quarta-feira, 22 de abril de 2015

Os governos corruptos não baixam do céu



Nestes últimos dias, nos inteiramos de capturas ou julgamentos de diferentes pulcros funcionários públicos de alta hierarquia por fraude fiscal [desvio de fundos públicos] em diferentes países.
O que talvez agitou mais, em especial aos setores hispanófilos, foi a detenção de Rodrigo Rato [com esse sobrenome...-n.t.], ex-vice-presidente da Espanha, ex-chefe do Fundo Monetário Internacional, ex-presidente de Bankia, por causa de uma multimilionária fraude fiscal. Isso se soma ao caso da organização criminosa [“desarticulada”] denominada Red Correa, dirigida e executada por várias dezenas de funcionários e políticos do Partido Popular, que operava dentro das engrenagens do Estado espanhol. Nem mencionar os casos de corrupção nos quais esteve vinculada nada menos que a família real espanhola recentemente.
Em Guatemala, o Governo do ex-militar Otto Pérez não pôde evitar por mais tempo o desmascaramento [talvez não a desarticulação] e a detenção de integrantes da Red La Línea, encabeçada e constituída nada menos que pelas máximas autoridades da Superintendência de Administração Tributária [SAT], incluindo ao Secretário Privado da atual vice-presidenta da República, e empresários privados. Este bando criminoso, assim como a espanhola Red Correa, operava desde o interior do próprio Estado, desviando fundos fiscais num país que ocupa o quinto lugar a nível mundial em desnutrição infantil.
Colômbia também se tornou notícia porque a Corte Suprema de Justiça do referido país condenou a vários anos de prisão dois ex-ministros do governo de Álvaro Uribe [este e outros de seus ex-ministros também estão relacionados em processos judiciais] por atos de corrupção. No Brasil e na Bolívia também os atos de corrupção descobertas balançaram seus governos progressistas nos últimos dias.
Nestes e outros países, a opinião pública tende a satanizar as funcionárias e os funcionários ou governantes corruptos como se fossem os únicos corruptos. Em alguns casos, o repúdio social também se estende ao setor empresarial por “não castigar a seus agentes corruptos”. Quase todos repudiamos a “estes” governos corruptos. Porém, os corroídos não são os governos [são a consequência] e sim os próprios Estados frágeis ou falidos que há tempos perderam seu monopólio fiscal/administrativo ao serem infiltrados por organizações criminais, e que, para operar, estes Estados necessitam de funcionários corruptos.
O problema está nas sociedades que praticamos o divórcio entre a moral pública [idealiza o ladrão executivo] e a moral privada [idealiza a virgem piedosa]. O problema está em nossa indiferença com os bens públicos [que os assumimos como bens de ninguém].
Estes e outros estridentes casos de roubos de fundos públicos nos obrigam a refletir sobre as causas destas condutas criminosas “normalizadas” na função pública [a corrupção assassina/mata a milhões de pessoas por fome e doenças]. Este mal endêmico não é problema de um governo, nem dos Estados unicamente. É um mal estrutural das sociedades que, por sua vez, configura o perfil psicológico da grande maioria das e dos aspirantes à função pública. Quantos de nós não sonhamos com a função pública para resolver ou alcançar nossas metas econômicas?
A corrupção pública não é um ato isolado, nem no tempo, nem no espaço, mas sim um processo condutual intensificado por culturas que praticamos. Sim, @s corrupt@s, assim como não vêm do céu, tampouco nascem moralmente deformados. Nós, homens e mulheres, como sociedade criamos aos corruptos e elegemos os corruptos para que nos governem.
Eles e elas praticam os “valores éticos” que como sociedade promovemos e normalizamos. As corruptas e os corruptos vão à missa e a cultos religiosos quase todos os fins de semana. Têm títulos acadêmicos e vestem paletó e grava, regularmente. Os funcionários/governantes mais corruptos, geralmente, vivem mais honrados e venerados por seus povos.
A corrupção pública como prática cultural não é só o lubrificante que faz funcionar a maquinaria do sistema neoliberal [para despojar os bens e serviços públicos], como também é a consequência inevitável do sistema-mundo-individualista que nos obriga a competir entre nós para tentarmos ter sempre mais que os demais, porém quase sempre pela via mais fácil.
Podemos destituir governos corruptos e/ou prendê-los. Podemos inclusive mudar a elite política e econômica dos países. Porém, isso não serve muito se não transitamos do sistema-mundo-individualista para um sistema-mundo-comunitário da sobriedade. O legendário Pepe Mujica, entre muitas lições, nos diz que: “Não necessitamos de muito para ser felizes”.
Temos que reeducar-nos para ser felizes, não para perseguir o sonho de chegar a ser ricos. Devemos reconstruir o sentido e a primazia do bem comum sobre o bem-estar/interesse individual. Reconciliar a moral pública com a moral privada. O problema está também em nós, não só em nossos governantes corruptos.
Tradução: Joaquim Lisboa Neto
Este conteúdo foi publicado originalmente por teleSUR sob o seguinte endereço: 
http://www.telesurtv.net/bloggers/-Los-gobiernos-corruptos-no-bajan-del-cielo-20150420-0001.html.


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