Por
Luz Marina López Espinosa
Dentro do muito –excessivo- que se escreve sobre o processo de paz em curso entre o governo da Colômbia e a insurgência das FARC há um elemento que, salvo os analistas e comentaristas claramente de esquerda, a grande maioria cuida muito de mencionar: o do verdadeiro risco que as conversações de paz têm, e conspiram contra seu resultado exitoso.
Quase
todos os analistas, na verdade apenas “opinadores”, generosamente
acolhidos pelos meios de imprensa, são funcionais à missão
essencial destes como aparelhos ideológicos do regime
político-econômico. E assim centram suas “análises” em dizer
coisas tão ineptas e por fora da história como que “o governo
está entregando o país à guerrilha”, que esta na mesa atua “de
maneira soberba e impositiva frente a uma delegação oficial
timorata e claudicante”, que “o modelo militar e o econômico já
se negociou em segredo para implementar o da subversão” etc. Na
verdade, puras sandices.
Há
algo que o Estabelecimento, cuja estirpe é claramente autoritária e
depreciativa dos clamores das maiorias desfavorecidas de cujas
angústias é responsável, se empenha em desconhecer contra toda
evidência: é que as FARC têm sido as que sempre tiveram a
iniciativa da solução negociada do conflito. Porém, ademais, e é
o mais significativo, que elas, ao sentarem-se a dialogar, já
renunciaram ao que desde sempre foi a justificativa da sempiterna
direita governante para desqualificá-las política e moralmente: sua
pretensão de chegar ao poder pela via armada.
Porém,
somado ao anterior, também renunciaram a ver já realizado seu sonho
revolucionário de um estado comunista ou socialista –de verdade-,
sem donos dos meios de produção afogados no ouro e milhões catando
comida nas latas de lixo; sem bancos que se resgatam com dinheiros
públicos e hospitais que se fecham “por não serem rentáveis”,
sem um exército “nacional” a serviço do capital, e sem uma
Chancelaria dependência menor servil ao Departamento de Estado.
Renunciaram a muito, e o fazem sinceramente. Por isso, soam
hipócritas e mentirosas as queixas da extrema-direita –ela, tão
ditatorial, militarista e tão indolente às convulsões sociais- no
sentido de que “a guerrilha, que tem dado?, “a guerrilha, em que
transige?”. Tem dado tudo na mesa: renunciar à via militar para
seu projeto político, obtendo a que em troca disso o Estado tampouco
vai adotá-lo como fruto do acordo de paz. Isto o tem demasiado
claro, entre outras coisas porque não são iludidos nem ignorantes,
não creem que Humberto de la Calle e os generais Mora Rangel e
Naranjo representem o pensamento libertário, socialista e anti
neoliberal.
E
o risco fatal? Que é o que a cada minuto põe as conversações de
paz às portas do fracasso iminente, do qual o resgatou não uma
senão que muitas vezes a honrada teima da guerrilha em pactuar a
paz? A resposta a tão crucial pergunta não é outra que a posição
do governo, que nucleia a todas as frações do bloco de poder –cada
uma mais direitista que a outra-, de não consentir com nenhuma das
legítimas pretensões da insurgência em matéria política e
social. Que há que dizê-lo e reiterá-lo com ênfase, não fazem
referência a privilégios para ela, senão que –vergonha para o
governo!- a pagar algo da imensa dívida do Estado com as grandes
maiorias carentes de condições dignas de vida, e a fazer autêntica
a democracia para que esta palavra deixe de ser a fachada de um
regime autoritário e desconhecedor dos direitos fundamentais da
população. Reivindicações estas que precisamente apontam para as
causas objetivas das insurgências em Colômbia, causas que os
beneficiários do regime tanto se empenham em desmentir e quer acabam
de ter o aval dos respeitados acadêmicos integrantes da Comissão
Histórica do Conflito.
E
esse risco fatal que espreita as conversações de paz tem todos os
dias manifestações que, repetimos, só a persistência da delegação
guerrilheira em levar adiante o acordo tem permitido passar por sobre
elas. Ou, se não, relembre-se o assassinato de Alfonso Cano ordenado
pelo próprio presidente Santos quando tratava com ele sobre o início
de conversações. E foram tão agressivas essas atitudes, tão
contra não só do estipulado no Acordo Geral marco das conversações,
senão que ainda do pouco acordado, que qualquer pessoa teria direito
a tomá-las como uma bofetada sobre a mesa por parte do governo.
Vejamos
algumas dessas manifestações a contrapelo da vocação alardeada
nos discursos sobre a decisão de fazer a paz: a mais insólita, a
aceitação do veto militar à implementação da lei que criou as
Zonas de Reserva Campesina, uma das reivindicações favoráveis a um
setor vitimizado como o que mais e cuja injustiça secular tanto tem
a ver com o nascimento da insurgência. Outra, inaudita, a decisão
de que o exército e em geral a força pública formada para a
repressão cidadã sob as doutrinas da “segurança nacional” e do
“inimigo interno” imposta em prol de seus interesses pelos
Estados Unidos, ideologia cunhada na tristemente célebre Escola das
Américas –conhecida como Escola de Assassinos-, não mudará uma
migalha sua doutrina. Isto, emparelhado com o fato de que essa mesma
força pública, aumentada em mil por cento nos últimos vinte anos
“para combater a guerrilha”, não se diminuirá num só homem a
guerrilha desmobilizada. Quem compreende? Não será que com isso se
desvela que o exército o que há de combater são as mobilizações
campesinas, as marchas contra a grande mineração, as greves por
salários, a reivindicações por vias de penetração e preços de
sustentação, ou as paralisações agrárias contra os ruinosos
TLCs?
Igualmente,
vai contra o mais elementar propósito de paz que, sendo a injustiça
no campo, em particular a posse da terra, um dos temas essenciais a
resolver, o governo tramite no Congresso uma contrarreforma agrária
consistente em que as terras ociosas da nação possam ser entregues
a grandes empresas do capital nacional ou transnacional. E pensar que
essa era a reserva assegurada para os sem-terra! E se a isso lhe
somamos a lição “da tal paralisação agrária” de 2013,
resolvido a física bala pelos comandantes do exército e da polícia,
teriam que ser cegos, surdos e mudos os representantes da guerrilha
na mesa para não se dar conta de qual é o futuro que lhe espera a
suas demandas de mudanças em matéria social e política se elas se
deixam à boa vontade da classe dominante.
E
a todo o anterior se soma que na segunda quinzena deste mês de maio
de 2015 mais de 40 guerrilheiros foram mortos pelos traiçoeiros e
desleais bombardeios do exército, enquanto estavam em seus
acampamentos, se pode dizer sem que se possa ilustrar de cínica a
expressão pacificamente, em exercício do cessar unilateral de
hostilidades decretado pelo Estado-Maior das FARC-EP. Quer dizer, 40
guerrilheiros não caídos em combate, mas sim baleados talvez
enquanto dormiam -os guerrilheiros também dormem!-, ação ordenada
pelo ministro de Defesa Juan Carlos Pinzón com o entusiasta respaldo
do presidente da República e sua consabida celebração do sangue
derramado.
E
se se considera que dentro dessa quantidade de insurgentes
assassinados estão o comandante da Frente XVIII e integrante do
Estado-Maior, Alfredo Alarcón Machado "Román“ Ruiz” e
Pedro Nel Daza “Jairo Martínez”, combatente histórico e
intelectual da organização que havia estado em Havana nas
negociações e se encontrava socializando com as frentes do Sul o
estado das mesmas, temos que o processo de paz pende por um fio. A
insurgência o havia advertido com grande sentido comum: as
atrocidades da guerra são incompatíveis com o ânimo sereno e
espírito altruísta de uma negociação de paz. Porque cada bomba
que cai sobre os combatentes em trégua, ademais dos corpos
destroçados que deixa, salpica de sangue e ameaça girar a mesa de
negociações. Porém, é o modelo Santos de fazer a paz. Ou talvez
de não fazê-la.
Alianza de Medios por la Paz
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Equipe
ANNCOL - Brasil
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