Por
Javier Alexander Macías. Fonte: El Colombiano
Em
entrevista exclusiva com El Colombiano, Santrich respondeu sobre o
papel das vítimas na mesa, o modelo de reparação que o grupo
guerrilheiro propõe e sua responsabilidade no conflito armado
colombiano. Frente à pergunta de reparação a suas vítimas,
afirmou que nas Farc tudo é coletivo e não têm nada para repartir.
Na
negociação, em que se avançou mais além do acordo parcial dos
pontos discutidos até agora?
“Não
negociamos nada com o governo, dialogamos enfatizando os problemas
fundamentais de ordem econômica, política e social que as maiorias
têm em Colômbia e que em concreto têm que ver com a desigualdade,
a miséria e a carência de democracia. Recolhemos as reivindicações
que as organizações sociais e políticas apresentaram nos foros de
discussão dos temas da Agenda de Havana e em suas jornadas de
protesto, e as convertemos nas propostas mínimas que levamos à mesa
e que são públicas. O avanço consistiu em conquistar esses três
acordos parciais sobre reforma agrária, participação cidadã e
nova política antidrogas, que são formulações para melhorar as
condições de vida dos colombianos. À parte, avançamos em
constituir uma Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, que
deve começar a esclarecer as origens, causas, efeitos e responsáveis
pela longa confrontação da qual nosso país padece”.
Qual
foi o momento mais crítico em dois anos de negociação?
“Resolver
os problemas enormes, profundos e de tanto raizame histórico de uma
guerra que tem se prolongado por mais de meio século não é uma
tarefa simples, apresenta múltiplas dificuldades e momentos de
tensão, que não é o caso de detalhar aqui porque faz parte das
controvérsias necessárias que temos e que as partes acordamos
manter na discrição”.
O
encontro com as vítimas, que benefícios traz ao processo de paz?
“Se
tratou de um acontecimento histórico que permitiu que as partes, os
garantidores e os acompanhantes escutassem de viva voz da gente
comum, que sofre as dores da guerra, seus próprios dramas. Porém,
também se ouviram seus anseios profundos de reconciliação sobre a
base da verdade, do respeito e do mútuo reconhecimento. Este certame
preenche de muita esperança e compromisso as partes, e creio que em
grande medida ao conjunto da sociedade que ouviu na rodada de
imprensa as vítimas do conflito, e nos comunicados que se emitiram,
que a vontade do povo está em que as partes não se levantem da mesa
até chegar a um acordo que ponha fim à guerra”.
As
Farc propõem a criação de um fundo para reparar as vítimas. De
onde devem sair esses fundos para esta reparação?
“Falamos
de disponibilizar imediatamente recursos orçamentários para
financiar ressarcimentos materiais durante pelo menos uma década,
mediante a criação do que denominaríamos um Fundo Especial para a
Reparação Integral, com participação das organizações nacionais
de vítimas. Dissemos que isto se constitui em imperativo, são das
coisas que não podem condicionar-se à firma do Acordo Final.
Agora
bem.
De onde sacar estes recursos? Esta
não é uma pergunta de resposta simples. Alguém pode dizer que a
mera desescalada da guerra ou a firma de um acordo bilateral de
cessar-fogo pode liberar recursos que hoje se desperdiçam na
confrontação. Relembremos que pelo menos 6 pontos do Produto
Interno Bruto estão dedicados à guerra, e isso representa somas
multimilionárias que devem fluir mais para o investimento social e
para a solução de problemas como os dos que as vítimas padecem”.
Falando
das vítimas das Farc, como
seria a reparação por parte do grupo guerrilheiro aos afetados por
suas ações?
“Nós
sempre falamos a partir da margem dos perseguidos e afetados pelo
conflito que o regime impôs para garantir a acumulação capitalista
que hoje se expressa, por exemplo, nas porcentagens de posse da
terra. Você sabe que, para citar um caso, um terço do território
nacional, ao redor de 40 milhões de hectares, está em mãos dos
latifundiários pecuaristas. Essa realidade de desigualdade se
construiu a sangue e fogo, assassinando, despojando e deslocando a
população rural, sobretudo. Então, neste país, onde algo mais de
80% da vitimização foram causados pelo Estado e seus paramilitares,
o essencial é resolver este tipo de problemas que são os que
causaram e mantêm a guerra. O demais, digamos que vem como
consequência.
Me
refiro a que como consequência de um Acordo Final, o Estado, como
máximo responsável desta confrontação, e o Estado reconstituído
para estabelecer a justiça social e a paz, deve garantir os direitos
de todas as vítimas. Isto inclui aqueles que tenham sido afetados
por ações equivocadas ou por erros da insurgência. A parte que
concerne diretamente ao ressarcimento das pessoas que possamos ter
afetado durante a confrontação é mais de ordem moral, está mais
ligada ao reconhecimento das faltas que possamos ter cometido durante
esta confrontação tão longa e desigual na qual nós e nossas
famílias também fomos afetados”.
Porém,
as Farc têm bens que servem para a reparação de suas vítimas...
“Tudo
o que temos é coletivo. Ninguém nas Farc possui bens pessoais como
guerrilheiro, assim que não temos nada para repartir. A reparação
no [nível] material, como produto do Acordo Final, implica, reitero,
que na nova ordem institucional que surja, o Estado em sua nova
estrutura deve encarregar-se do ressarcimento de todas as vítimas do
conflito e disponibilizar os recursos para implementar os acordos em
função do estabelecimento da justiça social e da paz”.
As Farc
expressaram que, segundo estudos, em Colômbia há mais vítimas do
Estado e dos paramilitares que da guerrilha, porém a Unidade
Nacional de Vítimas revelou que são mais as vítimas da guerrilha
que dos outros atores armados. Por
que essa
diferencia?
Falta reconhecimento das Farc de suas vítimas?
“Não, não se trata de um
desconhecimento de vítimas por parte das Farc. O que passa é que
geralmente as cifras de uma instância como a Unidade Nacional de
Vítimas se constroem tomando fontes mesmas do Estado, que estão
distorcidas e apontam a todo custo a incriminar e desqualificar a
insurgência e ocultar a responsabilidade do Estado na guerra. Esse
tipo de informação o Estado também usa como arma de guerra, guerra
de desinformação, de manipulação das consciências para
desqualificar ao adversário.
Sentem que as vítimas
estariam dispostas a perdoá-los?
“Nossa luta é para que
todas as vítimas sejam reconhecidas e reivindicadas. Em Colômbia
tem havido um longo conflito onde o conjunto da sociedade é vítima.
Isco começando pelas consequências dolorosas das políticas
econômicas que matam mais gente que a própria guerra. Nesse
sentido, acreditamos que o tema do perdão, que é um assunto da
consciência íntima, não se pode condicionar nem utilizar como
instrumento de estigmatização política ou de show para que se
satisfaça o morbo da imprensa e dos guerreiristas que se escondem
detrás da manipulação dos sentimentos alheios. O perdão é uma
definição da consciência de cada quem. Todos carregamos nossas
dores e sofrimentos e, se não temos a decisão do perdão, pelo
menos devemos ter a determinação da convivência em meio as
diferenças de pensamento, se queremos que esta guerra termine”.
Que diriam às suas
vítimas?
Aos que tenham sido afetados
injustamente por nossas ações, de todo coração se lhes pediria
perdão e trataria de encontrar reconciliação. Particularmente,
creio que se requer uma contrição de todos os que atuamos na guerra
e um gesto simbólico de perdão político que surja da
responsabilidade coletiva que existe em Colômbia ao redor da
permanência da guerra: devemos sair do campo da vindita e construir
alteridade. Já particularmente, há coisas que eu não as perdoaria
a nossos vitimários, porém repito que, se queremos acabar a guerra,
pelo menos deve haver um compromisso de convivência e respeito
mútuo”.
Haverá resposta para as
vítimas que pedem saber onde estão essas pessoas que estiveram em
poder das Farc e nunca mais voltaram a saber delas?
“O fenômeno do
desaparecimento forçado é um assunto cuja responsabilidade se
centra no Estado e seus paramilitares. Girar a argumentação,
apresentando-a como se fosse o resultado de comportamentos e
políticas das Farc é uma grande falsidade muito repetida de maneira
premeditada pelos grandes meios de comunicação que pretendem
posicionar a ideia de uma guerrilha vitimária da qual, inclusive, o
Estado é vítima.
Não obstante, temos dito que
estamos dispostos a ajudar a localizar lugares onde tenha havido
combates e eventualmente terem ficado soldados e guerrilheiros mortos
sem poder ser resgatados. Há alguns casos em nossas fileiras e,
certamente, que nas fileiras do adversário, nos quais nunca irão
aparecer combatentes que foram impactados por bombas ou explosões
fortes. Isto é lamentável, doloroso, porém ocorre na guerra”.
Há
disposição para reconhecer as suas vítimas?
“Nós
falamos a partir da margem dos perseguidos e não como vitimários.
Não obstante, reconhecemos que em alguns casos possamos ter afetado
gente inocente: isto como produto de erros ou de equívocos, não
como política ou ação sistemática. Então, como revolucionários
estamos no dever de reconhecer o que nos corresponda e
reconciliar-nos com os afetados e ofendidos”.
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Equipe ANNCOL - Brasilanncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
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