A direita latino-americana viveu momentos de euforia
com a vitória dos Estados Unidos na guerra fria, com o fim da União
Soviética, o triunfo da democracia liberal em uma parte majoritária
do planeta e, igualmente, do modelo econômico neoliberal. A velha
direita oligárquica buscava se renovar com teses liberais de mercado
contra o Estado, os partidos e os movimentos populares.
O neoliberalismo tentava fazer com que a direita, que
sempre havia representado o passado, tratasse de aparecer como “o
novo”, o futuro, a superação de um passado em que a direita se
sentia incômoda.
Para a América Latina todos esses fenômenos
significaram a proliferação de governos que vinham da mais rançosa
direita, assim como outros, originários de forças nacionalistas e
da social democracia, assumindo o novo figurino representado pelo
neoliberalismo.
Pretendiam, uma vez mais, apagar a demarcação entre
direita e esquerda, fazendo convergir tudo para um modelo único
ditadores como Pinochet, nacionalistas como Carlos Menem e social
democratas como FHC. O pensamento único se traduzia em governos
únicos.
As crise mexicana de 1994, brasileira de 1999 e
argentina de 2001 liquidaram precocemente essa euforia da direita
latino-americana, que foi seguida pela eleição de governos
anti-neoliberais. A direita, que pretendia reinar soberana por muito
tempo, deixou flancos abertos, a partir dos quais foi se
reestruturando a esquerda latino-americana.
A crença que a retração do Estado da economia, a
centralidade do mercado, o controle da inflação, seriam suficiente
para a legitimidade dos novos tipos de governo no continente,
fracassou. Não se davam conta que o principal problema dos países
da região é a desigualdade social e que a falta de avanços neste
tema impediria esses governos de consolidar-se.
Foi o que aconteceu com governos eleitos com a
bandeira do controle da inflação, que em geral conseguiram se
reeleger baseados neste mote, até se esgotarem e fracassarem. Foi
assim na Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia,
com particularidades em cada país.
Desprevenida, confiante na derrota da esquerda, a
direita foi sendo derrotada naqueles países, porém, mais que isso,
teve que se constituir, se consolidar e se reeleger a governos
populares, que preencheram os vazios deixados pelos governos
neoliberais. Sobretudo, privilegiaram o tema central do continente
mais desigual do mundo, com suas políticas sociais.
Para isso, recuperaram o papel ativo do Estado,
combatendo a centralidade do mercado, elaboraram políticas de
integração regional e de intercâmbio Sul-Sul. Como resultado,
países que vinham de profundas instabilidades políticas, como a
Bolívia e o Equador, passaram a ter os governos mais estáveis e
legítimos da sua história.
Um país como a Argentina, que havia sofrido a pior
crise da sua história, na saída da política suicida de paridade da
sua moeda com o dólar, pôde se recuperar, retomar o crescimento
econômico, com grande distribuição de renda. O Brasil pôde sair
de uma profunda e prolongada recessão provocada pelas políticas do
governo de FHC, retomou um ciclo expansivo da sua economia,
promovendo ao mesmo tempo o mais amplo processo de democratização
social que o país já conheceu.
A direita, deslocada por esses governos, entrou em um
desgastante processo de crise de identidade. O que fazer?
Desconhecer os avanços realizados ou tentar incorporá-los? Prometer
abandonar os cânones neoliberais ou voltar a promovê-los, contando
com um eventual esquecimento que as pessoas pudessem ter do seu
fracasso recente?
Ao que tudo indica pelo tipo de candidaturas que a
direita promove em países como o Equador – um banqueiro –, a
Bolívia e o Chile – grandes empresários –, ou jovens políticos
que propõem o retorno ao neoliberalismo pura e simplesmente – como
no Brasil, no Uruguai, na Venezuela – faltam ideias,
imaginação e sobretudo compromisso com os avanços conquistados e
com o futuro desses países.
O que quer a direita latino-americana, que se empenha
tanto, valendo-se do que lhe resta – o monopólio dos meios de
comunicação, o terrorismo econômico, as reiteradas denúncias de
corrupção (dos outros) – para tentar retomar o governo? Está
claro que a única coisa que a direita quer é desalojar as forças
progressistas do governo, para abrir caminho para o retorno das
grandes forças do poder econômico e midiático.
O que fariam no governo? Fica claro também que
seriam processos de restauração conservadora, retomando os
princípios do neoliberalismo – centralidade dos ajustes fiscais,
diminuição do peso do Estado e de suas políticas sociais,
rebaixamento do perfil dos processos de integração regional a favor
de tratados de livre comércio com os Estados Unidos. Essas posições
estão nos programas de todos os candidatos opositores nos países
mencionados.
Tiveram, tem e seguirão tendo dificuldades para
voltar a ganhar, justamente porque as profundas transformações
postas em prática pelos governos que os sucederam, os diferenciam
claramente da restauração conservadora. Podem encontrar carinhas
lindas, jovens, aparentemente inovadores, mas que carregam o passado
neoliberal, do qual não conseguem se livrar.
Equipe ANNCOL - Brasil
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