quarta-feira, 25 de março de 2015

Pondo as coisas a limpo


La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 23 de Março de 2015

As conversações de paz em Havana avançam, pois se concretizaram acordos importantes que permitiriam atacar as causas da confrontação de mais de meio século da qual a Colômbia padece. Se expuseram visões que serão úteis para os desenvolvimentos futuros em favor da reconciliação. Em linguagem simples e coloquial, podemos dizer que avançamos como nunca, porém ainda há muito pano para cortar, começando por recordar que há temas cruciais nos pontos 5 e 3 que estão sendo discutidos; também há temas no conjunto das 28 restrições que permanecem no congelador, esperando o momento para que se volte por eles. Certamente, se se quer acelerar a marcha, já está na hora de fazê-lo.
Somos otimistas, pois é certo que avançamos, abordamos três pontos da Agenda do Acordo Geral em matéria de desenvolvimento rural, de participação cidadã e de nova política antidrogas e estamos andando a passos rápidos sobre o ponto referente a vítimas, com iniciativas inovadoras, e ao mesmo tempo adiantamos critérios sobre assuntos cruciais como o cessar-fogo, e inclusive pusemos sobre a Mesa visões sobre temas não menos transcendentais como o da deixação de armas, o qual entranha compromissos de ambas as partes em torno à decisão de retirá-las da atividade política. Porém é lamentável e preocupante que, paralelamente a esses avanços, está andando uma intensa campanha midiática oriunda de diversos flancos institucionais que dá a sensação de que o acordo está na volta da esquina.
Montar a matriz de irreversibilidade não é conveniente se se considera que elevar as expectativas para o cume do irreal poderia levar-nos ao terreno das frustrações, pior ainda quando se pretende impor fórmulas jurídicas de submissão à guerrilha, de tal maneira que, se não as admite, se lhe possa acusar de ser intransigente e de obstruir o avanço do processo.
Nestes assuntos da guerra e da paz, que congregam tantas complicações e sensibilidades, porém também tantas ilusões, é válido desejar e sonhar; sobretudo ser criativos na busca de soluções aos problemas da miséria, desigualdade e a falta de democracia que causaram e mantêm o conflito. Tudo isto, há que fazê-lo com os pés bem postos sobre a terra.
Em resumo, há muito por transitar e muito mais vontades que somar, antes de expressar que QUASE TUDO JÁ ESTÁ PRONTO. Faltam por abordar temas sumamente complexos como a definição da comissão do esclarecimento da verdade e não repetição, o cessar-fogo bilateral, a já mencionada deixação de armas, o esclarecimento do fenômeno do paramilitarismo e da guerra suja, a urgência de que as Forças Armadas se afastem da criminal Doutrina da Segurança Nacional e da concepção do inimigo interno; ou está o caso de que, se não se resolve o problema do latifúndio, e se não se freia a estrangeirização da terra, que viola os interesses dos campesinos e lesa a soberania nacional, simplesmente demoraríamos mais na concretização do acordo.
De todas as maneiras, o dever dos que anseiam por uma Colômbia sem mais conflito e vitimizações não pode ser outro que persistir e empenhar todos os esforços em derrotar aos guerrereistas para levar adiante cada um dos mencionados propósitos, que é a forma de levar juntos até bom porto o processo de diálogos. Por isso as FARC-EP insistimos em convocar a todo o país para que apoie cada iniciativa e dê impulso a uma Constituinte que abra caminho à justiça social como base sobre a qual possamos fundar a Nova Colômbia em que impere o bem viver e a esperança.
Outro assunto é que o acordo de limpeza de explosivos dos campos colombianos é apresentado pela imprensa como se houvesse somente o compromisso exclusivo da insurgência; é tema que compromete também ao governo como responsável pela contaminação do território com estes letais artefatos de guerra que constituem perigo para as comunidades. Este é um acordo bilateral, de recíprocas obrigações, o qual aspiramos a que, dentro de um cessar bilateral de fogos, se possa estender a todo o país.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP.

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Equipe ANNCOL - Brasil





segunda-feira, 23 de março de 2015

Como crer na justiça?

A Colômbia requer uma análise a fundo sobre o que está ocorrendo com o desacreditado sistema judicial, vergonha da nação. Necessita de urgentes mudanças institucionais que não poderão vir senão de uma Assembleia Nacional Constituinte. O país não merece ter um presidente da Corte Constitucional como o senhor Pretelt, corrupto magistrado que reflete a degradação da institucionalidade colombiana, de um sistema que se autodenomina Estado de Direito, quando está infestado de corrupção esubornos, a favor de interesses privados, mafiosos e violentos.
As FARC-EP, desde muito tempo atrás, indicamos que nos enfrentávamos com uma pretensão absurda, ao querer que convalidássemos uma justiça que é infame, inoperante ante os poderosos, enquanto tem pronto o chicote contra os pobres que roubam uma barra de caldo de galinha. Quanta razão tinha o Libertador quando, em carta a Santander, dizia: “vejo vossas leis como Solón, que pensava que só serviam para prender os fracos e de nenhum impedimento aos fortes”.
A corrupção da justiça se exacerbou ao ponto que já não é possível ocultar sua degradação. No penal e no penitenciário as consequências fazem mais de 120 mil pessoas padecerem reclusas em superlotação e violação de seus direitos humanos. Aí se demonstra a natureza de um regime que descarta a vida e faz do exercício do direito um vil negócio. Percebemos essa podridão no trato diferenciado que dispensam a corruptos, narcos, paramilitares e parapolíticos, aos quais, sim, cercam de comodidades em troca de benesses.
A referida degradação da justiça atravessa todo o sistema. Cobre todas as dimensões dessa vida encharcada em normas que só são cumpridas rigorosamente se é para aplicar severidade, vingança estatal, classismo e diversidade de meios de segregação aos mais pobres, impondo-se a racionalidade de que tem dinheiro, no trabalhista, agrário, administrativo, na falsificada restituição. Já não dá mais este sistema de pétreas normas ou de brandas regras, dependendo de quem se trate. Para os amos do país objeto de pilhagem, pode-se continuar reformando o Direito, desde que nada substancial mude e se assegurem seus privilégios.
Hoje nossa luta transita pelos caminhos do diálogo para uma saída política e expressamos a necessidade de mudar essa ordem injusta e inumana, convocando a uma Assembleia Constituinte onde possamos entre todos combinar e formular saídas a essa espantosa situação, e honrar a justiça no sentido mais amplo, como aspiração suprema dos povos, como emanação diária de uma vida em democracia, em seus meios e fins. Enquanto esse acontecimento superlativo se produz, como FARC-EP queremos projetar um diálogo com os setores do país que também sentem esta vergonha, e convidá-los a nos reunir com os que conhecem de perto o que está se passando nessas instituições, na judicatura e no sistema de leis iníquas e inócuas, e que podem junto a nós ver diagnósticos e enunciar ideias que se articularão nesse espaço constituinte. Nesse sentido, pontualizamos:
  1. Nos somamos à indignação nacional por esta corrupção e ao sentimento que cresce frente ao controle jurídico-penal sobre fenômenos de natureza social, econômica e política, num dramático contexto de exclusão e desigualdade.

Está demonstrado que não será nem com esta justiça corrompida ou com a que resulte de uma maquiagem ou reforma que a mantenha nos vícios mais abjetos, com a qual possam nos encurralar como réus, jurando-nos cárcere por termos nos levantado em armas contra a opressão. Em absoluto. Nem a aceitamos antes, quando já a sabíamos desonesta, nem a aceitamos agora em tal estado de imundície, nem a aceitaremos retocada.

3. Para iniciar los trabajos a fin de sustanciar los cambios que deberán formularse en el escenario de compromisos políticos y garantías para una paz estable y duradera, solicitamos a los especialistas que han examinado dicho fenómeno de captura mafiosa y clientelar, selectiva e ineficaz, de los órganos de la “justicia” y no comparten esa lógica; pedimos a la academia y centros de estudio, a quienes monitorean los niveles y relaciones de esas redes de corrupción y las denuncian; a los movimientos sociales que no sólo han sufrido esa descomposición, sino que han generado formas propias de Derecho, de mandatos y visiones alternativas, para que comencemos en la Mesa de conversaciones una reflexión profunda sobre los cambios urgentes que requiere la justicia y clama indignado todo el país.

Delegación de paz de las FARC-EP

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Equipe ANNCOL - Brasil






“Obstruir a trégua é violar os Convênios de Genebra”: FARC-EP

La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 19 de março de 2015

A guerrilha denuncia falta de interesse do Estado para respeitar os direitos humanos
O Comandante Iván Márquez expôs hoje várias reflexões das FARC-EP sobre o compromisso que implica o Acordo Geral em termos de direitos humanos. O preâmbulo da Agenda especifica: “O respeito dos direitos humanos em todos os confins do território nacional é um objetivo do Estado que se deve promover”.
A insurgência explicou que toda a Agenda e cada um de seus pontos, por seus propósitos, implicam uma obrigação de Estado para a materialização dos direitos humanos dos colombianos.
A respeito do quarto ponto da Agenda, no qual se fala dos “direitos humanos das vítimas”, a insurgência expôs, em primeiro lugar, que o Estado é responsável por garantir os direitos humanos, porém abandonou esse dever e tem procedido a violá-los de forma sistemática.
Em segundo lugar, a guerrilha propõe que os acordos devem permitir implementar umas estruturas político-jurídicas capazes de pôr fim à injustiça. Também deixou claro que o fato de que as FARC-EP em muitas zonas do país tenham tido que assumir o papel de Estado no que se refere a garantir os direitos humanos não implica que o Estado possa se safar de suas responsabilidades neste sentido: deve responder por seus atos.
Finalmente, as FARC-EP expressaram suas inquietações sérias frente à falta de vontade e interesse por parte do Estado colombiano para respeitar os direitos humanos, já que “o enfoque integral, territorial e meioambiental” está ausente em suas políticas. Ademais, concluiu o Comandante guerrilheiro, com sua constante sabotagem e ataques contra a trégua unilateral das FARC-EP, o Estado está violando os Convênios de Genebra em seu mais amplo sentido, porque “obstruir a trégua é privar a população civil de um direito adquirido pelos não combatentes”.
Escritório de Imprensa Delegação de Paz das FARC-EP
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Equipe ANNCOL - Brasil





A excludente Comissão Assessora.

A partir das FARC-EP sempre saudamos as distintas iniciativas de incorporar diversas forças que contribuem para facilitar caminhos para encontrar as chaves da paz com justiça social e a reconciliação dos colombianos. Por isso, inicialmente vemos com expectativa o anúncio governamental de criar uma Comissão Assessora de Paz, entendendo que nela teriam assento todas as forças interessadas em fornecer contribuições ao empenho de terminar mais de 50 anos de guerra em nosso país.
O fato de que personalidades da vida nacional que haviam expressado mágoas e inclusive franca oposição aos diálogos de Havana tenham aceitado integrar uma comissão assessora é, no nosso modo de ver, uma mostra indiscutível de que os anseios de paz de todos os colombianos têm a força e a credibilidade suficiente para que nenhum setor da vida nacional fique por fora dela.
Porém, ainda que se trate de uma comissão nomeada unilateralmente pelo governo para que o assessore, o que surpreende é a ausência de diversidade em sua conformação.
Com exceções destacáveis, ela é um espelho de todas as formas de exclusão política e social da qual a Colômbia tem padecido ao longo de sua vida republicana. Devemos destacar que é esse costume inveterado da classe dirigente colombiana de excluir aos setores populares da representação nacional a causa central da violência, da pobreza e da marginalização social que nosso povo tem padecido ao longo de décadas.
Por que, então, se se supõe que o governo representa a nação e não só uma parte dela, o Presidente Santos não se decide por incluir as novas forças políticas e sociais que hoje conformam a cena nacional?
Por que não há em sua Comissão Assessora porta-vozes da Cúpula Agrária, organização que representa 80 por cento do campesinato colombiano? Por que tão limitada representação do movimento sindical, da ausência do movimento estudantil, das organizações étnicas, das agremiações femininas, dos ambientalistas ou da Frente Ampla que o ajudou a se reeleger?
Por que, enfim, a ausência do país real que está esperando sair de seus longos anos de solidão e esquecimento?
Então, para que foi criado o Conselho Nacional de Paz? Criaram-no para desconhecê-lo?
A esta mesa lhe falta mais de um pé. Fazemos um novo chamado a que os diálogos de paz de Havana se preencham de vozes diversas, que enriqueçam seus conteúdos e iluminem com sua sabedoria milenar os caminhos da nova Colômbia.
Ainda assim, oxalá essa Comissão Assessora aconselhe ao governo retirar toda essa maldade jurídica que nos está enredando a solução política e lhe sugira combinar, já, o cessar-fogo bilateral que, com reiterada insistência, as vítimas do conflito têm pedido para aliviar tanta dor e sofrimento que esta cruenta guerra causa.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP.
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Equipe ANNCOL - Brasil





Desescalada da confrontação e cessar-fogo bilateral.



Por Carlos Antonio Lozada.
Integrante do Secretariado Nacional.
No último dia 10 de março, o Presidente Santos anunciou ao país a suspensão por um mês dos bombardeios contra as FARC-EP. Este anúncio, destacado como um grande gesto de desescalada do conflito, analisado em seus detalhes permite entender a limitada visão que sobre o tema tem o Governo e os dois pesos e duas medidas com que se pretende medir na mídia a vontade das partes para reduzir a intensidade da confrontação, enquanto se chega a um acordo de cessar-fogo bilateral; acordo que, ademais de seu valor e significado profundamente humanitário, permitiria gerar um ambiente político mais propício para o trabalho da Mesa, em momentos em que deve abordar temas cruciais da Agenda.
Em desenvolvimento do ciclo 33 das conversações, a delegação das FARC-EP estabeleceu um documento ante os países garantidores onde se detalham 15 gestos unilaterais realizados pela insurgência, entre os quais se contam 4 cessações de fogos temporárias; a libertação do General Alzate, assim como a de outros militares capturados em combate; a decisão de subir para 17 anos a idade de recrutamento; fatos que se somam ao ato de reconhecimento às vítimas e perdão pelo ocorrido no povoado de Bojayá; a renúncia à retenção de civis com fins econômicos; a entrega ao CICV de menores infiltrados nas fileiras guerrilheiras, depois de terem sido preparados pela força pública para tarefas de sabotagem e assassinato de chefes guerrilheiros; e o cessar-fogo unilateral e por tempo indeterminado decretado a partir de 20 de dezembro de 2014. Fatos todos que podem ser constatados e que não encontraram reciprocidade alguma da contraparte na Mesa.
Pelo contrário, no que transcorreu a partir da declaração do cessar-fogo por parte das FARC, todas as áreas vêm sendo objeto de operações militares sustentadas e se produziram assaltos e emboscadas contra unidades guerrilheiras em que perdemos pelo menos 20 combatentes, entre eles vários mandos de longa e destacada trajetória revolucionária, ademais de outros quantos feridos e prisioneiros, com a agravante que, para justificar os covardes ataques contra unidades em trégua, se os apresenta nos informes militares como se se tratasse de delinquentes comuns dedicados à extorsão e ao narcotráfico.
Por outra parte, como consequência da resposta lógica à ofensiva militar, também nas fileiras da força pública se produziram perdas humanas que bem se poderiam ter evitado.
Como é conhecido por todo o país, desde que se iniciaram os primeiros contatos, antes de dar início à etapa pública dos diálogos, as FARC propuseram acordar um cessar-fogo bilateral que evite perda desnecessária de vidas e traga algo de alívio a um povo excessivamente violentado por décadas de guerra. A resposta governamental sempre foi um rotundo não e, a contrapelo do que manda a sensatez, se impôs a fórmula que o Presidente Santos sintetizou na frase: dialogar em Havana como se não houvesse guerra em Colômbia e guerrear em Colômbia como se não estivesse dialogando em Havana.
É em essência a continuação da estratégia de seguir buscando a derrota militar da insurgência, enquanto na Mesa se nega qualquer possibilidade de reforma substancial ao modelo socioeconômico; porque se parte da falsa premissa que a Havana chegamos como resultado da quebra militar insurgente e não como produto de nossa histórica disposição de alcançar a solução política do conflito, tal como está consignado no primeiro ponto de nossa Plataforma Bolivariana.
Essa falsa premissa explica também que aos sucessivos gestos da insurgência se lhe responda exigindo mais, dado que se interpretam como um sinal de fragilidade e não da vontade real de avançar na desescalada do conflito; o que explica a decisão governamental de suspender por um mês, prorrogável, os bombardeios, anúncio carregado de um forte sabor de chantagem, longe de qualquer gesto de distensão da confrontação.
Como o anúncio do Presidente vem adornado com a afirmação de que a força pública não vai descuidar um só centímetro de território e, em consequência, se, como resultado desses patrulhamentos, ocorrem enfrentamentos, “essas são as regras do jogo”, não é difícil concluir que se trata de uma clara decisão de não respeitar o cessar-fogo unilateral por tempo indeterminado decretado pelas FARC-EP; enquanto isso, com pérfida determinação se agrega: “ordenei desenvolver um plano de desdobramento das Forças Militares e de Polícia em todo o território para consolidar os avanços em segurança, cercar os espaços, e assegurar que –se se firma um acordo final- possamos brindar garantias aos habitantes dos territórios e aos que deixem as armas”.
Desestimar os esforços da contraparte por desescalar o conflito, pretender chantageá-la e tensionar a corda incrementando as operações militares, em momentos em que o Processo cobra maior respaldo nacional e internacional; arriscar o maior ativo conquistado em três anos de árduo trabalho, pondo em jogo a confiança construída, é, para dizer o mínimo, uma jogada atrevida, quando o lógico e sensato seria aproveitar os ventos favoráveis e o ambiente propício para acordar o cessar-fogo bilateral.
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Equipe ANNCOL - Brasil






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O ciclo 33 produziu um acordo humanitário

Por Matías Aldecoa
Durante estes onze dias de trabalho intenso, dois fatos que ocorreram fortalecem a confiança nos diálogos de paz: O encontro cara a cara das partes enfrentadas diretamente na guerra e o acordo humanitário sobre desminado, munições sem explodir, artefatos explosivos improvisados e restos explosivos de guerra firmado ao final do ciclo 33 entre as Delegações das FARC-EP e o Governo Nacional.



Diálogo entre guerreiros.
Pela primeira vez na história da Colômbia um grupo de altos oficiais das Forças Armadas se reuniu com um grupo, igual em número, de comandantes guerrilheiros das FARC-EP. O propósito: trabalhar conjuntamente numa proposta de projeto de cessar-fogo bilateral e definitivo e a deixação de armas, no marco de um pacto de paz.
A representação das Forças Armadas é integrada por cinco Generais, um Contra-Almirante e seis oficiais; pelas FARC-EP, dois membros do Secretariado e outros nove comandantes, entre eles, três mulheres.
Na abertura de sessões da Subcomissão Técnica, estiveram presentes os Plenipotenciários do Governo e das FARC, ademais dos representantes dos países garantidores e dois expertos em acordos de paz, os quais, na segunda parte da jornada, dissertaram sobre o fim da guerra em Guatemala.
Este é um fato de “importância excepcional dentro de um processo excepcional”, expressou Humberto De La Calle. O porta-voz do Governo colombiano, em seguida, manifestou a necessidade de trabalhar com mente aberta, porém sem perder de vista as particularidades do conflito; por sua vez, o chefe dos militares, General Javier Flores, foi contundente ao afirmar que “as forças armadas não estão fragmentadas e sim empoderadas” do propósito de paz, e que “não viemos para fracassar, viemos para encerrar este conflito...”.
A Mensagem das FARC-EP
O chefe da Delegação de paz das FARC-EP, Iván Márquez, ao ressaltar a importância do acontecimento, manifestou que há  “algo que nos une e nos sussurra desde o profundo de nossa história, que nos diz que o destino da Colômbia não pode ser o da guerra […] imposta de cima pra baixo”.
Rodrigo Sandino Asturias, ex-comandante guerrilheiro da União Nacional Revolucionária Guatemalteca [UNRG], corrobora-o: “em meu país, quando guerrilheiros e militares começamos a conversar [de forma clandestina], se deu grande impulso aos diálogos que se sustentavam com o governo. Hoje, 19 anos depois da firma dos acordos, aqueles que têm grandes interesses econômicos em Guatemala incitam e provocam para que se regresse à violência; porém, têm encontrado nos militares uma resposta negativa”.



Desatar os nós: como se julgará aos militares?
Tendo em conta que o Acordo Geral não contempla uma solução de justiça para os militares que resultem comprometidos com crimes no marco do conflito, as FARC-EP propuseram, no dia 5 de março, acrescentar um texto que permite estudar “medidas que facilitem a reconciliação nacional sobre a base de verdade, justiça, reparação e não repetição”. A inclusão no Acordo Geral estaria sujeita a um acordo com o Governo Nacional.
O anúncio foi feito pelo comandante Carlos Antonio Lozada ante um grupo de jornalistas, horas antes da Subcomissão Técnica iniciar trabalhos. No dia anterior –quarta-feira 4 de março-, o comandante Joaquín Gómez assumiu como porta-voz da Organização insurgente para expressar que o esclarecimento da verdade só é possível se existe vontade política coletiva para isso, no que devem contribuir todos os estamentos e entes sociais, políticos e religiosos e, evidentemente, também as FARC.
Buscando dar passos nessa direção, a Delegação das FARC-EP radicou na Mesa uma proposta para a criação da Comissão de Esclarecimento e Não repetição – CENRE, a qual deve aprofundar na investigação e construção da verdade histórica, com o objetivo de fazer uma contribuição aos direitos integrais das vítimas e de prover condições sociais e políticas que garantam a não repetição de novas formas de violência social e política. Mediante esta comissão se coadjuva a desvelar a verdade sobre as violações graves e massivas aos direitos humanos da população colombiana.



De frente com as rígidas posições do Governo Nacional
Se espera que o Governo responda de forma positiva a estas propostas que apontam a avançar com maior celeridade na conquista de um acordo final. Pois, no tema de justiça para os guerrilheiros, estendeu toda uma “trepadeira jurídica” que tem como como objetivo último levar ao cárcere os máximos chefes guerrilheiros e outorgar impunidade aos membros da Força Pública e aos civis que resultem responsabilizados de crimes.
O modelo de justiça que se elabore para a terminação do conflito, têm dito as FARC, deve partir do reconhecimento das FARC-EP como organização político-militar. Do qual se infere que todo “nosso acionar guerrilheiro [...] deve ser avaliado no marco do exercício do direito à rebelião”; o que implica a redefinição do delito político, devolvendo-lhe sua amplitude e conexidades.
No mesmo sentido, a organização insurgente pediu que se leve em conta a função de Estado que têm cumprido por muitos anos em extensas regiões do país. Ao longo de sua existência, as FARC-EP têm personificado uma autoridade legítima para grande parte da população, regularizando a vida social, em cujo exercício têm promulgado normas de convivência; o que, junto à normatividade interna, deve dar lugar a que a justiça que se aplique leve em conta a “juridicidade guerrilheira”.



A terceira audiência de gênero
O dia 6 de março foi de intensa atividade das Delegações em Havana. Enquanto no Palácio de Convenções deliberavam em sua sede os plenipotenciários da Mesa e na sala da Subcomissão Técnica o faziam oficiais das Forças Armadas e comandantes guerrilheiros, muito próximo dali se realizava a terceira audiência de gênero no marco das conversações de paz.
O encontro teve lugar no salão de protocolo de El Laguito e a ele assistiram cinco mulheres de igual número de organizações femininas, mais um representante da uma organização LGBTI.
A comandante Victoria Sandino, ao intervir, ressaltou a importância de contar com um espaço para o “intercâmbio de saberes e experiências exitosas que facilitem a recuperação de práticas ancestrais […] e o empoderamento econômico, político, social y cultural”Ademais, manifestou o compromisso das FARC-EP de incluir nas Conversações as observações e iniciativas trazidas pelas organizações de mulheres e de diversidade de gênero.
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Equipe ANNCOL - Brasil




terça-feira, 10 de março de 2015

Cessar-fogo em risco por operações do Exército



A Frente Ampla pela Paz reitera que as FARC-EP cumprem com sua decisão de manter o alto ao fogo. O cessar bilateral é um imperativo humanitário.

No total, as FARC-EP cumpriram 192 dias de cessar-fogo unilateral, depois de cinco declaratórios anteriores no transcorrer do processo de paz em Havana. Essa cifra mostra a vontade de paz de uma guerrilha que, apesar das dificuldades próprias da guerra, se mantém em sua decisão, porém exige bilateralidade no cessar das hostilidades militares.

O segundo informe de verificação de cessar-fogo unilateral feito pela Frente Ampla pela Paz foi apresentado em Caloto, Cauca, um cenário de conflito permanente. Ali se exaltou o cumprimento total por parte da insurgência, porém se chamou a atenção sobre o perigo que representam as operações ofensivas da Força Pública, que conduzem a combates que afetam as comunidades. Outras formas de ataques do Exército, como o incremento de operações psicológicas e midiáticas contra membros dessa guerrilha, estimulando-os à desmobilização, argumentando que seus comandantes “se encontram de férias em Cuba”, também foram analisadas.


As preocupações

Justamente na reserva indígena de Huellas, vereda Carpintero, em Caloto, a comunidade do povo nasa denunciou como, no último 16 de fevereiro, incursionaram membros do Exército que marcam presença na zona, disparando a torto e a direito contra as residências vizinhas:

“Os impactos de arma de fogo afetaram fachadas, tetos e pisos, instalações sanitárias e utensílios de vários lares. Posteriormente se apresentou um enfrentamento armado entre militares e uma unidade guerrilheira da Companhia Ambrosio González das FARC-EP, que havia instalado um acampamento móvel na noite anterior num isolado lugar da vereda”, narraram os governadores indígenas, enquanto reiteravam a imperiosa necessidade de deter os ataques contra seus territórios.

As organizações sociais que confluem na Frente Ampla reportaram desde 26 estados no país ações militares ofensivas similares às de Caloto, que afetam a insurgência do mesmo jeito que a população civil: Chocó, Antioquia, Tolima, Norte de Santander e Cundinamarca foram os estados que reportaram maiores perseguições oficiais contra a população civil.

Outra das preocupações expressadas pela Frente Ampla é a militarização dos territórios e as operações de grande escala que o Exército está realizando. O que desmentiria aos que asseguram que já haveria um cessar-fogo bilateral não reconhecido. Para a Fundação defensora de direitos humanos no oriente do país, DHOC, em estados como o Meta e Vichada, nos últimos dois meses se realizaram ações militares iguais ou piores que aquelas desdobradas em época do plano militar Espada de Honra, com uma sequela de violações aos direitos humanos nessas populações.


As demandas

David Flórez, porta-voz de Marcha Patriótica, destaca que existem preocupações por atos particulares ocorridos no Catatumbo, Norte de Santander, nos limites de Meta, Caquetá e Tolima, onde se denunciam falsos positivos. Tudo isso põe em risco o cessar-fogo unilateral. “Estimamos a decisão de manter o cessar-fogo e louvamos o benefício que traz às comunidades, porém chamamos a atenção sobre a contínua ofensiva militar em muitas regiões. Necessitamos avançar para o cessar-fogo bilateral já”, enfatizou Flórez.

Por isso, a Frente Ampla considera urgente realizar ações para cessar as hostilidades e os ataques. “Em meio a um processo de paz não se pode responder com bombardeios e perseguições; os que morreram em meio ao cessar unilateral são dolorosamente vidas que foram arrebatadas por não honrar a palavra que o presidente Santos deu ao país de que havia compromisso com a paz”, diz o informe.


Verificações em territórios

O mais defensável são as vozes das comunidades que têm vivido sob o conflito e se expressam satisfeitas com os 65 primeiros dias do cessar-fogo unilateral por tempo indeterminado das FARC-EP, porém a tranquilidade não é completa. “Esta situação também tem tido importantes repercussões na percepção e no estado psíquico das comunidades. Assim o manifestam os depoimentos recebidos pelos habitantes dos territórios em conflito, os quais afirmam que puderam voltar a transitar sem se verem perseguidos ou ameaçados por este grupo armado, efeito refletido também nos setores laboral, turístico e econômico destas populações”, diz o informe da Frente Ampla.

Ali também se recolhem depoimentos que sustentam os benefícios do cessar-fogo como o descrito por um campesino membro do Sindicato de Trabalhadores Agrários do Tolima, quem assinala: “O cessar tem sido muito frutífero, começando neste ano e no passado. Já era hora, os campesinos estamos cansados de tanta morte, de tanta guerra, estamos sem terras e, em vez de apoiar-nos a nós que produzimos a comida, vivemos as consequências do conflito. Esperamos que esta tranquilidade que estamos vivendo realmente dure”.

Ou o de Darío Díaz, campesino de Piñalito, Meta, que indica: “Sim, temos tido um alívio desde o cessar-fogo. Nós tivemos uma época em que não podíamos transitar entre Piñal e Vista Hermosa, porque nos arrancavam do caminho, nos massacravam. Já podemos mobilizar-nos e se tem sentido [o lugar] mais acalmado”.


Outras visões

O cumprimento da trégua não só o certifica a Frente Ampla, também organizações como o Centro de Recursos para a Análise de Conflitos, CERAC, os quais em seu informe “Segurança e Análise” ratificam a diminuição a zero das ações da guerrilha: “Hoje se cumprem dois meses calendário do cessar-fogo unilateral das FARC-EP, o qual foi cumprido totalmente: as FARC não realizaram nenhuma ação ofensiva contra a Força Pública, a infraestrutura ou contra a população civil neste período. Se bem que tenham ocorrido combates, estes foram fortuitos. O ELN tem aproveitado este espaço para gerar ações ofensivas, porém com impacto limitado”.

No mesmo sentido, o pesquisador da Fundação Paz e Reconciliação Ariel Ávila reconhece na apresentação do informe anual sobre o conflito, “O que ganhamos”, que as tréguas unilaterais declaradas reduziram significativamente as ações militares de uma guerrilha que agora dirige baterias ao trabalho político, “a reconstruir sua base social e em geral a preparar-se para o pós conflito. Inclusive se poderia dizer que as FARC começaram a pensar em opinião pública e agora suas ações armadas são calculadas não unicamente desde o ponto de vista militar”, explica.

Numa das recomendações finais, a Frente Ampla, desde Caloto, chamou a atenção da situação humanitária em que vivem os prisioneiros políticos nos cárceres do país e da ausência de políticas de Estado que combatam o aparelho paramilitar nas regiões, que atua contra o processo de paz.


Semanario Voz 

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Equipe ANNCOL - Brasil

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