Por Rennan Martins
As últimas eleições e o clima político ainda
deflagrado no país evidenciam o quanto a comunicação é crucial
para o desenrolar saudável de uma democracia. A atuação
cartelizada e o comportamento partidário da imprensa corporativa
brasileira produzem sérias distorções que, num ambiente extremado,
dá espaço a soluções antidemocráticas e desrespeitosas ao Estado
de direito, tão duramente conquistado no fim do século passado.
A renovação ocorrida no Ministério das
Comunicações e na Secretaria de Comunicação da Presidência abre
a possibilidade de uma discussão sobre mudanças na política
governamental, que visem a fortalecer o debate plural na sociedade. O
tema é urgente, dada a ofensiva da grande mídia, que impõe sua
agenda e quer a garantia de que as verbas publicitárias estatais
sejam somente suas ad infinitum.
Para abordar, com propriedade, esse debate, o Blog
dos Desenvolvimentistas entrevistou Beto Almeida, jornalista e
conselheiro da rede de TV multiestatal Telesur. Beto constata um
ambiente desfavorável para a regulamentação entre os
parlamentares. Indica medidas executivas, que independem dos
congressistas, com potencial de democratizar a imprensa e questiona,
arduamente, qual a razão do PT [Partido dos Trabalhadores] não
possuir um jornal de massas.
Confira a íntegra da entrevista.
O atual ministro das Comunicações, Ricardo
Berzoini, assumiu a pasta com o entusiasmo dos movimentos sociais.
Até agora, sua gestão correspondeu às expectativas? Qual é a
linha de atuação do ministro?
O entusiasmo do ministro Berzoini com a
regulamentação democrática da mídia não significa que ele tenha
condições de alterar a situação adversa que está instalada no
Congresso. O ex-ministro Paulo Bernardo, além de ter engavetado as
teses da Confecom [Conferência Nacional de Comunicação], chegou a
afirmar que os petistas queriam censura por pretenderem a
regulamentação midiática, além de ter ido ao Congresso da Abert
[Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão] para
defender, entre outras coisas, a flexibilização da "Voz do
Brasil” [programa radiofônico público e obrigatório], causa
preciosa para a patronal midiática. Seguramente, Berzoini vai
trabalhar em outra direção, além de voltar a dar prioridade à
Telebrás como empresa pública e à expansão da banda larga via
presença da estatal, o que o ministro anterior, por razões óbvias,
desprezou.
Creio que o ministro Berzoini, muito embora não
possa alterar o travamento da democratização da mídia no
Congresso, tem muito o que fazer de modo operativo. Pode alterar, via
portaria, sem depender do Congresso, portanto, os critérios para a
distribuição da publicidade institucional, deixando de discriminar
a comunicação comunitária, universitária e educativa. Pode,
ademais, acelerar o processo de implantação da TV digital em sinal
aberto, incluindo TV’s comunitárias e universitárias. Isso é
concreto, não passa pelo Congresso, está em nível de executivo.
Pode, além disso, assumir uma posição clara em defesa da "Voz
do Brasil”, noticiário radiofônico efetivo, amplo, plural,
democrático, que, na prática, é uma regulamentação midiática em
favor da diversidade informativa. E utilizá-la, dentro da lei, de
modo mais adequado para informar sobre aquilo que diz respeito à
vida dos cidadãos, pois é um noticiário de estupenda capacidade de
comunicação popular!
Quais as principais propostas dos movimentos
ligados a Comunicação Social? Que críticas fazem em relação ao
atual modelo de imprensa?
Os movimentos sociais criticam, corretamente, a
postura fascistóide dos meios de comunicação comerciais.
Entretanto, por não ter sido construída nos 12 anos uma correlação
de forças em favor da democratização da mídia, por ausência de
iniciativas tanto do governo como do PT, os movimentos sociais não
podem apenas apostar todas as fichas na Lei da Regulamentação da
Comunicação, pois o Congresso é, atualmente, largamente
desfavorável. Há apenas um efeito pedagógico, mas, de concreto,
não se avança. Para se ter uma ideia, até mesmo segmentos das
esquerdas abraçaram a tese da flexibilização da "Voz do
Brasil” proposta pela Abert.
As críticas são justas, pela concentração, pelo
elitismo, pelo antinacionalismo, pelo seu caráter antipatriótico,
alienante, consumista, aberrante, embrutecedor etc. Mas não há, até
o momento, uma consciência clara de que as esquerdas podem e devem
fortalecer as TVs e rádios comunitárias. Há exemplos importantes
neste sentido, mas a esquerda e o movimento sindical podem ocupar e
fortalecer muito mais as TVs comunitárias, chegando a milhares e
milhares de brasileiros com suas mensagens.
Porque a imprensa corporativa praticamente opera
numa só direção? Qual a origem desse discurso único?
Há algo intocável na história: a luta de classes!
Muitos setores de esquerda se iludiram pensando que isto não existe
mais. Deixaram, com isso, de aproveitar oportunidades políticas para
se construir uma mídia própria, acreditando que, quando necessário,
poderiam ter espaços na mídia corporativa. Eis que esta mídia, a
cada dia, é mais fascistizante, mais raivosa contra a democracia,
contra os partidos de esquerda, os sindicatos. A origem desse
discurso é que, quando a burguesia percebe que não pode mais deixar
governos populares governando, ela adota o discurso do golpe. Isso é
luta de classes. Não há nenhuma chance dessa mídia corporativa
tornar-se plural, democrática, diversificada. Por acreditar nisto, a
esquerda brasileira, hoje, está desarmada de mídia própria, sob um
dilúvio tremendo de mentiras e ataques, e não tem sequer um
panfletinho para responder. As ilusões cobram muito caro em
história!
Porque o governo é tão imóvel quanto às
medidas que democratizam a imprensa? Como explicar essa paralisia?
Medo. Combinado, agora, com falta de maioria
parlamentar para mudar a Constituição. Mas, há iniciativas que não
requerem mudanças constitucionais. Democratizem a distribuição da
publicidade institucional alcançando também as mídias
comunitárias, universitárias, sindicais, populares. Parem de
reprimir o movimento de rádios comunitárias, pois no governo Lula
houve uma onda de repressão, apreensão e destruição de
equipamentos de rádios comunitárias, o que não está previsto na
lei, que prevê apenas a interdição dos equipamentos. O governo
deve indenizar o movimento de rádios comunitárias por esses atos
ilegais.
Que medidas práticas e concretas desejáveis
dependem somente de Berzoini para a implementação?
Reforçando o já proposto. Por meio de portaria, o
governo pode fortalecer outros segmentos de mídia que, até hoje,
estiveram preteridos na distribuição de publicidade institucional.
Enquanto a Revista Veja já chegou a receber, numa única edição,
14 páginas de propaganda da Petrobras, alvo predileto de seus
ataques, as TVs comunitárias estão preteridas, discriminadas,
ignoradas, não receberam sequer uma página de publicidade em 12
anos.
Quanto ao novo secretário de comunicação da
Presidência, Edinho Silva, o que esperar de sua gestão? Acredita
que ele atenderá às reivindicações dos movimentos ligados à
comunicação?
Creio que o discurso da presidenta Dilma sobre
liberdade de expressão é uma rendição ante um monumental processo
de descumprimento da legislação pelos detentores de concessões
públicas de comunicação. Chegam a suspender a grade de programação
para convocar manifestações que professam a derrubada injustificada
do governo e, inclusive, um golpe militar! E esses concessionários
seguem recebendo publicidade institucional. É um absurdo. Dilma
nunca deu uma entrevista sequer a uma TV comunitária. Mas sancionou
uma lei que veda o acesso das TVs comunitárias à publicidade. Como
deve sobreviver esse setor, reconhecido legalmente pelo estado, mas
preterido e discriminado por não ter o mesmo acesso à publicidade?
Como se dá, atualmente, o investimento das verbas
publicitárias estatais? Quais são os critérios utilizados?
Os critérios devem ser pautados pela distribuição
democrática, alcançando todos os setores midiáticos envolvidos. Se
apenas empresas já muito fortes recebem a maior fatia da verba
publicitária, isto significará concentração, o que implica em uma
espécie de cartelização e até mesmo na prática de oligopólio e
monopólio, proibido por lei.
No que consiste a regulamentação da mídia? Na
sua opinião, em que sentido deveria se dar essa proposta?
Consiste em democratizar
o uso do espaço público radioelétrico, impedindo que seja
privatizado por grupos poderosos e oligopólios. Na Venezuela, na
Argentina, no Equador, na Bolívia, o espectro eletromagnético é
distribuído entre três modalidades de organização midiática. Um
terço para o Estado, um terço para os empresários e o outro um
terço para os setores sociais e comunitários. Isto sim é
democracia e pluralidade, como reza a Constituição brasileira
também. Aqui, no Brasil, em 12 anos de governo com o PT à frente,
apenas uma concessão de TV, a da TVT, foi efetivada de fato. Aqui, a
única possibilidade é o jornalismo impresso, que poderia e deveria
ter sido impulsionado com força pela esquerda, a exemplo do que fez
a esquerda na Grécia, que, em apenas um ano e meio, fundou um jornal
popular cooperativo, que já se tornou, rapidamente, a publicação
de maior circulação em Atenas. Exemplo a ser seguido. Aqui, o PT
sequer tem um jornal, uma mídia própria de massas. E quem consegue
eleger o presidente da República por quatro vezes seguidas tem
condições de montar o maior jornal de circulação nacional! Hoje,
o PT está sendo esquartejado em praça pública, midiaticamente
falando, e não tem sequer um jornal impresso de massas para se
defender! É plenamente viável um jornal de ampla circulação,
autossustentável, para defender, como linha editorial, a legalidade
democrática e tudo o que foi conquistado nos últimos 12 anos. Esse
projeto liderado por Lula e Dilma teve 56 milhões de votos, o PT tem
aproximadamente 2 milhões de filiados, como, então, não se pode
fazer um jornal sustentável com 1 milhão de exemplares?! A Folha
Universal do Reino de Deus tem um jornal com tiragem de
aproximadamente 2 milhões de exemplares. O que houve foi a ilusão
de que a mídia corporativa daria espaço para a esquerda, mas ela
está pregando é o discurso golpista, aliás, como fez em 1954 e
1964.
Por que essa bandeira
é tão pouco compreendida pela sociedade de forma geral? Como
devemos agir pra que a mensagem chegue aos leigos?
Há uma deliberada
confusão feita pelos magnatas da mídia, associando regulamentação
a censura. Como não existe o contraditório, há apenas esta opinião
circulando. Houve um tempo em que se dizia que cigarro não fazia
mal, porque não havia o contraditório. Hoje, circulam informações
amplamente sobre o malefício do cigarro. Mas não se permite
conhecer o modelo de mídia da Argentina, da Bolívia, onde
comunidades indígenas acessam uma rede nacional de rádios
indígenas.
Regulamentação é como
um sistema de sinais de trânsito. Ele organiza a circulação de
veículos, parando o fluxo de uma avenida supermovimentada, para que,
periodicamente, também circulem os veículos das ruas de menor
movimentação. Sem sinais de trânsito, tudo seria um caos, as
avenidas de grande fluxo esmagariam as ruas de menor trânsito e
haveria desordem, indisciplina, um caos. Na comunicação, também é
necessário ter regras para que transitem pelo espaço
eletromagnético todos os sinais representativos da pluralidade e da
diversidade democrática da sociedade.
--
Equipe ANNCOL - Brasil
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário