segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Entrevista de ANNCOL a Joaquín Gómez, comandante do Bloco Sul das FARC-EP, recém-chegado a La Habana

Escrito por Dick Emanuelsson, ANNCOL
Joaquín Gómez, o comandante do Bloco Sul das FARC-EP, é um homem simples e afável, nascido em Barrancas, Guajira, no ano de 1947, no lar humilde de Minos e María Magdalena.
A primeira vez que o entrevistei foi em janeiro de 1998, em seu acampamento no estado de Putumayo, sul da Colômbia. Quinze meses antes, a guerrilha tinha aplicado um golpe duríssimo no Exército Nacional, ocupando a base militar Las Delicias, capturando a 67 militares.
Três semanas antes de nossa entrevista, a 21 de dezembro de 1997, unidades guerrilheiras do Bloco Sul subiram 4.200 metros e ocuparam a base militar no Cerro Patascoy, levando uns 20 militares que sobreviveram ao ataque que destruiu toda a instalação da inteligência militar e da comunicação das FF.MM. no sul da Colômbia.
De Guajira à URSS
E aí, entre centenas de guerrilheiros que constituem seu anel de segurança, me falava sobre os planos da insurgência, o anseio de paz que estava por expressar-se posteriormente em San Vicente del Caguán. Porém também falou de sua infância e seus estudos do primário que transcorreram tutelados pela majestosidade da Sierra de Nevada, entre as brisas do deserto e das notas musicais do ritmo vallento do maestro Carlos Huerta, autor do Cantor de Fonseca.
Parte de sua adolescência viveu-a em Maicao, de onde, com sua têmpera forte e sol ardente, partiu para Montería, cidade às margens do rio Sinú. Ali, no Colégio público, José María Córdoba fez seus estudos secundários, bolsista pela então Intendência da Guajira.
Em sua prematura juventude exerceu como inspetor de Majayura, para depois vincular-se à Universidade de Antioquia, onde cursou um semestre de veterinária, que lhe serviu de base para prosseguir na Academia Timiriazev de Moscou a profissão de zootécnico.
De regresso da União Soviética, se desempenhou como professor de zootecnia na Universidade Surcolombiana de Florencia, Caquetá, nos anos ’70, onde ministrou cátedra de genética animal e fisiologia dos animais domésticos. Pouco depois regressou a Moscou a fim de realizar estudos de pós-graduação sobre inseminação artificial e gado de corte.
Entre a academia, as inquietações políticas e sua preocupação pelos problemas sociais [dos quais] sua terra natal e o país padeciam, surgiu a determinação de vincular-se às FARC no ano de 1985.
Ingressando na insurgência
Seu ingresso teve lugar na 14ª Frente, no Medio Caguán, ao sul do país. Durante seus 29 anos como guerrilheiro, ministrou cursos de economia política e de filosofia; durante o governo de Betancur representou a insurgência no Comitê de Pesquisa e Transferência de Tecnologia, no qual tinham participação os diretores dos institutos descentralizados do país; compôs equipes de organização e propaganda; desempenhou cargos militares com resultados exitosos; foi porta-voz das FARC nos Diálogos do Caguán durante o governo de Andrés Pastrana. É integrante do Secretariado do Estado-Maior Central, e comandante do Bloco Sul das FARC.
Agora, o encontramos em Havana como parte da Subcomissão técnica que abordará com o Governo aspectos cruciais do terceiro ponto da Agenda FIM DO CONFLITO, como são o cessar de fogos bilateral e definitivo e a Deixação de armas, que deverá comprometer ambas as partes na Mesa de Conversações.
De antemão ANNCOL lhe agradece a deferência que teve de atender, com exclusividade, a várias de nossas inquietações.

Joaquín Gómez fala com exclusividade para ANNCOL
Como sentiu a mudança repentina de passar das selvas da Colômbia, onde persiste a confrontação armada, a este cenário de Havana, em que os esforços que realizam estão encaminhados a alcançar a paz?
— Efetivamente, se trata de dois cenários diferentes, se se toma em conta que lá as tensões próprias da guerra impõem um tipo de comportamento apegado a uma disciplina rigorosa, que implica certas privações, que num cenário agradável e solidário, como o que se respira em Havana, desaparecem. Num e noutro lugar, no entanto, nossos esforços sempre estão enfocados em traçar iniciativas e buscar alternativas que permitam resolver as causas de miséria e desigualdade que estão no fundo deste conflito, para assim alcançar a paz. Também devo dizer que, independentemente do espírito fraterno com que o povo cubano acolhe as delegações, tanto do Governo como da guerrilha, nossos corações têm suas raízes semeadas lá no teatro de operações militares, onde estão os nossos e o povo que nos apoia.
Como estava o ânimo das tropas do Bloco Sul antes de sua partida para Havana?
— Magnífico; com plena disposição combativa, porém também com uma confiança e uma esperança imensas em tudo o que a Delegação de Paz das FARC vem realizando para conquistar a reconciliação dos colombianos, e nisto se deve contar a recente iniciativa de cessar unilateral de fogos, verificável e por tempo indeterminado.
O MinDefesa insinuou, e foi citado por toda a mídia, que o Bloco Sul não estava de acordo com as negociações de Havana. Como foram os comentários e as reações entre as estruturas guerrilheiras do Bloco Sul quando viram e escutaram o MinDefesa?
— Pela forma como todos os dias dispara contra o processo de paz, os combatentes dizem que parece mais ministro de Defesa de Uribe que de Santos. Minha presença e a de outros chefes de Blocos em Havana é mais uma mostra da coesão inquebrantável das FARC.
Desde o ponto de vista político-militar, como está a situação nas áreas de operações do Bloco Sul? Como e o que comenta a população civil nestas áreas sobre uma eventual firma de paz, quais são as esperanças?
— Como já disse, a disposição combativa de nossas unidades é plena; até o dia em que declaramos unilateralmente o cessar-fogo, se produziam choques armados com certa frequência e intensidade, porém, ao mesmo tempo, tínhamos muitas unidades desdobradas no trabalho organizativo, intercambiando com a população, realizando pedagogia para a paz. Neste trabalho se percebia o anseio do povo de que se forje a trégua e avance por bom caminho. Porém, de todas as maneiras não deixa de existir entre a gente do campo desconfiança frente ao Governo. Se teme que descumpra os compromissos e novamente se desate a guerra suja, os massacres e os deslocamentos.
Há forças militares operando nas regiões?
— Na realidade, é o Exército que atua na região com as arbitrariedades de sempre, e em não poucas ocasiões ameaça a população com que em qualquer momento vão chegar novamente os paramilitares, o qual lhes gera uma situação de desalento permanente.
Os meios de comunicação e os chamados “politicólogos” consideram que o Bloco Sul é o Bloco do narcotráfico. Que comentário merece tal acusação?
— Esses meios e politicólogos que você menciona, geralmente penas vendidas, são alto-falantes de uma estratégia perversa de manipulação e mentira, que tem o propósito de encobrir aos verdadeiros narcotraficantes e motores deste negócio que estão enquistados no setor financeiro e lucram com a lavagem de ativos.
Que nos pode dizer sobre a retenção do repórter francês por parte de guerrilheiros da Frente 15?
— O excelente documentário realizado pelo próprio Romeo Langloise fala de maneira clara sobre a realidade que viveu e a farsa entranhada nesse tipo de operações que se lançam contra campesinos pobres, para logo dizer que se está desmantelando laboratórios das FARC.
A 21 de dezembro de 1997, o Bloco Sul tomou a base da inteligência militar do Exército na colina Patascoy. Umas semanas depois, caiu um avião espia dos EUA, perto da colina Patascoy, e morreram cinco militares estadunidenses. Raúl Reyes, em entrevista a este repórter, que esteve nesses dias em seu acampamento, caracterizou-o como “As primeiras vítimas do Plano Colômbia”. Posteriormente, se sabe que os militares norte-americanos estavam implicados no bombardeio do acampamento de Raúl Reyes, talvez a partir da base La Manta, em território equatoriano. Uribe entregou várias bases militares na área de operações do Bloco Sul ao Pentágono.
Que posição têm as FARC sobre o futuro dessas bases sse se consegue firmar a paz?
— Os Estados Unidos, que historicamente têm jogado um papel protagônico na guerra, deve começar a jogar um papel determinante a favor da paz. O essencial no relacionamento com os Estados Unidos deve ser o do reconhecimento mútuo, da livre autodeterminação e do respeito à soberania pátria.
Como foi recebida a morte da guerrilheira e companheira de Simón Trinidad, Lucero Palmera, em setembro de 2010, quando foi bombardeado o acampamento onde ela se encontrava?
— Com tristeza e profunda dor pelos companheiros caídos. No mesmo bombardeio morreu sua filha, e talvez este fato, mesclado com os padecimentos que Simón Trinidad vive na prisão de segurança máxima em Florence, Colorado, configura um caso que é particularmente sensível para nós, porém que, ao mesmo tempo, nos compromete mais na luta pelos objetivos que nos traçamos em prol da Colômbia do futuro e a não ceder no esforço por ter Simón em liberdade.
Durante este ano houve muitos enfrentamentos entre a força pública e a população civil, principalmente indígenas e campesinos, no estado do Putumayo; a que se devem os conflitos?
— As causas dos enfrentamentos entre a Força Pública e a população no estado do Putumayo são as mesmas que no Catatumbo, no Cauca ou qualquer outra região marginalizada da Colômbia, têm a ver com a situação de abandono e miséria a que têm sido submetidas, durante décadas, estas e outras regiões como o Chocó e a Guajira, onde, em meio à riqueza, a população morre de fome. À inconformidade e ao legítimo protesto social, o Estado tem dado respostas militaristas endurecendo suas leis de segurança cidadã e dando um tratamento repressivo, sobretudo com esse aparelho criminal que é o ESMAD. Isto deve mudar e o primeiro passo deve ser o de eliminar a Doutrina da Segurança Nacional e do inimigo interno.
Que futuro se pode construir nos vastos territórios que constituem os estados de Caquetá, Putumayo, Huila e Nariño para uma Colômbia em paz? Que propõe o Bloco Sul?
— As propostas do Bloco Sul são as mesmas que as FARC expuseram na Mesa de conversações. Me refiro às propostas mínimas que foram feitas para cada um dos pontos da Agenda do Acordo Geral, as quais já foram bastante difundidas por nossa Delegação de Paz.
Você vai entrar na subcomissão técnica. Que espera contribuir com ela?
— O trabalho para esta subcomissão estamos fazendo-o em equipe, e já estabelecemos uns marcos conceituais explicando o que para nós significam categorias como deixação de armas, armistício e tratamento à rebelião frente à paz, que é um direito síntese. Particularmente, poderíamos contribuir com nossa experiência do que poderia ser uma longa trégua que permita a implementação dos acordos, depois da firma do Tratado de paz.
Uma mensagem ao povo colombiano e à opinião pública internacional nestes últimos dias do ano?
– Creemos en la paz y estamos empeñados en conquistarla, pero está claro que eso se logrará en la medida en que el pueblo se apropie del proceso, como lo ha hecho respaldando el cese al fuego bilateral, respaldando un proceso constituyente abierto, o más bien protagonizándolo como soberano y fuerza fundamental de cualquier cambio que se pretenda, recogiendo las iniciativas de las organizaciones sociales y políticas plasmadas en los lineamientos generales para la transición hacia una Nueva Colombia. Esto implica la movilización multitudinaria, la cohesión de todos, que permita la creación de una alternativa política al neoliberalismo.
-- 
Equipe ANNCOL - Brasil


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...