La
Habana, 10 de junho de 2015
Senhor
ALEJANDRO ORDOÑEZ MALDONADO
Procurador Geral da Nação
Sobre sua carta de 4 de junho, o seguinte:
O marco jurídico para a paz não é o denominado Ato Legislativo 01 de 2012. Para as FARC-EP, alçada em armas desde há décadas em uso do legítimo direito de rebelião consagrado em textos que você deve conhecer, o marco jurídico para a paz é o Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura subscrito entre os plenipotenciários de nossa organização e os do governo a 26 de agosto de 2012, frente a terceiros estados que marcaram presença como testemunhas. Aquele instrumento, o primeiro citado, que se pretende nos aplicar, carece de poder vinculante já que não só escapa ao teor da letra do Acordo Geral senão que na agenda recolhida no mesmo nem se prevê nem muito menos se menciona. Insistir em estendê-lo às conversações de paz ou pretender que se recolha como mandato substitutivo de suas conclusões é desconhecer a natureza política, social e militar da confrontação armada interna que supera hoje as seis décadas de existência, e não compreender que o que se busca é a reconciliação nacional estável e duradoura.
Senhor
ALEJANDRO ORDOÑEZ MALDONADO
Procurador Geral da Nação
Sobre sua carta de 4 de junho, o seguinte:
O marco jurídico para a paz não é o denominado Ato Legislativo 01 de 2012. Para as FARC-EP, alçada em armas desde há décadas em uso do legítimo direito de rebelião consagrado em textos que você deve conhecer, o marco jurídico para a paz é o Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura subscrito entre os plenipotenciários de nossa organização e os do governo a 26 de agosto de 2012, frente a terceiros estados que marcaram presença como testemunhas. Aquele instrumento, o primeiro citado, que se pretende nos aplicar, carece de poder vinculante já que não só escapa ao teor da letra do Acordo Geral senão que na agenda recolhida no mesmo nem se prevê nem muito menos se menciona. Insistir em estendê-lo às conversações de paz ou pretender que se recolha como mandato substitutivo de suas conclusões é desconhecer a natureza política, social e militar da confrontação armada interna que supera hoje as seis décadas de existência, e não compreender que o que se busca é a reconciliação nacional estável e duradoura.
Entendemos
que você tem uma visão confusa sobre o que vem sucedendo no país e
na mesa de Havana. Tem você pretendido ser um diretor de orquestra a
distância de todas as partituras, trágicas muitas delas, sem ter
esclarecido primeiro seu papel e o da instituição que
temporariamente preside, dentro do contexto afastado do conflito que
tanta dor tem produzido à história nacional e ao povo da Colômbia
em geral.
A
razão natural que tem muito a ver com o manejo e a aplicação do
sentido comum mostra que uma comissão da verdade busca exatamente o
que sua qualificação indica: a verdade. Porém, não sua verdade,
senhor Procurador. Nem a verdade que agentes oficiais do Estado ou
alguns setores da opinião despótica querem ouvir. Não. A verdade
que se busca é a que brote dos lábios das vítimas, por terem
sofrido em carne própria a tragédia da guerra, ou por levar a voz
de seus parentes caídos ou desaparecidos em razão do conflito; a
verdade que se quer conhecer é a que se ouve das tumbas, que falarão
quando se retirem suas lápides e se trabalhem cientificamente os
restos mortais que elas guardam; a que surja quando se ponha de
manifesto a realidade sobre o deslocamento forçado, sobre a
usurpação indevida de propriedades, sobre a forma como se atiraram
corpos humanos aos rios, aos tanques infestados de crocodilos ou se
levaram aos fornos crematórios para não deixar rastro algum,
tratando-se de humildes campesinos ou cidadãos arrancados de suas
casas para serem exterminados com sevícia. Se trata da verdade que
deve brilhar quando se indique quem foram os destroçados com as
motosserras usadas como arma de aniquilamento contra supostos
inimigos. Não se trata da verdade que invoque uma lei e sim da
verdade que invoque a razão, a honesta memória e o desejo de
superar o conflito de maneira definitiva, da reparação integral e
de garantias de não repetição. Em seu momento, nós outros também
cumpriremos nosso compromisso com a verdade como já demonstramos que
somos capazes de fazê-lo.
E
se trata também, senhor Procurador, da verdade saída do militar ou
do oficial de polícia quando faça seus relatos e indique de quem ou
como recebeu a ordem; como e os que instruíram a aniquilação por
morte violenta de milhares de militantes da União Patriótica, e de
homens e mulheres assassinados por pensar diferente ou por defender o
direito do outro; e como sobreveio a política sangrenta e covarde
dos falsos positivos; do funcionário do Estado que olhou para o
outro lado para permitir a realização do delito; do financista
especulador e lavador de dinheiro; a do empresário, pecuarista,
terra-tenente que desrespeitou ao Estado fazendo justiça por suas
próprias mãos; a da direção política nacional e dos partidos que
utilizaram os cartéis da droga para financiar-se e ter acesso ao
poder, ou que deu tapinhas nas costas do paramilitar para estimulá-lo
e assim alcançar suas danificadas aspirações e incumbências.
A
Corte que você cita com tanto entusiasmo, senhor Procurador,
moralmente deixou de existir. O jus puniendi como poder do Estado
legítimo chegou ao fundo do desprestígio. A hidra da corrupção
tomou os corredores do Palácio de Justiça. Supomos que você está
atento às notícias. Se chegou a afirmar que o que ali acontece é
pior que o ocorrido no dia em que as chamas converteram em cinzas
honoráveis magistrados e cidadãos inocentes. Então, não nos
pretenda vender a ideia, senhor Procurador, de que temos que
acolher-nos a um sistema de justiça elaborada por doutrinadores
estrangeiros que nunca imaginaram que seria acomodada a tesouradas e
remendos numa espécie de alfaiataria jurídica para vestir
grosseiramente processos políticos de paz; e que, diga-se de
passagem, teria que ser desenvolvida ainda mediante leis estatutárias
que passariam ao conhecimento da Corte antes referida. Corte que,
como já se advertiu, deixou de lado sua legitimidade. Ninguém é
alheio ao fato de que hoje vários de seus integrantes abandonaram a
majestade que deveria ter sua investidura por preferir as falsas
delícias do delito.
“Priorização”,
“ponderação”, “seleção”, “sistematização”, “máximos
responsáveis” e “macro processos”. Após sessenta anos de
conflito interno, inventar-se semelhante procedimento para pôr a mão
nuns poucos e encarcerá-los ao final da contenda? Senhor Procurador,
você, que se diz ser conhecedor da Palavra divina, se atreve a
“atirar a primeira pedra?”. “Bombas, senhor Presidente!
Bombas!”, tem sido seu clamor. Você é uma das partes atuantes do
conflito; há tempos deixou de ser civil não comprometido, senhor
Procurador. Como
é que não se deu conta?
Indiquei
acima que você não esclareceu seu papel e o da instituição que
passageiramente preside dentro do contexto afastado do conflito que
tanta dor tem produzido à história nacional e ao povo da Colômbia
em geral. E isso é assim. Nunca a Procuradoria, em desenvolvimento
de sua suposta obrigação de zelar pela defesa da sociedade, se
perguntou ou investigou por que a força pública jamais enfrentou no
campo de batalha as forças paramilitares. Isto durante mais de
trinta anos. Foram metralhados civis inocentes sem que sua
instituição houvesse tomado iniciativas nem medida alguma.
Tampouco
se preocupou a instituição que hoje você preside, nem você mesmo,
pela sorte dos caídos ou assassinados nos campos da Colômbia mais
além do atuar paramilitar, nem têm sido de seu interesse os
protocolos próprios do DIH que devem ser aplicados de maneira
imperativa para estabelecer a identificação de cadáveres para em
seguida devolvê-los a seus seres queridos. Quando se preocupou você
pelos direitos da viúva, do filho, do irmão ou da mãe de um
guerrilheiro? Quando se lhe despertou a curiosidade por averiguar por
que só os filhos dos pobres numa sociedade claramente estratificada
são os que se convertem em bucha de canhão enquanto seus iguais, os
seus, senhor Procurador, jamais souberam portar um fuzil? Por que não
defende aos menos favorecidos? Por que se prefere que seja o sangue
destes o que se derrame? Porque, se se trata de fazer justiça,
defenda você o princípio de igualdade, ainda para ser aplicado a
sua própria pessoa e a sua própria classe.
Senhor
Procurador: O “olho por olho, dente por dente” é uma prática
bárbara e um anacronismo perverso em épocas de paz e reconciliação.
Você, senhor Procurador, usa uma linguagem de guilhotina moral para
sentenciar sem primeiro pensar que por trás de muitos moralistas há
bancarrota, falta de formação, desconhecimento da verdade, confusão
e muito de encenação. O convidamos a que deponha a falsa armadura
com a qual tem querido marcar presença na vida pública. Mire-se
primeiro a chibata no próprio olho. Em
seu momento, com certeza, terá você que comparecer na Comissão
para o Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da não
Repetição. Lá queremos ouvi-lo a fim de que conte ao país por que
seus silêncios em momentos em que deveria se pronunciar; por que
permitiu a escalada da confrontação armada como solução ao
conflito interno; por que não estendeu a mão ao pobre, à vítima
do outro lado, ao desprotegido defensor dos direitos humanos; às
vítimas da política neoliberal, aos milhões de seres humanos aos
quais se vulnerou seus direitos econômicos, sociais e culturais, às
famílias de dezenas de milhares de desaparecidos. Falar
desde um púlpito emprestado é fácil. Sair
ao campo para confrontar a verdade é outro cantar.
Não
creia que não lhe agradecemos o envio de sua carta. Nos brindou com
ela a oportunidade de manifestar-lhe de maneira assertiva nosso
pensamento, critérios e decisões já tomadas. E nos permitiu o
espaço para convocá-lo, como com efeito o fazemos com estas linhas,
a formar um só corpo com quem, sim, temos combatido e sofrido as
iniquidades de uma guerra desigual sem dar um passo atrás e
compreendemos que chegou o momento de pensar em que há que
reconstruir o tecido social fazendo da dignidade da pessoa humana em
Colômbia o centro de atenção coletiva. Porém sem esquecer algo
que consideramos da essência da futura paz, pensando nas vítimas,
sua reparação, o perdão e o nunca mais. Se
trata da Assembleia Nacional Constituinte, senhor Procurador. Não
se insista em que se daria com ela um salto ao vazio. Muito pelo
contrário. Deixar a futura sorte em mãos dos poderes constituídos
como o pretende a aberração do Ato Legislativo 01 de 2012 e a
sentença C-579 de 2013, sim, é o verdadeiro salto ao vazio. Sempre
o poder constituído seguinte ao de hoje e de amanhã se sentirá
mais audaz, mais arguto, mais justo, mais capaz, e terminará
destruindo a obra que se pretende construir de maneira concludente.
Procurador: Só se chega à construção do cadeado definitivo, à
construção da norma pétrea garantidora da segurança jurídica
futura acorrendo ao poder criador; poder que constitui, isto é,
poder que erige, forma e constrói. À fonte de toda fonte. Ademais,
se conseguiria
reconstruir desde esse cenário de maneira inteligente e democrática
o jus puniendi,
hoje desaparecido; adiantar a revisão do reordenamento territorial,
recompor os órgãos de controle, adequar as normas de participação
cidadã, incluir o Estatuto da Oposição, definir de uma vez por
todas a necessidade de elaborar uma política estável, revisar
tantas instituições golpeadas pelos vícios, pelos dinheiros sujos
e pela corrupção rampante.
Espero
que não tenha se incomodado com nossa opinião e posição já
tomada. É pelo que temos lutado: justiça social com igualdade,
bem-estar para todos, qualidade de vida ao alcance do povo, justiça
na posse da terra, justiça nos campos e nas zonas urbanas, educação
e trabalho digno com remuneração à altura das mínimas
necessidades.
Se
chegamos a conquistar um lugar em igualdade de condições com nossos
contraditores de sempre na Mesa de Havana para revisar as
enfermidades da pátria e buscar uma paz estável e duradoura, senhor
Procurador, é porque temos sido rebeldes desejando o melhor para o
povo da Colômbia. Não vamos deixar de lado, não vamos abandonar
esta histórica oportunidade.
Com nossa consideração.
Iván Márquez
Chefe da Delegação de Paz das FARC-EP
--
Com nossa consideração.
Iván Márquez
Chefe da Delegação de Paz das FARC-EP
--
Equipe
ANNCOL - Brasil
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