Para
Kai Ambos, no propósito de conquistar a reconciliação entre os
colombianos, o processo de paz deve ir mais além do penal.
Kai
Ambos é um reconhecido professor alemão, jurista, e um dos
redatores do Estatuto de Roma. Esta é sua visão sobre a justiça
transicional e o direito penal no processo de paz colombiano.
— Qual
é a relação entre os padrões internacionais de direitos humanos e
os critérios de priorização e seletividade que se aplicariam num
modelo de justiça transicional em Colômbia?
No
sistema penal sempre temos que selecionar e priorizar. O que se faz
agora em Colômbia com a estratégia da Promotoria quanto aos crimes
internacionais, sejam de grupos paramilitares, o Estado ou a
guerrilha, ter o enfoque aos mais responsáveis, a seleção dos
crimes mais representativos, priorizar é algo normal no próprio
sistema penal. Talvez seja mais importante em situações de
macrocriminalidade, pelo próprio fato de que temos muitos mais
crimes e isso no caso colombiano é mais óbvio. Temos tantos crimes,
tantos possíveis autores de crimes, que é impossível que um
sistema, ainda que seja um sistema mais moderno como o alemão, possa
tratar de todos esses crimes.
— Não
é uma obrigação do Estado investigar todos os crimes?
Todos,
certamente não. Alguém poderia falar da obrigação de investigar e
perseguir crimes internacionais em sentido estrito, isto é,
genocídio, crimes de lesa-humanidade, crimes de guerra, como
disseram a Corte Interamericana e outras cortes. Se vemos a justiça
de transição, ou a justiça pós conflito, com a situação de um
país que está num processo de paz, numa negociação com um ator
tão importante como as FARC, alguém teria que repensar se esta
posição muito dogmática, segundo a qual há que perseguir “todos”
os crimes, é algo realista. Temos que pôr outros modelos, por
exemplo, justiça alternativa, comissão de verdade etc.
— Modelos
que não seriam incompatíveis com padrões internacionais.
Não
o são. Sobretudo numa situação como a colombiana, onde temos uma
democracia formal como contexto e não temos uma situação de crimes
de uma ditadura como no Cone Sul, que foram os casos da Corte
Interamericana. Temos um estado formal com instituições, com
imprensa livre, e há um grupo armado. Se alguém quer que deixem as
armas, há que ser mais flexíveis e não dar demasiada prioridade à
parte penal do assunto.
— A
opinião comum é que as anistias são incompatíveis com os direitos
humanos.
Não
é tão simples, depende de cada caso e do tipo de anistia e crime.
Por exemplo, se tomamos a lei 975, não é uma anistia senão que uma
lei que reduz a pena. São modelos alternativos. Criamos muitos
modelos nos últimos 20 ou 30 anos em processos também fora da
América Latina. Colômbia é protagonista nesses modelos, a lei 975
foi absolutamente inovadora, no sentido de que houve um ingrediente
de justiça penal na justiça paralela, e uma sanção mínima em vez
de uma anistia.
Agora,
temos que ser muito mais sofisticados, porque, afinal, a questão é
o que o melhor para a sociedade. Essa decisão, a sociedade tem que
tomá-la, não pode ser tomada pela Corte Interamericana, nem os EUA
nem a União Europeia. É uma decisão dos colombianos. Para mim, é
muito mais importante a participação da sociedade civil nestes
processos, a transparência do processo. O grande problema talvez na
negociação com as Farc é se é suficientemente transparente para
comunicar à sociedade colombiana o que estão negociando. Há que
ser inclusivo, levar a sociedade como negociadora, para que saiba o
que se negocia e o que deve aceitar.
— Qual
é o valor da verdade no pós conflito?
É
muito importante. É
algo extra penal. A pergunta é como se consegue. Há diferentes
modelos, pode haver uma comissão de verdade em sentido estrito, com
autoridades nacionais onde os possíveis autores têm que aparecer e
confessar –esse é o caso sul-africano, que tem muitos defeitos-.
Há outros modelos, como a Memória Histórica em Colômbia. Se
alguém vê os informes que Memória Histórica produz, há algo de
verdade, porém talvez necessitemos outros processos. Como conseguir
a verdade, é algo flexível e toma tempo. Na Alemanha ainda
discutimos sobre nacional-socialismo, aparecem críticas e novas
investigações. São processos longos.
— Outro
conceito importante é a reparação.
A
reparação está desvinculada da execução de uma pena. É mais
complexa e pode ser o reconhecimento mesmo de que alguém sofreu como
vítima. Pôr um símbolo, um monumento, no povoado ou no lugar onde
houve um massacre. Levar a sério as vítimas. A parte penal é a que
às vezes é muito exagerada, aí realmente a questão é se
necessitas mandar as pessoas ao cárcere. Como o objetivo é a
reconciliação, há que pensar em que o direito penal pode
contribuir para reconciliar os colombianos. Se as vítimas se reúnem
com seus vitimários e os vitimários pedem desculpas honestamente
–não como talvez no processo da lei 875-, e se alguém crê como
vítima que os vitimários sentem o que fizeram, talvez isso seja
melhor que enviá-los ao cárcere. Essa reconciliação autor-vítima
pode ser melhor.
- Você disse que não poderá haver anistias totais...
Têm
que pagar algo, a questão é como definir esse pagamento. As Farc
não querem aceitar sentenças de prisão. A estratégia do ministro
de Justiça concebe a pena imposta porém não executada. Há que
oferecer-lhes algo melhor, na lei 975 dissemos oito anos mínimo como
pena alternativa. Com as Farc, a solução poderia ser impor
sentenças ou fazer processos, porém nunca implementar a pena.
Porém, a questão não é legal aqui. Se alguém tem um referendo
depois do processo e o povo em sua maioria aceita, a comunidade
internacional deve aceitar. A última palavra, tem-na a sociedade. A
legitimidade do processo vem por referendo. Para os colombianos meu
conselho é: esqueçam-se de todo o internacional, a CPI, a Corte
Interamericana, e resolvam seus problemas internos, tratem de chegar
à reconciliação. É cem vezes mais importante um seminário entre
vítimas e vitimários em Barranquilla que o que digam cortes
internacionais.
--
Equipe
ANNCOL - Brasil
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