Por
Altamiro Borges*
Já há consenso nas
esquerdas políticas e sociais brasileiras de que a mídia privada,
controlada por meia dúzia de famílias, manipula informações e
deforma valores. Ela atua como "aparelho privado de hegemonia do
capital”, conforme a clássica definição de Antonio Gramsci.
Ainda segundo o intelectual italiano, ela cumpre o papel de autêntico
partido das forças da direita. Esta postura, que atenta contra a
democracia, hoje é ainda mais agressiva.
Por Altamiro Borges, em seu blog
A TVT entrou no ar no dia 23 de agosto de 2010.
Como confessou recentemente Judith Brito,
ex-presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva
do Grupo Folha, a velha mídia adota a "posição oposicionista”
diante do governo Dilma, já que a "oposição está
fragilizada”. Não é para menos ela também passou a ser rotulada
de "PIG – Partido da Imprensa Golpista”, a partir de uma
ironia difundida pelo irreverente blogueiro Paulo Henrique Amorim.
Diante desse poder ditatorial, inúmeros atores
sociais já perceberam que têm dois desafios simultâneos e
titânicos pela frente. O primeiro é o de quebrar a força deste
exército regular das classes dominantes. Daí a urgência da luta
pelo novo marco regulatório do setor, que hoje se expressa na
campanha liderada pelo Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC) de coleta de 1,4 milhão de assinaturas para o
Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) da mídia democrática. O
segundo é o de multiplicar e fortalecer os veículos próprios de
comunicação das forças populares, construindo uma mídia
contra-hegemônica que se contraponha às manipulações do poderoso
PIG. Estes instrumentos atuam como uma guerrilha no enfrentamento ao
exército regular dos impérios midiáticos, numa prolongada operação
de cerco e fustigamento.
A história do Brasil está repleta de ricas
experiências de construção desta "imprensa alternativa” –
desde os anarquistas, no início do século XX, passando pelos
comunistas durante várias décadas, até chegar à heroica fase do
jornalismo de resistência à ditadura militar. Na fase recente,
estas iniciativas se multiplicaram, conectaram-se com as novas
tecnologias e adquiriram novo impulso. Elas ainda não conseguiram se
constituir em fortes veículos nacionais contra-hegemônicos, como já
ocorre em outros países da rebelde América Latina. Mesmo dispersos,
porém, estes veículos promovem a guerrilha informativa e incomodam
os barões da mídia. O texto a seguir trata de quatro destas
experiências, que não são as únicas: a imprensa sindical, a TV
dos Trabalhadores, o movimento dos "blogueiros progressistas”
e os novos coletivos de ativistas digitais.
A força da imprensa sindical
A imprensa sindical, iniciada pelos anarquistas
estrangeiros, pode ser considerada a origem da "mídia
alternativa”. Ela enfrentou a violência das classes dominantes,
com o empastelamento de vários jornais e a prisão de centenas de
gráficos e comunicadores populares. Na frágil democracia
brasileira, inúmeras vezes abortada por golpes militares e ondas
autoritárias, a imprensa sindical atuou com coragem e dedicação,
contrapondo-se aos ataques dos veículos patronais contra as lutas
dos trabalhadores por seus interesses imediatos e futuros. Após o
colapso das concepções anarquistas, os comunistas passaram a
hegemonizar o sindicalismo e sempre trataram como prioridade a
comunicação nas entidades de classe.
O golpe militar de 1964, apoiado pelos mesmos barões
da mídia dos dias atuais, interrompeu o avanço das lutas dos
trabalhadores. Os generais intervieram em centenas de sindicatos,
prenderam seus líderes, nomearam "pelegos” e transformaram as
entidades em "repartições públicas”. A imprensa sindical
quase faliu – restando apenas boletins de "colunas sociais”,
de confraternização dos velhos pelegos com os empresários e os
carrascos da ditadura. Mas a luta dos trabalhadores não cessou, com
a criação de centenas de "jornais de fábrica” e a
construção de oposições sindicais. Com a retomada do movimento
grevista, no final da década de 1970, a imprensa sindical voltou a
florescer.
Pesquisa realizada pelo ex-metalúrgico Vito
Giannotti e pela jornalista Cláudia Santiago, do Núcleo Piratininga
de Comunicação (NPC), apontou a existência, no final dos anos
1990, de centenas veículos sindicais. Somente nas entidades filiadas
à CUT, a maior central do Brasil, trabalhavam mais de 300
jornalistas, que produziam mensalmente quase 7 milhões de exemplares
de jornais e boletins. Como brinca Vito Giannotti, "maior do que
a redação cutista só existia a das Organizações Globo”. De lá
para cá, ocorreram muitas mudanças na área, mas o movimento
sindical não perdeu a sua força comunicativa. Ele passou a investir
também em programas de radio e tevê, na internet e em outras
ferramentas.
Segundo o jornalista João Franzin, criador da
Agência Sindical, esta vasta produção tem papel fundamental na
conscientização e organização dos trabalhadores. "A imprensa
sindical brasileira publica mais de 10 milhões de exemplares por
mês, basicamente boletins e jornais, distribuídos nos locais de
trabalho, entregues de mão em mão, no contato direto entre os
sindicalistas e os trabalhadores”. Para ele, ainda há problemas
nesta comunicação, especialmente na linguagem e no trato dos temas
nacionais. Mas ele garante que estes meios alternativos são
decisivos para os avanços da luta classista. "A imprensa
sindical informa, orienta e combate abusos. Ela ajuda o trabalhador a
construir sua cidadania concreta”.
A experiência da TV dos trabalhadores
Foi no bojo destes avanços sindicais que nasceu a
TVT, a primeira emissora outorgada a uma entidade de trabalhadores.
Ela entrou no ar em 23 de agosto de 2010, resultado de 23 anos de
pressão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista sobre o
governo. Formalmente, ela pertence à Fundação Sociedade,
Comunicação, Cultura e Trabalho, entidade cultural sem fins
lucrativos, criada e mantida pelo sindicato. Vários conteúdos
próprios são produzidos pela equipe, em especial um jornal ao vivo
de trinta minutos – "Seu Jornal”. Também foram firmadas
parcerias com a TV Brasil e outras emissoras públicas, que completam
a grade de programação. Os programas são transmitidos na tevê a
cabo e pela internet.
A decisão de investir numa emissora de televisão,
conhecida pelos elevados custos, evidenciou a compreensão da direção
sindical sobre o papel da comunicação na atualidade. Segundo Valter
Sanches, presidente da fundação, a TVT emprega quase 100
profissionais. Só com equipamentos foram investidos R$ 1 milhão. O
custo mensal da programação gira em torno de R$ 400 mil. E para
garantir a outorga da concessão pública, o sindicato precisou fazer
um aporte financeiro de R$ 15 milhões com recursos próprios na
conta da fundação. Mesmo assim, a outorga só foi conquistada em
outubro de 2009, por meio de um decreto assinado pelo ex-presidente
Lula, que se projetou na luta operária do ABC paulista.
Todos estes investimentos e esforços empreendidos,
segundo Valter Sanchez, foram necessários e valem a pena para
enfrentar as manipulações da mídia monopolizada. Já nas greves
operárias do final da década de 1970 ficou evidente o ódio de
classe das emissoras privadas de televisão, que fizeram de tudo para
satanizar os grevistas e derrotar o nascente movimento operário. "O
sindicato abraçou o desafio de esperar 22 anos na fila por uma
concessão de radiodifusão porque percebeu a importância
estratégica da comunicação. Entendeu que precisamos lutar, também,
no campo da mídia”. Para alavancar ainda mais o alcance da TVT, a
fundação articula agora novas parceiras e novos investimentos.
No final de julho passado, a fundação firmou um
acordo com a direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo para
produzir novos programas e ampliar o alcance da transmissão. A TVT
não consegue ainda mensurar sua audiência, mas desde o ingresso na
tevê a cabo, via NET, os sinais da vitalidade da emissora ficaram
mais nítidos. A meta agora é ampliar este alcance, dialogando
principalmente com a juventude que saiu às ruas na jornada de junho
de 2013. "As pessoas buscam ter voz, querem divulgar suas ações.
E para isso não existe espaço na mídia tradicional”, explica
Valter Sanchez. Ele lembra que a TV Globo foi um dos alvos dos
protestos juvenis, o que revela o despertar de maior senso crítico
na sociedade.
O barulho dos "blogueiros sujos”
O senso crítico realçado pelo dirigente da TVT tem
buscado também outros canais de expressão, que se somam às antigas
formas de organização da sociedade, como sindicatos, entidades
estudantis e movimentos comunitários. Neste sentido, a brecha
tecnológica aberta com a descoberta e a difusão da internet permite
que novos atores entrem em cena, produzam conteúdo e ampliem ainda
mais o vasto campo da chamada "mídia alternativa”. No mundo
inteiro, a experiência do ciberativismo, que ganhou impulso no
início do século, desafia o poder dos impérios midiáticos,
resultando na queda abrupta da tiragem dos jornalões, na redução
da audiência de emissoras de televisão e na crise do seu modelo de
gestão.
No Brasil, o mesmo fenômeno está em curso e já
provoca muito barulho, incomodando os barões da mídia. Através de
sites e blogs, milhares de ativistas digitais fazem o contraponto às
manipulações da velha imprensa, divulgam os movimentos sociais,
lutam pela ampliação da democracia no país. No seu esforço
cotidiano da guerrilha informativa, eles ajudam a quebrar o monopólio
da palavra da mídia monopolizada. Não é para menos que geram tanto
ódio das forças autoritárias, contrárias à verdadeira liberdade
de expressão. José Serra, o eterno candidato deste setor, inclusive
criou o rótulo de "blogs sujos” para tentar estigmatizar
estes militantes virtuais. Na sua irreverência, os blogueiros até
adotaram o título!
Segundo Leonardo Vasconcelos Cavalier Darbilly, em
sua tese de doutorado para a Fundação Getúlio Vargas, "o
surgimento da blogosfera política no Brasil, caracterizada pela
divergência com relação ao posicionamento de grande parte da mídia
tradicional, ocorreu ao longo da década de 2000”. O primeiro "blog
sujo” foi o Viomundo, criado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha em
2003. Em 2005 nasceram os blogs de Renato Rovai e Antônio Mello;
Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, e o blog de Luis Nassif
surgem em 2006; no ano seguinte nasce o Blog da Cidadania, criado por
Eduardo Guimarães; já o blog Escrevinhador, de Rodrigo Vianna,
apareceu em 2008.
Neste período, por todos os cantos do país – nas
capitais e também em importantes cidades do interior – brotaram
centenas de páginas pessoais que se contrapõem às forças
políticas conservadoras e que polemizam com a mídia tradicional.
Muitos jornalistas, descontentes com a cobertura enviesada da chamada
grande imprensa, utilizam esta ferramenta para expor as suas posições
criticas e independentes. Mas a blogosfera não se limita a este
setor, permitindo que profissionais de diversas áreas exponham seus
pontos de vista sobre vários temas. A maioria dos blogs ainda é
produzida de forma amadora, sem recursos financeiros ou apoio
logístico. Em função destes obstáculos, muitos não resistem por
muito tempo.
Mesmo assim, a blogosfera foi se constituído num
importante espaço da mídia contra-hegemônica. Ela atua como uma
rede horizontal, sem a organicidade dos sindicatos e dos movimentos
sociais estruturados, mas demonstra grande capacidade de interferir
nos debates nacionais. O seu primeiro grande teste ocorreu eleições
presidenciais de 2010, quando ela ajudou a desmascarar a cobertura
partidarizada do famoso PIG. Com o tempo, os sites e blogs
progressistas também se articularam, promovendo quatro encontros
nacionais que primaram pela busca da "unidade na diversidade”.
Hoje, a blogosfera é um instrumento decisivo na construção de uma
influente mídia alternativa no Brasil.
Mídia Ninja e os novos coletivos
Outro elemento decisivo neste rico processo foi o
florescimento de novos coletivos digitais, que agregam jovens
criativos e ousados nascidos na era da internet. O mais conhecido é
o Mídia Ninja – nome do grupo "Narrativas Independentes,
Jornalismo e Ação”. Ele foi criado em 2011, mas ganhou projeção
nacional durante da jornada de protestos do ano passado, que abalou o
país. Usando câmeras de celulares e unidades móveis montadas em
carrinhos de supermercado, estes guerrilheiros virtuais transmitiram
ao vivo centenas de passeatas, atos e choques com a polícia em todo
o Brasil. Em alguns momentos, eles chegaram a pautar a paquidérmica
e rancorosa mídia tradicional.
O Mídia Ninja teve origem na experiência do Pós-TV,
uma iniciativa inovadora organizada pelo coletivo cultural Fora do
Eixo. Sempre identificado com as lutas libertárias, ele cobriu a
"marcha da maconha”, a "marcha das vadias” e as
manifestações em defesa dos povos indígenas Guarani-Kaiowá. A
partir da "jornada de junho”, porém, ele passou a ser alvo
das forças de direita, sediadas nas redações da chamada grande
imprensa. Este ataque resultou numa maior aproximação com os
movimentos sociais organizados e com os setores da mídia
alternativa. Como argumenta Rafael Vilela, integrante do coletivo,
"ficou mais nítida a necessidade da união com os movimentos
sociais na luta pela democratização do país”.
Para ele, a comunicação e o luta social são
inseparáveis. "Por isso entramos em lugares que a mídia
convencional não vai. Damos voz direta aos personagens, sem
intermediários”. Na sua visão, o "Mídia Ninja é um
laboratório de comunicação, que visa desmascarar o que a grande
mídia edita e mostra como única verdade existente”. Do ponto de
vista do futuro, Rafael Vilela defende que a iniciativa "não é
nem deve ser um núcleo de cobertura de protestos, mas sim um canal
midiático cidadão, trabalhando com diversas editorias, que vá dos
protestos ao lazer e à cultura, sem abrir mão da crítica”.
Neste
rumo, a experiência é uma importante contribuição ao
fortalecimento da mídia alternativa no Brasil.
*Altamiro Borges é blogueiro, presidente do
Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé e
secretário nacional de Mídia do PCdoB.
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