quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Vitimizando as vítimas novamente

Por Domínico Nadal de Cambio Total

As vítimas continuam gravitando sobre a vida colombiana de maneira indelével. Os verdadeiros criminosos, ademais do horror causado com seu acionar contra as comunidades e pessoas que se atrevem a denunciar as arbitrariedades, além de seu acionar para causar “terror”, suportaram aberrações como no caso do “desaparecimento de desaparecidos”, prática executada pelos grupos narco-paramilitares que desenterravam os cadáveres e atiravam-nos aos rios para que nunca se pudesse saber seu paradeiro, ou como no caso dos “fornos crematórios” ao estilo hitleriano praticados no estado de Norte de Santander.

Agora, as chamadas BACRIM –por ordem de próprias instituições do Estado?- produziram uma “lista negra” de pessoas –entre elas, todas as vítimas que foram a Havana-, vitimizando as vítimas do Terrorismo de Estado.

Pareceria que houvera toda uma orientação institucional para calar a boca das vítimas, em especial as vítimas do Terrorismo de Estado. Já sabemos que os executores são as BACRIM, porém sabemos também que em Colômbia os grupos narco-paramilitares, chamados neonarco-paramilitares, não são uma “roda solta” na prática do Terrorismo de Estado. Tudo isso está “friamente calculado”.

Sabemos também que o Estado e seu Terrorismo de Estado é o responsável por 83% das execuções extrajudiciais, de 83,3% dos massacres e de 97,7% dos desaparecimentos forçados, ademais de outras violações, e por isso não cremos que os determinadores e os executores vão ficar quietos ante a denúncia de seus crimes e ante a exigência da aceitação de sua responsabilidade penal e societária.

Temos visto isso palpavelmente em seus intentos de tratar de passar impunes ante à própria justiça colombiana e apresentar-se como “heróis” na “luta anti subversiva”, e para consegui-lo cometem outros delitos, assassinando as vítimas, isto é, tapando um delito com outro delito.

O Estado –e seu governo- não quer aceitar que o Terrorismo de Estado cometeu seus crimes –e continua fazendo-o- em pessoas civis, desarmadas, não imersas no conflito, em aplicação do contemplado na DSN de “secar a água ao peixe” [a água, os civis; o peixe, a guerrilha]. O caso de Jorge Noguera Cotes é ilustrativo [governo de Álvaro Uribe Vélez, “Uribhitler”]. Elaborou uma “lista negra” de líderes populares e acadêmicos para sua execução extrajudicial e entregou-a ao capo narco-paramilitar “Jorge 40” para sua execução, produzindo-se o assassinato de consagrados líderes populares, entre eles Alfredo Correa D’Andréis. Ante a aberração de atuação, a própria justiça burguesa colombiana o condenou por isso.

Mas os verdadeiros “determinadores” continuam na rua, idealizando como esconder seus crimes.

Haverá conduta mais criminal que assassinar as vítimas do Terrorismo de Estado? Felizmente, as FARC entenderam esta situação e nenhuma das vítimas foi re-vitimizada pela guerrilha, -o que demonstra que na guerrilha não há orientações institucionais de causar danos à população civil-, e, pelo contrário, suas sinceras e verazes mostras de arrependimento tocaram o coração das vítimas, com exceção de um ou outro que tem incubado o ódio em sua mente.

Mas estas mostras de arrependimento mostradas pela guerrilha contrasta com a posição estatal de não pedir nem sequer perdão pelos crimes estatais do Terrorismo de Estado.

Seis milhões de vítimas mais suas famílias exigem sinceridade ao Estado no processo de Paz de Havana. Lá não se pode chegar com desdém para evitar a responsabilidade. Lá, tem que se chegar “com a verdade e nada mais que com a verdade”.

;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;

Para Kai Ambos, no propósito de conquistar a reconciliação entre os colombianos, o processo de paz deve ir mais além do penal.

Kai Ambos é um reconhecido professor alemão, jurista, e um dos redatores do Estatuto de Roma. Esta é sua visão sobre a justiça transicional e o direito penal no processo de paz colombiano.

Qual é a relação entre os padrões internacionais de direitos humanos e os critérios de priorização e seletividade que se aplicariam num modelo de justiça transicional em Colômbia?

No sistema penal sempre temos que selecionar e priorizar. O que se faz agora em Colômbia com a estratégia da Promotoria quanto aos crimes internacionais, sejam de grupos paramilitares, o Estado ou a guerrilha, ter o enfoque aos mais responsáveis, a seleção dos crimes mais representativos, priorizar é algo normal no próprio sistema penal. Talvez seja mais importante em situações de macrocriminalidade, pelo próprio fato de que temos muitos mais crimes e isso no caso colombiano é mais óbvio. Temos tantos crimes, tantos possíveis autores de crimes, que é impossível que um sistema, ainda que seja um sistema mais moderno como o alemão, possa tratar de todos esses crimes.

Não é uma obrigação do Estado investigar todos os crimes?

Todos, certamente não. Alguém poderia falar da obrigação de investigar e perseguir crimes internacionais em sentido estrito, isto é, genocídio, crimes de lesa-humanidade, crimes de guerra, como disseram a Corte Interamericana e outras cortes. Se vemos a justiça de transição, ou a justiça pós conflito, com a situação de um país que está num processo de paz, numa negociação com um ator tão importante como as FARC, alguém teria que repensar se esta posição muito dogmática, segundo a qual há que perseguir “todos” os crimes, é algo realista. Temos que pôr outros modelos, por exemplo, justiça alternativa, comissão de verdade etc.

Modelos que não seriam incompatíveis com padrões internacionais.

Não o são. Sobretudo numa situação como a colombiana, onde temos uma democracia formal como contexto e não temos uma situação de crimes de uma ditadura como no Cone Sul, que foram os casos da Corte Interamericana. Temos um estado formal com instituições, com imprensa livre, e há um grupo armado. Se alguém quer que deixem as armas, há que ser mais flexíveis e não dar demasiada prioridade à parte penal do assunto.

A opinião comum é que as anistias são incompatíveis com os direitos humanos.

Não é tão simples, depende de cada caso e do tipo de anistia e crime. Por exemplo, se tomamos a lei 975, não é uma anistia senão que uma lei que reduz a pena. São modelos alternativos. Criamos muitos modelos nos últimos 20 ou 30 anos em processos também fora da América Latina. Colômbia é protagonista nesses modelos, a lei 975 foi absolutamente inovadora, no sentido de que houve um ingrediente de justiça penal na justiça paralela, e uma sanção mínima em vez de uma anistia.

Agora, temos que ser muito mais sofisticados, porque, afinal, a questão é o que o melhor para a sociedade. Essa decisão, a sociedade tem que tomá-la, não pode ser tomada pela Corte Interamericana, nem os EUA nem a União Europeia. É uma decisão dos colombianos. Para mim, é muito mais importante a participação da sociedade civil nestes processos, a transparência do processo. O grande problema talvez na negociação com as Farc é se é suficientemente transparente para comunicar à sociedade colombiana o que estão negociando. Há que ser inclusivo, levar a sociedade como negociadora, para que saiba o que se negocia e o que deve aceitar.

Qual é o valor da verdade no pós conflito?

É muito importante. É algo extra penal. A pergunta é como se consegue. Há diferentes modelos, pode haver uma comissão de verdade em sentido estrito, com autoridades nacionais onde os possíveis autores têm que aparecer e confessar –esse é o caso sul-africano, que tem muitos defeitos-. Há outros modelos, como a Memória Histórica em Colômbia. Se alguém vê os informes que Memória Histórica produz, há algo de verdade, porém talvez necessitemos outros processos. Como conseguir a verdade, é algo flexível e toma tempo. Na Alemanha ainda discutimos sobre nacional-socialismo, aparecem críticas e novas investigações. São processos longos.

Outro conceito importante é a reparação.

A reparação está desvinculada da execução de uma pena. É mais complexa e pode ser o reconhecimento mesmo de que alguém sofreu como vítima. Pôr um símbolo, um monumento, no povoado ou no lugar onde houve um massacre. Levar a sério as vítimas. A parte penal é a que às vezes é muito exagerada, aí realmente a questão é se necessitas mandar as pessoas ao cárcere. Como o objetivo é a reconciliação, há que pensar em que o direito penal pode contribuir para reconciliar os colombianos. Se as vítimas se reúnem com seus vitimários e os vitimários pedem desculpas honestamente –não como talvez no processo da lei 875-, e se alguém crê como vítima que os vitimários sentem o que fizeram, talvez isso seja melhor que enviá-los ao cárcere. Essa reconciliação autor-vítima pode ser melhor.
  • Você disse que não poderá haver anistias totais...

Têm que pagar algo, a questão é como definir esse pagamento. As Farc não querem aceitar sentenças de prisão. A estratégia do ministro de Justiça concebe a pena imposta porém não executada. Há que oferecer-lhes algo melhor, na lei 975 dissemos oito anos mínimo como pena alternativa. Com as Farc, a solução poderia ser impor sentenças ou fazer processos, porém nunca implementar a pena. Porém, a questão não é legal aqui. Se alguém tem um referendo depois do processo e o povo em sua maioria aceita, a comunidade internacional deve aceitar. A última palavra, tem-na a sociedade. A legitimidade do processo vem por referendo. Para os colombianos meu conselho é: esqueçam-se de todo o internacional, a CPI, a Corte Interamericana, e resolvam seus problemas internos, tratem de chegar à reconciliação. É cem vezes mais importante um seminário entre vítimas e vitimários em Barranquilla que o que digam cortes internacionais.

-- 



--

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...