Por:
Matilde E Trujillo Uribe I Abril
2015 I
De
que paz fala, senhor Santos? Isso tenho me perguntado quando vejo os
horrores que você e o governo que preside assestam sobre o povo. Uma
profanação de todos os direitos, uma armadura de poder e submissão,
um simulacro de democracia com a morte cavalgando. Há três meses e
23 dias que iniciou neste ano e em tão pouco tempo os fatos gerados
a partir de seu poder e do de sua classe espantam. Em linhas
posteriores me referirei a alguns. Continuam a brutal política de
extermínio, saqueio, despojo, entrega do país às
multinacionais.[1] Vocês entregam nosso país como se fosse sua
propriedade privada. Essas são, entre outras, as “graças” de
sua classe, para as terríveis desgraças do povo. Não é diferente
do que vem sucedendo com os sucessivos governos de turno desde a
Frente Nacional, a não ser pelo incremento do sistema da cobiça.[2]
Julgará
você, ainda que seu julgamento assinado por interesses USA não deve
ser muito equânime. Então, os leitores julgarão. Senhor presidente
Juan Manuel Santos, você tem ultrajado e fendido a paz, sem deixar
lugar nem rincão algum do país sem essa marca de humilhação e
barbárie própria de sua classe contra os humildes. Vocês impuseram
a guerra. Como?
Deslocando,
massacrando, reprimindo, assassinando, encarcerando, empobrecendo,
desaparecendo camponeses,
indígenas, trabalhadores, operários, desempregados, estudantes,
sindicalistas... e mais dos
ninguéns,
como diria o grande Galeano. Guerra que indolentes dissimulam com
sorrisos de papelão, trajes de gravata e discursos de bobos da
corte.
Porém,
você fala de paz com arrogância em todos os cenários –há pouco
se deleitava na Cúpula das Américas-. A paz é para você essa
falsa roupagem com que vem se cobrindo desde que começaram as
chamadas conversações com os insurgentes. A essa paz que você
pronuncia, contrária aos fatos, temos de substitui-la e combatê-la
até enterrá-la e lhe poremos uma cruz de estrada, como as que se
veem a caminho de Buenaventura de terrível desventura. Inicio com
alguns desses fatos da degoladora
paz
que alenta sua importante classe.
Fatos
escabrosos: corpos desmembrados, desfigurados, torturados. As “casas
onde
os paramilitares esquartejam”
: matança humana que mostra a demência paramilitar e o
anticomunismo que lhe infundiram em suas entranhas os instrutores
militares.
Como é possível que um país mantenha tal grau de horror? Como se
incuba e desenvolve? Você anunciou há mais de um ano ante a opinião
pública que buscaria
resolver esse
assunto... Não é para menos, é um imperativo, uma exigência, uma
obrigação sua como presidente! Porém... Que fez você? Militarizou
a Colômbia. E pareceria um paradoxo que com toda essa força militar
continua viva a tragédia; se não se soubesse que o paramilitarismo
está preconizado nos mesmos militares. Você adianta a Aliança
Pacífico –OTAN-, seu Master Plan 2050, os megaprojetos de
ampliação portuária, a exploração mineira, a nova zona
industrial que assentarão nos que antigamente foram os bairros que
arrasaram a população nativa. Em Buenaventura agita a caldeira do
diabo: desaparições, massacres, despojo, desterro e deslocamento.
Expulsam com toda barbárie a seus habitantes para seus planos
pró-imperialistas. O que podemos deduzir, senhor Santos?
E
na Guajira, onde o mar há de estar bramindo de dor, os indígenas
Wayúu estão morrendo de fome e sede, porque o rio mãe do qual se
abasteciam, seu rio ancestral, foi represado e sua água privatizada
pela exploração da maior mina de carvão [a céu aberto] do mundo.
Por efeito disso e das condições deploráveis de descuido e
abandono, as crianças estão morrendo de inanição, as mulheres de
dor, os homens de desolação, os velhos de tristeza. É outro feito
de paz,
senhor Santos? Esta, a maior etnia indígena da Colômbia, atacada
por seu governo que entrega, e respalda, não a seu povo mas sim às
multinacionais que saqueiam o país.
Outro
acontecimento recente que reitera a indolência de sua paz e a de sua
classe ocorreu no norte de Antioquia: as Empresas Públicas de
Medellín e a polícia da qual vocês tanto se vangloriam procederam
a desalojar crianças, velhos, mulheres e homens que habitavam
ancestralmente as ribeiras do cânion do rio. Comunidades que
encontravam seu sustento através da
procura do ouro mediante o método artesanal,
da pesca e da agricultura tradicional respondendo a suas necessidades
de subsistência. A inspetora ordena desocupar o lugar em três
horas, o esquadrão móvel antidistúrbios –ESMAD, esse aparato de
guerra, repressão e morte que vocês têm para silenciar marchas,
protestos, greves, os cerca intimidando-os e afrontando-os. Como
consequência, mais de 81 pessoas se veem obrigadas a deslocar-se.[3]
Se enfurecem contra os despossuídos para beneficiar seus cofres?
Repressão! Esse é
o tratamento com que você e seu governo ultrajou também aos
humildes cortadores de cana que tiveram que recorrer à greve para
defender seus direitos. “Às
5 da manhã..., um numeroso contingente do ESMAD atacou com força
brutal a mais de 500 cortadores de cana do Engenho Risaralda”.
“Agarraram-nos dormindo e lhes caíram em cima com paus e porretes.
Até lhes tiraram seus facões e começaram a investir contra eles”.
“Moeram-nos a golpes e neles dispararam bombas lacrimogêneas à
queima-roupa”.
Sem palavras, que podemos pensar, senão que seu sobrenome deveria
aludir aos mil demônios.[4]
E
no norte do Norte do Cauca a população indígena, dado o
descumprimento do Estado –devolver-lhes as terras-, se viram
impelidos à Minga de Libertação da Mãe Terra. Procederam a tomar
as terras que lhes haviam sido despojadas, que fez você? Seu governo
reitera a violenta agressão mediante seu aparato de terror, o ESMAD,
gases lacrimogêneos, artefatos não convencionais e armas de fogo. O
resultado: crianças, mulheres e homens feridos. Não tinham passado
senão escassos dois meses, quando assassinam a 6 comuneiros
indígenas, o massacre[5] foi silenciado pela mídia [enquanto faziam
algazarra pelos 11 soldados mortos, fato simultâneo, ao qual em
seguida me referirei]. Os assassinatos dos 6 comuneiros são aqueles
tão característicos da conivência de paramilitares e exército. Se
atracam contra os humildes, pois não vimos que tal atrocidade suceda
aos que fazem parte de sua classe.
Nas
regiões do Meta, do Cesar, do Magdalena, assim como na do Magdalena
Medio, que melhor testemunho que o da delegação Asturiana de
Verificação dos Direitos Humanos que esteve neste ano no país
realizando esta observância?[6] Extrairei alguns trechos: “se
incrementaram as montagens judiciais e as detenções massivas como
método de retaliação contra aqueles que se negam a cooperar com o
exército, usando como prova o depoimento de desmobilizados, ou dados
fornecidos pelas tropas que não chegam nem a ser constitutivos de
indício de atividades ilícitas. As detenções massivas também
estão se produzindo contra opositores dos projetos mineiros e
energéticos. Um plano sistemático contra a Marcha Patriótica e o
Congresso dos Povos e suas organizações integrantes nas regiões, o
que resulta muito preocupante por antecedente de extermínio da UP”.
“Persiste a prática ilegal do exército de realizar blitz
inesperadas para
forçar o recrutamento de jovens campesinos...” As empresas
transnacionais estão ocupando enormes territórios, gerando graves
conflitos..., e se vão erigindo numa espécie de “estados dentro
do Estado”. Violam com impunidade normas trabalhistas, ambientais e
tributárias e impõem à população restrições de mobilidade como
ocorre com Pacific Rubiales, que transfere para as comunidades sua
“crise”, aumentando pobreza, desemprego, ademais de repressão e
destruição ambiental histórica ou das multinacionais do carvão
[Drummond, Goldman Sachs, Cerrejón-Glencore-BHP e outras] no Cesar”.
Essa
é sua carniceira paz
senhor Santos? Poderia percorrer com estas linhas todo o território
nacional e o quadro se repete.
E
novamente a paz ultrajada com a lei de restituição de terras de seu
governo, outra farsa para os que buscam justiça. Não, não serve.
Tal é o caso dos pequenos mineiros do sul de Bolívar aos quais se
lhes despojou do território em que viviam e trabalhavam. Sua
pertinaz luta durante 11 anos termina flutuando entre ar nauseabundo
e fedor dos direitos desfeitos.[7] Ou a daqueles que empreenderam
marcha para recuperar as parcelas que lhes foram arrebatadas 15 anos
atrás com ciladas, agressão e pressões. Me relembra essa canção
“Lamento Borincano”, que pouco ou nada sentirão os de sua
oligárquica classe. Em Urabá homens e mulheres, crianças e velhos
saem pela vereda, pensam remediar sua situação, palavras de ordem
alegres ao passo de seu andar, seus cartazes dizem “terra e paz”,
ao chegar se encontram com a crua realidade; e, como o “jibarito”,
tristes voltam à margem da rodovia.[8] Senhor presidente Santos, é
evidente que a paz de seu governo tem o selo das elites corruptas e
farisaicas; é evidente que a paz concebida a partir da riqueza e dos
privilégios, a partir dos que favorecem o grande capital, a partir
dos que detêm o poder, é contrária e oposta de como a concebe, a
sente e a vive o povo. E assim o expressou o povo com veemência na
marcha do 9 de abril. Nela a paz emergia como um animal ferido com
sede de justiça social, de equidade, de democracia, de soberania,
uma paz concebida como a realização plena dos direitos todos,
saúde, educação, alimento, teto, a vida, o direito à terra e ao
território. Vocês arruinaram os direitos do povo com os espinhos
venenosos do seu mal nascido poder.
Que
brutalidade! Feridos, mortos e encarcerados por lutar por seus
direitos, vítimas nos campos e nas cidades, inclusive os que não
estavam armados!, que não estavam combatendo e não brotaram por
efeito do conflito ou enfrentamento armado de sua classe com a
insurgência. Porém, tem você o cinismo à flor da pele, culpar a
outros pelo dessangramento e a crueldade em que vem se debatendo o
povo colombiano. Não, senhor Santos. Assumam sua responsabilidade!,
isto não é novo nem excepcional, não são fatos isolados. Ouvi
dizer e compartilho que a responsabilidade de uma guerra incumbe, em
primeiro lugar, aos que a provocam, então e não precisamente são
responsáveis os que se indignam e a convocam ou os que, com o
supremo direito à rebelião, a enfrentam.
Eu
creio, senhor Santos, talvez por apegar-me à esperança, que você é
incoerente, ou por acaso são as habilidades de um jogador de pôquer?
Que se pretenda a paz fazendo a guerra? Isso e nada é o mesmo. Pelo
Cessar-fogo Bilateral se pronunciam diversas organizações sociais,
políticas, ambientais, nacionais e internacionais. Foi também uma
palavra de ordem arejada na marcha do 9 de abril. Também que abra os
diálogos com toda a insurgência, o Exército de Libertação
Nacional e o Exército Popular de Libertação, pois, como se entende
uma divisão desta forma? Se lhes pede, se lhe roga, se lhe exige que
cessem as operações militares, os brutais bombardeios que tudo
destroem!,
que cesse o dessangramento!, que esta aposta não seja unilateral.
Relembro que um trecho do informe da delegação de Paz da
insurgência dizia que no marco do cessar unilateral “o
exército está realizando operações ofensivas contra as
insurgências, dando-se casos de execuções de guerrilheiros que
estavam feridos e, portanto, fora de combate”. A
meu ver, esses assassinatos são mais que covardia, isso é outra
mostra dos vis métodos com que os militares enfrentam ao adversário.
E
isso me
lembra
o ocorrido recentemente no norte do Cauca em que perderam a vida 11
soldados. Pessoas também do povo que vocês usam como bucha de
canhão. Porque não temos visto que os da oligarquia ponham seu
peitinho, nem mandem seus filhos a tal ex
abrupto.
Diz o exército que foram atacados como se fossem mansas pombas, que
se meteram ali “buscando
proteger a população civil para enfrentar aos grupos criminosos que
delinquem ali”,
são palavras do General Valencia, não minhas. Quando o que os
militares fizeram foi violar o DIH ao instalar suas casernas em meio
à população civil, pondo-a assim em risco. Depois em seus meios de
comunicação exacerbam e deformam os fatos para fazer uma propaganda
contra os diálogos. O descaramento é que pouco disseram quando seu
exército, aproveitando a trégua unilateral das FARC-EP, matou pelo
menos 20 guerrilheiros em Nariño.*[9] É que a vida vale segundo seu
critério? e “a
vida não vale nada se ignoro que o assassino trilhou por outro
caminho e prepara outra cilada”.*[10]
Não pretenderão que, ao meter-se em terreno do adversário com
armas e equipamento militar, exercer operações militares em todo o
país, e em razão de que a outra parte esteja em trégua, estes
fiquem quietos esperando que os matem? E por acaso devemos
recolher-nos sem contestar sua versão? Eu vi como mentem uma e outra
vez: é que temos de fazer caso omisso da versão da outra parte da
contenda?
Nas
cidades, senhor Santos, também sentimos a paz ultrajada, ferida,
quase sem respiro, sumida e subsumida no modelo neoliberal que vocês,
as elites com cheiro de enxofre, implementam. Essa injustiça que
você, de tão grande
linhagem, descendente
dos que manejaram o país, não quer que se toque. Foi do
primeiríssimo que nos diálogos em Havana deixaram sentado. E que
ironia, os “maus”, segundo vocês advogando pelos anseios
populares, e vocês, os “bons”, agindo
contra esses anseios.
Vocês reabastecidos de riqueza decidindo os destinos do povo com
ácido muriático. Nas cidades não é mais que ver crianças e
velhos jogados nas ruas buscando nos lixos restos de pão, para vocês
são invisíveis, os ninguéns não interessam. Que os trabalhadores
tenham salários de fome, que lhes importa, se são vocês os que
decidiram que ganhem no mês o que vocês gastam numa noite de farra
e diversão, a tal terceirização para cortar seus direitos. O povo
amontado como animais cercados nos cordões de pobreza e miséria,
enquanto vocês em luxuosas mansões se apropriam da cidade
privatizando até as ruas e as árvores e as flores. A saúde e a
educação como negócios de alta corrupção. Longo capítulo
implicaria referir como se expressa a paz nas cidades com o selo da
peçonha oligárquica. Mas não posso omitir, assim seja em curtas
linhas, o incremento das ameaças a líderes, ativistas sociais,
defensores de DDHH, organizações sociais. Os assassinatos seletivos
como o que no início do ano se infringiu sobre o
dirigente do Congresso dos Povos. [11]
E, como se fosse pouco, se lhe soma o descumprimento de todo e
qualquer acordo com os setores populares, a impunidade mais atroz, os
terríveis campos de concentração e tortura, os cárceres de toda
impiedade com o putrefato poder que vocês derramam.[12]
Senhor
Santos, entenderá porque não posso despedir-me com meus melhores
desejos para você e os de sua classe. Me empenho em crer que um dia
desaparecerão da face da terra e que o povo vencerá para viver um
novo amanhecer. Vocês impuseram a guerra e o povo imporá a Paz.
--------------
Nota:
Meu intento por não fazer longo este artigo foi impossível. Muitos
fatos que ocorreram no presente ano de 2015 necessitariam ser
registrados. A magnitude do que tem sido a política contrária à
paz deste governo é impossível de se sintetizar em poucas páginas.
Selecioná-los é outro risco, ao final não apliquei um critério
estrito, mais bem algo ao acaso. Não cito todas as fontes
consultadas, porém cada fato registrado podem encontrá-lo na rede.
(1) 40%
do território colombiano está pedido em concessão para a mineração
multinacional. Mais
de um terço das transnacionais são estadunidenses.
(2) Os anos mais
violentos da guerra em Colômbia remetem à década dos ’40,
particularmente 1946-1950, superados em anos recentes pelos crimes do
paramilitarismo [estratégia estatal].
(8) Para
estes 100 campesinos a lei de restituição de terras.Las2orillas.
(9) Exército
aproveita trégua unilateral das FARC EP e mata pelo menos 11
guerrilheiros em Nariño
(10) Canção:
La
vida no vale nada
vem ao caso.
--
Equipe
ANNCOL - Brasil
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