, e
começava a gritar com todas as forças que aí estávamos. Essa
situação, acima do ridículo, pois resultava impossível que a
escutassem, exasperava aos demais prisioneiros, militares, policiais
e políticos, que lhe exigiam encarecidamente que se calasse.
Compreendiam que esse tipo de atitude punha em perigo a vida de todos
e repreendiam-na por essas ocorrências absurdas. Às 17 horas,
conseguimos finalmente sair da represa. Para qualquer rastreador se
tornava impossível encontrar um rastro na selva após essa manobra.
Quase todas as galinhas chegaram mortas. Todos tínhamos a pele
coberta de sanguessugas, a dolorosa e repugnante praga dos pântanos.
O único que não foi atacado por elas foi o bebê, certamente porque
não teve contato com a água. Alguns fomos buscar lenha e
desbastá-la, outros a explorar em todas as direções possíveis. Os
enfermeiros se dedicaram a ajudar na extração das sanguessugas, os
prisioneiros foram guiados para tomar um banho. Localizamos uma área
para passar a noite e Alberto se dedicou a traçar a rota do dia
seguinte.
Tudo
isso nos tocou fazer muito rápido, pois se proibiu iluminar o mais
mínimo depois que escurecesse. Não podia fazer o menor barulho.
Pusemos videiras pelos caminhozinhos para guiar-nos até os postos de
guarda, sanitários e abrigos. Nos localizamos por guerrilhas. Também
três guerrilheiros tiveram que regressar, para encontrar os 8 que
ficaram para trás. Voltamos a reunir-nos todos. Às 4:15, na
madrugada, já estávamos todos prontos, ao lados dos equipamentos,
em silêncio. Preparávamos de uma vez o café da manhã e o almoço.
As garotas carregavam água fervida para preparar os alimentos para o
menino e para dar-lhe de beber para matar a sede. Nesse dia saímos
tarde porque se prepararam todas as galinhas que levávamos e
fritamos, ademais, a carne para que não se estragasse. Nessas
condições, Clara, comovida, se dirige a Alberto e lhe manifesta
que, se quiser, ela também pode ajudar a levar o menino. E como
alternativa lhe propõe que as garotas que o carreguem caminhem ao
lado dela, ou que a deixem caminhar ao lado dessas garotas. Alberto
lhe diz que, se se comporta adequadamente com o menino, se lhe
permitirá carregá-lo durante os momentos de descanso. Porém lhe
adverte terminantemente que não pode maltratá-lo o mais, nem muito
menos tentar matá-lo, como fez várias vezes. Ela dá sua palavra.
Nas
marchas Alberto dava os graus a vanguarda, que se compunha de 7 e ia
adiante com a bússola. Seguíamos outros 6, com facões, abrindo
caminho porque o terreno estava cruzado de videiras. Era dificultoso
avançar com o enfermo que se carregava na rede. Os da bússola nos a
rodávamos, caminhando 40 minutos no máximo de velocidade, e fazendo
paradas para esperar a chegada do pessoal. Começamos a encontrar os
trilhos das patrulhas do Exército. Com poucos dias levamos um bom
susto. Mariela ia como guia e eu a seguia. Uns dez metros atrás
vinham os outros. Por volta das onze da manhã, estando à beira do
barranco que caía no rio, ouvimos um tropel um pouco adiante.
Inicialmente pensamos que se tratava de uma anta. Ao avançar um par
de passos mais, vimos umas folhas do lado de baixo se moverem. O que
quer que fosse, se dirigia exatamente para nós outras. Paramos e
fizemos sinal para os de trás para que ficassem quietos, porque
vinham abrindo caminho. Ao detalhar para adiante, percebemos que se
tratava de gente. Nos estendemos de imediato. Nesse momentos, até a
respiração da pessoa parece barulhenta, já não havia tempo para
avisar ao grosso do pessoal, tínhamos os vultos em cima. Maior foi
nosso susto quando vimos uniformes brilhantes, imediatamente pensamos
no Exército.
Preparamos
nossas armas para disparar, quando vimos alguém mover-se a um lado.
Vestia sudário preto e um suéter de cor azul. As palavras que dizia
faziam parte do nosso vocabulário. Esperamos outro pouquinho para
verificar, e conhecemos um camarada de nome Jeferson. A alma nos
voltou ao corpo, porém tínhamos o problema de como fazer para
parar-nos sem que eles disparassem contra nós, pensando que éramos
inimigos. Até que nós, duas mulheres, nos levantamos e dissemos em
coro, Jeferson. Eles se estenderam e ficaram quietos, sem dizer nada.
Nós avançamos para eles, e assim foi como não dispararam, pois
estavam nos buscando.
Foi
a primeira companhia que nos encontrou. Com eles já se tornava mais
fácil o avanço porque cobriam as laterais e nós marcharíamos no
centro. Bem, depois desse susto, nos encontramos com o obstáculo do
desvio do rio Tunia, que se encontrava cheio porque era o mês de
outubro, temporada de inverno. Chegamos na margem e mandaram buscar
uns potrillos [canoas pequenas de madeira]. Só encontraram um, no
qual cabiam apenas duas pessoas. Para passar duas companhias assim,
demoraríamos muito. Então estenderam as manilhas de margem a margem
do rio e cruzamos agarrados a elas. Para cruzar os equipamentos
fizemos pacotes
com eles, cruzamos o bebê na
canoa.
Havíamos chegado a esse lugar às doze, só às dezesseis horas
terminamos
de passar.
Na
nossa companhia levávamos uma cadela, que ficou do outro lado e
começou a latir. Às 20 horas cruzaram-na. No dia seguinte saíram
as explorações e encontraram trilho recente do Exército, o qual
nos obrigou a desviar a rota. A cadela, sem dúvida, sentiu pelo
olfato a presença próxima da tropa e começou a latir muito. Não
houve maneira de fazê-la calar, assim que nos restou tomar a
dolorosa decisão de matá-la. A partir desse dia se desencadeou
completamente o inverno, pisávamos a cada momento no rastro do
Exército, assim como eles encontravam o nosso com freqüência.
Começamos a nos encher de vermes
anelados,
leishmaniose, manchas feias na pele pela picadura das sanguessugas,
gripe, nossas provisões foram se esgotando. A aventura foi grande,
porém pudemos cumprir com nossa missão, conduzindo todos os
prisioneiros a salvo. Aquilo é agora apenas uma lembrança, que
muitos, e mais ainda agora, com os acontecimentos de Havana,
pretendem utilizar contra nós. Estou convencida de que no caso do
menino de Clara não houve a mínima intenção de maldade ou de
mentira por parte das FARC.
Na
Sétima [Frente] se recebeu a ordem de dividir os prisioneiros em
vários grupos. Já nunca voltariam a estar todos juntos. Daí em
diante a guerra recrudesceu com toda a intensidade, algo que raras
pessoas podem sequer imaginar em que consiste. A decisão de pôr o
menino de Clara sob o cuidado de uma família campesina obedeceu, sem
dúvida alguma, a uma decisão temporária e impensada, que
correspondeu à natureza da confrontação. Por isso mesmo, não pôde
voltar a recolhê-lo como se esperava.
Clara
é agora Representante à Câmara (Deputada
Federal),
em representação da ultra direita. Se apresenta como uma vítima
nossa. Com a mão no coração, posso dizer-lhe que ela não tem esse
direito.
Montanhas
de Colômbia, 1o de setembro de 2014
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