sexta-feira, 12 de junho de 2015

Nem paz neoliberal, nem "guerra instrumentalizada pelo capital": Mobilização pela paz com justiça social.

Há aqueles que com sofismas pretendem fazer crer que uma “paz neoliberal” é mais importante que uma paz com justiça social e democracia ampliada. Como na heróica luta dos povos palestino e curdo, em Colômbia não há incompatibilidade entre a mobilização popular de massas –agrária e urbana- e a prolongada e tenaz resistência campesina contra a violência da oligarquia dominante. Não foram as classes subalternas as que inventaram a violência política. É o bloco oligárquico de poder que recorreu ao desmando desenfreado, com centenas de milhares de mortos e desaparecidos, para manter perpetuamente seus privilégios.

Jose Antonio Gutierrez 
Horacio Duque.
 
Ah, se não fora pela “guerra”, a esquerda já teria alcançado o poder. Assim raciocinam alguns setores social-liberais, que imaginam que no dia em que as guerrilhas revolucionárias já não existam, então, aí, sim, a oligarquia vai jogar limpo, não assassinará a oposição, deixaria de perseguir, assassinar e estigmatizar etc. O movimento guerrilheiro seria uma espécie de idiotas úteis, um grupo funcional à oligarquia que, sem eles, careceria de “desculpas” para continuar reprimindo.
Estes setores esquecem que a oligarquia começou a exterminar a oposição desde muito antes de os movimentos guerrilheiros surgirem. E mais, se esquecem que as guerrilhas em Colômbia nasceram, de fato, como uma resposta à violência estatal, não pelo capricho de alguns esquerdistas delirantes intoxicados ideologicamente, mas sim como autodefesas campesinas. Aí está a origem das FARC-EP, nos núcleos de campesinos armados em Cauca, Sul e Oriente de Tolima e Sumapaz. O mais grave é que estes setores assumem a “tese uribista” de que o surgimento da guerrilha foi uma decisão voluntarista e artificial de parte de uns conspiradores de esquerda e que a guerra é uma imposição absurda dos revolucionários. Tese que é incorreta desde o ponto de vista histórico e, o pior, é uma tese de perigosas consequências no campo político, que supostamente se quer libertar da distorção ideológica guerrilheirista. Com essa logomaquia se chegou até ao ponto de afirmar que as responsáveis pelo extermínio da União Patriótica eram as organizações guerrilheiras, por não tomar distância delas.
Antes de tudo, confundem o fenômeno com sua manifestação. Falam da “guerra” em abstrato, como se fora uma entidade com vida própria. A guerra é a expressão concreta da dominação de classe em Colômbia; é a maneira concreta como a oligarquia, tanto a nível de Estado como a nível regional, expressou seu domínio, seu controle sobre as classes subalternas. Não é uma guerra “instrumentalizada” pelo Capital; é uma guerra iniciada por este em meio às tensões da modernização capitalista desde a década de 20 [século passado] em diante. É a maneira sangrenta e concreta em que se fez a acumulação de Capital, mediante o despojo ao campesinato e a desarticulação de toda forma de resistência operária e popular à exploração desenfreada. Porém, o problema não é a “guerra” e sim esse tipo particular de domínio de classe, do qual a guerra é apenas a expressão. 
A luta guerrilheira, em vez de ser funcional a esta violência de classe, tem sido uma das manifestações da resistência popular contra o saqueio e a violência dos de cima. Objetivamente, o movimento guerrilheiro tem sido um dique de contenção à expansão da economia mineiro-extrativista, de mega-projetos e, mais tradicionalmente, da expansão do latifúndio. Se não fossem as guerrilhas, já não restariam campesinos em Colômbia. É um fato que onde ainda existe campesinato é porque ainda há insurgência. Não é casual que em muitos territórios os campesinos demonstram inquietação em relação ao tipo de paz que se vai alcançar e, sobretudo, para o tema do desarmamento. Em muitos territórios, temos ouvido campesinos declararem “Se entregam as armas, quem vai nos defender? Quem vai se contrapor aos que querem arrancar os recursos e deixar-nos o buraco na terra?”. Isto é uma realidade, ainda que os meios de comunicação o ignorem ou o neguem. Se os insurgentes não têm podido evitar totalmente o avanço das locomotivas e do monopólio monstruoso de terras, é pela assimetria das partes na contenda, porém para ninguém é um segredo que um dos interesses do grande capital em que se firme a paz é para poder levar os investimentos às zonas onde hoje não podem entrar porque marca presença o movimento insurgente. A “guerra” não é uma mera instrumentalização do Capital, expressão que banaliza o sentido da resistência dos campesinos em armas e que minimiza seu impacto no terreno concreto da luta de classes. Se assim fosse, o Capital e seus agentes políticos não estariam negociando em Havana a terminação do conflito social e armado colombiano.
Aqueles que creem que uma “paz neoliberal”, ou que a desmobilização ou o desaparecimento, ou a derrota dos guerrilheiros vai gerar condições para que o povo se organize e avance em suas demandas, pois já não estaria o “grande obstáculo” que supostamente teria o movimento popular, fariam bem não só em recordar a história como também em ver o resultado da paz neoliberal em países centro-americanos como El Salvador ou Guatemala. A “paz neoliberal”, essa paz minimalista que foi pouco menos que uma desmobilização que não alterou, no fundamental, nenhuma estrutura do poder, é uma paz assassina, é uma paz violenta, na qual morre mais gente de morte violenta que quando se estava em guerra. É uma paz sob um projeto social que generaliza a anomia e que desintegra a sociedade, dando passagem às estratégias imperialistas de maior ingerência nas nações centro-americanas, como sucede com o Plan Mérida e seus milhares de mortos e massacres como em México e El Salvador. Uma paz vigiada, onde os exércitos mercenários privados continuem a serviço dos poderosos, como se nada, para continuar massacrando sonhos assim que os veem surgir. Esse é o modelo de paz que queremos para a Colômbia e seu povo? 
O momento é crucial. Os riscos que o movimento popular enfrenta são graves. A aplicação das fórmulas de outros países sul-americanos ao caso colombiano, de maneira mecânica, é uma receita para o fracasso. Colômbia não é nem Porto Alegre, nem Equador, nem Bolívia, nem Venezuela. É um país onde a tolerância às expressões dissidentes é mínima, e no qual a violência contra a oposição se expressa numa agressão constante mediante o paramilitarismo e os bandos criminais. O espaço democrático é mínimo e somente pode ser ocupado pelos que não tenham nenhuma ambição transformadora. Que haja “esquerdistas envelhecidos”, cheios de ceticismo crônico, agoniados com teorias inúteis, que não aprenderam nada da experiência da UP é lamentável; mais ainda quando o dessangramento de líderes populares e de ativistas continua firme e o Estado não dá nenhuma mostra de enfrentar a máquina paramilitar, como estamos vendo com os martirizados indígenas Nasa do Cauca, objeto do mais criminal extermínio pelas brigadas militares da região. Se não se altera esta realidade no terreno, na realidade, da luta de classes, que é onde se sustenta todo o edifício institucional, qualquer intentona democrática seria afogada em sangue. 
Que tipo de acordo é o que saia de Havana, que tipo de paz se alcance, inclusive como se alcance, se se consegue como fruto de um acordo entre duas partes num país distante, ou como um acordo que se alcance também com a pressão e a luta das grandes massas que têm mil e uma razões para protestar, tudo isto importa. Nesta luta pela paz, o problema não é se a paz é neoliberal ou com justiça social. O problema é que sem justiça social pode ser que não haja guerrilha, porém não haverá paz. E os pobres continuarão morrendo: deslocados pela mega mineração e pela agroindústria, de física fome como na Guajira, sob a balas de sicários e paramilitares a serviço de poderosos interesses econômicos, legais ou ilegais. Essa paz neoliberal que se vislumbra nas metas do Plano de Desenvolvimento Nacional santifica o enriquecimento por despojo e levaria a uma sociedade francamente canibal. Resistir a esse modelo é uma necessidade: e a pressão por conquistar um acordo o mais favorável possível para os interesses populares entre o governo e a insurgência é mais um dos muitos espaços de resistência nos quais o povo deve assumir seu protagonismo. O povo colombiano pode muito mais.
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Equipe ANNCOL - Brasil

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