Resumen Latinoamericano /
Semanario Voz / 18 de julho de 2015 – Entrevista exclusiva para www.semanariovoz.com com o diretor de
VOZ e dirigente d Partido Comunista Colombiano, Carlos A. Lozano Guillén, está à
disposição dos meios de comunicação. Pode ser divulgada e reproduzida com
liberdade sempre e quando respeitado o texto original
Encontramos Carlos A. Lozano Guillén, diretor de
VOZ, dirigente comunista e uma das vozes mais conhecidas em matéria de paz,
trancado em sua residência de Santa Isabel no centro de Bogotá, rodeado de
livros e papeis em seu escritório, onde costuma trabalhar até altas horas da
noite. “Esta semana posso fazê-lo porque descanso da quimioterapia. Na próxima
será difícil fazer isto porque na terça-feira receberei outra dose e os efeitos
são duros, não me permitindo trabalhar com inteira capacidade”. Está muito
melhor, o encontramos de bom humor ainda que nos explique que o tratamento é
longo e seja necessário esperar até outubro para constatar se fez o efeito
desejado. É otimista e acredita que conseguirá recuperar a saúde.
Eventos importantes estão ocorrendo nos diálogos de
Havana. As FARC-EP acabam de declarar um novo cessar-fogo unilateral, a partir
do próximo 20 de julho e por um mês. Porém, como Lozano disse, “os gestos do
governo de Juan Manuel Santos não são vistos em nenhuma parte”. Existe uma
ofensiva da extrema direita e dos “inimigos da paz de dentro e fora do governo”
que tem importunado o presidente Santos, que não a enfrenta com coragem,
apoiando-se no poder. Observa-se um mandatário sozinho, fazendo concessões e
dando mais ênfase à guerra que à paz.
Graças à intervenção dos países garantidores, à
decisão das FARC-EP do cessar-fogo unilateral e à pressão internacional e
nacional, o governo se viu obrigado a chegar a um acordo em Havana, no domingo,
12 de julho passado, no qual se comprometeu a adotar medidas para baixar a
intensidade do conflito a partir da trégua unilateral insurgente, ainda que o
presidente Santos tenha insistido no ultimato, desta vez para dentro de quatro
meses, quando avaliará o funcionamento do cessar-fogo unilateral. “É como
acender uma vela para Deus e outra para o diabo”, disse o Diretor de VOZ.
Sobre estas características da
situação política o semanário VOZ falou com Carlos Lozano.
A crise
dos diálogos
Qual sua opinião sobre o acordo
de domingo, 12 de julho passado, na Mesa de Diálogos de Havana?
É muito importante, esperançoso, como
disseram em Havana os porta-vozes da guerrilha. As FARC-EP decretaram o
cessar-fogo unilateral a partir de 20 de julho (já o tinham feito antes) e o
governo corresponderá com medidas para diminuir o conflito, sem precisar bem
quais serão. Espera-se que seja a suspensão dos bombardeios que tanto afetam a
população civil e o meio ambiente, acabando com tudo que existe a seu redor. Agilizar
em Havana e diminuir o conflito é o título do comunicado conjunto #55. Visam acordar
sem demoras o cessar-fogo bilateral e a entrega de armas. É preciso
reconstruir, respeitando o cronograma e buscando acordos de consenso e não
impostos por nenhuma das partes, a confiança que influirá em maior aceitação
dos colombianos do processo de diálogos e do apoio à paz.
Não se resolvem, é claro, aspectos nucleares como o
da justiça e das reformas políticas e sociais, porque existem diferenças óbvias
entre as partes. Uns representam a mudança revolucionária, outros o freio, o
status quo. Assim, de uma maneira simplista. Porém, não me agrada a atitude do
governo que recebe com certa desconfiança o acordo e fixa o ultimato em quatro
meses, que são dados para diminuir o conflito. Uma vez feito o balanço pela
parte governamental, será definida a continuidade ou não na mesa. É como
acender uma vela para Deus e outra para o diabo. O governo permanece na posição
medíocre de não defender de frente o processo de paz e prefere enviar mensagens
para Uribe, para Ordóñez e para os militares golpistas, tranquilizando-os. Essa
atitude não é boa porque é uma mensagem contrária à opinião nacional e não gera
confiança à força insurgente.
Como qualifica a decisão das FARC
de declarar, antes do último acordo, o cessar-fogo unilateral?
É uma decisão audaz e construtiva, um novo
gesto de vontade de paz da guerrilha em Havana. Oxigena o processo em meio às
dificuldades, quando estava em agonia por querer do governo e da classe
dominante. Santos provocou a suspensão do cessar-fogo unilateral e reiniciou os
bombardeios, em meio a ameaças e ultimatos. Quer a guerrilha rendida,
entregando as armas e seus principais dirigentes no cárcere, evitando as
reformas políticas e sociais chaves para superar as causas do conflito. É uma
visão equivocada dos diálogos de paz, onde se considera que os gestos e os
compromissos são unilaterais e o Estado colombiano não tem nada a conceder. A
guerrilha demonstrou vários deles e os gestos governamentais não aparecem em
nenhuma parte.
Que gestos deve apresentar o
governo?
As FARC-EP com esta última trégua unilateral
completa seis ao longo dos diálogos da Mesa de Havana: entregou os
‘prisioneiros de guerra’, incluindo o general Alzate, decretou o fim das
retenções econômicas e esteve disposta a contribuir na chamada diminuição do
confronto (desminagem, crianças na guerra, respeito às mulheres combatentes), entre
outras. O governo não apresentou nenhum, nem na mesa nem fora dela. Aproveitou
o cessar unilateral para obter vantagem militar, continua reprimindo a luta
social, popular e as mobilizações, ao mesmo tempo em que as prisões se enchem
de presos políticos. Hoje são mais de 9.000.
Em Havana, os porta-vozes governamentais falam de
paz, mas na Colômbia Santos promove a guerra, não apenas porque aprofunda o
confronto armado, sim porque implanta mais medidas neoliberais e antipopulares,
como o Plano Nacional de Desenvolvimento. A desigualdade cresce, a brecha é
cada vez maior, enquanto nega a “concertación social” com os trabalhadores, os
camponeses, os indígenas, os afrodescendentes, os jovens, as mulheres e os LGBTI.
O governo não satisfaz nenhum setor popular, no que
se refere aos direitos e reivindicações. Quando chega a se comprometer mediante
acordos, afirma desconhecê-los, como ocorreu com a Cúpula Agrária. No entanto,
os privilégios e regalias são para as transnacionais, para os poderosos grupos
econômicos, o setor financeiro, latifundiários e pecuaristas. Afiança-se o
poder plutocrático para proteger os interesses da oligarquia e do capital
estrangeiro com o conto da confiança investidora. Em contraposição à paz e aos
acordos parciais de Havana, deu passe-livre aos TLC, tão nocivos que o papa
Francisco os criticou na recente viagem pela América Latina.
Creio que o presidente é refém dos belicistas. A
cúpula militar, pelo menos a maioria, não quer a paz, e mais, pressiona a
ruptura dos diálogos. Além disso, a extrema direita o pressiona e faz
chantagem, o conhece muito bem, pois foi “ministro estrela” de Uribe. Santos
está mais próximo de Uribe que da paz. Suas diferenças são de forma, porém no
fundo, na estrutura do Estado antidemocrático, no modelo neoliberal, na
confiança investidora e em outros despropósitos oligárquicos estão de acordo.
Então, o que fazer?
O que sempre fizemos. Ganhar os espaços na
luta popular de massas. “Colocando o povo no processo”. O caminho é fortalecer
a Frente Ampla pela Paz como um projeto independente, que pressione a saída
política dialogada e se converta em opção de poder popular. Equivocam-se
aqueles que acreditam que o papel da Frente Ampla é estar na cola do Governo
para respaldá-lo na política de paz, cada vez mais vazia e oportunista. O apoio
à reeleição foi pertinente, no entendimento de que era necessário frear a
vitória, que parecia iminente, da extrema direita uribista. E nada mais. Não
existiu um acordo programático porque nada nos identifica com o projeto neoliberal
de Santos, o mesmo da oligarquia, do governo e da extrema direita uribista. Santos
nos deve a vitória e tem que cumprir. Porém, insisto: o precedente é a ação de
massas, a pressão popular, articular o movimento com a luta pela paz e pelas
reformas que assegurem a paz e a unidade popular.
Na direita e, inclusive na
esquerda, alguns dizem que as FARC-EP não querem a paz, que está no mesmo jogo
de sempre, de aproveitar estes processos para se fortalecer. Qual sua opinião?
Escrevi um livro que foi lançado na última
Feira Internacional do Livro, em Bogotá, com o título de “Las FARC-EP sí
quieren la paz” [As FARC-EP querem a paz]. É o testemunho de conversas,
entrevistas e análises baseadas na realidade de que chegou o momento da paz com
democracia e justiça social como nunca antes existiu. Há poucas semanas, Iván
Márquez leu uma declaração em que as FARC-EP asseguram, sem rodeios, que querem
pactuar a paz com Santos. Disseram isso no momento mais difícil do processo,
quando a “grande imprensa” e a direita reclamavam suspender ou romper os
diálogos. De alguma maneira, estabeleceram a temporalidade que tanto exige
Santos, porque seu governo, como todos, possui um tempo fixo, um período de
quatro anos dos quais já restam quase três.
Não é muito otimista a apreciação?
Não acredito. Sim, com a Mesa de Havana se
conjuga a luta popular e a pressão das massas. A Frente Ampla tem que se
converter em uma força alternativa democrática para a paz e a justiça social. Estão
dadas as condições para a paz estável e duradoura. Por isso, a alternativa à
crise é manter o diálogo e buscar saídas. A guerra fracassou como solução do
conflito. Nenhuma das partes obteve vitória, o conflito está degradado e é uma
tragédia nacional. É preciso colocar um ponto final. Nós revolucionários somos
humanistas e não podemos resolver o drama social a tiros e com violência quando
ela traz consequências funestas e terríveis para a população.
Deve-se entender que a luta
armada foi um erro?
A luta armada guerrilheira não foi inventada.
Nem pelo Partido Comunista nem pelos camponeses que decidiram armar-se ante a
violência do poder dominante. Ela obedeceu a causas profundas e históricas. A
análise disso foi aprofundada pela Comissão de História, subestimada pelos
porta-vozes governamentais que possuem pavor da academia e do registro
histórico dos fatos e conflitos no país e no mundo. É uma posição retrógrada,
reacionária e bestial, que não reconhece a contribuição que estes textos podem
promover à verdade, à justiça, à reparação e à não repetição.
A luta armada não surgiu porque sim. Adotou as
modalidades a cada conjuntura histórica e a cada etapa do processo político e
social. Não é um problema de “combinação das formas de luta”, que é a forma
vulgar de explicá-lo. A combinação das formas de luta de massas não é um
decreto ou uma lei revolucionária, é a explicação de uma realidade colombiana,
uma espécie de radiografia social de nossa própria realidade, em que a luta de
massas se expressa de múltiplas formas, entre elas a ação armada guerrilheira. Neste
sentido, o movimento guerrilheiro se converteu em uma força fundamental para as
mudanças no entendimento de que a prioridade sempre está nas lutas democráticas
e de massas no campo e na cidade.
Lembre que a primeira expressão da resistência
armada foi a autodefesa de massas, ou seja, os camponeses na metade do século
passado, tomaram as armas para se defender da violência dos latifundiários
apoiados pelo Estado, durante as ditaduras conservadoras de Mariano Ospina
Pérez e Laureano Gómez. Desse movimento fizeram parte os liberais, ainda que
hoje não queiram recordar isso, apagando este fato da memória histórica.
Quando veio a ditadura militar em 1953, o general Rojas
Pinilla falou de paz, os liberais se entregaram à custa da morte de vários de
seus dirigentes. As guerrilhas revolucionárias se instalaram no sul do país, em
plano defensivo, esperando que se ponderasse a política do governo, orientada à
ditadura e ao anticomunismo vulgar e fazendo chamados à paz.
Chegou a Frente Nacional anunciando a paz e o que
fez foi bombardear Marquetalia, El Pato, Riochiquito e Guayabero, tentando
aniquilar a pequena força guerrilheira. Isso produziu a mudança estratégia e o
movimento se converteu em uma força guerrilheira política e militar, cuja ação
se baseou na guerra de guerrilhas, ainda que sempre propondo o diálogo e a paz,
repudiados pelo governo de Guillermo León Valencia, sob a pressão do tenebroso
Álvaro Gómez Hurtado, filho do “monstro” Laureano Gómez.
Nos anos oitenta e noventa, novas tentativas de paz
foram fracassadas pela relutância do poder às reformas políticas e sociais para
remover as causas do conflito. Fracassaram as tentativas com Belisario
Betancur, César Gaviria Trujillo e Andrés Pastrana. O genocídio da União
Patriótica, nos anos oitenta, gerou desconfiança na insurgência porque a violência
por parte do poder determinou este aniquilamento horrível de toda uma organização
política. O genocídio foi perpetrado pelos paramilitares com o respaldo da
força pública, de políticos nacionais e regionais tradicionais, latifundiários,
pecuaristas, empresários e narcotraficantes, uma verdadeira trama criminosa que
demonstrou a oposição à paz e às mudanças democráticas.
Como você vê, estamos ante um poder violento, que
se nega à democracia, fechado às mudanças avançadas na vida nacional. Olhe
você, tudo isso foi denunciado pela Corporação Paz e Segurança, que na campanha
eleitoral de outubro do presente ano (eleições regionais) existem 140
candidatos com estreitos laços com o paramilitarismo, o narcotráfico e as
máfias, que lucram com o poder. Santos guarda silêncio porque esses candidatos
são endossados pelo Partido Liberal, pelo Partido Conservador, a U (do
presidente Santos), Mudança Radical (do vice-presidente Vargas Lleras), Opção
Cidadã, todos da Unidade Nacional (governista) e do Centro Democrático uribista.
Nestas condições, é difícil a paz; não se criam condições quando o governo está
fechado à democracia, às liberdades e ao chamado Estado Social de Direito. A
paz é possível com uma nova ordem política, econômica e social.
Está claro. Porém,
onde se encaixam as fases da violência na Colômbia neste quadro que você
descreve?
Estão
nesse marco. Sociólogos,
historiadores e analistas do Partido Comunista Colombiano atribuem quatro
etapas à violência na Colômbia, desde a metade do século passado até nossos
dias: de 1948, após o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán pela direita
conservadora e pela CIA, até 1953, golpe militar de Rojas Pinilla; de 1953 a
1957, durante a ditadura, anticomunismo que ilegalizou o partido na
Constituinte de bolso; de 1957 a 1964, com o ataque a Marquetalia, El Pato,
Riochouito e Guayabero; e de 1964 até nossos dias. No entanto, numa moderna
visão, coloca-se uma quinta etapa, desde 1984 até nossos dias, mais complexa
porque é a do paramilitarismo, o genocídio da União Patriótica e dos processos
de paz. É uma etapa de agudas lutas na qual fracassa a via militar e se abre
caminho para a necessidade da solução política dialogada mediante a abertura
democrática e social.
Outro tema: Quais são os erros de
maior destaque do presidente Santos nos diálogos de Havana?
Crer que está frente a uma guerrilha e como
tal pretende tratá-la em um processo de paz com duas partes envolvidas; a
modalidade de dialogar em meio ao conflito. Não requer maior explicação porque o
objetivo essencial é a entrega das armas, a desmobilização e as regalias, ainda
que com uma justiça inquisitorial e exclusiva, pois não incorpora os responsáveis
e impõe decisões unilaterais, perdendo de vista a estrita bilateralidade da crise;
não entender que o fundamental são as reformas, as mudanças no Estado para
fortalecer a democracia e a justiça social. Por isso, para ele, é a partir do
Estado de violência e promotor dos crimes em todos os tempos, prestar-se ao
vaivém das concessões, tolerar a ambiguidade nas fileiras governamentais e dar
demasiadas explicações a Uribe e Ordóñez, vilões inimigos da paz.
Quer dizer que se chegou em
Havana ao ponto de não retorno?
Ainda não. Falta um longo trecho a ser
percorrido. Ficam pendentes temas chaves, como justiça, entrega de armas,
garantias, mecanismos de referendo e o que está na geladeira. Tudo isso deve
ser definido. Porém, digo uma coisa: Tenho certeza de que se chegar a um acordo
sobre justiça, o processo chegará ao ponto de não retorno. Este é um acordo
fundamental. A verdade, a justiça e a reparação não estão associadas a
represálias e à prisão. Isso foi dito de Kofi Anan até outras importantes
personalidades internacionais. Na Colômbia, a oligarquia tem uma posição não só
de vingança, mas de subtrair sua própria responsabilidade sobre a violência na
Colômbia. Foi ela que converteu o Estado em instrumento violento de dominação,
agora não quer reconciliar.
¿Referendo ou Assembleia Nacional
Constituinte?
Definitivamente Assembleia Nacional
Constituinte, que permite uma maior participação do cidadão e de suas
organizações. É o poder constituinte convertido em instrumento fundamental de
mudança. Nela se podem ratificar os acordos, dirimir os desacordos e abordar
outras reformas políticas e sociais de fundo na vida do país. Por que a classe
dominante tem medo da Constituinte? Por conta de seu pavor à
democracia. O dia em que
este país conquistar uma real abertura de liberdades, direitos e autênticos
mecanismos de participação respeitados por todos, começará a oscilar o poder
destes parasitas que enriquecem do erário e do que tiram dos camponeses e dos
trabalhadores.
Obrigado,
camarada Carlos. Desejamos rápida recuperação.
Fonte:
http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/07/21/colombia-farc-ep-oxigenan-los-dialogos-de-paz/
Tradução: Partido Comunista
Brasileiro (PCB)
--
Partido Comunista Brasileiro – Fundado em 25 de Março de 1922
Nenhum comentário:
Postar um comentário