O
Presidente Santos tem se dedicado a repetir que a ordem de execução
foi emitida diretamente por ele após ter sido consultado a respeito.
Na
noite de 4 de novembro de 2011 a Colômbia e o resto do mundo foram
surpreendidos pela notícia da morte do Comandante Alfonso Cano após
uma operação militar no estado do Cauca. Sucessivamente foram
saindo à luz os pormenores do acontecido, descrito como um intenso
bombardeio aéreo, acompanhado de uma longa metralhada, que terminou
deixando isolado e indefeso o chefe guerrilheiro desde as primeiras
horas da manhã.
Nessas
condições, as forças especiais e as tropas que desembarcaram dos
helicópteros artilhados terminaram por localizar ao Comandante das
FARC, quando se encontrava solitário no meio do terreno coberto de
ervas ruins. Disso existem numerosas evidências, fornecidas à
imprensa por diversos porta-vozes oficiais. Se sabe pelo mesmo que,
no momento de enfrentar-se com a morte, o martirizado líder
revolucionário se encontrava em absoluto estado de
indefensabilidade.
Em
conformidade com a opinião de numerosos assessores e expertos nas
diversas vertentes do direito internacional, nessas circunstâncias,
um numeroso grupo de combatentes treinados com rigor nas mais
exigentes situações da guerra, viriam a compor uma força
absolutamente desproporcional ante um adversário impotente. Alfonso
Cano deveria ter sido capturado e entregue aos juízes para ser
submetido a uma causa penal com adequação às leis.
Assim
o expressou com inusitada coragem civil monsenhor Monsalve, arcebispo
de Cali, uns tantos dias depois de acontecidos os fatos. Desde logo
que atrever-se em Colômbia a levantar um dedo acusador contra as
forças militares e o governo nacional gera a imediata avalanche do
sem-número de defensores da ordem estabelecida, encabeçados como
sempre por algum general furioso e a fixação de comentaristas e
editorialistas da grande imprensa apegados ao crime.
Para
que qualquer outro cidadão que tente posar de herói relembre de
imediato a sua família e aos interesses pessoais antes de atrever-se
a expor sua própria vida ao perigo. Que assim é este país,
provam-no milhões de vítimas. E uma insurgência armada com mais de
meio século de história. Os guerrilheiros podemos dizer o que está
vedado à maioria intimidada, e é por isso que procedo a referir
aqui o que tanta gente comenta em voz baixa.
O
Presidente Santos, após conhecer a notícia, não só reconheceu ter
chorado de felicidade ao inteirar-se como também que, à medida que
sua soberba foi crescendo, se dedicou a publicar que a ordem havia
sido emitida diretamente por ele depois de ter sido consultado a
respeito. Em sua mais recente obsessão pela reeleição, repetiu-o
muitas vezes, incluído o dia 13 de junho de 2014, ante as câmeras
de televisão, após o qual encenou um arrebatamento de satisfação.
Dizem
os que sabem que a primeira obrigação que um Presidente adquire ao
tomar posse é a de cumprir e fazer cumprir a Constituição Nacional
e as leis da República, das quais fazem parte os tratados e
convênios internacionais subscritos pelo país. E expressam também
os sérios interrogantes que gera a pobre argumentação presidencial
segundo a qual sua ordem de matar Cano obedeceu ao fato de que
estamos em guerra. Reiterada
confissão que exclui dúvidas.
Fundamentam
sua argumentação em disposições como estas. O artigo 4 do
Protocolo II adicional aos Convênios de Genebra, de obrigatória
aceitação nos conflitos armados sem caráter internacional, dispõe
que quem tenha deixado de participar nas hostilidades tem direito a
que se respeite sua pessoa e a ser tratado com humanidade em toda
circunstância. Expressamente proíbe ordenar que não haja
sobreviventes. Por
acaso Alfonso não era?
O
mesmo Protocolo dispõe sobre a disposição de matar por fora do
combate. O qual envolve, por elementar lógica, dar a ordem de
fazê-lo. Por outro lado, se recorda que o artigo 145 do Código
Penal Colombiano considera como um ato de barbárie matar feridos ou
enfermos. Cabe incluir aqui a um solitário Alfonso Cano,
sobrevivente de um brutal bombardeio e metralhada, aturdido e quase
cego, reduzido e rodeado pela enorme tropa inimiga?
Por
sua parte, a ordem de não deixar sobreviventes é elevada à
categoria de crime de guerra no Estatuto da Corte Penal
Internacional, artigo 8, numeral 2, literal I, que frequentemente é
invocado pelo governo colombiano como advertência jurídica contra a
insurgência, enquanto norma de obrigatório acatamento em nosso
país. E que dizer do literal VI, que considera um crime privar um
prisioneiro de guerra de seu direito a um julgamento legítimo e
imparcial?
O
Presidente Santos e seus assessores deveriam levar em conta que a
Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José de
1969 só admite a pena de morte como consequência de uma sentença
judicial devidamente executoriada, emitida por tribunal competente,
em conformidade com uma lei anterior que estabeleça tal pena e
ditada com antecipação ao delito que se imputa.
Sem
mencionar a Constituição Nacional de 1991, tão esgrimida por seus
defensores como máxima consagração democrática na história de
nosso país, em cujo artigo 11 se consagra a inviolabilidade do
direito à vida e a proibição da pena de morte. É claro que tão
formais garantias não passam de ser uma fórmula propagandística
num Estado que assassina oficialmente, com premeditação e traição,
porque essas são, segundo o Presidente, as regras do jogo.
O
Presidente Santos reconheceu, ante a opinião pública, que
efetivamente deu a ordem de executar extrajudicialmente um
prisioneiro de guerra ferido, desarmado e fora de combate, com o que,
ademais, adiantava conversações para iniciar um processo de paz. O
Presidente dirige constitucionalmente a força pública e dispõe
dela como comandante supremo, assumindo inclusive se considera
conveniente a direção das operações de guerra.
Deste
e dos inumeráveis crimes sucedidos neste país haverá que tratar
nos debates que sobre o tema de vítimas se iniciará proximamente em
Havana. Os crimes de Estado configuram uma nefasta tradição em
Colômbia e são eles os causadores diretos da prolongada e heroica
rebeldia armada de milhares de colombianos. Na Mesa nos traçamos
como máxima que não chegamos para pactuar impunidades. Estará
Santos disposto a responder por seu crime confesso?
Montanhas
de Colômbia, 27 de julho de 2014.
--
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