domingo, 7 de dezembro de 2014

A ata de fundação da Frente Ampla colombiana

Por Niko Schvaz
Fui testemunha presencial da fundação da Frente Ampla pela Paz, Democracia e Justiça Social da Colômbia, destinada a desempenhar um papel de primeiro plano na vida política e social deste país; em particular, para restabelecer o diálogo de paz com as FARC que se desenvolve em Havana e que foi interrompido abruptamente pelo presidente Juan Manuel Santos, na meia-noite do domingo 16 de novembro, devido a retenção do brigadeiro general Rubén Darío Alzate, que circulava sem escolta vestido à paisana numa zona de guerra no estado do Chocó.
A longo de toda a semana passada se sucederam os pronunciamentos em toda a Colômbia e em nível internacional reclamando a retomada dos diálogos de paz, com um papel muito destacado dos representantes dos Estados garantidores, Cuba e Noruega, da Cruz Vermelha Internacional e das próprias FARC, assim como de todas as organizações políticas e sociais da Colômbia que confluíram na criação da Frente Ampla. As entidades mencionadas estabeleceram um protocolo preciso para dar curso à libertação dos retidos. O presidente Santos anunciou na quinta-feira 20 que se havia ativado a operação para libertar as cinco pessoas e assumiu o compromisso de que, quando se produzisse a libertação, seriam restabelecidas as negociações de Havana; e no domingo 23 declarou que isso se produzirá durante a semana que está em curso, já que nos dias prévios se estabeleceram as coordenadas geográficas para efetuar a operação de libertação do general Alzate e de seus dois acompanhantes, o cabo Jorge Rodríguez e a advogada Gloria Urrego, assim como de dois soldados detidos duas semanas antes no estado de Arauca, César Rivera e Jonathan Díaz. Agora, toda a Colômbia e a opinião pública mundial estão pendentes do cumprimento da promessa, para que siga adiante o processo de paz.
Entre os pronunciamentos dos últimos dias nesse sentido, se destaca o da União de Nações Sul-americanas [UNASUL], cuja secretaria geral está a cargo do ex-presidente da Colômbia Ernesto Samper. No plano interno, partidos integrantes da nascente Frente Ampla chamaram a uma mobilização pelo reinício do diálogo e do cessar-fogo bilateral. Por exemplo, numa declaração de 19 de novembro intitulada: “Defender o processo de paz, restabelecer de imediato o diálogo”, o Partido Comunista assinala: “O presidente Santos deve reconhecer que em 15 de junho de 2014 os eleitores votaram pela continuidade do diálogo e pela solução política e para derrotar a proposta da ultra direita que pretendia pôr fim ao processo de Havana” e relembra que “os inimigos da paz hoje se regozijam com a suspensão”. Ao longo de toda a semana vimos através da TeleSul uma sucessão de manifestações em toda a extensão da Colômbia reclamando a retomada dos diálogos de paz.
Relembramos também que no ato de criação da Frente Ampla colombiana se exibiu um vídeo gravado em Cuba pelo dirigente das FARC e participante nas conversações de Havana, Pablo Catatumbo, quem saudou ao nascente organismo político unitário destacando o papel que está chamado a desempenhar em prol da consolidação do processo de paz.
Neste ato, efetuado no sábado 15-N na Universidade Autônoma da Colômbia [UAC] em Bogotá, confluiu um conjunto muito numeroso de organizações políticas, sociais e culturais, enlaçadas por um objetivo comum e como expressão de um arraigado conceito de unidade na diversidade. Entre elas, Marcha Patriótica [representada pela ex-senadora Piedad Córdoba, de muito ativa participação política], vários setores do Polo Democrático, do Movimento Agrário Indígena e Social [MAIS], da União Patriótica representada por Aida Abella, do Polo Democrático Alternativo presidido por Clara López, do grupo Progressistas do prefeito Gustavo Petro, restituído em seu cargo, assim como Bogotá pela Paz, do Partido Comunista com Jaime Caycedo, Presentes pelo Socialismo, da Organização Indígena da Colômbia [OIC], da Cúpula Agrária, do Partido Verde, do Movimento pelos Direitos do Povo, da União de Trabalhadores da Colômbia, representada por seu secretário-geral, e outras.
A Frente Ampla colombiana nasceu com o apoio expresso das forças políticas de esquerda da América Latina Caribenha, que se articulam no Foro de São Paulo [FSP], e que se expressaram numa jornada efetuada na sexta-feira 14-N na sede do Congresso colombiano. Ali se expuseram as experiências unitárias da Frente Ampla do Uruguai, do Partido dos Trabalhadores do Brasil, do Aliança País do Equador, do próprio Foro de São Paulo e do Movimento ao Socialismo da Bolívia, representado este último por Leónida Zurita, uma típica integrante dos movimentos indígenas. Pudemos apreciar que os companheiros colombianos avaliaram estas experiências como uma positiva contribuição à construção de sua força política unitária. Assim o estabelecem expressamente no início do documento emanado de seu encontro constitutivo, nestes termos: “Em nosso encontro tivemos a alegria de contar com a participação de delegados de Uruguai, Equador, Bolívia e Brasil, assim como do Foro de São Paulo, os quais nos compartilharam sua experiência unitária que lhes permitiu chegar a ser governo e promover mudanças significativas em seus países. Decerto, sua importante trajetória e respaldo latino-americano nos brindarão significativas contribuições no caminho unitário que hoje retomamos com renovada energia, ao qual eles também nos convocam”.
Esta é a melhor introdução possível a uma breve análise deste documento, aprovado por unanimidade e aclamação ao término da reunião constitutiva da Frente Ampla pela Paz, Democracia e Justiça Social da Colômbia.
Uma alternativa de governo e poder

O mesmo expressa em seu início “com imensa alegria” que se criou a Frente Ampla, com “um espírito unitário e plural, no qual as organizações políticas, sociais, ambientais, culturais, étnicas, nacionais e locais pusemos o conjunto de nossos acumulados de mobilização, organização e exercícios de governo em função de encontrar-nos para materializar o anseio de paz e de construção de uma alternativa política de poder e de mudança. Os colombianos e as colombianas assistimos a um momento excepcional que pode abrir caminho a mudanças históricas”.
Em seguida, entra pra valer no processo de paz. Diz que deve estender-se ao ELN e demais insurgências e que “a paz que o povo reivindica requer mudanças e reformas sociais para romper a injustiça e a insultante desigualdade, assim como uma abertura democrática que reconheça novos direitos e assegure os existentes”. Critica neste aspecto a atitude do governo de Santos e afirma que “a paz democrática será possível mediante a mais ampla confluência de todos os setores democráticos, progressistas e de esquerda, numa forte torrente que apaixone, por sua vez, as maiorias de nosso país”. Nesse sentido, se propõem contribuir para articular as diversas iniciativas em prol da paz que se desenvolvem no país, ao tempo de respaldar e aprofundar os diálogos de paz, e convocam todos os setores para a criação de um vigoroso movimento social pela paz.
O parágrafo seguinte é definitório e traça uma perspectiva: “Nos encontramos aqui para construir entre todos e todas uma alternativa política que nos permita ser governo e poder para promover as urgentes mudanças que nosso país reivindica”.
Passa depois a especificar quais são essas mudanças urgentes. Em primeiro termo, o respaldo aos processos de paz [os que existem e os que virão] e o cessar bilateral do fogo. Em seguida, uma verdadeira reforma política que democratize o sistema político colombiano, assim como a igualdade de direitos para as mulheres. Segue a defesa e construção do território, da natureza e dos bens comuns; a salvaguarda da soberania nacional; a solidariedade internacional e a unidade e integração da América Latina.
Se propõem, ademais, estender pontes a partir da Frente Ampla para que todos os setores participantes encarem de maneira unitária as eleições de 2015, e abordar o processo de criação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Em síntese final, promovem um trabalho conjunto para que 2015 seja o ano da mobilização social e política pela paz, iniciada desde dezembro de 2014 com uma grande Cúpula de convergência pela paz, seguida pelo Congresso constituinte pela paz em 9 de abril de 2015 e a construção de frentes amplas estaduais [departamentais] e municipais em todo o país, de frente com a realização do Segundo encontro nacional da Frente Ampla no mês de maio.
Assinalam que se propõem trabalhar “sobre a base da unidade na diversidade”, superar esquemas que conduziram ao imobilismo, ao desencontro e à fragmentação; a tomar como centro da experiência unitária as bases, promovendo encontros locais e regionais para construir uma perspectiva nacional; e a seguir seu trabalho juntamente com a mobilização social e popular, a partir de práticas inclusivas, do reconhecimento da diversidade, da ética e da mudança das práticas no exercício da política. Se definem nos seguintes termos: “Somos somatória de ações, vontades, convicções e disposição. Um espaço aberto e convocador, produto de nossas deliberações e coincidências como processos regionais, indígenas, agrários, afrocolombianos, sindicais, da diversidade sexual, das novas cidadanias, estudantis, magisteriais, urbanos, da cultura, das organizações locais, assim como também de convergência das dinâmicas nacionais”.
Concluindo, expressam “a certeza de que nossa potente unidade na diversidade nos permitirá alcançar os sonhos de paz e da reconciliação de nosso país [...] e construir uma Colômbia soberana, digna e realmente democrática”.


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