segunda-feira, 1 de junho de 2015

Processo de paz: o risco fatal

Por Luz Marina López Espinosa

Dentro do muito –excessivo- que se escreve sobre o processo de paz em curso entre o governo da Colômbia e a insurgência das FARC há um elemento que, salvo os analistas e comentaristas claramente de esquerda, a grande maioria cuida muito de mencionar: o do verdadeiro risco que as conversações de paz têm, e conspiram contra seu resultado exitoso.

Quase todos os analistas, na verdade apenas “opinadores”, generosamente acolhidos pelos meios de imprensa, são funcionais à missão essencial destes como aparelhos ideológicos do regime político-econômico. E assim centram suas “análises” em dizer coisas tão ineptas e por fora da história como que “o governo está entregando o país à guerrilha”, que esta na mesa atua “de maneira soberba e impositiva frente a uma delegação oficial timorata e claudicante”, que “o modelo militar e o econômico já se negociou em segredo para implementar o da subversão” etc. Na verdade, puras sandices.

Há algo que o Estabelecimento, cuja estirpe é claramente autoritária e depreciativa dos clamores das maiorias desfavorecidas de cujas angústias é responsável, se empenha em desconhecer contra toda evidência: é que as FARC têm sido as que sempre tiveram a iniciativa da solução negociada do conflito. Porém, ademais, e é o mais significativo, que elas, ao sentarem-se a dialogar, já renunciaram ao que desde sempre foi a justificativa da sempiterna direita governante para desqualificá-las política e moralmente: sua pretensão de chegar ao poder pela via armada.

Porém, somado ao anterior, também renunciaram a ver já realizado seu sonho revolucionário de um estado comunista ou socialista –de verdade-, sem donos dos meios de produção afogados no ouro e milhões catando comida nas latas de lixo; sem bancos que se resgatam com dinheiros públicos e hospitais que se fecham “por não serem rentáveis”, sem um exército “nacional” a serviço do capital, e sem uma Chancelaria dependência menor servil ao Departamento de Estado. Renunciaram a muito, e o fazem sinceramente. Por isso, soam hipócritas e mentirosas as queixas da extrema-direita –ela, tão ditatorial, militarista e tão indolente às convulsões sociais- no sentido de que “a guerrilha, que tem dado?, “a guerrilha, em que transige?”. Tem dado tudo na mesa: renunciar à via militar para seu projeto político, obtendo a que em troca disso o Estado tampouco vai adotá-lo como fruto do acordo de paz. Isto o tem demasiado claro, entre outras coisas porque não são iludidos nem ignorantes, não creem que Humberto de la Calle e os generais Mora Rangel e Naranjo representem o pensamento libertário, socialista e anti neoliberal.

E o risco fatal? Que é o que a cada minuto põe as conversações de paz às portas do fracasso iminente, do qual o resgatou não uma senão que muitas vezes a honrada teima da guerrilha em pactuar a paz? A resposta a tão crucial pergunta não é outra que a posição do governo, que nucleia a todas as frações do bloco de poder –cada uma mais direitista que a outra-, de não consentir com nenhuma das legítimas pretensões da insurgência em matéria política e social. Que há que dizê-lo e reiterá-lo com ênfase, não fazem referência a privilégios para ela, senão que –vergonha para o governo!- a pagar algo da imensa dívida do Estado com as grandes maiorias carentes de condições dignas de vida, e a fazer autêntica a democracia para que esta palavra deixe de ser a fachada de um regime autoritário e desconhecedor dos direitos fundamentais da população. Reivindicações estas que precisamente apontam para as causas objetivas das insurgências em Colômbia, causas que os beneficiários do regime tanto se empenham em desmentir e quer acabam de ter o aval dos respeitados acadêmicos integrantes da Comissão Histórica do Conflito.

E esse risco fatal que espreita as conversações de paz tem todos os dias manifestações que, repetimos, só a persistência da delegação guerrilheira em levar adiante o acordo tem permitido passar por sobre elas. Ou, se não, relembre-se o assassinato de Alfonso Cano ordenado pelo próprio presidente Santos quando tratava com ele sobre o início de conversações. E foram tão agressivas essas atitudes, tão contra não só do estipulado no Acordo Geral marco das conversações, senão que ainda do pouco acordado, que qualquer pessoa teria direito a tomá-las como uma bofetada sobre a mesa por parte do governo.

Vejamos algumas dessas manifestações a contrapelo da vocação alardeada nos discursos sobre a decisão de fazer a paz: a mais insólita, a aceitação do veto militar à implementação da lei que criou as Zonas de Reserva Campesina, uma das reivindicações favoráveis a um setor vitimizado como o que mais e cuja injustiça secular tanto tem a ver com o nascimento da insurgência. Outra, inaudita, a decisão de que o exército e em geral a força pública formada para a repressão cidadã sob as doutrinas da “segurança nacional” e do “inimigo interno” imposta em prol de seus interesses pelos Estados Unidos, ideologia cunhada na tristemente célebre Escola das Américas –conhecida como Escola de Assassinos-, não mudará uma migalha sua doutrina. Isto, emparelhado com o fato de que essa mesma força pública, aumentada em mil por cento nos últimos vinte anos “para combater a guerrilha”, não se diminuirá num só homem a guerrilha desmobilizada. Quem compreende? Não será que com isso se desvela que o exército o que há de combater são as mobilizações campesinas, as marchas contra a grande mineração, as greves por salários, a reivindicações por vias de penetração e preços de sustentação, ou as paralisações agrárias contra os ruinosos TLCs?

Igualmente, vai contra o mais elementar propósito de paz que, sendo a injustiça no campo, em particular a posse da terra, um dos temas essenciais a resolver, o governo tramite no Congresso uma contrarreforma agrária consistente em que as terras ociosas da nação possam ser entregues a grandes empresas do capital nacional ou transnacional. E pensar que essa era a reserva assegurada para os sem-terra! E se a isso lhe somamos a lição “da tal paralisação agrária” de 2013, resolvido a física bala pelos comandantes do exército e da polícia, teriam que ser cegos, surdos e mudos os representantes da guerrilha na mesa para não se dar conta de qual é o futuro que lhe espera a suas demandas de mudanças em matéria social e política se elas se deixam à boa vontade da classe dominante.

E a todo o anterior se soma que na segunda quinzena deste mês de maio de 2015 mais de 40 guerrilheiros foram mortos pelos traiçoeiros e desleais bombardeios do exército, enquanto estavam em seus acampamentos, se pode dizer sem que se possa ilustrar de cínica a expressão pacificamente, em exercício do cessar unilateral de hostilidades decretado pelo Estado-Maior das FARC-EP. Quer dizer, 40 guerrilheiros não caídos em combate, mas sim baleados talvez enquanto dormiam -os guerrilheiros também dormem!-, ação ordenada pelo ministro de Defesa Juan Carlos Pinzón com o entusiasta respaldo do presidente da República e sua consabida celebração do sangue derramado.

E se se considera que dentro dessa quantidade de insurgentes assassinados estão o comandante da Frente XVIII e integrante do Estado-Maior, Alfredo Alarcón Machado "Román“ Ruiz” e Pedro Nel Daza “Jairo Martínez”, combatente histórico e intelectual da organização que havia estado em Havana nas negociações e se encontrava socializando com as frentes do Sul o estado das mesmas, temos que o processo de paz pende por um fio. A insurgência o havia advertido com grande sentido comum: as atrocidades da guerra são incompatíveis com o ânimo sereno e espírito altruísta de uma negociação de paz. Porque cada bomba que cai sobre os combatentes em trégua, ademais dos corpos destroçados que deixa, salpica de sangue e ameaça girar a mesa de negociações. Porém, é o modelo Santos de fazer a paz. Ou talvez de não fazê-la.



Alianza de Medios por la Paz


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Equipe ANNCOL - Brasil

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