segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O verdadeiro enfoque do ponto sobre as vítimas

Na Mesa de Conversações de Havana não contamos com mais forças que a das ideias, nem com mais armas que a da verdade.

Por Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC
O tema de vítimas que será discutido proximamente na Mesa de Conversações de Havana gerou um bombardeio enorme contra as FARC-EP na grande imprensa. Inclusive, os que se esforçam por serem neutros, após advertir que a responsabilidade dos agentes estatais comprometidos judicialmente em condutas ilícitas também deve ser assinalada, terminam fazendo parte do coro geral segundo o qual os piores delinquentes somos nós.
Entre suas principais avaliações figura, sem dúvida, que a responsabilidade dos agentes do Estado tenderá sempre a ser individualizada, ovelhas negras ou bodes expiatórios, pelos quais o próprio Estado talvez, como pena máxima, será obrigado a responder patrimonialmente e a pedir perdão quanto a omissões ou erros, sem que isso implique nenhuma consequência jurídica ou política. Um dinheiro e uma placa para a memória bastarão para que nada mude em Colômbia.
Do lado do poder, desde logo. Porque do lado da rebeldia, sim, que haverá terminado tudo para sempre. Porque todos a uma partem de que nela as responsabilidades individuais não existem, pertencem a toda a organização e em graça de discussão a seus mandos ou dirigentes principais. Eles pessoalmente deverão dar cara a suas vítimas, contar-lhes toda a verdade, pedir perdão por seus crimes e aceitar cabisbaixos a pena mais ou menos generosa da sociedade condoída.
Todo o Estabelecimento aposta que seremos feitos picadinho. Desde já convidam o grande público à praça, a presenciar o espetáculo de ver arder na fogueira os piores inimigos da pátria. Assim que a questão para nós não é fácil, se trata em realidade de outro cenário do combate, tão desigual e assimétrico como o que se apresenta nos campos do país. Na Mesa não contamos com mais força que a das ideias, nem com mais armas que a da verdade.
Sabemos que farão quanto esteja ao seu alcance para silenciar-nos, para obscurecer os depoimentos que lhes resultem incômodos, para maximizar quanto resulte útil a seus propósitos. Porém, nos anima que não se trata de um debate inócuo entre a palavra deles e a nossa, senão que de uma exposição de fatos cumpridos, uma reconstrução histórica das origens e realidades do conflito, elaborada em conjunto com o povo colombiano, e na qual não temos nada que temer.
Somos guerrilheiros colombianos, militantes ativos de uma organização revolucionária que recém cumpriu cinquenta anos de luta invencível. Nos sentimos orgulhosos disso, não nos arrependemos nem sequer por um instante do feito. E jamais vamos fazê-lo. Porque nascemos e crescemos neste país que amamos como a nossa mãe, e ao qual desgraçadamente temos visto banhado em sangue e perseguições desde nossa infância. É isso o que combatemos sempre.
Poderosos terra-tenentes que contaram sempre com homens armados a soldo para impor sua vontade e desterrar pequenos proprietários de terras que cobiçavam para eles. Chefes políticos liberais e conservadores acostumados a exercer poder absoluto em regiões inteiras, dispostos a qualquer coisa para impedir o desenvolvimento de outras alternativas políticas. Abastados empresários incomodados com a organização sindical de seus trabalhadores e pagando por sua eliminação.
Reputadas companhias transnacionais subornando altos funcionários estatais com o objetivo de obter as melhores condições para o saqueio dos recursos do país, inimigas por convicção de qualquer indício de luta por condições dignas entre seus trabalhadores. Comandantes militares e chefes policiais corruptos sempre prestes a pôr suas tropas a serviço da causa de tais empresas, de tais terra-tenentes, de tais chefes políticos e de sua própria avareza.
O poder imperial dos Estados Unidos defendendo sua hegemonia no continente mediante intervenções e pactos militares, que sujeitaram a seus interesses as forças militares e policiais colombianas. Generais e tropas convencidos de que os partidos e movimentos de oposição, as organizações sociais e populares e qualquer outra expressão de inconformidade equivaliam a subversão a serviço da União Soviética, pelo que havia que exterminá-los a todos.
Preceitos constitucionais como o Estado de Sítio, ou legais como a justiça penal militar aplicada a civis, ou de defesa nacional que autorizam e desenvolvem a criação dos grupos paramilitares em Colômbia, sob a condução direta de mandos militares, tudo isso existiu em nosso país, e se prolongou com outras formas até nossos dias, desde muito antes de que houvesse brotado o primeiro movimento alçado em armas contra o Estado.
O regime antidemocrático e excludente característico de tão impudica confluência, que garantiu sempre o enriquecimento crescente e os privilégios a uma elite econômica, política e militar, e que se encarregou de abrir uma brecha de iniquidade social assombrosa, precisou da violência e a alimentou em proporções aterradoras, para manter-se inalterável e deter a geração de movimentos e grupos políticos que pudessem significar uma séria competição.
Por isso o crime de Jorge Eliécer Gaitán e a matança de quase meio milhão de colombianos na década dos cinquenta; por isso a presença absurda do Exército Nacional combatendo na Coréia, e sua conversão ao regressar ao país em força de choque mortal contra o comunismo e qualquer de seus supostos aliados; por isso a guerra declarada contra Villarrica e mais tarde contra as chamadas repúblicas independentes de Marquetalia, Riochiquito e demais.
Por isso a selvagem repressão contra as zonas rurais, dos sicários contra o movimento sindical e popular; por isso o florescimento das poderosas máfias do narcotráfico, sempre à sombra dos chefes políticos mais importantes do país, até o ponto de discutir-se hoje se foi que as máfias cooptaram os partidos políticos tradicionais ou estes aos narcotraficantes. Por isso também a aliança entre os grandes capos e altos mandos militares e policiais.
Por isso o extermínio miserável da União Patriótica e grande parte da direção política e social de oposição no país. Por isso a expansão do paramilitarismo com seus horrores hoje tão convenientemente lançados ao esquecimento, considerados já julgados próximos à reivindicação política. Por isso os espantosos massacres, os despedaçados com as motosserras, os lançados aos jacarés, as casas onde esquartejam as vítimas. Por isso os mais de seis milhões de deslocados e desterrados.
Por combater esse regime de terror estatal que deve se acabar, milhares e milhares de filhas e filhos deste povo entregam suas vidas nos campos e cidades da Colômbia. Milhares foram parar nos cárceres, milhares foram desaparecidos para sempre, devorados pelas torturas e pela brutalidade. Milhares estão inválidos, mutilados, escondidos para sempre dos sabujos do crime. Esses são as guerrilheiras e os guerrilheiros colombianos que Santos e Uribe sonham ter no pelourinho público.
Não vai e lhes saia o tiro pela culatra.
Montanhas de Colômbia, 26 de julho de 2014.



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