Com
sincero afeto e um respeito profundo, a Delegação de Paz das FARC
saúda ao quinto grupo de vítimas do conflito que hoje nos trazem
sua dor, amalgamada com o sentimento irrevogável de concórdia, e em
suas mãos a tocha da esperança num futuro de justiça, sem guerra.
Bem-vindos
e Bem-vindas, Piedad Córdoba, María Susana, Juan Manuel, Jairo,
Domingo, Francia, Mauricio, Nilson Antonio, Camilo, Isabella e Magda.
Que este cenário de Havana, disposto por seu povo e governo
solidário como altar do altruísmo, sirva para dar-nos um abraço de
reconciliação e fé na Colômbia nova.
Nossa
saudação se estende a Nações Unidas-Colômbia, ao Centro de
Pensamento da Universidade Nacional e à Conferência episcopal,
organizadores deste desafio; o mesmo que aos países garantidores,
Cuba e Noruega, e aos países acompanhantes, Chile e Venezuela.
Primeiramente,
manifestar nosso pesar pelos sofrimentos que este conflito gerou e
que estamos empenhados em terminar definitivamente, e ao mesmo tempo
ressaltar a valentia e o compromisso com a paz, mostrado por todas e
todos vocês ao acorrerem a Havana, ainda sabendo que muitos dos que
lhes precederam foram re-vitimizados no seu regresso à Colômbia,
pelo simples fato de manifestar seu apoio à Paz e à reconciliação.
Enquanto
a Mesa de Diálogos avança em Havana sobre a discussão do ponto 5
da agenda, referente a VÍTIMAS, no país a situação destas
continua sendo dramática, o qual, após dois anos de conversações,
e 4 meses abordando a problemática das vítimas do conflito, nos
parece simplesmente inaceitável. Esta realidade mostra a indolência
e a passividade do Estado ante os fatos de vitimização que se
registram em Colômbia, porque quem, se não as instituições do
Estado, estão em condições e têm os recursos para acabar
eficazmente com a perseguição e levar ante a justiça os
responsáveis de tanta dor e perseguição?
Segundo
as NNUU, desde o início dos Diálogos de Paz de Havana em Novembro
de 2012, até junho de 2014, se ocasionaram 310.000 novas vítimas do
conflito. Organizações que nada têm a ver com a insurgência nem
com forças de oposição, como Anistia Internacional, acaba de
indicar que, nos 9 meses transcorridos entre janeiro e setembro de
2014, foram assassinados 40 defensores de DDHH em Colômbia. Somente
entre setembro e outubro de 2014 100 ativistas defensores dos
direitos humanos foram ameaçados de morte por paramilitares.
“O
respeito aos direitos humanos em todos os confins do território
nacional é um objetivo do Estado [...]”, reza o preâmbulo do
Acordo Geral para a terminação do conflito de 26 de agosto de 2012.
Consequentemente, desde o início da discussão do ponto relativo a
VÍTIMAS, manifestamos a necessidade de adotar medidas eficazes para
acabar com a geração de novas vítimas, o qual é premissa para
abordar seriamente esta problemática e evitar que o fato singular,
-nunca antes havido em nenhum processo de paz dos que se
desenvolveram no mundo-, de situar no centro da solução do conflito
os direitos das vítimas, não se convertesse exclusivamente num
espetáculo midiático ou exibição re-vitimizadora daqueles que
tanto padeceram por causa das crueldades do conflito.
Considerando
que tem sido um clamor geral de todas as vítimas do conflito que
acorreram a estas audiências, por experiência temos o convencimento
de que nenhuma medida é mais eficaz para acabar com a geração de
novas vítimas do que acordar de imediato um cessar bilateral do
fogo, um armistício, que normalize a vida da população civil em
Colômbia até a firma efetiva do definitivo acordo de paz.
Cada
vez resulta mais carente de lógica, menos crível, que as FARC-EP
reclamam um cessar-fogo para fortalecer-se e buscar vantagem militar
sobre o terreno. Esta ideia é absolutamente contraditória com a
atitude prática que temos mostrado de pôr todo nosso empenho na
busca de entendimentos. Assim o indicam os três acordos parciais
alcançados e nossa vontade de desescalada do conflito, recentemente
evidenciada com a libertação unilateral, através de um Acordo
Humanitário Especial, de vários prisioneiros de guerra, entre os
quais se contava o General Rubén Darío Alzate e três fardados
mais, o qual ocorre apesar da ordem desenfreada do Governo de
recrudescer as operações militares contra insurgentes.
O
Governo Nacional descumpriu claramente a regra estabelecida no Acordo
Geral quanto a “iniciar conversações diretas e ininterruptas
sobre os pontos da agenda [...]”, sem que o que ocorra no cenário
da confrontação afete as atividades da Mesa. Não obstante, e
apesar da fúria desproporcional dos bombardeios e dos embates da
maior maquinaria de guerra de toda a América Latina, que ocasionaram
a caída de entranháveis comandantes e combatentes, jamais
abandonamos o compromisso de manter-nos em diálogo até alcançar o
acordo final.
Nesta
atitude estamos, porém com realismo e os pés sobre a terra, tendo
claro que é este quinto ponto da Agenda o espaço e o momento de
esclarecer e dar os primeiros passos para a solução definitiva do
fenômeno do paramilitarismo, que é um dos maiores problemas que
temos que resolver, se em verdade queremos avançar para a
reconciliação. Dentro desta perspectiva, cremos que chegou o
momento de abordar esta titânica tarefa, sendo certo que sem o
compromisso efetivo do Governo nacional será impossível acabar com
o paramilitarismo, por muitos que sejam os papéis que se firmem em
Havana.
As
partes na Mesa de Diálogos têm que estar à altura do imenso
desafio que supõe acabar com o paramilitarismo, que é, sem dúvida
alguma, a causa mais sanguinária de vitimização que a Colômbia
tem sofrido desde o início do conflito armado interno, e principal
fator de fracasso de anteriores processos de paz.
Nestes
dias, recebemos notícias que pareceriam indicar que, apesar da
decomposição e crise do sistema judiciário colombiano, pouco a
pouco se vem abrindo caminho a uma verdade judicial, que coincide com
a irrefutável verdade manifestada desde há anos pelos movimentos de
vítimas: se trata dos estreitos vínculos entre o Estado e o
paramilitarismo, e a inapelável responsabilidade de partidos
políticos, instituições e empresários no surgimento,
desenvolvimento, expansão e sobrevivência de um paramilitarismo
sempre impune, hidra de cem cabeças, que, com a conivência do
Estado e da oligarquia, volta a brotar a cada vez que se nos anunciou
seu fim.
Agora,
coerentemente, o Tribunal Superior de Medellín, em histórica
Sentença de 12 de dezembro deste ano, assegurou que o Estado
colombiano é responsável pelas violações aos DDHH e ao DIH que os
paramilitares cometeram e pelo “dano e a dor causados às vítimas”,
requerendo ao Presidente da República para que reconheça, solene e
publicamente, tal realidade. Se trata de um reconhecimento explícito
da responsabilidade estatal no surgimento, expansão e consolidação
do paramilitarismo, assim como na falta de perseguição e impunidade
destes grupos criminais, seus integrantes, inspiradores e
financiadores. O Tribunal acusa ao senador Álvaro Uribe Vélez por
sua suposta participação no surgimento de grupos paramilitares em
Antioquia, e ordena iniciar processos contra um ex-governador de
Córdoba e contra um general do Exército por promoção e apoio às
autodefesas.
Coincide
o tribunal com as reivindicações das organizações de vítimas, ao
solicitar que os membros da Força Pública que sejam investigados
por violações aos direitos humanos sejam afastados de suas funções
a partir da imputação de denúncias. Também acerta ao afirmar que
a Promotoria da nação “foi omissa na investigação e acusação
das graves infrações aos DDHH e ao DIH cometidas pelos
paramilitares”. Não cabe dúvida, como assinalou o tribunal, que a
ausência de investigações da Promotoria facilitou o acionar dos
‘paramilitares’ e aprofundou “o dano e a desesperança na
população”.
É a
justiça colombiana quem agora indica que o paramilitarismo “se
converteu numa política traçada, financiada, permitida e facilitada
pelos altos mandos das Forças Militares”. Seu surgimento e
expansão, diferentemente do que se tem sustentado, não se deu
devido a ausência do Estado em amplas zonas da geografia nacional.
Pelo contrário, nasceram e cresceram ali onde havia presença do
Estado e lado a lado com as Forças Militares. Em todo o país, onde
queira que surgiram e passaram os paramilitares, havia brigadas,
batalhões do Exército e comandos de polícia que deviam ter
garantido a segurança das pessoas que acabaram sendo vítimas dos
mais cruéis e inumanos atos de terror.
Também
por estes dias, outro tribunal de Medellín condenou a 16 empresários
de palma africana a penas que oscilam entre os sete e dez anos de
prisão pelos delitos de concertação para delinquir, deslocamento
forçado e invasão de áreas de especial importância ecológica. O
projeto agroindustrial que buscava converter o Baixo Atrato chocoano
na mais extensa área cultivada com palma de azeite não foi mais que
uma complexa engrenagem criminal que envolveu a Vicente Castaño e
suas hostes paramilitares, a mercadores de terras alinhados ao
projeto paramilitar e a empresas palmicultoras.
Por
tais razões, as FARC-EP proporemos, ante a Mesa de Diálogos, entre
as medidas sobre verdade, reparação e não repetição, a criação
de uma comissão para a erradicação do fenômeno paramilitar, que
inicie seus trabalhos de forma simultânea à adoção de medidas de
desescalada do conflito em que ambas as partes vimos trabalhando, e
ao redor do qual já chegamos a acordos sobre os critérios que se
porão em prática.
Sem
desmerecer a importância de todas as vítimas que nos visitaram,
devemos dizer que este ciclo não pode passar sem que ponhamos de
presente que, transcorridas as 5 audiências que estavam programadas
para recebê-las, infelizmente não se cumpriu o compromisso de ouvir
as vítimas causadas pelas políticas econômicas. E isto se torna
mais grave se levamos em conta que, segundo recentes declarações do
Presidente do Conselho Norueguês de Refugiados, Jan Egeland, em
Colômbia continua incrementando-se a desigualdade econômica entre o
campo e a cidade, apesar dos avanços alcançados no processo de paz.
Até quando teremos que esperar para que se acabe a desigualdade e a
miséria nos campos e nas cidades da Colômbia?
Se se
é coerente, o governo não pode continuar falando de paz enquanto
implementa políticas econômicas que aprofundam as causas da guerra.
Por isso se faz urgente, por exemplo, pôr freio ao projeto de Lei
133 sobre terras ociosas “pela qual se criam e se desenvolvem as
Zonas de Interesse de Desenvolvimento Rural e Econômico, e se
adiciona o artigo 52 e se interpreta o artigo 72 da Lei 160 de 1994”,
pois esta se contrapõe, frontalmente, aos acordos já adotados em
matéria de Reforma Rural Integral, lesando de maneira grave os
interesses dos campesinos. Não é nada saudável para o processo que
continuem se apresentando iniciativas legislativas ou de reforma
constitucional que contradigam o pactuado, ou desconheçam o espírito
do Acordo Geral.
Agora,
com a vênia da condução deste evento, procedo a oficializar em
nome das FARC uma cerimônia plena de ternura, surgida do coração
insurgente e de um sentimento irrefreável de humanidade, consistente
em entregar nesta audiência, num gesto simbólico de reparação e
de veneração frente à dor e aos rompimentos da alma, a estatueta
da mão que oferece uma rosa branca às vítimas do conflito.
Para
vocês, Piedad, Gloria, María Susana, Juan Manuel, Jairo, Domingo,
Francia, Mauricio, Nilson Antonio, Camilo, Isabella e Magda, mulheres
e homens sofredores das consequências de uma guerra imposta pelo
topo do poder, com a estatueta que hoje entregamos em suas mãos,
estes versos do apóstolo de Cuba José Martí:
Cultivo
uma rosa branca
Em
junho como em janeiro
Para
o amigo sincero
Que
me dá sua mão franca.
E
para o cruel que me arranca
O
coração com que vivo,
Cardo
nem urtiga cultivo;
Cultivo
uma rosa branca.
Que o
perdão e o amor nos abracem a todos, e que a alvorada cintilante do
sol da paz que se eleva lentamente no horizonte dissipem a horrível
noite da Colômbia. A paz triunfará.
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP
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Equipe
ANNCOL - Brasil
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