segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Carta das FARC-EP a Oficiais da Associação Colombiana de Oficiais Reformados das Forças Militares.


La Habana, Cuba, 31 de julho de 2015

Senhor Brigadeiro General (r)
JAIME RUIZ BARRERA
Presidente Nacional de ACORE
Com cópia para o senhor General, Jorge Enrique Mora Rangel.
Nos dirigimos à Associação Nacional de Oficiais Reformados das Forças Militares, ACORE, com a intenção de expressar-lhes respeitosa, clara e sinceramente nossos pontos de vista sobre as medidas que em matéria de justiça, entendemos, são necessárias para alcançar um Acordo de Paz que ponha fim ao conflito armado que dessangra a nossa pátria desde há mais de 50 anos.
As FARC-EP têm exercido o mesmo direito à rebelião que contra a injustiça e a opressão tomaram em suas mãos os comuneiros e depois o Exército Libertador e todo o povo para libertar-nos do então jugo opressor espanhol. Agora, como naquela época, as atuações realizadas pelos rebeldes em prol de alcançar seus legítimos objetivos devem ser tratadas como delitos políticos e como tal anistiadas. Este é o mandato da Constituição Política, apesar de que, ao longo dos últimos vinte anos, o Estado tentou negar à insurgência a condição de alçados em armas, reduzindo assim uma essencial característica de nossa história a uma simplista qualificação de terrorismo.
Entendemos que as medidas que em matéria de Justiça sejam adotadas nestas conversações de paz não podem ser simétricas para todos os que nos enfrentamos nesta guerra, posto que cada beligerante desfruta de diferentes estatutos jurídicos. Porém, sem dúvida alguma, todos devem desfrutar de equidade, tratamento equilibrado e benefícios jurídicos, proporcionais à necessária verdade que devemos oferecer ao país, à nossa determinação para assumir responsabilidades e a nosso compromisso com a reparação às vítimas do conflito. Não se pode esperar outra coisa daqueles aos quais a valentia se lhes pressupõe.
Assentada a anterior premissa, afirmamos que as Conversações de Paz não podem converter-se num processo judicial contra as FARC-EP nem contra as Forças Militares, sendo a natureza dos Diálogos eminentemente política, pelo que esse mesmo caráter deverá ter a solução que alcancemos para terminar a guerra. Por isso afirmamos que condicionar o êxito do processo de paz ao encarceramento de qualquer beligerante é uma mera opção política, não jurídica, que está condenada ao fracasso.
Para qualquer consciência democrática, os Crimes de Estado são a maior das possíveis perversões do poder público, já que a legitimidade do Estado para exercer o monopólio das armas provém de sua obrigação de respeitar a legalidade e usar a força unicamente com a finalidade de defender o bem comum e os direitos fundamentais dos cidadãos. Porém, igualmente, cremos que não se pode atribuir exclusivamente às Forças Armadas e policiais colombianas a responsabilidade última por esses graves crimes, porque num Estado democrático a cadeia de mando tem sua cúpula no poder político, e a este não lhe alcança imunidade quando atua contra os direitos fundamentais de seu povo. Em Colômbia, com frequência as forças do Estado têm sido utilizadas pelos dirigentes políticos e poderes econômicos para a execução de feitos criminais em benefício de interesses particulares, habitualmente também mediante alianças com organizações mafiosas e narcotraficantes.
Pelo acima exposto, opinamos que o Foro Penal Militar se oferece aos membros das Forças Militares para que, aceitando-o e submetendo-se a ele, se reconheçam individualmente como máximos responsáveis pelos crimes de Estado. Sua aprovação suporá a expressa acusação à instituição militar e a seus integrantes como máximos responsáveis pelos delitos cometidos pelo Estado e por seus auxiliadores durante o conflito armado interno, ademais de impedir-lhes de desfrutar dos benefícios jurídicos oriundos do processo de paz.
A Verdade, o fim da impunidade, a Reparação e Restauração do dano causado e as garantias de Não Repetição são, para nós outros, os componentes do modelo de Justiça que deve se aplicar após o Acordo de Paz.
Negamos que a obrigação do Estado de procurar Justiça equivalha a um imperativo de julgar num processo judicial, senão que consiste numa obrigação de pôr em marcha processos de caráter sancionador que esclareçam responsabilidades, sancionando ou eximindo de responsabilidade em seu caso. No caso do direito interno colombiano, mediante norma constitucional, se contemplam expressamente “instrumentos de justiça transicional de caráter [...] extrajudicial que permitam garantir os deveres estatais de investigação e sanção”, que podem impor sanções de caráter restaurativo, produzindo efeito de coisa julgada universal e impedindo assim futuras reclamações ante qualquer instância ou jurisdição nacional ou internacional. Por distintas considerações, especialmente éticas, esta opção deve e pode contar com a necessária aprovação das vítimas do conflito, o qual acreditamos possível.
Por tudo isso, os convidamos a um encontro com a Delegação de Paz das FARC em Havana, onde, com a assistência de nossos assessores jurídicos, possamos falar detidamente dos cenários que contemplamos para alcançar uma solução em matéria de Justiça aceitável para todos. Nos assiste a certeza de que sem sua opinião não é possível a construção de uma paz estável e duradoura para a Colômbia.
Finalmente, lhes sugerimos, muito comedidamente, compartilhar o conteúdo desta missiva com os oficiais e soldados do exército e com as organizações de reformados da Polícia Nacional.
Esperamos de sua parte uma resposta positiva às motivações desta carta.
Cordial saudação,
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP

-- 
Equipe ANNCOL - Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...