sábado, 27 de junho de 2015

Volta Cuba ao capitalismo?

Por Roger Keeran y Thomas Kenny, ResumenLatinoamericano /Marxism-LeninismToday, maio 2015.- Em 2011, as autoridades cubanas adotaram algumas Diretrizes audazes [lineamentos] para fazer frente aos problemas econômicos de Cuba. Modificadas após o debate público e aprovadas pelo Parlamento de Cuba, as Diretrizes têm agora força de lei e se encarnam em regulamentos. Em maio de 2011, depois de uma visita a Cuba, publicamos um artigo, “Para onde vai Cuba?”, no qual argumentamos que, apesar de certas semelhanças entre os problemas de Cuba em 2011 e os problemas soviéticos em 1985, e apesar de certas semelhanças entre as soluções perseguidas por Mikhail Gorbachev conhecidas como perestroika e as reformas cubanas [Atualização], as diferenças nas duas situações e os dois conjuntos de reformas eram muito maiores que as similitudes. Portanto, existia pouca razão para supor que Cuba se dirigia pelo caminho que finalmente destruiu o socialismo soviético. Em fevereiro de 2014 visitamos Cuba novamente. Desta vez entrevistamos a trabalhadores, jornalistas, dirigentes sindicais, intelectuais e acadêmicos. Estas discussões, junto com um exame do material escrito não nos fizeram mudar de ideia, senão que aprofundaram nossa apreciação dos problemas que Cuba enfrenta e os desafios que enfrentam as novas reformas e as diferenças com a história soviética. Neste ensaio, vamos voltar à questão de se as reformas assinalam um retorno ao capitalismo em Cuba e acrescentar alguns novos pontos de vista.

Os Problemas
Mediante a nacionalização de praticamente toda a propriedade produtiva e a regulação da atividade econômica graças à planificação centralizada em lugar do mercado, da competição, da exploração e da busca do benefício, o socialismo cubano conseguiu vitórias monumentais para o povo trabalhador, incluindo o crescimento econômico, o pleno emprego, a atenção sanitária e a educação gratuitas, o acesso a moradia e a alimentação, e um alto nível cultural.
O socialismo, no entanto, não cria automaticamente uma utopia. A propriedade estatal e a planificação centralizada engendraram seus próprios problemas. Sem a temível disciplina do mercado, o socialismo se defronta com problemas de motivação, de produtividade, eficiência e qualidade dos bens e serviços. Proporcionar a todas as pessoas um emprego pode conduzir ao excesso de pessoal e à ineficiência. A administração de um Estado de grande tamanho de acordo com regulações pode conduzir à burocracia, ao excesso de papelada e outras protelações.
Garantir a todas as pessoas uns mínimos padrões de vida decente pode conduzir ao racionamento, filas, e a limitações na qualidade e variedade de bens de consumo. O racionamento e a escassez podem, por sua vez, conduzir à corrupção e ao mercado negro. A planificação centralizada pode conduzir a uma falta de iniciativa e responsabilidade no âmbito local. Ainda que este tipo de problemas possam ser inerentes à natureza do socialismo, têm sido exacerbados pelas condições de seu nascimento. Nunca uma revolução socialista teve o privilégio de desenvolver-se livremente em seus próprios termos. Nenhum país socialista pôde evitar os intentos imperialistas para sufocá-lo mediante invasão, o isolamento diplomático, a guerra econômica [sanções, bloqueio, sabotagem e a pressão militar], o terrorismo dos imigrados, o assassinato, a guerra psicológica, e mais recentemente o fomento “dos movimentos democráticos”, e o uso da guerra cibernética e dos meios sociais. Os Estados socialistas sempre tiveram que manobrar num mundo hostil, um mundo ainda mais hostil depois do desaparecimento do campo socialista na União Soviética e no Leste Europeu.
Ao lidar com seus problemas econômicos, Cuba sempre teve que se enfrentar com duas desvantagens que a União Soviética ou a China não tinham. Em primeiro lugar, apesar de abundantes terras de cultivo, belas praias, bosques e níquel, Cuba não possui abundantes recursos naturais. Carece de gás, petróleo, carvão, ferro, estanho, e da maioria do restante de recursos. [Ainda que os últimos descobrimentos de reservas de petróleo em alto-mar podem abrandar uma destas deficiências no futuro.] Em segundo lugar, teve que suportar um bloqueio dos Estados Unidos durante cinquenta anos que privou Cuba dos mercados de exportação e importação e em grande medida aumentou o custo dos medicamentos importados, dos alimentos, dos bens de equipamento e de consumo. Segundo algumas estimativas, em meio século, o bloqueio custou a Cuba 975 bilhões de dólares, e sem o bloqueio a qualidade de vida cubana se pareceria bastante com a da Europa Ocidental. [i]
Nenhum destes problemas obscurece as vantagens inequívocas do socialismo para o conjunto do povo, e nenhum deles condena o projeto socialista. No entanto, cria problemas e se requer uma atenção constante, assim como soluções criativas. Cuba revisou seu modelo socialista por várias vezes num intento de fazer frente a seus desafios econômicos. Às vezes, os novos modelos tiveram que corrigir as deficiências geradas pelos anteriores.
  1. Primeiro Modelo, 1960-1970. No primeiro período da Revolução, Cuba nacionalizou as grandes empresas estrangeiras, distribuiu terras aos campesinos sem-terra, desenvolveu um sistema de planificação e lidou com o bloqueio dos Estados Unidos, desenvolvendo o comércio com os países socialistas. Neste período, Cuba destacou os incentivos morais sobre os incentivos materiais e estabeleceu objetivos ambiciosos para uma rápida industrialização financiada mediante a produção intensiva de açúcar e sua exportação.
  2. Um modelo como o do Leste Europeu, 1970-1985. Neste período, Cuba se uniu ao CAME, o Conselho de Ajuda Mútua Econômica, uma organização de Estados socialistas europeus projetados para coordenar as atividades econômicas e o desenvolvimento da cooperação econômica, técnica e científica. Neste período, Cuba desenvolveu seu primeiro Plano Quinquenal que fez finca-pé na produção de açúcar e que pôs mais ênfase nos incentivos materiais, seguindo o modelo dos países socialistas do Leste Europeu.
  3. Retificação, 1985-1990. Neste período, Cuba trata de retificar os erros da aplicação acrítica das receitas econômicas soviéticas à situação cubana. Cuba abandonou alguns mecanismos de mercado que havia intentado e tentou melhorar a centralização econômica. Também tratou de diversificar a economia mais além do açúcar mediante a promoção da biotecnologia, dos produtos farmacêuticos, do turismo e da produção de níquel.
  4. O Período Especial, 1991-2010. O colapso da União Soviética e do Leste Europeu significou a perda repentina de mais de dois terços de suas exportações e uma contração drástica de toda sua economia. A crise econômica se viu agravada pela intensificação do bloqueio dos Estados Unidos através da lei Torricelli [1992] e da Lei Helms-Burton [1996]. Em resposta, Cuba idealizou um novo modelo para apertar o cinto, conservar divisas, transformar as granjas estatais em cooperativas, permitir de maneira limitada que a empresa privada gestione o setor varejista, admitir que as remessas dos exilados cubanos e, sobretudo, desenvolveu fortemente o turismo. Para assegurar-se de que as remessas e o turismo trouxessem as desejadas divisas de que tão desesperadamente necessitavam, Cuba instituiu um sistema de dupla moeda.
O período especial resultou ser uma forma muito criativa de lutar contra a crise de extrema gravidade decorrente do colapso da União Soviética e do recrudescimento do bloqueio. Com as políticas do Período Especial, junto com a ajuda em forma de empréstimos da China e do petróleo de Venezuela, Cuba conseguiu levar sua economia e seu nível de vida novamente aos níveis anteriores à crise. Enquanto isso, no entanto, surgiram novos problemas econômicos. Em primeiro lugar, a recessão econômica mundial de 2008 golpeou os mercados de exportação de Cuba, e isto continua sendo um problema. Ademais, em 2007-2010, vários furacões causaram uma destruição generalizada. Além destes problemas, as políticas do Período Especial deram lugar a algumas consequências não desejadas e prejudiciais, relacionadas com o sistema de dupla moeda.
Devido à diferença entre a moeda cubana universal [CUC], [que foi utilizada pelos turistas e por aqueles que enviam remessas do estrangeiro] e o peso cubano que foi de aproximadamente 1 a 25, Cuba foi capaz de obter as divisas de que tanto necessita. Porém esta diferença de valor também fez o acesso aos CUC muito desejável, dando a seus possuidores vantagens consideráveis. Por exemplo, o trabalho em restaurantes, hotéis, táxis e outras partes da indústria turística com acesso a pagamento ou gorjetas em CUC se converteu, em muitos casos, em algo muito mais atrativo e mais lucrativo que o trabalho nas profissões para as quais a pessoa tinha sido livremente formada. Há, pois, uma “fuga de cérebros” desmoralizante e ineficiente do ensino e outras profissões para o turismo. Também contribuiu para a desigualdade, o mercado negro e a corrupção. Por exemplo, dada a preponderância de que dois milhões de cubanos-americanos que vivem nos Estados Unidos são cubanos de origem europeia ou mestiça, a preponderância dos milhares de milhões de dólares das remessas foi e continua indo para seus familiares de antecedentes europeus ou mestiços em Cuba. Isto exacerbou as diferenças econômicas raciais.
A única maneira de sair destas dificuldades requer a eliminação da dualidade monetária. Para não causar uma tremenda deslocação econômica, a dupla moeda só pode ser eliminada gradualmente aumentando os salários cubanos e reduzindo a necessidade de divisas. Isto, por sua vez, requer o aumento da produtividade e da eficiência para fazer produtos cubanos mais competitivos e reduzir a necessidade de importação de energia e matérias-primas. Também requer o aumento da autossuficiência, em especial nos alimentos, já que Cuba gasta cerca de um bilhão de dólares ao ano na compra de alimentos no estrangeiro. Do mesmo modo, recuperar os mercados de exportação perdidos com a crise de 2008 requer aumentar a produtividade e a eficiência.
Todas estas considerações –abordar alguns dos problemas endêmicos do socialismo e combater contra os problemas causados pela crise de 2008, assim como os gerados pelo Período Especial- proporcionam o impulso às reformas de “atualização” inauguradas em 2011. Outra circunstância que fomenta as reformas é a incerteza da situação internacional. Graças à China, à Revolução Bolivariana de Venezuela e aos governos progressistas social-democratas de Brasil, Bolívia e outros países, Cuba agora tem mais amigos e conta com mais apoio no estrangeiro que no passado recente, porém nenhum deles tem garantias para durar. O apoio da China aos países socialistas irmãos vacilou antes. A Revolução Bolivariana não se consolida. E os governos social-democratas vão e vêm.
Tanto Fidel como Raúl Castro destacaram a urgência da reforma. Fidel disse: “o modelo cubano já não funciona nem para nós outros.” [ii] Em dezembro de 2010, Raúl Castro afirmou: “Ou retificamos as coisas ou ficamos sem tempo para continuar margeando o abismo [e] nos afundamos.” [iii] A compreensão da natureza e gravidade dos problemas que Cuba enfrenta é um componente importante na hora de fazer uma avaliação política das reformas cubanas. A essência do oportunismo, segundo a definição de Lênin, não está em fazer compromissos ou concessões com o inimigo de classe e sim em fazer compromissos e concessões desnecessárias.
Na nossa opinião, o xis da questão da perestroika e da glasnost de Gorbachev era que implicavam concessões desnecessárias ao imperialismo norte-americano e compromissos com a ideologia e as práticas capitalistas. As políticas de Gorbachev foram menos uma exigência da situação objetiva que dos interesses de classe de um setor pequeno burguês que haviam se desenvolvido na sociedade soviética arraigada após anos de crescimento da segunda economia.
Ainda que o sistema soviético tinha problemas que necessitam ser abordados, as políticas de Gorbachev implicaram 5 políticas desnecessárias de corte oportunista:
  • A liquidação do Partido Comunista da União Soviética,
  • A entrega dos meios de comunicação às forças anti socialistas,
  • O desencadeamento do separatismo nacionalista e
  • A rendição ante o imperialismo estadunidense,
  • A privatização por atacado e a mercantilização da economía socialista.
Ainda que os primeiros 4 processos não estejam sucedendo em Cuba, se está produzindo uma certa redução do papel do Estado e um certo aumento da atividade econômica privada e do mercado.
Ainda que as reformas cubanas atuais podem ser estimuladas pelos que estão conectados com a segunda economia cubana e por aqueles que desejam sufocar o socialismo, são uma resposta a problemas muito reais que, se não se tratam, ameaçam o futuro do socialismo cubano. Na medida em que as reformas são compromissos com o mercado e as ideias capitalistas, são compromissos necessários. A meta a curto prazo é eliminar o déficit de balança de pagamentos, melhorar os fluxos de receitas externas, substituir importações com produtos nacionais e aumentar a eficiência econômica, a motivação no trabalho e nas rendas.
O objetivo a longo prazo é conseguir a autossuficiência alimentar e energética, o uso eficiente dos recursos humanos, uma maior competitividade e as novas formas de produção. [iv]
As Políticas de Atualização
No entanto, surge a pregunta: inclusive, se são mais necessárias as reformas cubanas de hoje que as reformas de Gorbachev de fins dos 1980s, não são os movimentos cubanos semelhantes em muitos aspectos às de Gorbachev e não apresentam o mesmo perigo para o socialismo?
Muitas das diretrizes parecem ter um ar [semelhante] às políticas de Gorbachev e estas tiveram mais publicidade. Sem dúvida, muitas das diretrizes têm por objetivo aumentar o papel do mercado, da empresa privada e da autonomia local, e, portanto, reduzir o papel da planificação estatal, do emprego estatal e dos subsídios estatais. Um caminho que aumenta o tamanho dos interesses da pequena burguesia e cria perigos. Invariavelmente, surgirão vozes que queiram levar as coisas mais rápido e mais longe para o capitalismo. No prólogo da tradução em espanhol de nosso livro Socialismo traído [Socialismo traicionado], Ramón Labañino, um dos Cinco cubanos encarcerados, fala da necessidade neste momento de “estar alerta e vigilante para evitar erros e fraquezas que nos poderiam levar ao fracasso”.
O que na hora de enfrentar riscos no manejo da atualização, homens como Labañino sejam conscientes da história soviética, da confiança de que Cuba pode evitar as armadilhas que condenaram o socialismo soviético.
O mais importante, na adoção do Projeto de Orientações Gerais de Política Econômica e Social do Partido Comunista de Cuba, é que o Sexto Congresso do Partido Comunista de Cuba [PCC] reafirmou o compromisso do governo com o socialismo e com a preservação do meio de vida, da segurança e do nível de vida do povo cubano. Em palavras do PCC, o governo vai “continuar preservando as conquistas da Revolução, como o acesso à atenção médica, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, às pensões e à seguridade social para aqueles que o necessitam.”
Também de crucial importância é a formulação e aplicação das diretrizes que ocorreram e ocorrem num processo que difere amplamente do que ocorreu na União Soviética. A “atualização” cubana surgiu de um processo altamente democrático e do grau de participação de massas e de quadros comunistas e operários. Em Cuba, o desenvolvimento das diretrizes de até sua aplicação em 2014 incluiu a consulta popular e o debate e a construção de consensos enormes. O processo se iniciou em dezembro de 2010 e foi até fevereiro de 2011, com discussões de todo o povo, seguidas de discussões no Partido em todas as províncias e, na sequência, por debates no VI Congresso do PCC em abril. No total, tiveram lugar 163.079 reuniões, nas quais participaram 8.913.838 pessoas. Estes debates modificaram ou incorporaram 68% dos 291 lineamentos originais, modificaram outros 181 e criaram 36 novas diretrizes. A discussão das diretrizes também se produziu em cartas ao diretor do Granma, chamadas radiofônicas, blogs de Internet, e nos sindicatos. Um observador assinalou: “Um ponto chave aqui é que a redação da nova lei de emprego implica um processo de consulta com a CTC [a Confederação Central de Sindicatos], de maneira tão detalhada e extensa que os sindicatos têm de fato o direito ao veto”. [v]
Devido a esta participação massiva, o povo cubano está unido e confiante na direção da atualização. A questão de se Cuba vai voltar ao capitalismo é mais prevalecente fora que dentro de Cuba. Ninguém com quem falamos expressou o menor temor de que a atualização faria danos aos interesses dos trabalhadores ou ameaçaria o futuro do socialismo.
A “atualização” de Cuba é um esforço multifacetado e radical que implica 291 diretrizes que tocam em quase todos os rincões da vida econômica. Em outra das diferenças com o enfoque de Gorbachev, as reformas cubanas estão orientadas quase exclusivamente às mudanças econômicas e não a mudanças na política, na ideologia, nos meios de comunicação ou na política externa. Por outra parte, muitas das diretrizes estão orientadas a condições peculiares de Cuba e não têm nenhuma parecida com a perestroika de Gorbachev.
Por exemplo, algumas das diretrizes têm a ver com o fomento do cultivo de terras atualmente sem uso e o desenvolvimento das zonas rurais, dando as terras agrícolas ociosas do Estado em usufruto para aqueles que podem produzir alimentos para o consumo nacional. Algumas das diretrizes têm a ver com uma volta ao princípio socialista de distribuição –“de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo seu trabalho”-, isto é, a recompensar aos trabalhadores por sua produtividade, um princípio do qual se haviam distanciado os cubanos durante o Período Especial.
Para aumentar a produtividade e a eficiência, se devolverá às províncias e aos municípios a responsabilidade de várias empresas estatais. Estes níveis inferiores terão o controle sobre suas rendas e se espera que operem sobre a base da rentabilidade financeira. Na indústria do açúcar, por exemplo, se reduzirá o número de pessoal e cada usina se converterá numa empresa independente. A descentralização implica um distanciamento da planificação central, e isto pode causar complicações ao que resta de planificação centralizada, e também pode introduzir desigualdades, dado que algumas localidades gozam de condições mais favoráveis que outras. Ainda assim, a descentralização não implica a modificação dos fundamentos da propriedade socialista e a provisão das necessidades sociais. Todos os países socialistas experimentaram com diversas formas de centralização e descentralização.
O Estado planeja reduzir outras atividades que abarcam a quase um milhão de postos de trabalho. O Estado também eliminará as cafeterias de trabalhadores com comidas subsidiadas que se transformarão em restaurantes comerciais. O Estado vai limitar o número de meses de elegibilidade e o valor dos subsídios por desemprego. O Estado também planeja eliminar a caderneta de racionamento subsidiada para aqueles que podem se permitir o luxo de comprar alimentos. A ideia é fazer estas mudanças de uma maneira gradual e sistemática, a fim de que aqueles que perdem o posto de trabalho estatal possam encontrar emprego no fortalecido setor privado.
Ainda que as reformas impliquem uma expansão da empresa privada e das relações do modo de produção capitalista, a expansão está muito regulada. Segundo uma estimativa, desde 2014, 450.000 cubanos trabalham no setor privado nas granjas, cooperativas e pequenas empresas. [vi] Em dezembro de 2013, 78% da força trabalhadora estava no setor público e 22% no setor privado. O objetivo da atualização é que o setor público conte com 60% e o privado com 40%; [vii] O setor privado e cooperativo abarcará quase a metade da força de trabalho no ano de 2015. Neste processo, o Estado vai arrendar para particulares empresas tais como os restaurantes particulares [paladares], padarias, barbearias, salões de beleza, lojas de consertos de relógios, bicicletas e automóveis. O Estado está aumentando o número de clientes permitidos nos restaurantes particulares de 12 para 50 e isentando do pagamento de impostos durante um ano aqueles paladares que empreguem a mais de 5 pessoas.
As relações de mercado estão se expandindo. As pessoas com acesso às divisas poderão utilizar as instalações turísticas e comprar telefones móveis e computadores. O povo poderá comprar e vender automóveis, casas e apartamentos e construir habitações particulares e contratar equipes de construção privadas.
As diretrizes tratam de manejar os aspectos mais discutidos, tais como a privatização e o investimento estrangeiro, de maneira que garantam a qualidade de vida dos trabalhadores e o futuro do socialismo. Por exemplo, a expansão dos cuentapropistas [trabalhadores por conta própria ou autônomos] está se fazendo não só para absorver aos que perdem o emprego estatal como também para estimular aos trabalhadores da segunda economia ilegal a formar parte da economia legal. Um dirigente sindical nos contou a história de um parente que havia trabalhado como taxista ilegal, onde era frequentemente detido, não pagava impostos e não tinha benefícios sociais. Agora, como cuentapropista, conduz um táxi legalmente, paga impostos e recebe benefícios sociais, incluindo uma pensão chegado o momento. [viii] Por outra parte, todos os cuentapropistas podem se filiar a sindicatos. Os sindicatos estão idealizando estratégias para recrutá-los e para se prevenir contra o pensamento pequeno burguês que poderia surgir com a expansão do trabalho por conta própria.
A atualização busca ampliar o investimento estrangeiro, mais além do que estava permitido por uma lei de 1979. Já há planos para um novo porto de contêineres em Mariel financiado pelo Brasil. Ao mesmo tempo, a atualização busca minimizar as consequências potencialmente prejudiciais do investimento estrangeiro. Por exemplo, a lei cria incentivos para as empresas mistas. Exclui o investimento dos exilados cubanos. Exige empresas conjuntas e outras formas de empresa para contratar mão de obra através das agências estatais cubanas. Se obriga os investidores estrangeiros a seguirem o Código de Trabalho em matéria de meio ambiente, saúde e proteção de segurança trabalhista e social. Com a exceção da gestão de alto nível, as empresas devem empregar cidadãos e residentes cubanos em todas as posições.
Ainda que todas estas mudanças sejam impressionantes em sua amplitude e aspirações, Raúl Castro e o PCC estão implementando-as com cautela e com vistas a frustrar consequências indesejáveis. No VI Congresso do PCC, disse Castro: “O desafio é claro: o aumento de produção na produção material, por volume e eficiência, são essenciais, porém tem que ser feito no contexto de relações socialistas de produção, relações socialistas de propriedade.” [ix] Na concessão de licenças às cooperativas, segundo Castro, “Não podemos ir às pressas na aprovação constante destas cooperativas. Vamos ir num ritmo adequado.” Em 2013, Castro emitiu uma severa advertência aos empresários na hora de lançar-se de cabeça a descumprir as diretrizes. [v]
Numa linha similar, o partido advertiu que não se espere que a atualização conduza à privatização da economia. Em 2010 o PCC declarou: “Nas novas formas de gestão não estatal, não se permitirá a concentração da propriedade em pessoas jurídicas ou naturais”. [xi]
Em julho de 2013, Marino Murillo, um funcionário de alto nível econômico do governo cubano, reforçou esta ideia ante a Assembleia Nacional do Poder Popular: “Não é correto dizer que em Cuba hoje está ocorrendo uma transformação da propriedade estatal em privada. A atualização do modelo econômico cubano pressupõe, antes de tudo, a propriedade social sobre os meios fundamentais de produção. Atualizar o modelo não muda a base estrutural da propriedade sobre os meios fundamentais de produção.” [xii]
O que se está transferindo para mãos privadas não é propriedade e sim a gestão dos bens de propriedade social. [xiii]
Claramente, o caminho daqui pra frente tem perigos. Referindo-se à Comuna de Paris, Karl Marx disse: “Desde logo, seria muito cômodo fazer a história universal se a luta pudesse ser empreendida só em condições infalivelmente favoráveis.” [xiv] O mesmo sucede com a atualização cubana. Os cubanos estão empreendendo um caminho com certos riscos e sem possibilidades infalivelmente favoráveis, porém estão fazendo-o pouco a pouco e com cuidado, com os olhos bem abertos e com toda a população envolvida. É um curso que é contraditório, porém é necessário. Estão fazendo com a convicção de que, como disse Raúl Castro, não fazer nada implica no risco de cair no abismo.
Os que estão nos Estados Unidos e estão observando os acontecimentos com grande interesse e uma esperança sem limites poderiam ajudar de maneira concreta ao processo de atualização cubana redobrando os esforços para [...] pôr fim ao criminal bloqueio dos Estados Unidos.

Notas:

[i] Entrevista com Manuel Yepe, La Habana, Cuba, 18 de fevereiro de 2014.
Yepe é um ex-diplomata e agora jornalista. Quandoe jovem foi assistente do Che Guevara. Ver também: Cuba vs Bloqueio: Informe de Cuba sobre a resolución 65/6 da Assembleia Geral das Nações Unidas intitulado “Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos de América contra Cuba” (julho de 2011), 54.[ii] Citado por Anton L. Allahar y Nelson P. Valdés: //cuba-1blogspot.com/2014_05_01archive.html#6955777, 36.
[iii] www.economist.com/sites/default/files/20120324_Cuba.pdf 24 de marzo de 2012.
[iv] Allahar y Valdés, 41.
[v] Steve Ludlam, “Estrategia de desarrollo socialista de Cuba,” Ciencia y Sociedad 76, no.1 (enero de 2012), 2.
[vi] TheEconomist, 15 de febrero 2014
[vii] Entrevista a Marta Núñez, La Habana, Cuba 18 de febrero de 2014.
[viii] Entrevista del Lic.Anibal Melo Infante, Departamento de Relaciones Internacionales, Centro de Trabajadores de Cuba, (CTC) Feb.17, 2014.
[ix] Raúl Castro, en el VI Congreso del Partido Comunista de Cuba.
[x] “Cuba: Raúl Castro Cuestiones Advertencia para Emprendedores”, AssociatedPress (21 de diciembre de 2013).
[xi] Citado por Allahar y Valdés, 41.
[xii] http://www.cubadebate.cu/especiales/2013/10/15/marino-murillo-el-modelo-cubano-es-socialista/ .
[xiii] Carta, Marce Cameron, verde LeftWeekly, 1 de julio de 2012. Marce Cameron ha producido un blog útil, “Renovación Socialista de Cuba.”
[xiv] Marx a L. Kugelmann 17 de abril de 1871 https://www.marxists.org/espanol/m-e/cartas/m17-4-71.htm
Traducción: jaimelago
Tradução do espanhol: Joaquim Lisboa Neto

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