sábado, 4 de abril de 2015

Os apetites eleitorais acima da Paz

 Por Matías Aldecoa

A nova rodada de conversações entre o Governo Nacional e as FARC-EP se iniciou com desencontros provocados pela decisão unilateral do presidente Santos de conformar uma Comissão Assessora excludente e pelos ataques da Força Pública contra os combatentes que se encontram em trégua unilateral desde 20 de dezembro de 2014.

Isto sucede no início do ciclo 34 de Conversações que desde terça-feira 17 de março tem lugar no Palácio de Convenções de Havana, Cuba.
O Comandante Pablo Catatumbo, um dos plenipotenciários da delegação insurgente, fez um pronunciamento crítico frente à iniciativa do Presidente, caracterizando a nova Comissão como “um reflexo das formas de exclusão política e social que a Colômbia tem sofrido ao longo de sua vida republicana”.
Efetivamente, o governo Santos, que posa em Colômbia e no estrangeiro de democrata e de amante da paz, não incluiu na Comissão as forças democráticas que incursionaram recentemente na arena política nacional, como a Frente Ampla pela Paz e a Cúpula Agrária, e tampouco deu participação à extensa gama de expressões políticas e sociais que compõem a pluralidade da Nação.



Manobra eleitoral que rompe a confidencialidade
Setores da opinião nacional assinalaram que a conformação da referida Comissão na atual conjuntura, e sua composição, põe de manifesto um truque de Santos para inclinar a favor de suas preferências políticas os resultados das eleições do próximo mês de outubro, quando se elegerão prefeitos, governadores, deputados e vereadores.
O [fato de que] pessoas que até agora haviam sido contrárias aos diálogos de paz, como Andrés Pastrana e Martha Lucía Ramírez, tenham aceitado integrar a dita Comissão é o resultado de duas realidades: a primeira, o generalizado anseio de paz dos colombianos e da comunidade internacional. A segunda [consequência da primeira], os dividendos eleitorais que proverá, nas próximas eleições, aos políticos que a integram. Pois a participação na Comissão significará visibilidade aos que tenham aspirações a cargos públicos nas eleições de outubro.
A decisão do Presidente põe em dúvida sua sinceridade de paz por uma razão adicional: ao estarem os membros da Comissão Assessora a par do que se discuta e acorde em Havana, o qual será uma de suas funções [“lhes fizemos um relato do discutido e dos temas que virão”, disse Santos], o Governo viola o princípio de confidencialidade do Processo e dá via livre para que as FARC-EP atuem em igual sentido.



Então, para que foi criado o Conselho Nacional de Paz?”
Este foi um dos vários interrogantes feitos pelo Comandante Pablo Catatumbo em seu discurso de 18 de março, em referência a que, com anterioridade, Santos havia convocado o Conselho Nacional de Paz, criado mediante a lei 434 de 1998. Sua composição majoritariamente civil se fixa como finalidade “direcionar e assessorar ao Governo Nacional em todos os temas concernentes ao Processo e consecução da paz”. Ademais de fazer um acompanhamento ao Processo e de contribuir com propostas, iniciativas, vedoria, atos e medidas que apontem a concretizar a paz para os colombianos, deve estabelecer recomendações que devem ser levadas em conta pela Mesa de Conversações.
Ainda que a lei tenha sido aprovada finalizando o governo de Ernesto Samper [3 de fevereiro de 1998], o Conselho Nacional de Paz foi instalado pelo presidente Juan Manuel Santos a 27 de maio de 2014. No ato, Santos revelou que “há que adaptá-lo ao processo de paz atual e à Colômbia dos próximos 10 anos”.
O acima exposto levou a prever a inclusão no Órgão de novos setores do país, como também a participação de organismos internacionais defensores de direitos humanos. Tudo isso com o propósito de dar maior legitimidade e de garantir o cumprimento eficaz de seu papel como interlocutor entre o Governo Nacional e a “sociedade civil”.
No entanto, esse corpo de ampla composição, que poderia estar jogando o importante papel destinado na etapa decisiva pela qual atravessam as conversações, foi deixado de lado e terminou substituído por uma Comissão enviesada, limitada, excludente e com propósitos meramente eleitorais. Ler comunicado: A excludente comissão de Paz



Os direitos humanos: “um objetivo do Estado que deve ser promovido”
Na quinta-feira 19 de março, o chefe da Delegação de Paz das FARC-EP, Iván Márquez, frente a um grupo de jornalistas no Palácio de Convenções de Havana, esboçou os conceitos que sobre direitos humanos tem a organização insurgente.
O tema é um dos componentes do ponto 5, Vítimas, do Acordo Geral. O outro componente é o de Verdade, e sobre este a Comissão de Paz da Guerrilha terminou de fazer suas propostas ao finalizar o ciclo 33. Leia também: a guerrilha denuncia falta de interesse do Estado para respeitar os direitos humanos
A Constituição Nacional estipula que “a garantia dos direitos humanos [...] é uma responsabilidade que concerne de maneira exclusiva ao Estado”; porém, na realidade, as instituições colombianas têm violado todos os direitos: políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais etc.
Em atenção a isso, o Comandante guerrilheiro chamou a refundar uma nova institucionalidade com capacidade de solucionar as graves problemáticas de injustiça que a confrontação causou. “Teríamos que esclarecer já o fenômeno do paramilitarismo, e o Estado deverá abrir todos os arquivos”.
O governo de Santos não tem tomado medidas práticas em direção a cumprir com suas obrigações em matéria de direitos integrais das vítimas. Ao contrário, diariamente escutamos notícias que dão conta de novas ameaças, assassinatos, despojos, ademais das violações ocasionadas pelas políticas neoliberais no econômico e social.



O cessar-fogo unilateral ameaçado
Depois de ler o documento, o Comandante Iván Márquez respondeu perguntas aos jornalistas, os quais se centraram nos recentes enfrentamentos ocorridos entre o Exército e as FARC-EP, como consequência da ofensiva que as Forças Militares adiantam desde que a organização guerrilheira deu início à trégua unilateral.
O chamado das FARC é ao presidente Santos para que “faça algo por salvar” o cessar-fogo; à Frente Ampla pela Paz e à sociedade civil em geral para que intervenham ante o Governo e se mobilizem contra as “forças contumazes” que continuam derramando sangue e produzindo mais vítimas. É necessário que se detenham os ataques que, pouco a pouco, estão desvanecendo a decisão de manter a trégua.
Persistindo as agressões da Força Pública, a guerrilha se verá obrigada a reativar ações ofensivas e de hostilidades, o que representará uma regressão no processo de paz, a volta da escalada do conflito, um triunfo dos beneficiários da guerra e mais sacrifícios para o povo colombiano.



Equipe ANNCOL - Brasil






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