sexta-feira, 29 de agosto de 2014

”Nós falamos a partir da margem dos perseguidos” Jesús Santrich

Por Javier Alexander Macías. Fonte: El Colombiano

Em entrevista exclusiva com El Colombiano, Santrich respondeu sobre o papel das vítimas na mesa, o modelo de reparação que o grupo guerrilheiro propõe e sua responsabilidade no conflito armado colombiano. Frente à pergunta de reparação a suas vítimas, afirmou que nas Farc tudo é coletivo e não têm nada para repartir.
Na negociação, em que se avançou mais além do acordo parcial dos pontos discutidos até agora?
Não negociamos nada com o governo, dialogamos enfatizando os problemas fundamentais de ordem econômica, política e social que as maiorias têm em Colômbia e que em concreto têm que ver com a desigualdade, a miséria e a carência de democracia. Recolhemos as reivindicações que as organizações sociais e políticas apresentaram nos foros de discussão dos temas da Agenda de Havana e em suas jornadas de protesto, e as convertemos nas propostas mínimas que levamos à mesa e que são públicas. O avanço consistiu em conquistar esses três acordos parciais sobre reforma agrária, participação cidadã e nova política antidrogas, que são formulações para melhorar as condições de vida dos colombianos. À parte, avançamos em constituir uma Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, que deve começar a esclarecer as origens, causas, efeitos e responsáveis pela longa confrontação da qual nosso país padece”.
Qual foi o momento mais crítico em dois anos de negociação?
Resolver os problemas enormes, profundos e de tanto raizame histórico de uma guerra que tem se prolongado por mais de meio século não é uma tarefa simples, apresenta múltiplas dificuldades e momentos de tensão, que não é o caso de detalhar aqui porque faz parte das controvérsias necessárias que temos e que as partes acordamos manter na discrição”.
O encontro com as vítimas, que benefícios traz ao processo de paz?
Se tratou de um acontecimento histórico que permitiu que as partes, os garantidores e os acompanhantes escutassem de viva voz da gente comum, que sofre as dores da guerra, seus próprios dramas. Porém, também se ouviram seus anseios profundos de reconciliação sobre a base da verdade, do respeito e do mútuo reconhecimento. Este certame preenche de muita esperança e compromisso as partes, e creio que em grande medida ao conjunto da sociedade que ouviu na rodada de imprensa as vítimas do conflito, e nos comunicados que se emitiram, que a vontade do povo está em que as partes não se levantem da mesa até chegar a um acordo que ponha fim à guerra”.
As Farc propõem a criação de um fundo para reparar as vítimas. De onde devem sair esses fundos para esta reparação?
“Falamos de disponibilizar imediatamente recursos orçamentários para financiar ressarcimentos materiais durante pelo menos uma década, mediante a criação do que denominaríamos um Fundo Especial para a Reparação Integral, com participação das organizações nacionais de vítimas. Dissemos que isto se constitui em imperativo, são das coisas que não podem condicionar-se à firma do Acordo Final.
Agora bem. De onde sacar estes recursos? Esta não é uma pergunta de resposta simples. Alguém pode dizer que a mera desescalada da guerra ou a firma de um acordo bilateral de cessar-fogo pode liberar recursos que hoje se desperdiçam na confrontação. Relembremos que pelo menos 6 pontos do Produto Interno Bruto estão dedicados à guerra, e isso representa somas multimilionárias que devem fluir mais para o investimento social e para a solução de problemas como os dos que as vítimas padecem”.
Falando das vítimas das Farc, como seria a reparação por parte do grupo guerrilheiro aos afetados por suas ações?
“Nós sempre falamos a partir da margem dos perseguidos e afetados pelo conflito que o regime impôs para garantir a acumulação capitalista que hoje se expressa, por exemplo, nas porcentagens de posse da terra. Você sabe que, para citar um caso, um terço do território nacional, ao redor de 40 milhões de hectares, está em mãos dos latifundiários pecuaristas. Essa realidade de desigualdade se construiu a sangue e fogo, assassinando, despojando e deslocando a população rural, sobretudo. Então, neste país, onde algo mais de 80% da vitimização foram causados pelo Estado e seus paramilitares, o essencial é resolver este tipo de problemas que são os que causaram e mantêm a guerra. O demais, digamos que vem como consequência.
Me refiro a que como consequência de um Acordo Final, o Estado, como máximo responsável desta confrontação, e o Estado reconstituído para estabelecer a justiça social e a paz, deve garantir os direitos de todas as vítimas. Isto inclui aqueles que tenham sido afetados por ações equivocadas ou por erros da insurgência. A parte que concerne diretamente ao ressarcimento das pessoas que possamos ter afetado durante a confrontação é mais de ordem moral, está mais ligada ao reconhecimento das faltas que possamos ter cometido durante esta confrontação tão longa e desigual na qual nós e nossas famílias também fomos afetados”.
Porém, as Farc têm bens que servem para a reparação de suas vítimas...
“Tudo o que temos é coletivo. Ninguém nas Farc possui bens pessoais como guerrilheiro, assim que não temos nada para repartir. A reparação no [nível] material, como produto do Acordo Final, implica, reitero, que na nova ordem institucional que surja, o Estado em sua nova estrutura deve encarregar-se do ressarcimento de todas as vítimas do conflito e disponibilizar os recursos para implementar os acordos em função do estabelecimento da justiça social e da paz”.
As Farc expressaram que, segundo estudos, em Colômbia há mais vítimas do Estado e dos paramilitares que da guerrilha, porém a Unidade Nacional de Vítimas revelou que são mais as vítimas da guerrilha que dos outros atores armados. Por que essa diferencia? Falta reconhecimento das Farc de suas vítimas?
“Não, não se trata de um desconhecimento de vítimas por parte das Farc. O que passa é que geralmente as cifras de uma instância como a Unidade Nacional de Vítimas se constroem tomando fontes mesmas do Estado, que estão distorcidas e apontam a todo custo a incriminar e desqualificar a insurgência e ocultar a responsabilidade do Estado na guerra. Esse tipo de informação o Estado também usa como arma de guerra, guerra de desinformação, de manipulação das consciências para desqualificar ao adversário.
Sentem que as vítimas estariam dispostas a perdoá-los?
“Nossa luta é para que todas as vítimas sejam reconhecidas e reivindicadas. Em Colômbia tem havido um longo conflito onde o conjunto da sociedade é vítima. Isco começando pelas consequências dolorosas das políticas econômicas que matam mais gente que a própria guerra. Nesse sentido, acreditamos que o tema do perdão, que é um assunto da consciência íntima, não se pode condicionar nem utilizar como instrumento de estigmatização política ou de show para que se satisfaça o morbo da imprensa e dos guerreiristas que se escondem detrás da manipulação dos sentimentos alheios. O perdão é uma definição da consciência de cada quem. Todos carregamos nossas dores e sofrimentos e, se não temos a decisão do perdão, pelo menos devemos ter a determinação da convivência em meio as diferenças de pensamento, se queremos que esta guerra termine”.
Que diriam às suas vítimas?
Aos que tenham sido afetados injustamente por nossas ações, de todo coração se lhes pediria perdão e trataria de encontrar reconciliação. Particularmente, creio que se requer uma contrição de todos os que atuamos na guerra e um gesto simbólico de perdão político que surja da responsabilidade coletiva que existe em Colômbia ao redor da permanência da guerra: devemos sair do campo da vindita e construir alteridade. Já particularmente, há coisas que eu não as perdoaria a nossos vitimários, porém repito que, se queremos acabar a guerra, pelo menos deve haver um compromisso de convivência e respeito mútuo”.
Haverá resposta para as vítimas que pedem saber onde estão essas pessoas que estiveram em poder das Farc e nunca mais voltaram a saber delas?
“O fenômeno do desaparecimento forçado é um assunto cuja responsabilidade se centra no Estado e seus paramilitares. Girar a argumentação, apresentando-a como se fosse o resultado de comportamentos e políticas das Farc é uma grande falsidade muito repetida de maneira premeditada pelos grandes meios de comunicação que pretendem posicionar a ideia de uma guerrilha vitimária da qual, inclusive, o Estado é vítima.
Não obstante, temos dito que estamos dispostos a ajudar a localizar lugares onde tenha havido combates e eventualmente terem ficado soldados e guerrilheiros mortos sem poder ser resgatados. Há alguns casos em nossas fileiras e, certamente, que nas fileiras do adversário, nos quais nunca irão aparecer combatentes que foram impactados por bombas ou explosões fortes. Isto é lamentável, doloroso, porém ocorre na guerra”. 
Há disposição para reconhecer as suas vítimas?
“Nós falamos a partir da margem dos perseguidos e não como vitimários. Não obstante, reconhecemos que em alguns casos possamos ter afetado gente inocente: isto como produto de erros ou de equívocos, não como política ou ação sistemática. Então, como revolucionários estamos no dever de reconhecer o que nos corresponda e reconciliar-nos com os afetados e ofendidos”.



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