Quando a carta encíclica do Papa Francisco
sobre o meio ambiente for publicada em 18 de junho,
parecerá óbvio para a maioria das pessoas quem é o santo
padroeiro do documento: São Francisco de Assis, o
grande amante de toda a criação que viveu nos séculos XII e XIII
e cujo famoso “Cântico das Criaturas” dá o título aotexto
pontifício: Laudato Si'.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada
por Crux, 11-06-2015. A tradução é de
Isaque Gomes Correa.
No entanto, Francisco deixou escapar nesta
quinta-feira (11 de junho) uma pista indireta de que há um outro
forte candidato a patrono, alguém muito mais perto no tempo e que
ainda não foi declarado santo formalmente: a Irmã Dorothy
Stang, missionária americana assassinada no Brasil em
2005 ao defender a floresta amazônica e os direitos dos
agricultores pobres.
Irmã Dorothy é lembrada hoje como a “Mártir
da Amazônia”, e a causa pela qual ela doou sua vida
parece pronta para formar um componente central da pauta ambiental
de Francisco.
Na quinta-feira, em declarações
à
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura –
FAO, Francisco disse que as mudanças
climáticas não constituem o único perigo ecológico da atualidade
e advertiu que a crescente dependência de biocombustíveis também
é algo perigoso – principalmente quando tal dependência suplanta
a produção de alimentos e agrava a fome global.
Não há dúvida de que o pontífice latino-americano estava, em
parte, pensando na Amazônia, onde a produção de
biocombustíveis está, ao mesmo tempo, levando a uma nova onda de
desmatamento e reduzindo a quantidade de terras destinadas a
culturas alimentares. De acordo com a Oxfam International,
em 2012 a quantidade de culturas consumidas como biocombustível
pelos países do G8, a maior parte da qual é produzida no Brasil
e na Indonésia, poderia ter alimentado mais de 441
milhões de pessoas durante um ano inteiro.
O discurso de Francisco à FAO
sugeriu que o desmatamento e a relação entre ambientalismo e a
fome será uma das principais preocupações da Laudato Si.
Na história católica contemporânea, poucas pessoas estão mais
ligadas a essas questões do que a Irmã Dorothy.
Quando esta irmã estava entre nós, os biocombustíveis recém
davam os seus primeiros passos. A principal ameaça à Amazônia
vinha de fazendeiros em grande escala, que impiedosamente afetavam
os agricultores em suas terras ateando fogo nas propriedades a fim
de limpá-las, muitas vezes comprando por fora policiais e juízes
para fazerem vista grossa. A Irmã Dorothy era um
dos poucos missionários estrangeiros na região, e a defesa da
floresta tornou-se o trabalho de sua vida.
Dorothy Stang cresceu em Dayton, Ohio,
juntando-se às Irmãs de Notre Dame de Namur aos
17 anos com o sonho de servir no exterior. Em 1966, ela partiu para
a cidade de Coroatá, no Brasil, onde sua primeira
missão era educar os agricultores locais com nenhuma escolaridade
formal.
Quando o desmatamento em grande escala começou na década de
1970, a Irmã Dorothy se mudou para a cidade de
Anapu, descrita na época como o “Wild West”
(oeste selvagem) da Amazônia brasileira.
A Irmã Roseanne Murphy, biógrafa da religiosa
assassinada, definiu o cenário: “Região sem lei. Se os
fazendeiros querem mais terra para o gado, eles simplesmente mandam
bandidos com armas dizerem: ‘Esta terra é nossa agora’”.
Conhecida por vestir camisetas, bermudas e um boné, a Irmã
Dorothy Stang surgiu como a defensora dos agricultores, dos
grupos indígenas e da própria floresta. Uma de suas camisetas
favoritas trazia o dizer: “A morte da floresta é o fim da nossa
vida”.
Dorothy acampava do lado de fora de delegacias
de polícia e de tribunais, exigindo que os direitos do seu povo
fossem respeitados. A certa altura, fazendeiros locais estabeleceram
uma recompensa de 50 mil dólares por sua cabeça.
“Eu não quero fugir nem abandonar a batalha desses
agricultores que vivem sem qualquer proteção”, disse a
religiosa. “Eles têm o direito sagrado de aspirar a uma vida
melhor na terra, onde possam viver e trabalhar com dignidade,
respeitando o meio ambiente”.
A sua vez veio em fevereiro de 2005, quando um poderoso
fazendeiro local ordenou que as casas pertencentes a 12 agricultores
fossem queimadas; estas ficavam ironicamente numa localidade chamada
“Esperança”. A irmã organizou um encontro para incentivar os
agricultores a permanecerem firmes na luta.
Ela convidou os pistoleiros que trabalhavam para o fazendeiro
para se fazerem presentes, na tentativa de fazer com que eles não
fizessem uso da violência. De acordo com o testemunho em juízo de
um desses pistoleiros, a irmã foi com eles até a reunião,
mostrando-lhes a terra que pertencia aos agricultores.
Eles perguntaram se ela tinha uma arma, levando-a a tirar uma
Bíblia e dizer-lhes que esta era a única arma que possuía.
Dorothy leu para eles um trecho das
Bem-Aventuranças: “Felizes os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus”.
Obviamente não comovidos, atiraram em Dorothy sete vezes,
deixando o cadáver em uma estrada. Ela tinha 73 anos na época,
tendo atuado no Brasil por 39 anos.
David
Stang, irmão de Dorothy, foi talvez
quem melhor capturou o seu legado.
“Às vezes pensamos das freiras como sendo mulheres gentis,
vestidas com hábitos, e dizemos: ‘Não serão elas servas
boazinhas?’ Ela não era isso. Ela não era nada disso. Ela
escolheu ser uma serva, mas não era escrava de ninguém”.
A sua história é um poderoso lembrete de que a Laudato
Si tem um histórico de lutas. O terreno para este
manifesto ambiental do Papa Francisco foi preparado
pelo testemunho e pela coragem de dezenas de pensadores católicos,
pastores e ativistas, e poucos se doaram mais para fazê-lo possível
do que Dorothy Stang.
--
Equipe ANNCOL - Brasil
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário