terça-feira, 19 de maio de 2015

Ciclo 36: “Ou combinamos ou erramos”

Por Matías Aldecoa
Os magros avanços nas discussões entre as FARC-EP e o Governo nos induz a parodiar o mestre do Libertador, Simón Rodríguez, quando escreveu “inventamos ou erramos”. A combinação de um acordo no ponto Vítimas da Agenda Geral exige do Governo tomar em consideração o produto de seis meses de trabalho da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas (CHCV).
A 4 de maio o Comandante Marco León Calarcá expressou que o informe da Comissão Histórica não “pode ser ignorado ou trivializado” porque é um “insumo fundamental para a compreensão das complexidades do conflito e das responsabilidades daqueles que tenham participado ou tido incidência no mesmo e para o esclarecimento da verdade”. Ler comunicado
A dívida moral, política e social do Estado está amplamente fundamentada nos informes da CHCV. No entanto, este é só um insumo que contribuirá com a tarefa da Comissão de Esclarecimento da Verdade e não Repetição, na iminência de compor-se por mandato da Mesa de Diálogos. Esta nova comissão –como as FARC a concebem-, “se trata de um mecanismo extrajudicial de investigação, esclarecimento e sanção [...] para alcançar eficazmente a reconciliação, a reparação integral das vítimas, a restauração do dano causado a estas, ao tempo em que se constroem sólidas garantias de não repetição dentro do novo cenário social que surja da implementação dos acordos”.

Que se passa com o tema Vítimas?
O silêncio oficial em torno do conteúdo do informe da CHCV e a paralisação do tema Vítimas da Agenda deixam a descoberto a perigosa intenção de Juan Manuel Santos de não reconhecer as responsabilidades que cobrem ao Estado e às Instituições na origem, persistência e impactos do conflito social e armado em nosso país.
O comandante Ricardo Téllez, da Delegação de Paz das FARC-EP, em 6 de maio havia relembrado publicamente ao Governo que a organização insurgente já apresentou a totalidade das propostas mínimas sobre o ponto 5, Vítimas, que se discute desde maio de 2014 sem que se tenha podido ser esgotado. São em total 216 iniciativas contidas em dois documentos. “...as vítimas têm direito a serem ressarcidas pelos danos que sofreram por causa do conflito e restabelecidos seus direitos transformando suas condições de vida”, ao tempo em que “deverão proporcionar-se plenas garantias de não repetição”, anotou o chefe guerrilheiro.
A causa do retardamento é atribuível exclusivamente à delegação do Governo que inseriu outros temas que, se bem que é necessário discutir de acordo com a ordem estabelecida pela Agenda, ainda não é o momento de fazê-lo. Tudo indica que –pela alta culpa do Estado e da classe governante no conflito-, demorar seu reconhecimento público proporciona mais rendimentos a Santos nesta época de campanha eleitoral.

É a doutrina…
A tragédia da guerra em Colômbia esteve durante décadas oculta para o mundo inteiro e só veio a conhecer-se de nosso país e de sua conflitividade social e política a partir do auge do narcotráfico e da guerra declarada ao povo colombiano, com o respaldo em recursos financeiros, armas, tecnologia e corpos de oficiais dos Estados Unidos, os quais subordinaram os oficiais e tropas do Exército, da Armada, da Força Aérea e da Polícia, numa demonstração de indignidade e entrega da soberania não comparável com qualquer outro país de Nossa América.
O sustento desta política servil e antipatriota tem sido a doutrina da segurança nacional que considera inimigo a todo contraditor das políticas governamentais, o que encaminhou para a escalada do conflito desde “baixa” e “média intensidade” até a degradação vivida na recente voragem na qual aos lutadores sociais “se lhes destroçou com motosserras, se lhes incinerou nos fornos crematórios, outros foram atirados aos rios, a fossas comuns ou despojados violentamente de suas terras”.
Mais recentemente, durante os períodos de governo de Álvaro Uribe, enquanto Juan Manuel Santos atuava como Ministro de Defesa, milhares de jovens desempregados foram assassinados para serem mostrados como guerrilheiros mortos em combate e com isso os oficiais do poder cobrarem os incentivos monetários pagados pelo Estado por matar, com o que têm alimentado uma antimoral mercenária que nada tem a ver com o publiticado heroísmo que a propaganda da Força Pública proclama.

Quem firmou a Diretiva 029 do Ministério de Defesa que desatou os crimes de lesa-humanidade, denominados “falsos positivos”?
Com guerra suja não teremos paz”
Neste mesmo sentido, a 7 de maio de 2015 a comandante Érica Montero, integrante da Delegação de Paz das FARC-EP, proclamou que “o desejado cenário do pós acordo de paz para a Colômbia não poderá ser se antes não se desmonta efetivamente o paramilitarismo”. Ao relembrar os assassinatos de Guadalupe Salcedo –chefe da guerrilha liberal do Llano- em 1957; o de Jacobo Prías Alape, quem fora chefe da guerrilha de Los Comunes, que tinha deixado as armas, em 1960; e o de Carlos Pizarro, assassinado 48 dias depois de ter oficializado a desmobilização e entrega de armas do M-19; a comandante guerrilheira expressou que o eventual acordo de Havana deve ser construído sobre certezas e dotar-se de políticas efetivas e ferramentas conceituais que permitam prevenir mais uma traição, que o povo colombiano não perdoará.
Estes crimes, o extermínio da União Patriótica e muitos outros deixaram a marca da intolerância política e do tratamento criminal, que ao longo do último século as elites governantes dos dois partidos tradicionais, Liberal e Conservador, têm dado aos setores populares que têm tentado construir alternativas que lhes ofereçam a possibilidade de exercer amplamente seus direitos. Tal intransigência combinada com uma concepção militarista em nosso país tem sido uma política de Estado cuja aberração tem sido o espantalho do paramilitarismo. “...não poderá dar-se a transformação de uma organização armada em movimento político aberto para debater nas praças públicas ideias e visões de país, sem armas, se não se desmonta o paramilitarismo de Estado disfarçado de bando criminal...”, especificou a chefa guerrilheira.
A Delegação de Paz das FARC-EP está propondo na Mesa a composição de uma comissão que esclareça o fenômeno do paramilitarismo, não só para definir as responsabilidades específicas e para investigar a persistência das ações “paramilitares” nas regiões como também porque este é um ponto crucial sem cujo esclarecimento a Agenda de Havana não avançará e porque o povo colombiano necessita da paz.  Leia FARC propõem sistema de alerta por presença paramilitar nos territórios

A hora da Constituinte
Finalmente, no encerramento do ciclo 36 de conversações, Iván Márquez anunciou que chegou a hora de apostar numa Constituinte que sirva de base para empreender uma nova era de transformações sociais; que garanta a segurança pessoal e coletiva e o bem viver para todos.
O chefe da Delegação de Paz das FARC-EP destacou em sua intervenção que a agenda de descontaminação do território de artefatos explosivos tem seguido seu curso com compromissos das duas Partes, assinalando que este fato, “somado à decisão das FARC-EP de seguir mantendo o cessar unilateral de fogos e hostilidades ofensivos, por tempo indeterminado, deixa entrever que se vão aplanando obstáculos antes considerados intransponíveis”.
Para o ciclo 37 se esperam novos avanços da Subcomissão Técnica na discussão do cessar-fogo bilateral e fim do conflito.
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Equipe ANNCOL - Brasil

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